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A história da agricultura: 10.

000 anos atrás até 1850


Tederson Galvan, novembro 21, 2021
A história da agricultura é a história de como a sociedade que conhecemos hoje se
desenvolveu. Sem o surgimento da agricultura entre 10 e 12 mil anos atrás, teríamos uma
humanidade bem menor, vivendo de caça e pesca, e provavelmente sem os benefícios que
a sociedade atual tem em mãos. Isso porque a agricultura permitiu que parte considerável
da humanidade deixasse de se preocupar e de se ocupar com a produção de alimentos
para dedicar-se a outras profissões. Dessa forma, a agricultura permitiu que homens e
mulheres tivessem tempo para explorar e desenvolver outras habilidades e para que a
produção de alimentos ficasse nas mãos dos profissionais da produção de alimentos, ou
seja, os agricultores.
Por fim, a história da agricultura irá nos levar a entender como as revoluções tecnológicas
fizeram com que poucos agricultores fossem capazes de produzir alimentos para a maioria
da população a um baixo custo financeiro, mas com vários impactos nas propriedades
agrícolas, comunidades rurais e no meio ambiente.
A agricultura desenvolveu-se como uma alternativa ao modelo de caça-pesca-coleta
existente até 10.000 anos atrás, mais ou menos. Ela surgiu em momentos, condições e
lugares diferentes. Seu início ocorreu provavelmente no Crescente Fértil por volta de
10.000 atrás, devido à diversidade de fauna, flora e clima da região. O Crescente Fértil
(importante região, especialmente para o início da sedentarização de diversos povos, ela
leva este nome porque, localizada entre os rios Tigre, Eufrates, Jordão e Nilo, tem um
formato que se assemelha ao de uma lua crescente), compreende a região atual do Egito
até os países ao redor do Golfo Pérsico. Nesta região, como no resto do mundo, as
sociedades sobreviviam da caça e pesca e da coleta de frutas, raízes, sementes, grãos e
folhas. Aliás, estima-se que se esse sistema de caça e coleta fosse ainda predominante, a
humanidade não teria mais de 500 milhões de pessoas hoje.
Ou seja, o desenvolvimento da agricultura proporcionou as condições para que o mundo
chegasse aos 7,7 bilhões de pessoas atualmente e ainda tenha condições de produzir mais
alimentos para 9,7 bilhões em 2050. O desenvolvimento do planeta, desde o início, foi
marcado por interferência humana na sociedade, na fauna e flora, com a domesticação de
plantas e animais e interferências nos ecossistemas com o desmatamento e a redução da
biodiversidade. No entanto, sem essas ações, a humanidade que conhecemos hoje não
seria possível.
A natureza diversa e abundante da região do Crescente Fértil proporcionou uma evolução
da sociedade sob o regime de caça e coleta e também deu condições para o
desenvolvimento da domesticação de algumas espécies de plantas e animais que
possuíam características críticas para isso. A agricultura surgiu mais ou menos na mesma
época, na Nova Guiné. Em outros lugares do mundo, como China e Américas, o
desenvolvimento da agricultura ocorreu em momentos e circunstâncias bem diferentes
dos ocorridos na Crescente Fértil. Na China, a domesticação ocorreu há 8.500 anos. Já
nas Américas, a agricultura teve início na região atual do México, há 9.000 anos, depois
nos Andes peruanos e equatorianos, há 6.000 anos e, por fim, na bacia do Mississippi, na
América do Norte, há 4.000 anos. Em geral, a transição do sistema de caça e coleta foi
lenta e diversa, com diferentes níveis de aperfeiçoamento nos lugares em que ocorreu.
Estas condições de produção iniciadas pela domesticação de plantas e animais não
mudaram muito através dos séculos, sendo que a produtividade alcançada no início da
agricultura não se alterou muito até a Revolução Industrial no século XIX. Ou seja, por
quase 10 mil anos, a agricultura se manteve a mesma com relação à produtividade. Com
a domesticação de plantas e animais no início da agricultura, o sistema de cultivo baseado
em desmatamento e queimada foi adotado na maioria das civilizações, de uma forma ou
de outra. Após o corte e queimada da área, cultivava-se a mesma por três anos no máximo.
Depois disso, deixava-se a área em pousio por alguns anos até ela voltar às características
originais e, então, cortava-se e queimava-se novamente. Cada período de restauração
poderia durar de 10 a 50 anos. Ou seja, este sistema era bem pouco produtivo, comparado
com os padrões atuais, porque para cada hectare em processo de produção de alimentos,
deixavam-se até 50 hectares em recuperação, num sistema de rotação.
Nas sociedades agrícolas mais evoluídas, este período foi marcado por uma evolução
muito grande em várias áreas do conhecimento e de organização social. Como havia uma
fonte confiável de produção de alimentos exercida pelos agricultores, a classe
especializada para isso – parte da sociedade – pôde se dedicar a outras funções. Assim,
surgiram cidades, profissões, o poder público, exércitos, Artes, Ciências e Filosofia.
Enfim, a humanidade começou a se organizar em torno de algo mais parecido com as
instituições e padrões que conhecemos hoje. Na Europa e na Ásia, principalmente ao
redor do Crescente Fértil, surgem os primeiros impérios em torno de 2.000 anos a.c.
Exemplos destes impérios são o de Creta, Mecenas, Fenícia, Tiro e o Império Grego
consolidado por Alexandre, O Grande, e depois pelo Império Romano.
Além disso, temos a diferenciação de classes, já que a agricultura, desde seu início, exigia
conhecimento e ferramentas especializadas. Somente famílias ou grupos de famílias que
se unificaram para aumentar a produção conseguiram se destacar do restante da
sociedade, tendo em suas mãos os bens de maior valor na época, o alimento. Isto resultou
desde o início da agricultura na busca por mão de obra barata pelas famílias ou cidades
mais poderosas. Ou seja, tem início a escravidão logo após o desenvolvimento das
primeiras sociedades agrícolas mais evoluídas. Desta forma, a diferença de classes que
vemos hoje teve seu início pouco tempo depois da criação da agricultura.

A agricultura viabiliza a sociedade como conhecemos hoje


O impacto da agricultura na demografia também foi imenso. De uma população de cerca
de 5 milhões de pessoas há 10000 anos, formaram-se 50 milhões 5000 anos atrás. Ou
seja, a domesticação de plantas e animais e o desenvolvimento do sistema de cultivo de
desmatamento e queimada resultaram em um salto populacional de 10 vezes em 5 mil
anos. Isto é impressionante, tendo em consideração que o ser humano moderno tem
habitado o mundo por mais de 100 mil anos, sendo que o crescimento da população tem
sido incremental apenas até o desenvolvimento da agricultura.
Com a adição de melhorias no processo de produção de alimentos, como o sistema
hidráulico, em regiões como os Andes na América do Sul e o Egito, a população mundial
chegou a 100 milhões de pessoas há 3.000 anos. Quando os sistemas hidráulicos foram
usados para irrigação nas plantações de arroz do Sudeste asiático e em vários cultivos
pelos Astecas e Maias, a população mundial deu um novo salto para 250 milhões de
habitantes, mil anos atrás. Por fim, quando os europeus começam a utilizar o pousio
associado à utilização de arado puxado por animal, a população global dobra para mais
de 500 milhões de pessoas no século XIII.
No entanto, no século seguinte, o mundo, especialmente a Europa, conhece as primeiras
ondas de fome em massa. Isto ocorre devido a um desequilíbrio causado pelo contínuo
aumento populacional e pela estagnação do aumento da produção de alimentos por meio
do sistema de pousio e arado. Ou seja, o mundo precisava de mais inovações tecnológicas
para continuar alimentando a crescente população e isto só foi possível com o advento de
várias áreas do conhecimento que proporcionaram melhorias na fertilidade e estrutura do
solo, irrigação, equipamentos, adubos verdes, entre outros. Importante lembrar que neste
momento da história, entre os séculos XIII e XV, o mundo estava em transformação. O
Renascimento surgia na Europa depois de séculos de estagnação cultural e científica.
Além disso, a Europa tinha recém passado pela peste negra, que dizimou parte da
população do continente. E o Renascimento buscava o resgate de um desenvolvimento
humano e social iniciado durante o auge das civilizações gregas e romanas, mas
interrompido na Idade Média (séculos V ao XV, mais ou menos).
A agricultura proporcionou às tribos a possibilidade de se organizarem em locais
específicos de forma permanente, sendo os habitantes dessas tribos os precursores das
cidades como conhecemos hoje. Com a criação das cidades, a sociedade se alterou por
completo e se tornou mais complexa. Houve a necessidade de especialização de várias
funções de iniciativa privada, como carpinteiro e ferreiro e de organizações públicas como
órgãos de segurança e de administração. Ao mesmo tempo, as cidades criavam exércitos
para se protegeram de invasões.
Com o aumento da especialização, sobrou tempo para os membros da sociedade pensarem
mais no sentido da vida, dando origem à Arte e à Filosofia. Por fim, houve o
desenvolvimento da Ciência, muito focada em entender os acontecimentos naturais e,
consequentemente, o desenvolvimento da pesquisa sobre novas técnicas de produção,
principalmente agrícolas. Neste contexto, os conceitos de tecnologia, sustentabilidade e
colaboração variavam em importância entre eles e na relevância de seus elementos
constitutivos.

O papel da colaboração e tecnologia no aumento da produção agrícola


Do ponto de vista da organização do meio rural, a colaboração era um elemento crítico
de desenvolvimento agrário junto à tecnologia e à sustentabilidade. Através da
colaboração, a sociedade evoluía, baseada na troca de trabalho e experiências,
principalmente. Com isso, as pessoas conseguiam complementar-se em força e
conhecimento para a elaboração de alguma tarefa como plantio e colheita. Outro
componente importante na colaboração era a troca de produtos entre si: quando um tinha
excedente ou especialização em uma área específica, como produção de trigo, por
exemplo, poderia trocar por peles de animais oriundas de um caçador mais habilidoso ou
dedicado. No início da agricultura, as trocas de ferramentas e insumos eram escassas, uma
vez que estes conceitos eram rudimentares, da mesma forma que a troca de informação,
conhecimento baseado em dados, ainda não existia, sendo que o único conhecimento
gerado era por tentativa e erro através de experiências práticas.
A tecnologia evoluía através das técnicas de melhoramento vegetal e animal, utilização
de ferramentas ainda que rudimentares, sendo muitas destas as mesmas utilizadas na caça,
pesca e coleta. Nos séculos mais recentes deste período, próximos à Revolução Industrial,
a utilização de insumos como fertilizantes e produtos para controle de pragas se
intensificou, associada à evolução do conhecimento baseado em dados, ou seja, da
informação, no século XV.

O desafio da sustentabilidade desde o início


Por fim, a sustentabilidade era baseada na área social, com a criação e preservação das
comunidades rurais que, muitas vezes, evoluíram para status de cidades. A evolução e
sofisticação destas comunidades foram críticas para o desenvolvimento inicial da
agricultura, já que elas proporcionaram a especialização da mão de obra e organização da
sociedade. Do ponto de vista ambiental, por mais paradoxal que pareça, a exploração
agrícola não era muito sustentável. A atividade era baseada no desmatamento e queima
de florestas para proporcionar espaço e nutrientes para as plantações. No entanto, devido
à baixa eficiência deste sistema, derrubavam-se e queimavam-se muitas áreas para
garantir o suprimento de alimentos para aquela comunidade, na ordem de um hectare
produtivo para até 50 hectares em pousio.
Por esta baixa eficiência, a sustentabilidade econômica nos primórdios da agricultura
também não era muito comum, já que agricultores precisavam trocar trabalho e
experiências e, assim, o acúmulo de capital inicial era muito difícil. Foi somente nos
séculos que antecederam a Revolução Industrial, com o advento do capitalismo e dos
sistemas monetário e bancário, que a questão econômica ganhou força. No entanto, a
maior parte do período foi compreendida por sistemas de trocas, inicialmente, e de poder
bélico e religioso, posteriormente, como orientadores dos eventos e da vida cotidiana no
período. O dinheiro e sua importância, como conhecemos hoje, só começou a se destacar
na agricultura no último milênio do período.
Enfim, toda esta evolução através dos milênios que se seguiram à origem da agricultura
foi colocada em prática para ajudar a própria agricultura a evoluir mais uma vez, mas em
um momento crítico, quando, pela primeira vez, a agricultura estava atrás do crescimento
da população. Este atraso da agricultura culminou com ondas de fome na Europa entre os
séculos XIII e XIV, precedidas pelo primeiro aumento geral dos preços dos alimentos,
principalmente o trigo, na história. Isto significava que a agricultura estava evoluindo
mais devagar do que o crescimento populacional.
Neste sentido, a evolução em técnicas e ferramentas para o aumento da eficiência na
produção de alimentos que se seguiram às ondas de fome da Europa, nos séculos XIII-
XIV, ficou mais conhecida como a Primeira Revolução Agrícola dos tempos modernos.
De certa forma, toda a Ciência e a Filosofia estavam retribuindo à agricultura por esta ter
proporcionado tempo livre a muitos cientistas e filósofos para desenvolver suas teorias e
tecnologias em prol do bem da humanidade. Além da revolução na agricultura, durante o
Renascimento, a evolução em várias áreas do conhecimento como ciências, política,
organizações públicas, segurança entre outras também viabilizou a Revolução Industrial.

Fonte de informações para o artigo


Mazoyer, M., Roudart, L. 2006. A history of world agriculture – from the Neolithic age
to the current crisis. Monthly Review Press, New York, USA.

Atividade Extensão Rural


1 – Qual foi o primeiro passo para o início da prática da agricultura pela humanidade?
2 – O início da prática da agricultura aconteceu em várias regiões do planeta em
momentos e condições diferentes, porém, seu provável início ocorreu em qual a região?
Quais características desse local favoreceram a instalação das primeiras atividades
agrícolas nessa região?
3 – Quais foram as principais regiões do planeta responsáveis pelo início da domesticação
de plantas e animais para a prática da agricultura?
4 – Para os primeiros cultivos as áreas destinadas a agricultura eram desmatadas,
queimadas, cultivadas por 3 anos em média e depois deixadas em pousio para recuperação
do solo por 10 a 50 anos. Quais os principais problemas desse tipo de cultivo?
5 – O surgimento de novas tecnologias voltadas para o setor agrícola ao longo dos
milênios proporcionou aumentos significativos na população mundial, quais são as
tecnologias desenvolvidas importantes descritas no texto?
6 – Nesse texto o autor defende que o desenvolvimento da sociedade humana que temos
hoje ocorreu seguindo as mudanças e inovações que surgiram na agricultura, você
concorda com essa teoria? Por que?
7 – Na sua opinião qual a importância da agricultura hoje?

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