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Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Processual Contemporâneo

Prática Processual e Contemporaneidade

Professora: Rulian Emmerick

Alunas: Bianca Ribeiro Rufino de Souza e Fernanda Barbosa Garcia da Cruz

Atividade Avaliativa: Resenha “Caso Nogueira de Carvalho


e Outro Versus Brasil”

BREVE RESUMO DOS FATOS

O texto apresentado descreve um caso de violação aos direitos humanos


envolvendo o Estado Brasileiro, submetido à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos em janeiro de 2005.

O advogado, Gilson Nogueira de Carvalho, que atuava em diversos casos dos


direitos humanos e denunciou diversos crimes cometidos por um grupo chamado
“meninos de ouro”, composto por agentes estatais do Rio Grande do Norte, foi
assassinado.

A Comissão alegou falta de interesse do Estado Brasileiro na tomada de


medidas propícias a solucionar o caso, violando os artigos 8 e 25 da Convenção
Americana, criando um cenário de impunidade para os assassinos. Assim, a
Comissão solicitou avaliação perante a Corte Interamericana que avaliasse as
supostas violações.

O caso destaca a importância de se garantir os direitos humanos e de que


esses sejam protegidos, e que os Estados sejam responsáveis por punir violações.
Além disso, ressalta a necessidade de um sistema internacional de justiça que
possa intervir quando as instituições nacionais falham em garantir a justiça e a
proteção dos direitos fundamentais.

No ano de 1997 o Centro de Direitos Humanos e Memória Popular


apresentou petição perante a Comissão Interamericana contra o Brasil, salientando
a responsabilidade do Estado pela morte de Gilson. Em 1998 o Estado Brasileiro
teve prazo para manifestação concedido, e em 1999 ainda não haviam apresentado
resposta.

No ano de 2000 o estado do Rio Grande do Norte informou que o processo


estava em fase de pronúncia, e o juiz competente havia confirmado a existência de
indícios de autoria, sendo a sentença de pronúncia no sentido de determinar que o
caso fosse julgado pelo Tribunal do Júri.

A Comissão constatou que o silêncio do Estado sobre o esgotamento dos


recursos internos constituía uma renúncia tácita.

Em 2004 constatou-se que o Estado era responsável pela violação dos


direitos estabelecidos nos artigos 4º (direito à vida), 8º (garantias judiciais) e 25
(proteção judicial) da Convenção Americana.

Em que pese as três recomendações expedidas pela Comissão, o Estado


Brasileiro não atendeu a nenhuma, e assim os peticionários entenderam ser de
suma importância que o caso fosse enviado para a Corte Interamericana.

O caso passou a tramitar perante a Corte no ano de 2005, que conheceu do


caso e designou prazo para que o Estado se manifestar. A Secretaria transmitiu a
demanda à Justiça Global e ao Centro de Direitos Humanos e Memória Popular,
designados na demanda como representantes das supostas vítimas.

O Estado apresentou seu escrito de interposição de exceções preliminares,


contestação da demanda e observações sobre o escrito de petições e argumentos.
Apresentou preliminar de incompetência ratione temporis da Corte. Os
representantes e a Comissão apresentaram suas observações sobre as exceções
preliminares interpostas.
Testemunhas foram ouvidas, e a Comissão apresentou suas observações
sobre as declarações destas e do perito.

Em virtude do limitado suporte fático de que dispõe a Corte, não ficou


demonstrado que o Estado tenha violado no presente caso os direitos às Garantias
Judiciais e à Proteção Judicial consagrados nos artigos 8 e 25 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, e o expediente restou arquivado no ano de
2006.

DAS EXCEÇÕES PRELIMINARES APRESENTADAS

O Estado interpôs as seguintes exceções preliminares: incompetência ratione


temporis da Corte para conhecer deste caso e o não esgotamento dos recursos da
jurisdição interna.

A Corte Interamericana rejeitou as exceções preliminares do Brasil e ressaltou


o dever dos Estados de proteger defensores dos direitos humanos. No entanto, não
viu violações aos direitos dos pais de Gilson no caso, resultando no arquivamento do
processo.

No entanto, no tocante à preliminar suscitada, é necessário salientar que o


inquérito brasileiro foi inicialmente arquivado. Quando reaberto resultou no
indiciamento de um policial aposentado chamado Otávio Ernesto Moreira pelo
assassinato. A arma utilizada foi encontrada na fazenda de Moreira durante outra
operação policial. Em 2002, após uma série de recursos, o policial foi inocentado
pelo Tribunal do Júri em Natal, desencadeando uma nova rodada de recursos por
parte dos pais da vítima, Gilson.

Necessário mencionar a falta de colaboração da justiça brasileira quanto a


resolução e atendimento das demandas da Comissão. E quando o Brasil enviou três
relatórios sobre o cumprimento das recomendações, a CIDH não os considerou
satisfatórios e apenas após todas as oportunidades de fala do Brasil, a Comissão
encaminhou o caso à Corte IDH em janeiro de 2005.

Questionado sobre elementos que permitissem à Comissão verificar se


haviam sido ou não esgotados os recursos internos no caso, o Brasil silenciou-se em
mais de uma oportunidade, e o prazo foi prorrogado algumas vezes.
DAS PROVAS - FUNDAMENTAÇÃO

Em sede de provas, os representantes remeteram uma declaração


testemunhal e um laudo pericial e o Estado remeteu duas declarações testemunhais.

O promotor de justiça da época solicitou sua retirada do caso por temer por
sua segurança, tendo em vista que membros da Comissão Especial de Promotores,
instituída para investigar a prática de aproximadamente 30 (trinta) homicídios,
perpetrado pelo grupo de extermínio, estariam ligados a pessoas da polícia.

Necessário salientar que havia indícios de que o assassinato de Gilson,


possuía ligação com questões políticas, tráficos de drogas e compra de animais,
questões sensíveis a qualquer investigação, posto que questões como essas
normalmente envolvem nomes influentes, e assim quase nunca há materialidade, o
que resultou em desconsiderações de tais fatos no processo.

No decorre do processo houve o que podemos chamar de “queima de


arquivo”, pois Antônio Lopes, que afirmava ter realizado uma investigação particular
sobre a morte de Gilson, desapareceu, causando estranheza nos autos. Antônio
Lopes havia procurado pelo promotor de justiça informando sobre sua investigação e
teria entregado a este uma série de cassetes.

Com estes cassetes, o processo foi reaberto, evidenciando o fato de que a


existência de uma prova nova pode contribuir para o deslinde de um caso. Com a
entrega dos cassetes, puderam chegar à conclusão de que o homicídio de Gilson
havia sido cometido por policiais.

Dada a reabertura do inquérito que investigava o assassinato de Gilson, a


polícia federal realizou diligência na residência de um dos policiais apontados, o já
citado, Otávio Ernesto Moreira. Na diligência puderam apreender diversas armas de
fogo, entre elas uma espingarda calibre 12, que por meio de comparação balística,
possuía compatibilidade com o cartucho que havia sido recolhido no local da morte
de Gilson, constituindo elemento concreto para interposição de denúncia contra
Otávio.

O inquérito policial foi dirigido pela Polícia Federal e acompanhado por uma
comissão constituída por três Promotores de Justiça. Também intervieram
representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, na qualidade de observadores.
Todas as decisões do processo judicial foram devidamente fundamentadas e
contaram com parecer do Ministério Público.

No curso da investigação suscitaram-se seis diferentes hipóteses, que foram


consideradas para determinar os supostos responsáveis pela morte de Gilson
Nogueira de Carvalho, a saber:

a) policiais civis da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande


do Norte, já que, em virtude de seu trabalho como defensor de direitos humanos,
Gilson Nogueira de Carvalho denunciou diversos membros da Polícia Civil e era o
defensor dos familiares das supostas vítimas de crimes cometidos pelos policiais;

b) familiares ou companheiros de trabalho do falecido policial militar Júlio


Lima, em virtude da relação do irmão de Gilson Nogueira de Carvalho com a morte
do policial militar. Gilmar Francisco Nogueira de Carvalho, irmão do advogado, foi
absolvido da acusação pelo homicídio de Júlio Lima;

c) autoridades políticas da cidade de Macaíba, uma vez que o homicídio


ocorreu em data próxima das eleições municipais e que Gilson Nogueira de
Carvalho havia impugnado as candidaturas de algumas pessoas e havia estado
envolvido no processo eleitoral;

d) compradores de gado, cujos interesses poderiam ter sido contrariados em


causas judiciais defendidas por Gilson Nogueira de Carvalho;

e) assaltantes da Empresa Nordeste; e

f) assaltantes de carros, porque um automóvel roubado foi utilizado no


homicídio.

Assim, quanto às provas, não se vislumbra qualquer nulidade processual ou


violação do devido processo legal em nenhum momento.

DA SENTENÇA BRASILEIRA
No mesmo dia do assassinato, a Polícia Civil do Rio Grande do Norte
determinou abertura de inquérito policial para apurar o crime, sendo o inquérito
transferido para a polícia federal 5 (cinco) dias após os fatos.

Após uma batalha judicial, o Tribunal do Júri absolveu o policial aposentado


em junho de 2002, contrariando os desejos dos pais da vítima.

O Ministério Público e a família de Gilson apelaram, mas seus recursos foram


negados pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. O processo foi
encaminhado ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça em
maio de 2005, após a última movimentação antes do julgamento pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos.

Os pais de Gilson buscavam a anulação do julgamento do Tribunal do Júri.

Para o Brasil, não houve omissão nem negligência na condução do inquérito


policial ou do processo judicial. Em sua defesa, o Estado brasileiro alegou que o
homicídio de Gilson se caracterizava por uma grande complexidade, com grande
número de suspeitos e muitas versões contraditórias sobre sua autoria e que foram
essas as razões que fizeram com que o processo judicial não resultasse em uma
condenação, e não a alegada lentidão ou omissão do Estado.

O Brasil também afirmou que o fato de não haver uma condenação no caso
não significava uma violação às regras do devido processo legal.

O CASO PERANTE A CORTE

A Corte não poderia abordar a morte da vítima Gilson, pois ocorreu antes de o
Brasil aceitar a jurisdição da Corte IDH em 10/12/1998.

No entanto, a Corte poderia examinar ações e omissões contínuas ou


permanentes que iniciaram antes dessa data e persistiram depois, sem violar o
princípio de irretroatividade, desde que as violações tivessem ocorrido após o
reconhecimento da competência da Corte.

Portanto, a Corte é competente para avaliar supostas violações dos artigos 8


(garantias judiciais) e 25 (proteção judicial) da Convenção Americana a partir da
data em que o Estado reconheceu a competência contenciosa, rejeitando a exceção
preliminar apresentada.1

APÓS A SENTENÇA

Em dezembro de 2009, o STJ rejeitou um recurso dos pais de Gilson que


buscava anular a absolvição do policial aposentado Otávio Ernesto Moreira.

Em março de 2010, o processo foi encaminhado ao STF. A PGR apoiou


parcialmente o recurso no STF em julho de 2010, pedindo a anulação da decisão
sobre o desaforamento. Em março de 2016, o caso foi considerado encerrado pelo
STF.

Não há prova de envolvimento dos supostos membros do grupo "meninos de


ouro" no assassinato de Gilson. "Jorge Abafador" foi demitido em 2007 e estava
preso por outras condenações até pelo menos 2013.

Maurílio Pinto de Medeiros, apontado como chefe do grupo de extermínio,


atuou na Polícia Civil até sua aposentadoria em 2011 e faleceu em 2018, sendo
homenageado pelo governo e pela segurança pública do Rio Grande do Norte.

Há outro recurso dos pais de Gilson em andamento no STJ, mas sua última
movimentação foi em abril de 2016.2

CONCLUSÃO

O homicídio de Gilson ocorreu no ano de 1996 em uma emboscada. O autor


dos disparos alvejou pelo menos 18 (dezoito) vezes seu carro, e Gilson Nogueira de
Carvalho morreu em consequência de hemorragia intracraniana decorrente de
feridas penetrantes provocadas por projéteis de arma de fogo.

As investigações apontaram para pessoas envolvidas na vida pública,


restando por acusar um policial da época, que fora posteriormente inocentado.

1
“Caso Nogueira de Carvalho e outro versus Brasil, 2006”. Disponível em:
http://www.eduardorgoncalves.com.br/2016/12/caso-gilson-nogueira-de-carvalho-vs.html

2
"Caso Nogueira de Carvalho e outro versus Brasil”. Disponível em: https://reubrasil.jor.br/gilson-
nogueira-de-carvalho/
No ano de 1996, a internet dava os seus primeiros passos e os telefones
celulares ainda eram muito precários, o que certamente dificultava o trabalho
investigativo da polícia.

Ainda, necessário salientar que em casos como o de Gilson, em que há o


envolvimento de policiais no polo passivo da relação, a tendência brasileira é esta
ocorrida no caso. São questões sensíveis, posto que dificilmente uma testemunha
acusará uma figura de poder do cometimento de um crime, ou uma figura de poder
condenará a outra, assim como faria com um civil.

Entre as dificuldades constatadas na compatibilização entre prática brasileira


e os parâmetros interamericanos encontram-se a ausência de dados precisos
acerca dos casos de violência policial no Brasil e a existência de uma cultura
institucional, presente em diversos níveis do sistema criminal, que tende a tratar os
referidos casos com menor diligência.

De fato, ausência de diligência e de eficiência nas investigações dos atos


violadores foi um dos principais fatores responsáveis pela responsabilização
internacional do Brasil. A Corte reforçou que a análise dos fatos e provas em casos
específicos compete aos tribunais internos do Estado, não sendo papel deste
Tribunal substituir a jurisdição interna para garantir um resultado mais eficaz, mas
verificar se o Estado cumpriu suas obrigações internacionais de acordo com os
artigos 8 e 25 da Convenção Americana (obrigação de meio).

Assim, não foi comprovada a omissão do Estado brasileiro no caso, pois as


obrigações de investigar e punir são consideradas obrigações de meio, e não cabe à
Corte substituir as autoridades locais se estas realizaram investigações adequadas.

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