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SCHMITT, Carl. O nomos da Terra no direito das gentes do jus publicum europaeum.

Contraponto: Rio de Janeiro, 2014.

Perguntas a serem respondidas:


1. Como o autor define a comunidade internacional?
Define como a ordem interestatal do continente europeu (p.150). Para ele, o
interestatal não significa que cada sujeito do direito das gentes esteja isolado. Pelo contrário,
“o caráter interestatal só é compreensível a partir de uma ordem social englobante, que é
portadora dos próprios Estados” (p.226).

2. O que são e quais são os sujeitos do direito internacional para o autor?


Os Estados são os sujeitos do direito internacional.
Trechos em que isso aparece:
“Com o surgimento, no solo europeu, de múltiplas formações de poder territorialmente
fechadas em si, com governo e administração centrais unificados e com fronteiras fixas,
surgiram os portadores adequados de um novo jus gentium” (p.149). Eles são “unidades
espaciais representadas como pessoas públicas que formam, no solo comum europeu, a
família europeia” (p.150). Eles são soberanos com direitos iguais (p.152). Ele são portadores
do direito público europeu (p.156). Eles não possuem um legislador ou um juiz acima deles e,
por conta disso, estão vinculados entre si por seus próprios contratos, cuja interpretação é
assunto seu (p.157). O Estado representa “a única formação criadora de ordem naquele
período modernidade]” (p.158)

3. Como o autor define o ordenamento jurídico internacional?


O direito/ordenamento é visto aqui como um princípio de ordenação e localização.
Com a modernidade e por conta da mudança da autoridade concreta (a formação dos
Estados modernos), o ordenamento passa a ser um sistema de pensamento jurídico-estatal.
Não é só os critérios formais de guerra justa que se alteram, mas também o próprio direito das
gentes que, nas palavras de Schmitt, deixa de ser “um sistema de pensamento
teológico-eclesiástico” para se tornar “um sistema de pensamento jurídico-estatal” (p.126).
Ele chega afirmar que os juristas do século XVI “deram continuidade às questões do
direito das gentes, em parte de forma teórica, na medida em que secularizavam as
argumentações teológico-morais dos escolásticos ao convertê-las em uma filosofia ‘natural’ e
em um direito ‘natural’ da razão humana em geral, em parte de forma prático-positiva,
mediante a aplicação de conceitos do direito romano, conforme lhes eram oferecidos pela
ciência jurídica civilista e a práxis dos legistas do seu tempo” (p.132)

4. Como o autor define a norma internacional?


Destaca também que esse direito interestatal possui diversos elementos não-estatais.
Para ele, o interestatal não significa que cada sujeito do direito das gentes esteja isolado. Pelo
contrário, “o caráter interestatal só é compreensível a partir de uma ordem social englobante,
que é portadora dos próprios Estados” (p.226).
Para provar esse ponto, Schmitt destaca que a forma de organização de um
determinado povo também faz parte do direito das gentes. Ou seja, fazem parte do direito das
gentes o: 1) direito inter-étnico (entre famílias, parentelas, clãs, nações); 2) direito
inter-cidades; 3) direito interestatal (entre ordens territoriais centralizadas das formações
soberanas); 4) direito entre autoridades espirituais e poderes leigos (papa. califa, buda, etc); 5)
direito inter-imperial (entre grandes potências com uma supremacia espacial que se estende
para além do território estatal).

5. Qual é a hierarquia das fontes do direito internacional no autor?


A fonte do direito é a tomada da terra (p.41)1. É essa ação que faz com que todas as
relações jurídicas com a terra e todas as instituições constituídas por um povo sejam
possíveis. É ela o título jurídico sobre o qual se baseia todo o direito subsequente - o direito
territorial, o dever de servir os habitantes, a defesa do território, etc (p.42). Inclusive, ela
precede a diferenciação entre direito público e direito privado (p.43). A tomada da terra não é
uma lei positivada ou codificada, mas sim um acontecimento histórico e político (p.45). “Ela
contém a ordem inicial, de natureza espacial, origem de toda ordem concreta posterior e de
todo direito posterior. Ela é o enraizar no reino de sentido da história” (p.45).
Schmitt afirma que a primeira vista tudo pode parecer depender de tratados firmados
entre Estados. No entanto, se assim fosse, esse seria um direito altamente precário e
problemático (p.157-158). Esse tipo de ordem só é possível por conta dos fortes vínculos
tradicionais, com considerações de natureza eclesiástica, social e econômica. “As formas,
instituições e representações concretas, prático-políticas, que se desenvolveram nessa época
interestatal para a convivências dos complexos de poder do continente europeu permitem
reconhecer que a vinculação genuína e muito efetiva, sem a qual não há direito das gentes,
não está na autovinculação, sumamente questionável, de vontade de pessoas igualmente
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Tomada de terra que pode ser dar de diversas maneiras: migrações, guerras, etc.
soberanas, que supostamente permanecem livres, mas na força vinculante de uma ordem
espacial centrada na Europa que abrange todos esses soberanos” (p.158)

Conceituações importantes

Antes de iniciarmos a apresentação cabe aqui trazer algumas conceituações


importantes para a compreensão do livro. A primeira delas certamente é o “nomos”,
palavra sempre citada por Schmitt ao longo do livro. Para ele, nomos é “a figura imediata
na qual a ordem política e social de um povo se torna espacialmente visível, a primeira
medição e divisão dos pastos, isto é, a tomada de terra e ordem concreta que nela reside
e dela decorre” (p, 39ss). Como veremos posteriormente, o principal nomos sobre o qual
Schmitt se debruça é com aquele que denomina tomada do Novo Mundo e que coincide
com a formação territorial do Estado moderno.
Esse Estado territorial moderno tem bastante relevância na obra da Schmitt porque
com ele o direito das gentes deixa de ser jus gentium para se transformar em um direito válido
tão somente entre povos europeus (p.21). A Europa se colocava como o centro do mundo e
como o centro do direito das gentes.
O espaço é visto aqui como uma categoria de ordenação. Ele tem um papel
essencial porque a ordem espacial representa o cerne estrutural da ordem existente. Aqui,
o direito é visto como princípio de ordenação e localização. Até esse momento o Estado
nacional soberano foi aquele que garantiu esse direito, mas muitos já vem falando sobre como
o Estado nacional representa um modelo antiquado (p.29)

CINCO COROLÁRIOS COMO INTRODUÇÃO

1. O direito como unidade de ordenação e localização


Schmitt começa o seu texto afirmando que a terra está intimamente ligada ao
direito. Está ligada a ele porque ela o abriga em si como recompensa do trabalho; ela o exibe
como limite fixo e, por fim, ela o porta como um sinal público de ordem. Para Schmitt, o
direito é terrestre e está ligado à terra. Bem diferente é o mar. (p.38)
O mar é livre. Nele, não se pode plantar e ocupar para demarcar um território.
De acordo com o moderno direito das gentes, o mar não é um território estatal - ele deve
estar aberto a todos, principalmente em três campos: a pesca, a navegação pacífica e o fazer
guerra (p.38).
Antes do surgimento das grandes potências marítimas, essa liberdade do mar
significava principalmente a liberdade de piratas para fazerem o que quiserem. No mar
não havia cercados, fronteiras, lugares consagrados, direito ou propriedade (p.39).
Somente com o surgimento de grande potências marítimas essa realidade começa a
mudar, e os piratas passam a ser vistos como inimigos comuns a serem combatidos.
No entanto, os grandes atos originários do direito (fundações de cidades,
estabelecimento de colônias e tomadas de terra) continuam situados na terra. Ao explicar
isso, aparece um conceito muito importante para Schmitt e para nós: o direito das gentes.
→ Direito das gentes (com base em Graciano): é a tomada da terra, construção de
cidades e fortificação, guerras, cativeiro, servidão, regresso do cativeiro, alianças e
tratados de paz, armistício, imunidade dos emissários e interdições de matrimônio com
estrangeiros (p.40).
→ Direito das gentes (com base no Corpus Juris Justiniani): semelhante à anterior.
Definição ligada à guerra, diversidade dos povos, dos impérios, demarcações e, acima de
tudo, comércio e tráfico (p.40)
Notem que o direito das gentes está intimamente ligada à tomada da terra para
Schmitt. A partir disso, já é possível deduzir o que seria a fonte do direito para Schmitt.

A fonte do direito é a tomada da terra (p.41)2. É essa ação que faz com que todas
as relações jurídicas com a terra e todas as instituições constituídas por um povo sejam
possíveis. É ela o título jurídico sobre o qual se baseia todo o direito subsequente - o
direito territorial, o dever de servir os habitantes, a defesa do território, etc (p.42).
Inclusive, ela precede a diferenciação entre direito público e direito privado (p.43). A
tomada da terra não é uma lei positivada ou codificada, mas sim um acontecimento
histórico e político (p.45). “Ela contém a ordem inicial, de natureza espacial, origem de toda
ordem concreta posterior e de todo direito posterior. Ela é o enraizar no reino de sentido da
história” (p.45)

Mas como assim a tomada da terra funda o direito? A partir de uma dupla
orientação: interior e exterior. No interior de um grupo que tomou a terra, a primeira
divisão e partição da terra cria a primeira ordem das relações de posse e de propriedade.
Para o exterior, o grupo que toma a terra se contrapõe a outros grupos e potências que
tomam ou possuem uma terra (p.41-42). A aquisição dessa terra pode ser dar de duas
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Tomada de terra que pode ser dar de diversas maneiras: migrações, guerras, etc.
maneiras: a tomada de uma terra sem senhor ou a tomada da terra de um grupo por
outro.
Para ele, o direito das gentes também é a história da tomada da terra que, em
alguns momentos, também se acrescenta a tomada do mar. O nomos da terra reside em
uma relação entre terra e mar (p.46). Terra e mar que vem se alterando constantemente por
conta do domínio do espaço aéreo (p.46). Sobre isso, Schmitt faz uma afirmação importante:

Todas as ordenações pré-globais foram essencialmente terrestres,


mesmo quando incluíam domínios marítimos e talassocracias. O
mundo originalmente terrestre, transformou-se na época dos
Descobrimentos [leia-se aqui colonização], quando pela primeira
vez a consciência global dos povos europeus apreendeu e mediu a
Terra. Nasceu, com isso, o primeiro nomos da Terra, que consistia
em uma determinada relação entre a ordem espacial da terra
firme e a ordem espacial do mar livre, e foi, durante quatrocentos
anos, portador de um direito das gentes eurocêntrico, o jus
publicum europaeum. Naquela época, no século XVI, a Inglaterra
ousou dar o passo de uma existência terrestre para uma existência
marítima. A Revolução Industrial propiciou um passo adicional, em
cujo transcurso a Terra foi de novo apreendida e medida. É essencial
que a Revolução Industrial tenha começado no país que havia
consumado o passo para uma existência marítima. Eis aqui o ponto
que nos aproxima do segredo do novo nomos da Terra [...] (pp.46-47)

2. O direito das gentes pré-global

O que tínhamos antes do primeiro nomos da terra, ou seja, antes da colonização?


Schmitt fala que durante esse período não havia uma experiência científica da Terra
como um todo, sendo impossível a sua medição. Por conta disso, também não poderia
existir um jus gentium que abarcasse a todo o planeta. Portanto, quando se fala em jus
gentium neste momento não estamos falando do direito das gentes/direito internacional
que veio a surgir por conta daquilo que ele chama de “representações globais e
planetárias” (p.47).
Schmitt não está dizendo que não havia certas divisões na Terra antes, mas elas
não constituíam um nomos da Terra no sentido verdadeiro. Os grandes impérios que
existiram (egípcios, asiáticos, etc) se consideram o centro do mundo e viam aos demais como
seres desinteressantes e os seus territórios como espaços livres (p.48). Existia um direito das
gentes que correspondia ao mundo pré-global, mas as representações de mundo e de
povos que eles tinham eram míticas. Por conta disso, o direito das gentes/direito
internacional que possuíam era incompleto e indeterminado na medida em que não
havia no horizonte uma imagem global do espaço e a Terra ainda não havia sido
completamente medida (p. 51).
[...] Suas fronteiras foram determinadas por meio de representações
míticas, como o Oceano, a serpente de Midgard, as Colunas de
Hércules. Sua segurança política residia em edificações defensivas,
como fortificações muradas nas fronteiras, uma grande muralhas, um
limes, ou (de acordo com o direito islâmico) na imagem da casa da
paz, fora da qual há guerra. Essas fronteiras separavam uma ordem
pacificada e uma desordem carente de paz, um cosmos e um caos,
uma casa e uma não-casa, um cercado e um sertão. Elas continham
em si uma separação em termos do direito das gentes, ao passo que,
nos séculos XVIII e XIX, por exemplo, as fronteiras entre dois
Estados territoriais do direito das gentes da Europa moderna não
implicava em uma exclusão, mas um reconhecimento recíproco,
acima de tudo o reconhecimento de que o solo vizinho, situado
além das fronteiras, não era desprovido de senhor. (p.50)

Não existia nesse momento pré-global uma oposição entre terra e mar (fenômeno
moderno que tomará conta do direito das gentes europeu a partir do século XVII e
XVIII). O Direito comum dessa época não poderia ser abrangente ou coerente.
Prevalecia relações primitivas. Nesse momento, o direito das gentes era rudimentar.
“Tudo isso porque faltava a força ordenadora à ideia de uma coexistência entre verdadeiros
impérios - ou seja, grandes-espaços autônomos em um espaço comum -, pois faltava a
concepção de uma ordem comum, que abrangesse toda a Terra” (p.53).

3. Observações sobre o direito das gentes da Idade Média cristã


E como surgiu a o direito das gentes dito moderno?
O império da Idade Média forneceu o único título jurídico para a transição para a
primeira ordem global do direito das gentes (p.53). O direito das gentes dito moderno
(direito europeu e interestatal situado entre XVI e XX) surgiu da dissolução da ordem
espacial da Idade Média (p.53)

a) A Respublica Christiana como ordem espacial


A ordem medieval surgiu da tomada de terra das Grandes Invasões. Na Europa
medieval, a unidade abrangente em termos do direito das gentes foi denominada Respublica
Christiana. Seu nomos era determinado da seguinte maneira: o solo do povo não cristão/pagão
é território aberto para a missão cristã; por outro lado, existia o solo dos povos cristão,
repartido de acordo com o direito do solo da época (p.56).

b) O império cristão como detentor [kat-echon] - não entendi esse ponto


Essa unidade da Respublica Christiana tinha no imperium e no sacerdotium suas
instâncias hierárquicas adequadas, e no imperador e no papa seus portadores visíveis (p.57)

c) Império, cesarismo e tirania


Nesse trecho, Schmitt parece mostrar como houve uma alteração no direito das gentes
da idade média para a idade moderna. Essa mudança aconteceu por conta da centralização do
poder na mão do soberano. Sobre isso, Schmitt explica:
O que pôs fim ao direito das gentes da Europa medieval foi uma
ordem espacial inteiramente diferente. Ela surge com o Estado
territorial europeu centralizado, soberano diante do imperador e
do papa, mas também diante de qualquer vizinho, fechado sobre
si do ponto de vista espacial e tendo um espaço livre e ilimitado
para a tomada de terra no além-mar. Os novos títulos jurídicos,
característicos desse novo direito das relacionadas ao Estado e
inteiramente estranho à Idade Média cristão, são o descobrimento e a
ocupação. A nova ordem do espaço não reside mais em uma
localização segura, mas em um balanceamento, em um “equilíbrio”.
Até então, ocorriam graves situações tumultuosas no solo europeu,
“anarquia” nesse sentido da palavra, mas não aquilo que nos séculos
XIX e XX se denominou niilismo. (p. 65)
→ Nesse ponto, creio que Schmitt destaca que os sujeitos do direito internacional na
Idade Moderna passam a ser os Estados. Acredito nisso porque foi a unificação do
território que levou a formação de um novo direito das gentes.
Ao reconhecer que o direito das gentes se alterou por conta de determinados eventos,
Schmitt reconhece a historicidade do mesmo. Schmitt se apropria da História do Direito para
a sua construção argumentativa. Outro exemplo da utilização da história por Schmitt pode ser
vista logo abaixo.

Ex. História do Direito


Na doutrina dos juristas medievais do século XIII a XV os tiranos e piratas ocupam
posição muito semelhante: são inimigos da humanidade. O ponto mais interessante dessa
afirmação feita por Schmitt pode ser vista neste trecho:
[...] O tirano é o inimigo comum para a ordem da terra, assim como o
pirata é o inimigo do gênero humano para a ordem do mar. Quando,
em outras épocas, surge um império dos mares, o pirata se apresenta,
no âmbito da ordem marítima, como inimigo da humanidade. Da
mesma forma, por exercer o poder violando a ordem em uma
formação até então autônoma e autárquica, o tirano é inimigo interno
dessa formação e, ao mesmo tempo, o inimigo do império como
ordem espacial abrangente. Esses conceitos universais e centrais de
inimigo, como tirano e pirata, extraem seu significado da ordem
concreta de um império de acordo com o direito das gentes e
confirmam a existência desse direito enquanto possuem realidade
histórica (p.63)
→ O trecho mostra a conexão de Schmitt com a história e a vinculação do direito das gentes
com a mesma.

4. Sobre o significado da palavra nomos


Qual o significado da palavra nomos?
Nomos é uma palavra grega. Ela significa a primeira medição para a tomada da
terra. Ela é entendida como a primeira divisão e partição do espaço, para a divisão e
repartição originárias. Ela é a medição [direito] que funda todas as medidas
subsequentes (p.65)
O objetivo de Schmitt nesse livro é retomar a complexidade desse termo que foi
se perdendo ao longo da história. Ao que parece, ao longo do tempo esse termo foi se
tornando muito genérico, sendo identificado com qualquer regulamento e prescrição de
caráter normativista.

a) Nomos e lei
Para fazer isso, Schmitt volta um pouco no tempo, afirmando que desde os sofistas
não está mais claro a ligação entre nomos e tomada da terra. Por exemplo, Platão afirmava
que o nomos era uma mera regra.
Aristóteles conseguiu ir um pouco além daquilo que formulou Platão, enxergando
no nomos certa conexão com o espaço. Para ele, o nomos ainda é expressão e parte
componente de uma medição concreta, concebida em termos essencialmente espaciais
(p.66). Para ele, o nomos é o senhor, é aquele que governa e, por vezes, pode ser opor ao
decreto democrático do povo (p.67). Importante ter em mente que, em Aristóteles, o nomos é
ainda apresentado como a repartição originária do solo.
A destruição do conceito originário de nomos se deu com algumas oposições que
para Schmitt não possuem nenhum cabimento. Entre elas, a mais importante é aquela
que contrapõe o nomos e physis. Por meio dela, o nomos tornou-se um dever-ser
imperativamente instituído, que não se comunica com o ser e se impõe a ele. Nessa visão,
o nomos é somente uma norma e estatuição (p.67)

Por que então ele decide usar a palavra nomos? Porque para Schmitt ela dá
conta de responder alguns problemas mundiais da atualidade que o emaranhado
legal-positivista não consegue resolver. Para ele, “O futuro nomos da Terra não será a
exumação de instituições dos tempos ancestrais, mas ele tampouco deve ser confundido com
o sistema normativo da legalidade ou com as legificações do século XIX [...] a palavra
nomos não indicava, originalmente, uma mera estatuição, na qual ser e dever-ser
pudessem estar cindidos e na qual fosse possível ignorar a estrutura espacial de uma
ordenação concreta” (p.68)

→ Schmitt nega a cisão entre dever-ser e ser. O nomos é expressão da concretude da vida
e está conectado com a ordem espacial, ou seja, com o território e suas divisões. Por isso,
Schmitt afirma que não devemos ler nomos como lei (p.68)
Por que nomos não pode ser identificado com a lei?
A lei expressa somente a artificialidade de algo meramente posto e devido em
termos positivistas, ou seja, é uma mera imposição (p.69). Ela pode ser, inclusive,
substancialmente vazia.
Já o nomos é a forma imediata na qual ordem política e ordem social de um povo
se torna espacialmente visível, “a primeira medição e divisão das pastagens, ou seja, a
tomada da terra e a ordem concreta que nela reside e que dele recorre”. O nomos da
Terra encontra sua substância, portanto, na ordem concreta - é impossível de ser vazia
como é a lei e também é impossível fazer aqui a cisão entre ser e dever-ser porque o
nomos é.
[...] Nomos é a medida que parte o chão e o solo da Terra e os localiza
em uma ordenação determinada; é também a forma, assim adquirida,
da ordem política, social e religiosa. Medida, ordenação e forma
configuram aqui uma unidade espacial concreta. Na tomada da terra,
na fundação de uma cidade ou de uma colônia, o nomos se torna
visível; com ele, uma tribo um grupo ou um povo são assentados,
ou seja, são historicamente localizados, e um pedaço da Terra é
alçado ao campo de forças de uma ordem (p.69)

[...] Nomos, no sentido originário, é precisamente a total


imediaticidade da um força jurídica não mediada por leis; é um
acontecimento histórico constituinte, um ato de legitimidade que,
em primeiro lugar, confere sentido à legalidade da mera lei (p.72)

Então é certeza que o nomos é a fonte do direito?


Algo muito importante e que precisa ser novamente destacado em relação ao
nomos é que todo regulamento subsequente encontra a sua legitimidade nesse ato
originário constituinte e ordenador do espaço. “Tudo o que vem depois são ou efeitos e
acréscimos ou então novas repartições - anadasmoi -, ou seja, ou continuação do antigo
fundamento ou desvios dissolventes do ato constituinte de ordenação do espaço, ato associado
à tomada de terra, à fundação de cidades ou à colonização” (p.78).
Em cada período, em cada época de coexistência entre povos, impérios e países, entre
detentores e formação de poder de toda a espécie, se baseia em novas divisões de caráter
espacial, novas circunscrições e novas ordenações do espaço do Terra, ou seja, em um novo
nomos (p.79)

Qual a relação dessa tomada de terra com o direito das gentes?

O direito das gentes europeu está baseado na grande tomada de terra que
aconteceu durante os séculos XVI e XVII. Lembre-se aqui da história colonial que, para
Schmitt, significa a história de eventos de fundação espacialmente determinados.
Portanto, o acontecimento fundamental do direitos das gentes europeu foi a tomada de
terra do “novo mundo” (p.83).

II. A TOMADA DA TERRA EM UM NOVO MUNDO

O descobrimento das Américas deu origem ao moderno direito europeu das gentes
que só terminaria no século XX. Falamos em direito europeu das gentes porque nesse
período as nações européias cristãs eram tidas como o centro do mundo e, portanto,
portadoras de uma ordem que valia para toda a Terra.
Foi nesse momento que se passou a discutir de maneira fervorosa a repartição da terra
e do mar. Para os europeus, o novo mundo não era visto como um inimigo a ser combatido,
mas como um espaço livre (uma área livre para ocupação e expansão europeia) (p.88).
Com a colonização da América foram traçadas as primeiras linhas globais de
divisão e partição (p.90). A primeira linha se deu em 1494 com a bula inter coetera, feita
pelo papa Alexandre VI. Depois dessa, temos o famoso tratado de Tordesilhas, também feito
no mesmo ano.
Importante ressaltar que essas concepções acerca das linhas globais se alteram ao
longo do tempo. Portanto, uma coisa é falar de concepção de linha global durante a
colonização das América, outra coisa é tratar disso durante a Segunda Guerra Mundial. O
contexto é diferente. Essas linhas são importantes porque elas dialogam com aquilo que
podemos chamar de linha de amizade.
Linha de amizade - é como se o mundo fosse dividido entre aqueles que são amigos e
aqueles que não merecem ter os mesmos privilégios dos amigos. A linha dividia aqueles que
estariam submetidos ao direito das gentes europeus e aqueles que seriam submetidos ao
direito dos mais fortes (violência irrefreável) (p.95). “[...] tudo o que ocorre ‘além da linha’
permanece completamente fora das apreciações jurídicas, morais e políticas que eram aceitas
aquém da linha” (p.96).
O estudo das linhas de amizade durante o século XVI revelam dois espaços livres
no qual se desenvolvem atividades desenfreados do povo europeu: o Novo Mundo e o
mar. Para os europeus cristãos, nesses espaços não havia direito ou jurisdição e a única
maneira de levar isso para esses espaços seria por meio da conquista (p.96). Basta lembrar
aqui do estado de natureza construído por Hobbes e que, de acordo com o Schmitt, é uma
alegoria feita para representar as Américas (p.98)
Essa ordem só vai se alterar com as lutas por independência das colônias que
começam no século XVIII e XIX, se consolidando no século XX.

De que maneira se justificou a tomada da terra no Novo Mundo? → A ideia de guerra


justa
Nesse momento, Schmitt se utiliza de Francisco de Vitória. Ele se afasta daquilo que
recorrentemente era dito em relação aos índios (de que eles não eram humanos e, portanto,
não tinham direito). Para ele, os índios eram humanos e tinham direitos.
Vitória equipara os cristãos e não cristãos do ponto de vista do direito das gentes.
Tanto é verdade que afirma que nem o papa e nem o imperador podem dispor dos povos não
cristãos e do seu solo da maneira como quiserem porque estes possuem também direitos.
“[...] O fato de os espanhóis professarem a fé cristã não lhes confere nenhum direito imediato
ao solo de príncipes e povos não cristãos”. Assim sendo, a única forma de tomada de terra
nesse casos seria de maneira indireta, ou seja, pela argumentação da guerra justa (p.108).

→ Para Vitória o “descobrimento” se constitui como um título jurídico para a aquisição da


terra “descoberta”? Para Vitória, o descobrimento não seria considerado um título jurídico na
medida em que todos são seres humanos para o autor e, portanto, apresentam direitos
equivalentes. Além disso, o território americano para Vitória não é livre, na medida em que
possui um senhor.
Apesar desse posicionamento, não é possível dizer que Vitória considerasse injusta as
“conquistas” promovidas pelos países europeus sobre solo americano. Apesar de criticar as
atrocidades cometidas, ele enxerga como positiva a conquista espanhola na medida em que
possibilitou a ampla cristianização dos índios (p.112). A questão da guerra justa aparece como
um elemento importante aqui
As justas causas da guerra passam a ser limitadas durante a modernidade. De acordo
com Schmitt, nesse momento, o critério formal que determina o que é ou não uma guerra justa
deixa de ser a autoridade da Igreja e passa a ser soberania dos Estados em igualdade de
direitos (p.126). Não é só os critérios formais de guerra justa que se alteram, mas também o
próprio direito das gentes que, nas palavras de Schmitt, deixa de ser “um sistema de
pensamento teológico-eclesiástico” para se tornar “um sistema de pensamento
jurídico-estatal” (p.126)

Um ponto relevante dessa aspecto na obra de Schmitt é a maneira como ele vê os


“descobrimentos” desse novo território. Para ele, o sentido do título jurídico do
descobrimento reside na invocação de uma posição mais elevada por parte do descobridor
sobre o descoberto. “Por isso, o título jurídico do descobrimento se apoia em uma
legitimidade mais elevada: só pode descobrir quem, do ponto de vista histórico e espiritual, é
suficientemente superior para compreender o descoberto com seu saber e sua consciência”
(p.139). Aqui Schmitt mostra um pouco o seu lado nazista hehe.

Qual foi a consequência da formação do Estado para o direito das gentes? Estado,
nomos da terra e direito das gentes europeu estão imbrincados.
No século XVI, o direito das gentes europeu continental era um direito
interestatal de Estados soberanos europeus e determinava o nomos do restante da Terra
a partir desse núcleo europeu (p.132). “[...] a formação de conceitos do direito das gentes
dessa época conhece apenas um eixo: o Estado territorial soberano” (p.132)
“Assim surgiu a ordenação territorial ‘Estado’, impermeável,
espacialmente fechada em si, livre do problema da guerra civil
estamental, eclesiástica e religiosa. Ele tornou-se portadora de
uma nova ordem do direito das gentes, cuja estrutura espacial é
vinculado ao Estado e determinada por ele. Sua particularidade
reside no fato de que o direito das gentes se torna interestatal em
um sentido específico. Primeiro: em virtude da demarcação clara
de superfícies fechadas em si, o jus gentium [direito dos povos] se
converte em um jus inter gentes [direito entre os povos], e na
verdade em um inter gentes europoeas [entre os povos europeus]”
(p.135)
III. O DIREITO PÚBLICO EUROPEU

Qual a principal consequência da tomada da terra do Novo Mundo? A principal


consequência foi a cristalização da forma espacial que poderia sustentar um novo direito
das gentes: o direito público europeu. Um direito das gentes de estrutura interestatal
(p.149). “Com o surgimento, no solo europeu, de múltiplas formações de poder
territorialmente fechadas em si, com governo e administração centrais unificados e com
fronteiras fixas, surgiram os portadores adequados de um novo jus gentium” (p.149)

Quais as principais consequências da formação espacial “Estado”?


Desteologização da vida pública e neutralização das contradições da guerra civil
religiosa. Isso levou à racionalização e humanização da guerra, isto é, possibilitou sua
“circunscrição no âmbito do direito das gentes” (p.150). As guerras se tornaram
acontecimentos levados a cabo por Estados europeus soberanos, sendo assim
estatalmente autorizadas e estatalmente organizadas (p.150). No território europeu, elas
estão circunscritas pelo direito das gentes, enquanto no território colonial podem ser
conduzidas da maneira como bem entenderem.
A partir dessa formulação o “inimigo deixa de ser algo que tem de ser
aniquilado” completamente em território europeu, sendo até mesmo possível firmar
tratados de paz com os vencidos (p.151)
Assim sendo, por conta da formação dos Estados e a formação desse novo direito das
gentes, “é justa qualquer guerra interestatal, feita em solo europeu, segundo as regras do
direito europeu da guerra, por exércitos organizados dos Estados reconhecidos pelo
direito das gentes europeu” (p.153). A guerra passa a ter uma ordem pois está regulado pelo
direito das gentes (p.199). Mostrando o seu lado decisionista, Schmitt afirma que cada
pessoa estatal soberana decide por si sobre a justa causa de uma guerra (p.167). Para ele,
é impossível criar uma instância acima dos Estado que decida sobre isso.
Nota-se que a guerra para Schmitt é apenas o conflito travado entre Estado. As guerras
privadas/não-estatais não são consideradas guerras (podem receber outros nomes, como
rebelião, levantamento,etc) (p.168)
Para explicar tudo isso, Schmitt se vale de diversos autores, muitos deles já
trabalhados na disciplina, e que não explicarei minuciosamente aqui.
Mas como é possível uma ordem dos direitos da gentes e uma circunscrição da guerra
entre soberanos igual em direito?
Schmitt afirma que a primeira vista tudo pode parecer depender de tratados
firmados entre Estados. No entanto, se assim fosse, esse seria um direito altamente
precário e problemático (p.157-158). Esse tipo de ordem só é possível por conta dos
fortes vínculos tradicionais, com considerações de natureza eclesiástica, social e
econômica. “As formas, instituições e representações concretas, prático-políticas, que se
desenvolveram nessa época interestatal para a convivências dos complexos de poder do
continente europeu permitem reconhecer que a vinculação genuína e muito efetiva, sem a qual
não há direito das gentes, não está na autovinculação, sumamente questionável, de vontade de
pessoas igualmente soberanas, que supostamente permanecem livres, mas na força
vinculante de uma ordem espacial centrada na Europa que abrange todos esses
soberanos” (p.158)

Para finalizar, gostaria de destacar a parte final selecionada para a aula de hoje, localizada na
página 225-228. Ali, Schmitt defende novamente a historicidade do direito das gentes ao
afirmar que o direito das gentes interestatal do direito público europeu é apenas uma das
muitas possibilidades dos direitos das gentes em termos de história do direito (p.225).
Destaca também que esse direito interestatal possui diversos elementos
não-estatais. Para ele, o interestatal não significa que cada sujeito do direito das gentes esteja
isolado. Pelo contrário, “o caráter interestatal só é compreensível a partir de uma ordem social
englobante, que é portadora dos próprios Estados” (p.226).
Para provar esse ponto, Schmitt destaca que a forma de organização de um
determinado povo também faz parte do direito das gentes. Ou seja, fazem parte do direito
das gentes: 1) direito inter-étnico (entre famílias, parentelas, clãs, nações); 2) direito
inter-cidades; 3) direito interestatal (entre ordens territoriais centralizadas das formações
soberanas); 4) direito entre autoridades espirituais e poderes leigos (papa. califa, buda, etc); 5)
direito inter-imperial (entre grandes potências com uma supremacia espacial que se estende
para além do território estatal).
Para além desse jus gentium, pode haver um direito comum universal que estende para
além das fronteiras fechadas em si. Ele pode constituir um padrão constitucional comum ou
num mínimo de organização interior cuja existência se presume em concepções e instituições
religiosas, civilizacionais e econômicas comuns (ex. dado por Schmitt: direito universalmente
reconhecido do direito à propriedade e um mínimo de garantia processual) (p.227)

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