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CONTARDO CALLIGARIS entre eles, não encontro ninguém (nem de 12 ou

13 anos) que sonhe em ser militante do


Os sonhos dos adolescentes Greenpeace. Os mais entusiastas se propõem a
estudar oceanografia ou veterinária, mas é para
Por que os adolescentes sonham com um ser professor, funcionário ou profissional
futuro acomodado e razoável, que nem a liberal. Eles são "razoáveis": seu sonho é um
nossa vida? ajuste entre suas aspirações heróico-ecológicas
e as "necessidades" concretas (segurança do
NA FOLHA de domingo passado, uma emprego, plano de saúde e aposentadoria).
reportagem de Antônio Gois e Luciana
Constantino trouxe os dados de uma pesquisa Alguém dirá: melhor lidar com
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas adolescentes tranqüilos do que com rebeldes
Educacionais: em 2005, 16% dos adolescentes sem causa, não é? Pode ser, mas, seja qual for a
entre 15 e 17 anos de idade não freqüentaram a qualidade dos professores, a escola desperta
escola. Trata-se de 1,7 milhão de jovens. Alguns interesse quando carrega consigo uma promessa
desistiram por falta de meios, de vaga ou de de futuro: estudem para ter uma vida mais
transporte escolar, outros adoeceram, mas, em próxima de seus sonhos.
sua maioria (40,4%), eles abandonaram os
estudos por falta de interesse. Como disse uma Aparte: por isso, aliás, é bom que a
entrevistada, "os professores eram muito escola não responda apenas à "dura realidade"
chatos". do mercado de trabalho, mas também (talvez,
sobretudo) aos devaneios de seus estudantes;
Os comentadores, na própria sem isso, qual seria sua promessa? "Estude para
reportagem, acusam a pouca qualificação ou se conformar"? Conseqüência: a escola é
motivação de muitos professores e um sistema sempre desinteressante para quem pára de
de avaliação que produz repetências. Concordo, sonhar. Em princípio, os jovens interpretam o
mas talvez haja mais. desejo (inconsciente) dos pais e herdam os
sonhos reprimidos atrás das vidas (fracassadas
Ao longo de 30 anos de clínica, ou bem-sucedidas, tanto faz) dos adultos.
encontrei várias gerações de adolescentes (a Aquela fala chata dos pais, que evocam as
maioria, mas não todos, de classe média) e, se renúncias que foram necessárias para conseguir
tivesse que comparar os jovens de hoje com os criar os filhos, aponta o caminho de aventuras
de dez ou 20 anos atrás, resumiria assim: eles menos sacrificadas. Há uma guitarra
sonham pequeno. empoeirada no sótão do comerciante ou do
profissional cujo filho quer ser roqueiro. O que
mudou? Duas hipóteses.
É curioso, pois, pelo exemplo de pais,
parentes e vizinhos, os jovens de hoje sabem
que sua origem não fecha seu destino: sua vida É possível que, por sua própria
não tem que acontecer necessariamente no lugar presença maciça em nossas telas, as ficções
onde nasceram, sua profissão não tem que ser a tenham perdido sua função essencial e sejam
continuação da de seus pais. Pelo acesso a uma contempladas não como um repertório
proliferação extraordinária de ficções e arrebatador de vidas possíveis, mas como um
informações, eles conhecem uma pluralidade caleidoscópio para alegrar os olhos, um simples
inédita de vidas possíveis. entretenimento. Os heróis percorrem o mundo
matando dragões, defendendo causas e
encontrando amores solares, mas eles não nos
Apesar disso, em regra, os adolescentes inspiram: eles nos divertem, enquanto,
e os pré-adolescentes de hoje têm devaneios comportadamente, aspiramos a um churrasco no
sobre seu futuro muito parecidos com a vida da domingo e a uma cerveja com os amigos. É
gente: eles sonham com um dia-a-dia que, para também possível (sem contradizer a hipótese
nós, adultos, não é sonho algum, mas o anterior) que os adultos não saibam mais sonhar
resultado (mais ou menos resignado) de muito além de seu nariz. Ora, a capacidade de
compromissos e frustrações. os adolescentes inventarem seu futuro depende
dos sonhos aos quais nós renunciamos. Pode ser
Um exemplo. Todos os jovens sabem que, quando eles procuram, nas entrelinhas de
que Greenpeace é uma ONG que pratica ações nossas falas, as aspirações das quais desistimos,
duras e aventurosas em defesa do meio eles se deparem apenas com versões melhoradas
ambiente. Alguns acham muito legal assistir, no da mesma vida acomodada que, mal ou bem,
noticiário, à intrépida abordagem de um
baleeiro por um barco inflável de ativistas. Mas,
conseguimos arrumar. Cada época tem os
adolescentes que merece.

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