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CEM ANOS ENTRE ARCABOUÇOS TEÓRICOS INSTITUCIONALISTAS

COMPLEMENTARES: THORSTEIN VEBLEN E GEOFFREY HODGSON

Daniele Neuberger*
Pedro Xavier Silva**
Silvio A. F. Cario***

RESUMO
Neste artigo, busca-se apresentar complementariedades entre as principais categorias teórica-
analíticas, abordadas por Thorstein Veblen e Geoffrey Hodgson, representantes, respectivamente, do
Antigo Institucionalismo norte-americano e do Neo-Institucionalismo. Particular ênfase é dada à
crítica institucionalista, no que se refere às abordagens que advogam a supremacia da estrutura sobre
o indivíduo ou do indivíduo sobre a estrutura. A alternativa proposta pelos citados autores sugere que
tanto os indivíduos podem modificar as instituições vigentes, quanto as próprias instituições podem
afetar as preferências individuais. Os hábitos de pensamento e de comportamento emergem como
categoria fundamental na compreensão dessa proposta alternativa.

Palavras-chave: Instituições; Indivíduos; Hábitos; Thorstein Veblen; Geoffrey Hodgson.

ABSTRACT
In this article, seek to presente complementarities between the main theoretical-analytical categories,
approached by Thorstein Veblen and Geoffrey Hodgson, representatives, respectively, of Old North
American Institucionalism and Neo-Institucionalism. Particular emphasis is given to institucionalist
criticism, with regard to approaches that advocate the supremacy of the structure over the individual
or of the individual over the structure. The alternative proposed by the afore mentioned authors
suggest that both individual can modify existing institutions, and the institutions themselves can
affect individual preferences. Habits of thougth and behavior emerge as a fundamental category in
understanding this alternative proposal.

Keyword: Institutions, Individual, Habits; Thorstein Veblen; Geoffrey Hodgson.

1 INTRODUÇÃO

O Institucionalismo, no âmbito das Ciências Econômicas, tem sua origem em obras


publicadas no final do século XIX e nas primeiras décadas do século seguinte, por autores como

Thorstein Veblen, Wesley C. Mitchell e John Commons, os quais compuseram uma matriz teórica,

conhecida, atualmente, como Velho ou Original Institucionalismo. Dentre esses três referidos

autores, destaca-se Thsortein Veblen, economista e sociólogo norte-americano, que viveu entre os

anos de 1857 e 1929, e é considerado o “pai” da Economia Institucional.

A obra de Veblen reflete o contexto histórico no qual o autor vivia; um período marcado por

fortes desigualdades no campo social e pela supremacia das ideias neoclássicas no campo da teoria

econômica. No artigo “Why is economics not an evolutionary science?”, de 1898, Veblen traça
______
*Doutora em Economia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: danineuberger@gmail.com
**Doutor em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: p.xavier@slowfoodbrasil.com
***Professor vinculado aos Programas de Pós-Graduação em Economia e de Administração da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). E-mail: fecario@yahoo.com.br

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importantes críticas à economia mainstream, relacionadas, à concepção hedonista e racional do

indivíduo, e às análises puramente teleológicas adjacentes a ela. Por outro lado, em “A teoria da

classe ociosa”, publicada no ano seguinte, o autor condena a ostentação promovida pelas classes

sociais mais abastadas, estabelecendo seu conceito de instituições como hábitos de pensamento

comuns à generalidade dos homens.

Do conjunto da obra vebleniana, emergem importantes categorias analíticas, que vieram a

influenciar o pensamento institucionalista de diversos autores que o sucederam e contribuir para a

compreensão da dinâmica social sob uma perspectiva multidisciplinar. Desenvolve o conceito de

instintos, considerado como propensões inatas dos indivíduos que definem o objetivo e fim do

comportamento. Esses constituem pré-disposições necessárias para que os comportamentos

repetitivos se tornem possíveis. Além disso, as formas como se manifestam e se concretizam em

padrões de comportamento geram hábitos de vida (MONASTÉRIO, 1998).


Hábitos de vida é considerado conceito chave por Veblen para compreensão das instituições.

Esses expressam a natureza social das práticas cotidianas, manifestadas pelas ações, pensamentos e

comportamentos repetitivos dos indivíduos diante de ocasiões particulares. Hábitos que se

institucionalizam em regras, na medida em que prevalece entre determinado grupo social, podendo,

por sua vez, incentivar e restringir ações individuais. Nessa via, hábitos podem se manter, mas podem

evoluir, diante da dinâmica social em constante transformação. Com isso, Veblen contrapõe o

entendimento, predominante na época fundado no individualismo metodológico em que os

indivíduos são seres racionais, hedonistas e imutáveis.

Cem anos mais tarde, 1998, Geoffrey Hodgson, inserido no arcabouço do institucionalismo

moderno, retoma a teoria vebleniana, para ampliar a compreensão do comportamento dos indivíduos.

Retoma o conceito de hábitos como instituições, assegurando que esses possibilitam os indivíduos

preservarem a capacidade cognitiva e compreenderem as informações do ambiente, ajudando, por sua

vez, na seleção de suas preferências. Observa que hábitos se desenvolvem em contexto social, geram
aprendizado e permitem os indivíduos se adequarem às novas circunstâncias. Com isso, geram

condições para o estabelecimento de sistemas de regras que estruturam interações sociais

(HODGSON, 2011). No conjunto, posiciona-se contrário as explicações sobre o comportamento


social resultante do comportamento individual, mas também daquelas que buscam explicar tudo por

meio de estruturas sociais.

No curso das ideias de Veblen e de Hodgson estabelece-se uma abordagem que envolve
explicações tanto dos indivíduos – seus objetivos e crenças – quanto das estruturas - instituições -,
bem como a evolução e as interações entre ambos. Nessa linha, as instituições moldam as aspirações

individuais, criando base para existência; porém, as instituições dependem dos indivíduos, das

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interações entre eles como hábitos compartilhados de pensamento. Firma-se um processo interativo e

cumulativo entre instituições e indivíduos; que se realimenta e evolui.

Nesses termos, Hodgson vem estabelecendo uma aproximação maior do conceito de

instituição ao legado de Veblen, em que o mesmo deve necessariamente estar inserido em um

ambiente analítico que contemple os indivíduos, seus hábitos, normas e padrões de conduta – o que

exige na análise, a inclusão de um ambiente de complexidade que contemple, de forma interativa,

todos esses conceitos. Nessa linha, s obras desses autores tratam da conduta e do comportamento
individual, não obstante os cem anos que as separam. Contudo, há que se registrar os avanços da obra

deste último, a partir da utilização das categorias analíticas desenvolvidas pelo primeiro.

Considerando esse contexto, o propósito desse estudo é contribuir com elementos analíticos

que permitam melhor compreensão da matriz institucionalista, identificando os vínculos e

complementaridades teóricas do Velho Institucionalismo, considerando as obras de Veblen, e do Neo

-institucionalismo, levando em conta os escritos de Hodgson. Para tanto, encontra-se estruturado em

cinco seções. Nesta primeira seção, descreve-se o seu propósito; expondo-se, na segunda, os
procedimentos metodológicos; na terceira, os principais pressupostos teóricos apresentados por esses

autores; na quarta, discutem-se as categorias analíticas tratadas por tais autores, em suas diferenças,

similaridades e avanços; e, por fim, na quinta apresentam-se as considerações finais.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Como base de dados, foram utilizados textos nucleares de Thorstein Veblen (1898; 1899;

1909; 1914) e de Geoffrey Hodgson (2003a; 2003b; 2004a; 2004b; 2006; 2007a; 2007b; 2009 e
2010). Outrossim, no intuito de buscar contribuições que endossem os argumentos centrais desses

referidos autores, são apresentadas inferências extraídas de trechos de outros escritos desses mesmos

autores, assim como de pesquisadores que os tenham analisado. Esses escritos foram escolhidos à

medida que se evidenciaram neles categorias e procedimentos analíticos, descritos de forma

suficientemente explícita para o alcance do objetivo proposto neste estudo.

Desse modo, tais evidências foram analisadas com base nos conceitos teóricos da Análise de

Conteúdo de Bardin (2006 [1977]), caracterizada por três fases distintas. Primeiro, foi realizada uma

pré-análise, a partir de leitura flutuante sobre o material tomado como banco de dados, ou seja, o

arcabouço antes referenciado. Depois, a partir de uma reflexão acerca de suas proposições, iniciou-se,

por fim, um processo de exploração do material com base na codificação e categorização das

informações ali contidas.

Para a formulação das categorias, foram utilizados conceitos, identificados como apropriados

nas leituras referentes aos constructos da Economia Institucionalista, resultando em diferentes níveis

de informação (Tema, Categoria e Indicador). Como “Tema”, selecionaram-se, nos textos, passagens

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referentes às abordagens analíticas dos autores, quais sejam, a “Economia Evolucionária”, por parte

de Veblen; e a “Reconstitutive Downward Causation” (Causação Regressiva Descendente), no que se


refere à proposta de Hodgson. A partir do resultado obtido nessas etapas, os trechos, cujos temas se

enquadravam na proposta, foram categorizados por meio de uma transposição, com base nas

categorias analíticas “Instintos”, Hábitos” e Instituições”. Os indicadores, similaridades, diferenças e

avanços entre as abordagens são apresentados na quarta seção deste artigo.

3. ECONOMIA INSTITUCIONAL: VERTENTES TEÓRICAS NAS PERSPECTIVAS DE


VEBLEN E HODGSON

Conforme definido por Conceição (2002), o institucionalismo é uma linha de pensamento

oposta ao neoclassicismo, semelhante ao marxismo em alguns aspectos, e fortemente vinculada ao

evolucionismo. Atribui-se ao “velho” institucionalismo norte-americano a matriz da escola

institucionalista, sobretudo a partir dos escritos de Veblen, Commons e Mitchel. Contudo, apesar de

as abordagens institucionalistas divergirem em sua definição, é possível afirmar que existe um corpo

teórico definido entre elas. Nesse sentido, é a própria diversidade das abordagens que constitui a fonte

de riqueza do pensamento institucionalista.

Não obstante às diferenças conceituais e os distintos enfoques assumidos pelas vertentes do

institucionalismo, esse paradigma identifica elementos teóricos comuns, tais como: o questionamento

quanto à validade da premissa do mercado na função de mecanismo alocador; a crítica ao

individualismo metodológico, uma visão do processo econômico como um sistema aberto e parte de

uma ampla rede de relações socioculturais; a ênfase no comportamento guiado por hábitos e rotinas

(e, ocasionalmente, pontuado por atos de criatividade e inovação); a influência da path dependence; e

a visão da tecnologia como motivadora primária do desenvolvimento (CONCEIÇÃO, 2007). Nesse


sentido, revisita as principais vertentes do institucionalismo, a partir das ideias de Veblen e Hodgson.

3.1 Veblen e o Antigo Institucionalismo

Thorstein Veblen expõe sua proposta de leitura sobre as mudanças institucionais na

sociedade americana de duas formas: de início, a partir de uma crítica às análises que se consolidavam

e se propunham a investigar esse mesmo objeto; e, em seguida, explicitando a necessidade

contemporânea de integrar as Ciências Econômicas ao caráter evolucionário, que se manifestava em

diversas áreas da ciência.

“Why is Economics not an Evolutionary Science” (1898) simboliza a apresentação de uma

proposta analítica para fenômenos socioeconômicos que, em sua matriz, contempla o tripé de

categorias: INSTINTOS-HÁBITOS-INSTITUIÇÕES. Ao criticar as abordagens enfatizadas pelo


cenário econômico de seu tempo e que expunham como agente do modelo o “homem hedonista”,

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com capacidade plena de calcular suas escolhas e alocar recursos eficientemente em relação às

próprias vontades e demandas, Veblen indica que a economia marginalista negligenciava aspectos

intrínsecos à natureza humana, às rotinas e aos hábitos de vida e pensamento e a busca de ascensão

social, que ocorre de forma comparativa. Tal crítica recebe ainda mais endosso em “The limitations of

Marginal Utility” (1909), postulando a incapacidade processual – dado seu caráter estático - das
ciências econômicas em avaliar fenômenos tão dinâmicos como se propunha.

Da mesma forma, a ênfase antropológica na estrutura, como determinante para as ações

individuais, era criticada por Veblen. Para ele, as ciências econômicas deveriam seguir uma trajetória

teórica, que relacionasse estrutura e indivíduo - sem negligenciar ou supervalorizar um ou outro -, de

modo a considerar a natureza contínua e processual de construção dos comportamentos. E, tão

significante quanto, a obra The Instinct of Workmanship and the State of Industrial Arts (1914)

contém a essência teórica da economia política de Veblen e a forma como vincula os aspectos

inerentes à natureza humana – os instintos –, à identificação de padrões de comportamento dos

indivíduos em sociedade (CAVALIERI, 2015).


Evidente, nesse sentido, é o entendimento de que, neste novo contexto social, consolidado

por um sistema urbano-industrial, cuja moeda conduziria as condições de troca, a propriedade privada

se tornara fator fundamental na composição do modelo, sendo motivo de honra e exaltação aos olhos

do coletivo e indispensável à afirmação do indivíduo perante a sociedade. Se, como mencionado, a

proposta era identificar os motivos pelos quais a realidade se apresentava, Veblen (1899) buscou

fundamentos, como a propriedade do homem sobre a mulher, ou das famílias abastadas sobre os

escravos, para transcender a explicação à lógica de acumulação capitalista que condicionava o

desenvolvimento que buscava investigar. À época, constatava-se uma mudança importante entre as

classes sociais americanas, em que, tanto os agricultores quanto a burguesia industrial se

indispunham diante da ascensão de uma aristocracia beneficiada por acordos oligopolistas e aumento

de poder político, demandando a contemplação de novos interesses aos pactos sociais (CAVALIERI,
2015).
Assim sendo, infere-se que Veblen estava condicionado a fomentar o preenchimento de uma

lacuna metodológico-analítica por meio de uma matriz, que não negligenciasse aspectos intrínsecos à

natureza das relações capitalistas. Nesse sentido, têm-se o registro de Conceição (2012):

Veblen empregou a ideia de uma cadeia histórica sem quebra de causa e efeito para minar os
pressupostos do mainstream econômico. O uso feito por ele sobre as injunções
metodológicas darwinianas levou a uma poderosa crítica. Isto porque, em Veblen, o agente
humano era assunto de um processo evolucionário e jamais poderia ser tido como fixo ou
dado. Portanto, uma avaliação causal da interação entre indivíduo e estrutura social tinha que
ser providenciada. E esse ‘acerto de contas’ causal não deveria parar no indivíduo, mas
deveria também tentar explicar a origem dos objetivos e preferências psicológicas
(CONCEIÇÃO, 2012, p. 123).

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Desse modo, os instintos seriam elencados como singulares aos pressupostos estruturais da

proposta Economia Evolucionária (1898), uma vez que evidenciam atributos humanos diante de um

processo de seleção das instituições vigentes. Mas, o que seria, de fato, a Economia Evolucionária?

Por um lado, ela é a própria resposta de Thorstein Veblen à emergência dessas supraditas análises

econômicas, não correspondentes àquele cenário em que as estruturas urbano-industriais se

consolidavam. Ainda, é a busca de Veblen para solucionar um problema identificado entre ênfases

teóricas simplificadas, ora unicamente sobre as ações individuais, ora unicamente sobre o impacto da

estrutura vigente como fator determinante do comportamento.

3.1.1 A Proposta da Economia Evolucionária

Embasado na quebra de paradigma científico imposta por Charles Darwin, em “A Origem

das Espécies” (1859), Veblen (1898; 1899) torna-se um precursor do Institucionalismo norte-
americano ao apresentar leituras críticas contundentes às Ciências Econômicas e, por extensão, ao

sistema socioeconômico de acumulação capitalista que se impunha. Ambas as obras - uma de apelo

mais teórico e outra mais empírico - somadas, são a indicação do que se intencionava com esta

alternativa analítica pós-darwiniana da economia.

Veblen, embora norte-americano, foi criado sob forte influência cultural estrangeira - uma

vez que seus pais eram imigrantes noruegueses e moravam em um povoado de origem, onde ele

passou seus primeiros anos de vida. De certa forma, suas análises partiam de um ponto de vista que

não pertencia integralmente àquele contexto, considerando-se um outsider ao sistema que

investigava. O contato e aprimoramento da língua inglesa ocorreu como seminarista, o que também o

fez se aproximar de obras da Filosofia. Posteriormente, ingressou na Universidade de Yale,

aproximando-se da obra de Hegel, Spencer, Kant, Darwin e Charles Pierce, entre outros (CRUZ,
2015). Seu destaque como acadêmico ocorreu na Universidade de Chicago, onde as obras de Darwin

recebiam interesse pujante, e onde se tornou professor e editor do Journal of Political Economy

(RAYMER, 2013).
No seu entendimento, o objeto de análise – cenário econômico e social – era dinâmico,

mutante e bastante desigual. Nesse quadro, observava mudanças em que o capital se destacava no

desenvolvimento urbano, e a propriedade da terra se estabilizava como fonte de lucro especulativo.

Afirmava, ao final do século XIX, que a sociedade se direcionava à urbano-industrialização, tendo

como agentes centrais homens de negócios, por um lado, e imigrantes europeus, por outro (CRUZ,

2015). Assim, gritava aos olhos uma significativa mudança no panorama das classes sociais norte
americanas, em que agricultores da região oeste e a burguesia industrial se revoltavam perante a

escalada de uma aristocracia, beneficiada por acordos oligopolistas e aumento de poder político. Foi

ao constatar a estabilização dessa sociedade industrial-pecuniária, cuja estrutura estaria enraizada em

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processos de causação cumulativa, que envolviam instintos, hábitos e instituições, que a análise de

Veblen (1899) começou a tomar forma em seu pensamento.

E é justamente nesse processo causal que o autor embasou suas proposições evolucionárias,

inspiradas em Darwin. O ambiente influenciando o desenvolvimento das espécies tornou-se um

pressuposto pilar para analogias às distintas áreas da ciência, ao desestabilizar as propostas

criacionistas, solidificando teorias diversas (CAVALIERI, 2015). O que Veblen fez foi transcender
esta lógica evolucionária às ciências sociais. Com uma didática explicativa por meio de conceitos,

como variância, herança e seleção natural, ao passo que instituições antigas e novas estivessem em

constante conflito, as mudanças comportamentais individuais e coletivas que ocorreriam seriam

qualificadas (VEBLEN, 1898).


Sua tese central se baseava em uma lógica na qual as demandas de uma sociedade formariam

maneiras de interação dos homens com o mundo, o que corresponderia aos seus hábitos de vida. Isto

é: se, por um lado, esses hábitos de vida estivessem vinculados a aspectos inerentes aos homens, quais

sejam seus instintos, por outro, esses hábitos se conectariam a hábitos de pensamento, consolidando

consensos no senso individual e coletivo (VEBLEN, 1899). A dialética aqui presente une este tripé
analítico: “instintos-hábitos-instituições”, de forma que os hábitos sejam a expressão desta

retroalimentação dinâmica entre a natureza humana e as instituições. A dinâmica social estaria em

constante evolução, partindo de expressões inatas e individuais (embora comuns à sociedade) e se

expandindo a expressões coletivas, as próprias instituições.

Em “The Instinct of the Workmanship and the State of Industrial Arts” (1914), os instintos
são classificados em quatro diferentes grupos: Instinto do Trabalho Eficaz (relacionado à busca por

eficiência); Instinto Predatório (cujo propósito final seria a extração); Instinto Parental (relacionado

aos cuidados coletivos); e Instinto da Curiosidade Vã (cujo vínculo principal, dado pelo autor, se dá

com a ciência). O Instinto Predatório, que teria seu surgimento a partir da passagem de uma fase

pacífica selvagem para uma fase predatória, estaria relacionado com a competição e se amplificaria

em uma sociedade industrial (VEBLEN, 1899).


Os hábitos de pensamento (hábitos de vida que se enraízam no senso comum) podem ser

entendidos como as instituições, principal categoria analítica do que se seguiu como “Economia

Institucional”. Veblen (1899) indica que os hábitos de pensamento estão intimamente relacionados

aos hábitos de vida e àquilo que o autor chama de “espírito humano”, ou seja, os próprios instintos. É

neste ponto que ele se manifesta, de forma empírica, acerca das relações entre essas categorias e o

desenvolvimento das sociedades. Um exemplo sugerido é a reatividade a situações de mudança, em

que as pessoas tendem a manter seus hábitos se não perceberem necessidade de fazer o contrário.

Ademais, tais mudanças nas instituições sociais se moldariam de forma coercitiva devido à situação

que se impôs, em um processo de “seleção” das instituições.

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Com essas observações, entende-se que a Economia Evolucionária parte do pressuposto de

que hábitos de vida e de pensamento se emulam por consensos, dependendo da aceitação de um grupo

dominante na sociedade. Instituições são eleitas sob interesses destes grupos, representando a

manutenção ou a alteração da realidade, causando efeitos sobre toda a sociedade. Nesse sentido, a

própria ciência, realizada sob interesses, poderia retardar o progresso coletivo em virtude da

manutenção de uma situação que beneficie tais interesses e/ou como reflexo de conservantismos do

grupo dominante (a “classe ociosa”, para Veblen).

3.1.2 A Teoria da Classe Ociosa

“A Teoria da Classe Ociosa” , de Veblen (1899), é uma análise empírica na qual pode-se
observar a aplicação da Economia Evolucionária. A obra crítica descreve e faz inferências acerca do

sistema socioeconômico vigente, constatando, por essa análise empírica, portanto, a estabilização de

uma sociedade industrial-pecuniária, cuja estrutura estaria enraizada em processos de causação

cumulativa, que envolvem instintos e hábitos relacionados à dinâmica institucional. Deliberando

sobre o desenvolvimento das civilizações, expõem-se características de uma “fase pacífica”, cujas

sociedades eram primitivas e a distinção de funções e hierarquias era pouco significativa. Com isso,

Veblen demonstra como existem hábitos que vão se adequando a distintas fases, como aqueles mais

comuns a funções industriais. Àquela época (Séc. XIX) já se constatava que as regras sociais
fomentavam a competição entre os homens. Seria, portanto, uma “fase predatória”, cujos instintos

predatórios com finalidade de extração seriam fundamentais para se galgar êxitos.

A partir dessa explanação, nota-se a preocupação em fundamentar um processo de consolidação

de divisão social, outrora fundamentado em questões de força, habilidade bélica e supostas bênçãos

divinas, e, liga-se à riqueza, ao status político e às habilidades esportivas. Essa superioridade,

portanto, institucionaliza os padrões de “fazer das coisas” e torna-se “alvo” àqueles que estão em

classes sociais “abaixo”. Assim, hábitos sociais, do consumo ao trabalho, do lazer à educação, se
homogeneízam nos diferentes estratos sociais, a partir de consensos carregados de interesses.

Indumentária elaborada, mulheres bem apresentadas, animais de estimação, empregados

domiciliares, prática de esportes e contemplação da natureza (entre outros) tornam-se, portanto,

fundamentais neste processo comparativo. Veblen (1899) relaciona tais artigos e práticas à emulação

de consumo e ócio conspícuos, ou seja, hábitos de vida exclusivos a indivíduos com tempo e/ou

recursos em quantidade superior à demandada para sua subsistência. Sendo assim, ao passo que este

grupo de pessoas havia se apartado das funções industriais, continuava institucionalizando os

consensos e as trajetórias de desenvolvimento da sociedade.

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Diante desta realidade em constante transformação, Veblen, partir das ideias darwinistas,

desenvolve a didática de sua retórica. Com foco no processo causal de evolução (não considerando

aqui “evolução” como um processo unicamente melhorativo, mas, sim, de causação e mudança), a

influência do ambiente sobre o desenvolvimento (das espécies, no caso de Darwin; das sociedades e

relações econômicas, no caso de Veblen), esses pressupostos vinham sendo incorporados pelas mais

distintas áreas da ciência. Essa utilização era endossada pela atmosfera acadêmica da Universidade de

Chicago, onde uma notória propensão à assimilação e propagação da ciência pós-darwiniana se

construía (CAVALIERI, 2015).


As análises institucionalistas deveriam focar nos processos transformativos, e não em

situações onde o equilíbrio seria o fim e as ações seriam isoladas de seu contexto histórico e social.

Em um cenário onde as relações sociais eram influenciadas por expressões individuais e coletivas,

como costumes, hábitos, interesses e leis, as ações econômicas individuais dos agentes capitalistas

responderiam ao passado e fomentariam o futuro desse sistema de maior ou menor liberação, controle

ou expansão.

3.2 O Neo-institucionalismo

As críticas em relação aos constructos econômico-institucionalistas ocorrem, mormente, em

dois sentidos (HODGSON, 1998; ATKINSON e OLESON, 1996): ou por serem extremamente
descritivos, abstratos e deterministas; ou, ainda, por representarem uma aproximação ao

neoclassicismo devido à filiação ao individualismo metodológico e, sobretudo, à evidenciação da

maximização da performance econômica e do equilíbrio (por meio da correção de falhas de mercado).

Evidente é que, enquanto os primeiros críticos do Velho Institucionalismo estão se referindo às

construções seminais do arcabouço em questão, os demais se referem às abordagens da Nova

Economia Institucional (NEI). Hodgson sustenta essa crítica à NEI ao derivar sua proposta analítica,

buscando avançar nos pontos os quais considera que os antigos institucionalistas não avançaram.

A crítica de Hodgson à NEI, ao se aproximar do individualismo metodológico,


principalmente quando o material analisado provém da linha microanalítica (Teoria de Custos de

Transação), evidencia a sua insatisfação em relação à ruptura com o Velho Institucionalismo.

Segundo Williamson (1985; 1993; 1995), o comportamento está vinculado com o ambiente
institucional, ao que se contrapõe Hodgson (1998; 2000), observando o fato de que o comportamento

pode ser exógeno à estrutura, assim como a própria estrutura não pode ser amplamente compreendida

a partir de um ponto de vista unilateral da ação.

Em relação às críticas à linha macroanalítica da NEI (NORTH, 1991; 1994), Hodgson


(2006) não considera os indivíduos como “jogadores” em um ambiente emulado por “regras do jogo”,

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dado que, para ele, a partir desse ponto de vista, indica-se que toda ação tem como fim o desempenho,

e são desconsideradas dimensões não econômicas relacionadas ao processo de tomada de decisão.

Nesse sentido, os textos que servem de alicerce para este artigo buscam demonstrar caminhos que

desvinculem as abordagens institucionalistas de tais críticas. Aproximando-se desta exposição,

Hodgson (2006) indica como elementos básicos de pesquisas desta natureza: a incorporação de

fatores culturais e institucionais, vinculados ao desenvolvimento econômico; a demanda por análises

interdisciplinares e de materiais empírico-históricos; e a não supervalorização de modelos

matemático-estatísticos. Nesse sentido, ainda, evidencia as características evolucionárias que preza

nestes processos investigativos, citando, por exemplo, os conceitos de hábito e rotinas, que

encapsulam a essência da mudança institucional.

Desse modo, a proposta metodológica de Hodgson se diferencia da NEI ao indicar que não é

fortuito considerar que mercados (ou as transações de troca em si) sejam anteriores às instituições.

Ainda para Hodgson (2006), a questão não é o que primeiro surgiu, e sim quais fatores explicam o

desenvolvimento de ambos. Os indivíduos não são meramente constrangidos ou incentivados por

instituições; mais que isso, os indivíduos são constituídos por instituições e, de forma reconstitutiva,

suas ações interferem na mudança institucional. Instituições significariam, portanto, regras

estabelecidas que estruturam as interações sociais, atuando como constrangimentos institucionais

(external enforcement), que explicam as restrições comportamentais impostas e os comportamentos


governados por hábitos (self enforcement).

3.3 O pensamento de Geoffrey Hodgson

Nascido em 28 de julho de 1946, Geoffrey Martin Hodgson é autor de importantes obras do

Institucionalismo Econômico, as quais incluem críticas à teoria mainstream e proposições sobre a

necessidade de análise das instituições em um contexto evolucionário. Atualmente, é reconhecido

como uma das principais figuras do institucionalismo moderno, promovendo o debate crítico e a

tradição intelectual dos fundadores da escola institucionalista, principalmente de Thorstein Veblen.

Inspirado nos conceitos veblenianos de “hábitos”, “instintos” e “instituições”, Hodgson

rejeita a compreensão neoclássica de que as preferências individuais são fixas e imutáveis, e procura

relacioná-las com o ambiente socioinstitucional, onde se dá a interação entre os agentes.

3.3.1 Relevância das instituições em Hodgson

Hodgson (2009) afirma que, por muito tempo, o modelo predominante na explicação dos

processos de crescimento e desenvolvimento econômico compreendia as firmas como entidades que

utilizavam uma dada combinação de insumos – capital e trabalho –, visando determinado fluxo de

resultados. Os indivíduos, por sua vez, eram vistos como agentes maximizadores e racionais,

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detentores de uma função de preferências, que determinava as suas decisões. Nesse modelo, os

objetivos dos agentes eram dados, isto é: as firmas buscavam aumentar os seus lucros; e os

indivíduos, satisfazer suas preferências. O processo de produção em si não era explicado, tampouco a

formação das escolhas individuais: as estruturas institucionais e a forma como elas podem

condicionar o comportamento dos agentes não eram consideradas.

O crescimento da economia institucional como área de conhecimento e a maior frequência

no uso do conceito “instituições” nas ciências sociais, nos últimos anos, têm provocado o
ressurgimento do debate nesse campo. Como consequência, a ausência de consenso a respeito de

temas centrais, como “instituições” ou “organizações”, veio à tona, tornando imperativa a

necessidade de sua discussão, bem como de se tentar uma conciliação entre as suas definições, para

que, a partir disso, estudos empíricos e análises teóricas possam ser realizados. Para Hodgson (2006),

o conceito de instituições está ligado a sistemas de regras sociais prevalecentes e estabelecidas, que

estruturam as interações sociais. Crescentemente se reconhece que a maior parte das atividades e

interações humanas é estruturada em termos de regras sociais mais ou menos implícitas, que

envolvem desde o dinheiro e a linguagem até as firmas e as leis:

Institutions are enduring systems of socially ingrained rules. They channel and constrain
behavior so that individuals form new habits as a result. People do not develop new
preferences, wants or purposes simply because ‘values’ or ‘social forces’ control them.
Instead, the framing, shifting and constraining capacities of social institutions give rise to
new perceptions and dispositions within individuals (HODGSON, 2007a, p. 331).

De acordo com Hodgson (2006), a estabilidade e a durabilidade das instituições decorrem da

capacidade delas de criarem expectativas estáveis a respeito do comportamento dos indivíduos. Nesse

sentido, as instituições são capazes de impor consistência à atividade humana, e dependem tanto do

pensamento quanto das atividades individuais, não sendo, porém, redutíveis a elas. Além disso, elas

podem tanto restringir quanto permitir e encorajar o comportamento, de modo que, embora

determinem restrições à atividade humana, elas podem abrir oportunidades que, de outra forma, não

seriam vislumbradas.

Da mesma forma que Veblen, Hodgson também é adepto das ideias darwinistas e, como tal,

acredita que a Ciência deve estar comprometida em fornecer explicações causais para todos os

fenômenos, inclusive para as preferências e escolhas dos indivíduos. A principal falha cometida pela

economia mainstream consiste em ignorar a possibilidade de que os objetivos e as preferências dos

agentes possam ser reconstituídos pelas circunstâncias. Por sua vez, análises que se pretendem

evolucionárias devem considerar os indivíduos em seus contextos histórico e institucional

(HODGSON, 2003b).

3.3.2 O papel desempenhado pelos hábitos

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Desde a publicação de “An Essay on the nature and significance of Economic Science”, de

Lionel Robbins, a Ciência Econômica tem sido entendida como a “ciência da escolha racional”, visto

que concebe os indivíduos como agentes decisores, que compartilham um conjunto comum de

preferências e que conhecem as consequências de todas as suas escolhas. Como cada agente escolhe a

alternativa que considera mais atrativa conforme sua função de preferências, as decisões daí

decorrentes são avaliadas como “racionais”. Contudo, o modo como são formadas essas preferências

não é explicado, gerando o entendimento de que são “dadas” ou “exógenas”. Ainda assim, de acordo

com Hodgson (2010), não é correto pressupor que as escolhas sejam dadas ou que surjam do acaso,

argumentando, nesse sentido, que suas causas precisam ser investigadas.

Trabalhos recentes, desenvolvidos na área da Psicologia, estão, crescentemente, se

distanciando do chamado “paradigma deliberativo”, segundo o qual a mente humana é deliberadora,

independente e racional. Desse modo, está se dirigindo para um novo paradigma, pelo qual se

compreende que a cognição humana depende do ambiente social e material onde os indivíduos estão

inseridos, bem como das suas interações com os outros agentes. Essa mudança de paradigma, na

Psicologia, afeta a forma como são pensadas as coisas na Ciência Econômica, principalmente no que
concerne à formação das preferências individuais (HODGSON, 2007a).
Esses recentes estudos têm demonstrado que a combinação de processos conscientes e

inconscientes, de socialização e educação, ajudam a criar o aparato cognitivo necessário para a

tomada de decisão dos agentes. Nessas circunstâncias, a racionalidade individual passa a depender de

mecanismos culturais e institucionais. Para Hodgson (2007a), a adoção de uma racionalidade

dependente do contexto é consistente com uma economia institucional, na qual agência e estrutura

são importantes e mutuamente constitutivas. Nesses termos, o raciocínio é inseparável do seu

contexto institucional e material.

Essa “maleabilidade” das preferências é necessária para explicar a evolução e a estabilidade

institucional, a qual é reforçada pela capacidade que as instituições têm de modificar as escolhas dos

indivíduos. Segundo afirma Hodgson (2007a) os “hábitos” são os mecanismos que fornecem os

fundamentos para a modificação das crenças e das preferências, sendo Veblen um dos primeiros

autores a examinar quais circunstâncias e restrições conduzem à formação dos hábitos: “Through the

individual mechanism of habit, the framing, shifting and constraining capacities of social institutions

give rise to new perceptions and dispositions within individuals. This is a key element in the

Veblenian legacy” (HODGSON, 2007a, p. 331).


Para economistas da tradição vebleniana, as instituições funcionam porque estão enraizadas

em hábitos prevalecentes de pensamento e de comportamento. Hábitos são definidos como

disposições ou capacidades adquiridas, que podem ou não ser expressas no comportamento corrente

dos indivíduos. Hodgson (2010) afirma que os hábitos são repertórios submersos de comportamentos

12
potenciais, que podem ser reforçados por contextos apropriados. De forma geral, são propensões que

se comportam de determinada maneira em situações particulares.

Para que os hábitos sejam desencadeados, no entanto, parecem ser necessárias certas pré-

disposições, capazes de identificar estímulos-chave. Hodgson (2007a) identifica, no conceito de

“instintos”, essas pré-disposições necessárias para que os comportamentos repetidos se tornem

possíveis. Nesse sentido, define os instintos como reflexos, sentimentos ou disposições inerentemente

biológicas, que podem ser incitados por determinados sinais. Os instintos podem ser suprimidos ou

estimulados, a depender do contexto social e cultural com o qual são defrontados.

Além de modificar o axioma das preferências “dadas”, a inclusão dos hábitos e dos instintos

nas considerações sobre o comportamento dos indivíduos também coloca em xeque o pressuposto da

racionalidade, tradicionalmente adotado na Ciência Econômica. Ao invés de presumir que os

indivíduos agem como se possuíssem todas as informações possíveis, que calculam todos os

benefícios e malefícios de suas ações e tomam decisões conforme as suas preferências fixas, a análise

dos fatores, muitas vezes inconsciente – que levam à deliberação, flexibiliza esse pressuposto,

fazendo com que as decisões variem conforme o background de cada indivíduo, bem como conforme

o ambiente social e cultural no qual estão inseridos.

Hodgson (2007b) explica que, para que um hábito individual se torne uma regra, ele deve ser

potencialmente codificável e prevalecer entre determinado grupo. Uma vez que a estrutura de regras

prevalecentes – as instituições – incentiva e restringe ações individuais, os hábitos concordantes são

reforçados entre a população. Nesse sentido, ao reforçar hábitos de pensamento e de ação

compartilhados, a estrutura institucional cria mecanismos que contribuem para a sua própria

reprodução.

O reconhecimento de que as instituições são capazes de alterar as preferências dos

indivíduos não implica afirmar que a estrutura social determina as suas escolhas. A oposição entre o

individualismo e o coletivismo metodológico é um dos problemas centrais nas ciências sociais, e é,

frequentemente, entendido como um problema de agente e estrutura. Se, por um lado, algumas

versões do marxismo são criticadas por enfatizar a sociedade (sistema, estrutura, instituições),

negligenciando o papel desempenhado pelos agentes individuais, por outro, versões do

individualismo metodológico – representadas, pelo mainstream econômico –, são acusadas de

debruçar suas análises sobre os indivíduos (agentes), deixando as estruturas em segundo plano.

Para Hodgson (2003a), o principal problema desses dois extremos é que nenhum deles, de

fato, entrega o que promete: o individualismo metodológico falha em fornecer explicações

individuais sobre os fenômenos sociais ao supor que os indivíduos são socialmente determinados; ao

mesmo tempo em que o coletivismo metodológico, ao buscar explicar tudo por meio das estruturas

sociais, acaba por dotar as instituições de vontades próprias, como se fossem indivíduos. Sem uma

13
análise da maneira como surgem, quais são as causas das preferências, dos propósitos e das crenças

individuais, o parecer tende sempre a um desses extremos reducionistas. É necessária, uma

explicação que invista as causas, bem como no reconhecimento da influência da psicologia nesse

processo.

3.3.3 Reconstitutive Downard Causation

Ao rejeitar a análise pura tanto do individualismo quanto do coletivismo metodológico,

Hodgson (2003a) procura solucionar o dilema entre esses dois extremos através do resgate do

conceito de hábito, central na análise vebleniana. Assim, é necessária uma abordagem que envolva

explicações tanto dos indivíduos – seus objetivos e crenças - quanto das estruturas (instituições), bem

como de sua evolução e possíveis interações entre ambos. Nessa análise, fica claro que as

preferências são formadas endogenamente.

As estruturas sociais dependem dos indivíduos, no sentido de que, se os indivíduos

deixassem de existir, elas não subsistiriam: os indivíduos criam, reproduzem, transformam ou

destroem as instituições, intencional ou involuntariamente. Porém, mesmo a partir desse

reconhecimento, não é possível aceitar o individualismo metodológico, uma vez que as estruturas

sociais não podem ser inteiramente explicadas em termos dos indivíduos e de suas relações. Ademais,

reconhecer que o comportamento individual é profundamente afetado pelo contexto

socioinstitucional não implica aceitar também o coletivismo metodológico: os indivíduos não podem

ser reduzidos às estruturas sociais nas quais estão inseridos. Com isso, Hodgson (2003a) afirma ser

possível aceitar que indivíduos e instituições são mutuamente constitutivos.

A existência de uma causação ascendente, no sentido de que elementos de um nível

ontológico inferior afetam aqueles que se encontram em um nível mais elevado, é amplamente

reconhecida nas ciências sociais. Outrossim, essa causalidade ascendente pode ser reconstitutiva, já

que as mudanças operadas em nível inferior podem afetar, consideravelmente, as estruturas de níveis

mais altos. A ideia proposta por Hodgson (2003a) é a de que existe, além da já mencionada
causalidade reconstitutiva ascendente, também uma causalidade reconstitutiva descendente, no
sentido de que mudanças operadas em níveis mais altos (instituições) também são capazes de afetar e

reconstituir elementos dos níveis inferiores (indivíduos). Com isso, torna-se impossível tomar as

partes como dadas e, a partir delas, explicar o todo, uma vez que o todo reconstitui as partes.

O principal aspecto, no qual a ideia de Hodgson (2003a) se diferencia das análises


precedentes, como as de Campbell (1974) e Sperry (1969, é que o autor examina os mecanismos

sociais e psicológicos que permitem às instituições processar mudanças nas preferências dos

indivíduos. Baseado no conceito de hábitos de pensamento e comportamento, já previamente definido

14
e analisado por Veblen, Hodgson sustenta que é através desse mecanismo que a causação descendente

reconstitutiva atua. Somente depois de estabelecidos certos hábitos específicos é que surgem a razão,

a deliberação e o cálculo. “[...] reconstitutive downward causation works by creating and moulding

habits. Habit is the crucial and hidden link in the causal chain” (HODGSON, 2003a, p. 171).
Hodgson (2006, 2007a) concorda com Veblen e sustenta que a formação dos hábitos
constitui um mecanismo que permite que as regras culturais e institucionais de cognição e ação

adentrem a mente humana. Assim, toda deliberação depende da formação prévia de hábitos, os quais

são formados através de pensamentos ou comportamentos repetidos em ambientes sociais

específicos. Embora sejam conexões individuais – que se formam na mente de cada indivíduo –, os

hábitos possuem forte marca social. É a este processo, que opera através da moldagem dos hábitos e

que vai da estrutura social específica para o indivíduo, que Hodgson (2013) chama de “causalidade

reconstitutiva descendente”, sendo assim denominado porque enfatiza os efeitos reconstitutivos das

instituições sobre os indivíduos, ao mesmo tempo em que evidencia a dependência da evolução

institucional em relação à formação de hábitos concordantes.

A causalidade descendente reconstitutiva ocorre porque as instituições são capazes de criar

novos hábitos ou alterar hábitos existentes de forma reconstitutiva. As instituições até podem levar

diretamente a mudanças nas intenções (preferências) individuais, mas apenas de forma não

reconstitutiva. Por outro lado, quando as instituições agem não diretamente sobre as ações dos

indivíduos, mas sobre as suas disposições habituais, elas exercem uma causalidade descendente sem

que a agência individual seja reduzida aos seus efeitos.

Os hábitos são mecanismos aceitáveis de causação descendente reconstitutiva, visto que,

através deles, é possível explicar a forma pela qual as instituições afetam o comportamento

individual. É reconhecido que as instituições também podem afetar diretamente as intenções dos

agentes – através de incentivos, sanções ou restrições –, mas o processo de causação descendente

reconstitutiva entra em ação quando isso ocorre de forma indireta, através da formação e sustentação

dos hábitos.

O feedback positivo entre instituições e indivíduos é o elemento que dá sustentação à


estrutura institucional. As instituições são perpetuadas não apenas pelas regras de coordenação que

oferecem, mas, principalmente, porque moldam aspirações individuais, criando uma base para a sua

existência. Isso não significa, no entanto, que as instituições sejam independentes: elas dependem dos

indivíduos e, sobretudo, das interações entre eles, assim como dos seus hábitos compartilhados de

pensamento (HODGSON, 2006).


Com essa discussão sobre o conceito de causalidade descendente reconstitutiva, Hodgson e

Knudesn (2004) argumentam que é possível superar o dilema entre o individualismo e o coletivismo

metodológico pois, ao agir sobre as disposições habituais – e não diretamente sobre as decisões dos

15
indivíduos –, as instituições exercem uma causação descendente reconstitutiva sobre os indivíduos,

sem, no entanto, reduzir o papel da agência individual. Nesse sentido, as explicações sobre os

fenômenos socioeconômicos não são reduzidas nem aos indivíduos nem às instituições.

4. A INFLUÊNCIA DE VEBLEN NA ABORDAGEM INSTITUCIONALISTA DE


HODGSON

A partir da identificação, feita até aqui, dos posicionamentos contrários às análises

estritamente economicistas, com base em um processo teleológico e por meio de ferramentas

estáticas, subentende-se que ambos os autores concordam que as ações econômicas não

necessariamente buscam eficiência ou maximização. Existem outras dimensões, não somente a

econômica, construindo o contexto pessoal e social no qual as decisões são tomadas. Partindo do

princípio de que o controle e a expansão das ações individuais sempre resultam em ganhos e perdas

para um dos lados envolvidos, o consenso é a busca deste processo emulado pela força de hábitos

sociais. Tais hábitos são o elo que conecta estes consensos e aspectos intrínsecos da natureza humana,

fato que não pode ser negado, à medida que se evidencia a origem das preferências e interesses.

Contudo, existe um intervalo de cerca de um século entre suas construções e, portanto, são

claros os avanços de Hodgson sobre o arcabouço vebleniano. Embora a Economia Evolucionária seja

competente em apresentar as limitações do mainstream econômico, ela própria possui suas limitações

referentes à falta de um esquema claro e que comungue a intencionalidade humana à causalidade no

desenvolvimento das instituições (HODGSON, 2004b).

4.1 Instintos, Hábitos e Instituições

A dialética presente nas interações entre as disposições inatas dos agentes e a consolidação

dos consensos sociais é, sobremaneira, o principal ponto de convergência entre Veblen e Hodgson.

Instintos, encarados nessa lógica de raciocínio como tais propensões inatas, não determinam os

comportamentos; eles são sujeitos a desenvolvimento e modificações pela força dos hábitos

(VEBLEN, 1914). Isso é o que Veblen intenciona dizer ao mencionar que hábitos de pensamento ou
de vida, formados em resposta a um determinado estímulo, afetarão, indubitavelmente, a natureza das

respostas aos estímulos futuros, pois modificarão o arcabouço cognitivo do indivíduo, que subsidiará

tomadas de decisão no futuro. Hodgson (2007b) esclarece que a formação dos hábitos requer

comportamentos repetidos, que podem ser acionados, muitas vezes, pela propensão a imitar outros

indivíduos. Nesse sentido, o comportamento repetido leva à formação de hábitos de ação e de

pensamento. “Habit is the psychological mechanism that forms the basis of much rule-following

behaviour (HODGSON, 2007b, p.107).

16
Idêntico entendimento pode ser verificado em Veblen (1899), quando o autor delibera sobre

a forma como hábitos de vida e pensamento são a representação daquilo que se elege como ideal.

Admite-se, nesse sentido, a existência de um esquema de vida no qual se codificam padrões (aquilo

que é belo, bom, conveniente, por ex.), a partir da vida de uma parte dos indivíduos. Esses códigos

representam respostas encontradas pelo coletivo de interação entre a natureza humana e a estrutura

que se apresenta, ou seja, sistemas de convenção e bom senso. Assim, é nítida a premissa de que este

caminho entre instintos, hábitos e instituições não é um caminho homogêneo e unidirecional, uma vez

que a cada movimento, um novo contexto se forma e, embora existam mecanismos que visem a

estabilização das instituições, esse cenário deve ser encarado como dinâmico.

É no caminho da natureza individual humana e das instituições presentes na estrutura social

que reside o cerne analítico proposto. Quando Hodgson (2007a, p. 331) menciona que “as
capacidades de deliberação humana estão vinculadas à evolução dos seus contextos social e

biológico” (tradução nossa), deixa evidente que sua análise sobre a racionalização não negligencia

nem os aspectos intrínsecos ao homem, nem aqueles construídos pela sociedade e nos quais orbitam

as ações. Com isso, ao darem espaço à interação entre gatilhos instintivos e forças estruturais, tanto

Veblen quanto Hodgson demonstram o caráter cumulativo que consideram presente nas ações.

Observa-se, desse modo, a existência de uma herança biológica e social, sobre as quais atuam

instituições moldadas outrora, incentivando e constrangendo determinados comportamentos.

Veblen, aproximando-se dessa constatação de que as interações entre estrutura e indivíduo

devem ser consideradas de forma dialética em um processo de retroalimentação, assim delibera:

The growth and mutations of the institutional fabric are an outcome of the conduct of the
individual members of the group, since it is out of the experience of the individuals, through
the habituation of individuals, that institutions arise; and it is in this same experience that
these institutions act to direct and define the aims and end of conduct. It is, of course, on
individuals that the system of institutions imposes those conventional standards, ideals, and
canons of conduct that make up the community's scheme of life (VEBLEN, 1909, p. 628).

O próprio crescimento cultural é, destacadamente, a representação da sequência cumulativa

das formas como a natureza humana responde às exigências que lhe aparecem. Entretanto, esse

sistema de convenções se sustenta com alguma flexibilidade, conforme aponta Veblen (1909),

diagnosticando que, a partir do momento em que se compreende que as instituições do passado

influenciam as do futuro, é correto afirmar que são os hábitos que atuam nessa condição mutacional.

O crescimento cultural, assim, seria “uma sequência cumulativa de habituação, e os caminhos e meios

para isso são a resposta natural humana às exigências que se apresentam” (VEBLEN, 1909, p. 628),

criando, cada movimento no sentido de responder a esses incentivos, uma nova situação, e induzindo

novas formas de resposta.

17
É o caráter cumulativo e consistente, justamente, que torna a habituação tão significativa

como proposta analítica. Embora se considere a premissa da supracitada constante variação do

cenário institucional, existe certa consistência no processo de cognição ao passar por propensões

inatas e aptidões, somando-se a isso a cumulatividade inferida, a qual permite buscar-se no passado

atributos que corroborem o objeto em avaliação (VEBLEN, 1909).


Com o exposto até aqui, pretendeu-se demonstrar como ambos os autores em debate

encaram o contexto de mudança institucional. Considera-se esse entendimento pré-requisito para que

se postulem suas propostas analíticas, assim como as da matriz institucionalista como um todo. Além
disso, as instituições não podem ser vistas como estruturas sólidas e permanentes, uma vez que a

“evolução da estrutura social foi um processo de seleção natural das instituições” (VEBLEN, 1899, p.

179), do mesmo modo que o ambiente institucional não pode ser tomado como externo ao

comportamento na repetição de hábitos de vida e pensamento.

Quadro 1. Comparação entre abordagem e tratamento dado aos diferentes elementos de análise
em Veblen e Hodgson

Elemento de Abordagem/Tratamento de Veblen Abordagem/Tratamento de Hodgson


Análise

Observação dos processos transformativos da


sociedade; Rejeição ao caráter estático da Crítica à racionalidade maximizadora; Rejeição
Crítica
Economia; Ênfase na importância de considerar o da ideia de preferências exógenas; Rejeição do
ao neoclacissismo
processo contínuo e processual de construção dos paradigma deliberativo
comportamentos

Rejeição das preferências individuais como fixas


e imutáveis; Ênfase na importância de considerar
Crítica ao
Crítica ao “homem hedonista”, capaz de calcular os indivíduos em seus contextos histórico e
individualismo
suas escolhas em relação às próprias vontades institucional; Reconhecimento dos efeitos
metodológico
reconstitutivos das instituições sobre os
indivíduos

Crítica ao Reconhecimento de que os indivíduos criam,


Crítica à ênfase antropológica na estrutura como
coletivismo reproduzem, transformam ou destroem as
determinante para as ações individuais
metodológico instituições, intencional ou involuntariamente

Ênfase nos fenômenos de variância, herança e


Darwinismo seleção natural das instituições; avaliação causal Comprometimento com explicações causais
da interação entre indivíduo e estrutura social

Caráter Entendimento do agente humano como parte de Necessidade de análise das instituições em um
evolucionário da um processo evolucionário; Crítica às análises contexto evolucionário; Ênfase na necessidade
Ciência simplificadoras; Constatação da constante de analisar os indivíduos em seus respectivos
Econômica evolução da dinâmica social contextos

Mecanismos que fornecem os fundamentos para


Hábitos de vida e de pensamento; Hábitos sociais,
a modificação das crenças e das preferências;
de consumo e emulação; Expressão da
Hábitos repertórios submersos de comportamentos
retroalimentação dinâmica entre a natureza
potenciais, que podem ser reforçados por
humana e as instituições
contextos apropriados

18
Imposição de consistência à atividade humana;
Hábitos de pensamento comuns à generalidade dos
Instituições Sistemas duradouros de regras sociais, que
homens
estruturam as interações humanas

Fonte: Elaboração própria.

Este é um significativo avanço na análise de Hodgson, que interpreta a interação entre

estrutura e indivíduo proposta por Veblen de forma reconstitutiva (em que ambos se retroalimentam)

e descendente (da estrutura para o indivíduo). Ou seja, as forças institucionais podem restringir ou

expandir determinados comportamentos, mas é por meio da repetição desses comportamentos, em

forma de hábitos, que as próprias instituições se perpetuam. Tal interação indireta entre instituições e

comportamentos pode ser compreendida da seguinte forma:


It is not simply the individual behaviour that has been changed: there are also changes in
habitual dispositions. In turn, these are associated with changed individual understandings,
purposes and preferences (HODGSON, 2003b, p.167).

Analisando essas informações, busca-se transpor esses mecanismos analíticos para sua

utilização em fenômenos e objetos de investigação atuais. Veblen (1914) já indicava que, com a

evolução da ciência e do corpo de conhecimento das sociedades, propensões inatas iriam sendo

incorporadas no legado de hábitos e comportamentos das gerações passadas. Hodgson (1994), por sua

vez, demonstra que algumas escolas econômicas hodiernas lançam mão dessa lógica através ao

indicarem que a aquisição de aptidões tecnológicas e as formas utilizadas para que essas aptidões

sejam transmitidas dentro da economia, representam a “memória da organização”, quais sejam, os

hábitos e as rotinas institucionalizados na empresa.

O ambiente e o objeto de investigação de Veblen eram outros; assim como eram outros seus

interesses. Gestão e microeconomia surgiam apenas de forma adjacente às avaliações dos aspectos

evolucionários que sustentavam o crescimento do capital e as características dos homens de negócios

que emergiam. Contudo, é nas premissas evolucionárias que as similaridades se sustentam. Assim

como rotinas de trabalho e protocolos de operação, para Veblen (1914, p. 07), “[…] caminhos e meios
encaixam-se em linhas convencionais, adquirem a consistência de costume e prescrição, e então

tomam um caráter e força institucionais”. Assim, escolhas e decisões tomadas trarão resultados

futuros, à medida que “a situação de hoje modela as instituições de amanhã mediante um processo

seletivo e coercitivo, atuando na habitual opinião humana sobre as coisas, e assim alterando ou

revigorando um ponto de vista ou uma atitude mental herdada do passado” (VEBLEN, 1899, p. 88).
No Quadro 1, expõe-se uma súmula das abordagens desses autores.

4.2 Da “Economia Evolucionária” de Veblen à “Causalidade Reconstitutiva Descendente” de


Hodgson

19
Conforme exposto no referencial teórico é nos escritos de Veblen, do final do Século XIX e
início do XX, que estão expostas as suas críticas às análises econômicas tradicionais. Infere-se, a

partir daí, que sua crítica reside, sobretudo, em considerar os fenômenos de forma unilateral e

estática. Nas ciências econômicas, ele considerava que análises que punham o indivíduo como

tomador soberano das decisões, um ente homogêneo e apartado do seu contexto social-histórico, não

condiziam com a realidade, necessitando, assim, se ajustarem às evidências (VEBLEN, 1899).


Assim, embora a distância cronológica entre os escritos de Veblen e os de Hodgson, este mantém e

sustenta a crítica sobre a negligência da economia mainstream no fato de que objetos e preferências se

reconstituem em uma contínua evolução histórico-institucional (HODGSON, 2003b).

Para Veblen (1914), os cientistas, usualmente, tinham de agir no intuito de buscar fatos que

corroborassem as teorias existentes, e, quando esta tensão entre teoria e realidade se tornasse

incompatível, tais fatos seriam considerados como fatores disturbantes. Para ele, mesmo análises com

apelo estatístico deveriam desvincular-se da ênfase sobre os indivíduos e considerar que esses estão

incorporados a esquemas de vida complexos, o que dificulta a homogeneização dos padrões de

comportamento. As preferências, mesmo sendo formadas endogenamente (HODGSON, 2003b), não

poderiam ser apartadas da realidade sob pena de fundamentar evidências pouco verossímeis.

Nesse sentido, Veblen deixa claro que as análises existentes à época, que se colocavam como

alternativa, principalmente do campo da antropologia, padeciam do mal de transferir à estrutura os

elementos fundadores da ação. Era preciso ter como pressupostos os fatos de que o desenvolvimento

social e a conduta humana seriam, em última análise, redutíveis tanto ao “tecido vivo” quanto ao

“ambiente material” (VEBLEN, 1899). O excerto, a seguir, melhor expõe esse diagnóstico:

The economists have accepted the hedonistic preconceptions concerning human nature and
human action, and the conception of the economic interest which a hedonistic psychology
gives does not afford material for a theory of the development of human nature [...] At the
same time the anthropological preconceptions current in that common-sense apprehension of
human nature to which economists have habitually turned has not enforced the formulation of
human nature in terms of a cumulative growth of habits of life.(VEBLEN, 1898, p. 22).

Nessa citação vê-se descrito aquilo que Hodgson considera o problema da ênfase analítica

estar ou no indivíduo ou na estrutura. Para ele, tanto o individualismo quanto o coletivismo

metodológico representam, em seus extremos, versões de um reducionismo exploratório, que tende a

considerar fenômenos complexos a partir de um único nível analítico. O próprio Hodgson (2004b)

corrobora o pensamento de Veblen, inferindo que confinar a deliberação humana a um processo

teleológico racional em termos de cálculo e escolha encobre a sequência cumulativa de fatores que

compuseram os subsídios cognitivos para esta deliberação. Desse modo, ele se aproxima de Veblen

que, ao valorizar os hábitos como mecanismos de interação entre indivíduo e estrutura, se afasta das

análises puramente vinculadas ao individualismo ou ao coletivismo metodológico.

20
Nesse sentido, tanto um autor quanto o outro se direcionam à busca por uma resposta

analítica que se posicione entre esses extremos e se afaste dos supracitados extremos. Assim, se para

Veblen essa resposta seria a “Economia Evolucionária”, para Hodgson, a resposta seria a
“Causalidade Reconstitutiva Descendente”. Embora este último se apoie no primeiro, ele busca

desmistificar um caráter abstrato e generalista da proposta vebleniana, preenchendo lacunas deixadas:

Veblen outlined the problem of reconciling human volition and causality but failed to develop
an adequate and non-reductionist philosophical framework in wich human intentionality,
monism and causality could be reconciled; without reducing mind to matter, or matter to
mind (HODGSON, 2004b, p.351).

Sendo assim, a partir dessa derivação, Hodgson (2003a) clarifica esse processo dialético,

mostrando indícios da triangulação entre as categorias instintos, hábitos e instituições, que espera

incorporar às análises. Nesse contexto, ao conectarem instintos aos aspectos reguladores da

sociedade, os hábitos são mais do que simples comportamentos, eles representam a compreensão da

realidade por parte dos agentes. Dessa forma, a mudança institucional afeta não só as ações, mas

também o entendimento de mundo de determinada sociedade.

À medida que o impacto descendente das forças institucionais não afeta os instintos (estes

seriam orgânicos e hereditários), é na formulação habitual das formas de fazer as coisas e responder

aos incentivos que a estrutura interfere na cognição humana de forma indireta. E, de forma

complementar, a própria habituação interfere nesse sistema de convenções, pois enraíza pontos de

vista no aparato cognitivo utilizado para deliberações futuras. Por outro lado, se as instituições afetam

diretamente as preferências dos indivíduos, isto é, sem o intermédio do processo de habituação, não é

possível afirmar que essa interferência afetará as deliberações futuras e conferirá estabilidade às

instituições reinantes. Novamente, é o mecanismo do hábito que garante tal estabilidade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Institucionalismo, no âmbito das Ciências Sociais, surgiu como uma alternativa à teoria

neoclássica, a qual, tradicionalmente, desconsiderava a influência dos contextos socioeconômico e

institucional sobre as decisões dos indivíduos. Essa alternativa, muito além de constituir oposição ao

neoclacissismo, forneceu um aparato teórico para análises robustas e consistentes com a realidade,

sobretudo na esfera das Ciências Econômicas. Nesse sentido, a reaproximação da Economia com a

Psicologia e a Sociologia muniu tais análises de aplicabilidade empírica, ao mesmo tempo em que

promoveu o afastamento do paradigma deliberativo presente nesse campo.

Thorstein Veblen, principal representante do Institucionalismo norte-americano, ao

considerar as instituições como hábitos estabelecidos de pensamento comuns à generalidade dos

21
homens, enfatizou o tripé: “instintos – hábitos – instituições”, e estabeleceu o processo de
retroalimentação entre essas categorias. Ao compreender a Economia como uma “ciência

evolucionária”, sustenta que as análises prescindem considerar os contextos sociais e econômicos nos

quais são concebidas, pois estes são dinâmicos e encontram-se em constante mutação.

Geoffrey Hodgson, por sua vez, herdeiro da tradição institucionalista original, definiu as

instituições como sistemas duradouros de regras sociais, que estruturam as interações humanas. Ao

reprovar tanto as análises que preconizam o individualismo metodológico quanto as que sustentam o

coletivismo metodológico, Hodgson sugere o resgate da abordagem vebleniana e, sobretudo, o


conceito central de “hábitos” para a compreensão de que os indivíduos afetam as instituições, mas

que também são afetados por elas. A “causação descendente reconstitutiva” da estrutura em direção

ao agente só é possível através da modificação prévia dos hábitos individuais, pois é este mecanismo

que permite que as regras culturais e institucionais adentrem, de fato, a mente humana.

Não obstante, os cem anos de desenvolvimentos teóricos que separam esses dois autores, as

abordagens empreendidas por eles parecem caminhar em uma direção bastante convergente: a

rejeição das análises que preconizam os indivíduos sem considerar as estruturas sociais e

institucionais nas quais estão inseridos; e, ao mesmo tempo, daquelas que inferem que tais estruturas

são a tal ponto determinantes do comportamento individual que são capazes de retirar o seu poder de

ação. Nesse sentido, pode se afirmar que, para Veblen e Hodgson, as disposições habituais emergem
como fundamentais para o entendimento da retroalimentação entre indivíduos e instituições.

REFERÊNCIAS

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