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A Idade Moderna: do Renascimento ao Romantismo

Licenciatura em Artes Plásticas 1º Ano

Alice Batella de Oliveira

26/04/2023

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Este trabalho consiste na análise de duas obras utilizando as três fazes do método
iconológico de Erwin Panofsky.

O primeiro passo do método de análise de Erwin Panofsky refere-se a uma análise visual
da obra, a obra neste caso é uma pintura de Andrea Mantegna, A Agonia no Jardim das Oliveiras,
feito entre c. 1455 e 1456 e está exposto na National Gallery em Londres, Inglaterra.

A pintura “A Agonia no Jardim das Oliveiras” contém uma paleta de cores terrestres e
neutras, com exceção dos trajes das personagens que se destacam com o fundo escuro. Nesta
pintura somos deparados com vários planos diferentes. A pintura é bastante realista com uma
grande atenção a detalhes, com grande foco nas texturas das rochas e nas folhas. Além disso, o
uso de luz e sombra é bastante usado na representação das figuras e nas suas roupas. O uso da
perspetiva cria um efeito de profundidade e o facto que a luz no quadro é pouca faz com que a
pintura transmita uma certa gravidade e tenção sobre a ação principal.

No plano mais distante está pintado o céu, de maneira a parecer fim da tarde/noite. A
paisagem é montanhística e à frente das duas maiores montanhas está uma cidade.

Em segundo plano caminha uma multidão, devido ao vestuário das pessoas podemos
identificar guerreiros que carregam com eles espadas e escudos. Estas pessoas caminham em
sentido à ação principal, que se encontra em primeiro plano.

O primeiro plano da pintura contem três figuras divinas deitadas no chão, com aparência
de mortas, mas podem estar só a dormir. Por cima delas, sobre um pequeno relevo encontra-se
outra figura divina, sabemos isto pela aurela que tem pintada sobre a cabeça e está vestido com
uma túnica vermelha e um manto azul. Esta personagem masculina encontra-se ajoelhada com
as mãos em posição de reza, e está virada com a cabeça inclinada para um grupo de anjos que
pairam no céu. Estes anjos carregam a cruz cristã e olham para a figura de um plano acima, além
disso, estas personagens com aparência de anjos fazem parte da zona mais iluminada do quadro.

Por fim, e esta parte não sei se é importante o suficiente para mencionar, mas um pouco
mais a frente das figuras deitadas, está uma arvore, com poucas folhas, provavelmente uma

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oliveira, devido ao nome, mas sobre essa arvore está pousado um pássaro preto que eu associo
à figura de um corvo.

Esta pintura representa uma cena bíblica famosa e importante, que já foi representada
várias vezes e é descrita no Novo Testamento.

A história é que depois da Última Ceia em Jerusalém, Jesus Cristo e os seus discípulos,
João, Pedro e Tiago dirigem-se para o jardim de Getsémani, um local onde iam frequentemente
rezar, fora da cidade. No entanto desta vez foi diferente pois Jesus encontrava-se perturbado e
angustiado para encarar o seu destino.

Enquanto Jesus rezava os seus discípulos que eram supostos estarem de vigia,
adormeceram, deixando-o vulnerável às ameaças que vinham em sua direção. Este acabou por
aceitar o seu destino e a vontade de Deus, que era que ele fosse preso, torturado e crucificado.
Pouco depois chegou Judas com um grupo de soldados (representado na pintura a liderá-los), e
beijou Jesus para os soldados o conseguirem identificar.

Este acontecimento retratado é muito emotivo na história cristã, pois representa a


humanidade e o sacrifício de Jesus Cristo e a sua fé e aceitação na vontade de Deus. Portanto a
mensagem que esta pintura passa aos seus crentes é precisamente essa, a importância da fé,
oração e confiança em Deus, mesmo nas situações mais difíceis.

Andrea Mantegna foi dos pintores mais importantes do seculo XV em Itália, começou a
sua carreira a pintar frescos em igrejas, mais tarde tornou-se pintor da corte para a família
governante Gonzaga. Mantegna trabalhou durante o período Renascentista, um período que
muito focado na religião, mas também na inovação cultural e artística, e um novo interesse nas
artes clássicas e literatura.

A igreja Católica era uma força potente e o papa era uma grande influÊncia na vida social
e política de Itália. No entanto, o papado também estava envolvido numa luta pelo poder com a
emergente Reforma Protestante no norte da Europa.

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Portanto, neste contexto a pintura de Mantegna “Agonia do Jardim das Oliveiras”
representa a necessidade de uma intensa devoção e fé cristã na sociedade do seculo XV, e reflete
as conquistas artísticas e culturais da altura da Renascença.

A segunda imagem a ser analisada é um pormenor do políptico de Ercole de’ Roberti


Histórias de São Vicente Ferrer feita entre 1470 e 1472.

Esta pintura é bastante complexa, mas com uma paleta de cores reduzida, dando enfase
aos tons mais claros e neutros, com exceção dos trajes das personagens. Ao fundo do quadro,
bem discretamente parece ser representada uma cidade que à sua frente tem uma fonte de água,
um rio talvez.

Nesta imagem temos dois elementos arquitetónicos bastante grandes, no entanto com
estruturas diferentes. O edifício mais distante parece uma entrada para a cidade, com um arco
no meio de pedra. A sua arquitetura é bastante distinta, tem umas formas orgânicas e invulgares,
a pedra em que foi construída parece estar coberta com musgo, dando um ar ainda mais distinto.

Esta estrutura é quase oposta à estrutura no plano à frente, que tem muito mais detalhe,
matérias diferentes e tem um ar mais requintado, o artista parece ter tentado representar pedra,
tijolo e mármore. Se nos limitar-mos a pensar nesta pintura como completa, olhamos para a
localização desta construção como sendo curiosa, pois é um edifício pequeno, que tem uma
parede atrás, portanto não é um sítio de passagem como a anterior e está localizado um pouco
sem contexto pois simplesmente encontra-se “no meio do nada”. Contudo, se olharmos para o
políptico todo, entendemos que estes edifícios são só locais individuais de uma história que segue
para direita da pintura.

Em primeiro plano encontram-se nove figuras, nenhuma delas tem a cara virada
diretamente para o espetador, o que cria uma ideia de que há uma ação a decorrer. Quatro figuras
encontram-se dentro da zona do edifício, uma delas esta deitada numa estrutura mais elevada e
está coberta por um pano que parece um lençol e tem as mãos em posição de reza. Ao lado dessa
personagem há três figuras que tem aparência feminina, uma em pé e duas sentadas, as que
estão sentadas parecem estar a desempenhar alguma ação com as mãos. Estão a usar vestidos e
mantos o que talvez indica que são de classe alta.
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As restantes personagens são masculinas e encontram-se fora dessa estrutura, mas em
volta dela. Três dessas figuras parecem estar a guardar ou só a marcar presença. A sua roupa
indica serem também de um certo estatuto, com collants vermelhas e pretas e uma túnica preta
com chapéu vermelho ou preto.

Por último, temos mais quatro personagens, duas distantes e duas perto, que na minha
opinião são secundárias para a ação, parecem comerciantes, uma tem um chapéu de palha e está
sobre um cavalo e outra têm uma espécie de turbante. Mais ao longe também há personagens
que simplesmente encontram-se em movimento, parecendo estarem a entrar na cidade.

Esta pintura refere-se às histórias de Vicente Ferrer que nasceu em Valência em 1350 e
tornou-se um frade dominicano. Era conhecido pela sua habilidade de converter judeus e
muçulmanos ao cristianismo devido às suas pregações carismáticas. Antes de morrer em 1419 foi
lhe atribuído o apelido de “Anjo do Apocalipse”, devido á sua reputação de realizar milagres, daí
também o título da obra de Ercole de’ Roberti. Em 1455 foi canonizado pela Igreja Católica e o
seu dia de celebração é 5 de abril.

Esta obra, na sua totalidade retrata as várias cenas da vida de São Vicente, tal como as
suas pregações, as suas curas a doentes e os seus milagres. As cenas retratadas, começando pela
do pormenor em causa são “(…) a cura da mulher paraplégica, a ressurreição da judia, o resgate
da criança da casa em chamas, a cura do homem ferido e a ressurreição da criança morta por sua
mãe louca.”1

Esta pintura foi realizada por Ercole de' Roberti. Roberti era um artista renascentista que
viveu durante a mais ou menos na mesma altura que Vicente Ferrer, nasceu em 1451 e morreu a
1496.

A sua pintura sobre Vicente Ferrer é das suas criações mais conhecidas, principalmente
pelas suas composições complexas e a representação de variadas figuras de maneira detalhada.
Além disso, bastante do seu reconhecimento é dado devido ao eu uso inovador de perspetiva e
a sua capacidade de retratar luz e sombra.

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(Giannini, 2021)

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Esta obra é um exemplo bastante claro do poder que Igreja Católica desempenhava na
sociedade europeia do seculo XV quando a vida dos santos e os seus feitos eram fonte de fascínio
e inspiração.

Há muito que dizer quando se compara estas duas pinturas do Renascimento. A


semelhança mais direta é que ambos os quadros são de natureza religiosa, mas enquanto um
retrata uma passagem da Bíblia, onde Jesus está prestes a ser capturado, o outro conta a história
e os milagres de um santo, neste caso, Vicente Ferrer. Contudo, ambos dão muito foco ao poder
da fé em Deus, transmitindo então a mesma mensagem para os seus crentes, simplesmente em
representações diferentes.

Além disso, no âmbito de fazerem pinturas capazes de contar uma história, ambos os
artistas recorreram ao uso de construção espacial e erudição humanista, no entanto, de maneiras
diferentes, pois obtiveram resultados bastante distintos.

Em ambas as pinturas os artistas usam perspetiva linear para criar uma sensação de
profundidade e espaço.

No entanto Mantegna vai um pouco mais longe ao empregar o encurtamento, em que os


elementos são representados como se estivessem a recuar para a distância num ângulo, para
criar uma composição mais dramática e dinâmica. Roberti explora esta técnica mais na
arquitetura do fundo da pintura e na colocação das figuras.

Ambos os artistas apostam muito no claro-escuro para, mais uma vez, dar profundidade,
mas também adicionar um certo dramatismo e tensão aos quadros. No entanto, Mantegna
desenvolve isso muito mais que Roberti, provavelmente porque a cena bíblica da captura e prisão
de Jesus Cristo tem um elemento mais obscuro, preocupante e dramático envolvido.

A erudição humanista é evidente na forma como as figuras são retratadas pelos artistas
diferentes. As figuras de Mantegna são musculadas e bem definidas, com ênfase na precisão
anatómica. Esta atenção ao pormenor e ao realismo contribui para o impacto emocional da cena,
uma vez que o espectador pode reconhecer-se mais facilmente com a agonia de Cristo.

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As figuras de Roberti não são idealizadas ou estilizadas, mas sim realistas e naturalistas,
com características e expressões individualizadas. Isso faz com que a história dos milagres de São
Vicente Ferrer seja mais compreensível e acessível ao espectador.

Em suma, ambos os quadros partilham semelhanças no que toca ao uso de técnicas do


Renascimento e tema religioso, no entanto a composição, as cores e a representação das figuras
difere muito, resultando em duas pinturas muito importantes para o cristianismo no seculo XV.

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Bibliografia

Giannini, F. (2021, June 6). Un mondo alto 27 cm: La predella del Polittico Griffoni, capolavoro di
Ercole de' Roberti. Finestre sull'Arte. Retrieved April 24, 2023, from
https://www.finestresullarte.info/opere-e-artisti/un-mondo-alto-27-cm-predella-
polittico-griffoni-ercole-de-roberti

Why is the garden of gethsemane so crucial to jesus' life? biblestudytools.com. (2022, February
28). Retrieved April 26, 2023, from https://www.biblestudytools.com/bible-study/topical-
studies/why-is-the-garden-of-gethsemane-so-crucial-to-jesus-life.html

Mantegna, A. (n.d.). Andrea Mantegna, the agony in the garden. Andrea Mantegna | The Agony
in the Garden | NG1417 | National Gallery, London. Retrieved April 26, 2023, from
https://www.nationalgallery.org.uk/paintings/andrea-mantegna-the-agony-in-the-garden

The agony in the garden (c. 1450) by Andrea Mantegna. Artchive. (n.d.). Retrieved April 26,
2023, from https://www.artchive.com/artwork/the-agony-in-the-garden-andrea-
mantegna-c-1450/

Tumampos, S. (2019, January 25). A miracle in Vannes, France: Visiting Saint Vincent Ferrer's
resting place: Stephanie Tumampos. BusinessMirror. Retrieved April 26, 2023, from
https://businessmirror.com.ph/2019/01/27/a-miracle-in-vannes-france-visiting-saint-
vincent-ferrers-resting-place/

Jesus’ agony in the garden | the word among us. (n.d.). Retrieved April 26, 2023, from
https://wau.org/resources/article/jesus_agony_in_the_garden/

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