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Seminários abertos por uma educação não-violenta

Proponente: Profª. Drª. Priscilla Tesch Spinelli, Departamento de Filosofia/ IFCH – UFRGS.
Equipe preliminar: Dr. Nykolas Friedrich Von Petters Correia Motta (Filosofia UFRGS),
licenciando em Filosofia - UFRGS; Leonardo Barros de Assis, licenciando em Filosofia
UFRGS, Dieison William Antunes dos Santos, licenciando em Filosofia UFRGS.

Apresentação

Há uma clara vinculação entre o extremismo de direita e a violência contra as


escolas, ambos grassantes na sociedade brasileira, como aponta o relatório “O extremismo
de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a
ação governamental”1. O que pouco se fala é da relação entre a violência contra as escolas
e a violência das escolas. Instituição inserida no espaço social brasileiro, a escola reproduz
e reforça a estruturação violenta desse espaço. A própria organização espacial da sala de
aula espelha uma rígida hierarquia vertical: professor na frente, com voz, alunos enfileirados
atrás, quase sempre silenciados.
Na Universidade acontece a mesma coisa. Foi reagindo a essa violência estrutural
que nós, um grupo de professoras e estudantes da Filosofia da UFRGS, fundamos o
Seriema – Seminário Radical Interdisciplinar Emancipatório–, em 2021 (mais precisamente,
no intervalo entre 2020/1 e 2020/2 no calendário acadêmico). Em reuniões virtuais
semanais e depois quinzenais, discutimos textos escritos por pessoas negras e indígenas,
especialmente brasileiras, que não víamos em nosso curso, em uma atmosfera de leveza,
abertura e fraternidade. Três professoras, três doutores/as, um doutorando e cerca de dez
graduandos/as discutiam os textos e os problemas por eles trazidos horizontalmente, em pé
de igualdade.
O Seriema passou em 2022 por um período de hibernação de encontros periódicos,
mas agora desperta. Aquilo que fazíamos com um grupo restrito, propomos fazer aberto ao
público e com um grupo maior. A partir de seminários, pretendemos construir coletiva e
fraternalmente um primeiro conhecimento sobre a realidade brasileira que está para além

1
O relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e
alternativas para a ação governamental”, produzido na ocasião da constituição dos grupos de
transição governamental para a gestão Lula-Alckmin, foi publicado em dezembro de 2022 e
coordenado por Daniel Cara (professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo,
dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e membro da coordenação do Grupo
Temático de Educação da transição governamental). Acesso:
https://media.campanha.org.br/acervo/documentos/Relatorio_ExtremismoDeDireitaAtaquesEscolasAl
ternativasParaAcaoGovernamental_RelatorioTransicao_2022_12_11.pdf
dos muros da academia. É preciso escancarar as frestas desse muro e começar a dialogar
com os setores subalternizados historicamente negligenciados pela universidade.

Objetivos

Os seminários abertos por uma educação não-violenta têm como ponto de


partida o reconhecimento do racismo estrutural que define a sociedade brasileira com o
silenciamento e invisibilização de pessoas não-brancas subalternizadas. O outro lado da
moeda da subalternização é a branquitude, carregada de privilégios que pessoas brancas
usufruem mesmo sem saber ou querer. Para tal realidade ser modificada, especialmente
dentro da sala de aula, é preciso conhecê-la, e para tanto precisamos ouvir as vozes de
pessoas negras e indígenas. E é preciso que as pessoas brancas reconheçam consequente
e praticamente a sua branquitude. Esse é o primeiro objetivo, de duplo aspecto, desta
atividade.
Uma mudança social passa por uma mudança da estrutura da sociedade que
extrapola os confins da sala de aula. A violência está no cerne da sociedade brasileira. A
mudança só será possível se agirmos de forma não-violenta e criarmos zonas de
acolhimento e fraternidade em nossas áreas de atuação. Sabemos que essas zonas não
serão livres de conflitos, mas se queremos com eles aprender, é preciso que eles ocorram
em espaços seguros, de liberdade. O segundo objetivo da atividade é criar um tal espaço
nas discussões, em que a diversidade possa ser expressa sem medo. Para tanto,
precisamos reaprender a conversar com fraternidade, uma vez que nossas experiências em
sala de aula costumam nos silenciar e tolher essa receptividade. O terceiro objetivo é
inculcar a prática do diálogo fraterno.

Justificativa

É mais do que necessário defender o ambiente democratico das universidades e os


espaços de saber diante da violência sem igual que vivenciamos em nosso país hoje. O
seminário tem o papel de motivar, estimular e também relacionar diferentes realidades com
o intuito de acolher todas as pessoas envolvidas a partir de seu lugar de fala, não
importando seu grau de formação acadêmica, se é que possuem. Ademais, de maneira
horizontal e através das leituras propostas, almeja debater com saberes outrora ignorados,
procurando sair da força centrípeta do eurocentrismo e valorizar escritos nacionais, pessoas
pensantes negras e indígenas.
Os seminários abertos por uma educação não-violenta têm como proposta este
acolhimento dos saberes e os ideais de debater para além dos autores que ordinariamente
são vistos nos nossos anos de graduação. Visa a procurar e vasculhar meios de aplicar a
teoria, de uni-la à prática, que muitas vezes se faz tão difícil em cenários totalmente
caóticos e sucateados em que se encontram nossas escolas. A dificuldade não é só física,
mas psíquica também, pois professores e professoras, especialmente na educação pública,
estão no dia a dia no front da luta pela democracia. Na luta contra o amor à morte (que
Paulo Freire a partir de Erich Fromm chamou de necrofilia) e contra a mecanização do ser
humano, em favor da renovação e da autorrealização da totalidade das pessoas presentes
na sala de aula.
Para que a democracia seja efetiva, ela precisa ser vivida em espaços que acolham
a diversidade e respeitem a alteridade. A ocupação de uma das salas do Centro Cultural da
UFRGS representaria uma oportunidade para o Seriema tentar criar um espaço em que a
democracia pudesse ser vivenciada por mais pessoas através do diálogo e do respeito.

Público-alvo

O público-alvo dos seminários abertos por uma educação não-violenta é o


público em geral, da comunidade acadêmica e da extra-acadêmica. Estão previstas 50
vagas para participantes. Se e quando forem ocupadas 30 vagas, a partir daí será
priorizada a presença de professores e professoras da rede pública de ensino e estudantes
de Licenciatura.

Metodologia

O andamento dos seminários abertos por uma educação não-violenta será


pautado pela leitura e debate de textos. Como a ideia é ocorrerem uma vez por semana, é
indispensável que os/as participantes dos seminários tenham esse tempo para ler o texto
selecionado. Além disso, um/a participante (escolhido/a na semana prévia) ficará
responsável por fazer uma breve apresentação inicial de 15 a 20 minutos a respeito do
texto. A partir daí não há direção prévia para o rumo que os debates podem assumir, na
intenção justamente de que a autonomia seja exercida na autoconstituição do espaço
público de discussão. Os textos listados no cronograma das atividades podem ser alterados
conforme demanda e sugestão dos próprios participantes. Ademais, é possível solicitar
intérpretes de Libras para a Faculdade de Educação da UFRGS caso seja necessário.

Cronograma das atividades


Uma vez por semana, durante dois meses, das 17h às 19h.

● Módulo I – Violência estruturante e violência estrutural


○ 10/10/2023: debate de trechos do livro 1492: o encobrimento do outro, de
Enrique Dussel;
○ 17/10/2023: debate de trechos do livro Racismo estrutural: uma
perspectiva histórico-crítica, de Dennis de Oliveira.
● Módulo II – Branquitude e os privilegiados da violência estrutural
○ 24/10/2023: debate de trechos do livro Entre o encardido, o branco e o
branquíssimo: Branquitude, hierarquia e poder na cidade de São Paulo,
de Lia Vainer Schucman.
○ 31/10/2023:: debate de trechos do livro Pactos narcísicos no racismo:
branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público,
de Maria Aparecida da Silva Bento.
● Módulo III – Respostas à violência estrutural
○ 07/11/2023: debate de trechos do livro A construção do outro como
não-ser como fundamento do ser, de Sueli Carneiro.
○ 14/11/2023: debate de trechos do livro O caráter do movimento indígena
brasileiro, de Daniel Munduruku.
● Módulo IV – Por uma educação resistente e não-violenta
○ 21/11/2023: debate de trechos do livro Extensão ou comunicação?, de
Paulo Freire.
○ 28/11/2023: debate de trechos do livro Extensão popular: caminhos em
construção, organizado por Pedro José Santos Carneiro Cruz et al. .

Considerações finais

Através da iniciativa dos seminários abertos por uma educação não-violenta


esperamos propiciar aos debatedores e debatedoras uma reformulação de seu pensamento
no campo social e educacional. Os conteúdos e práticas engessados da universidade serão
renovados pelo confronto com aquilo que não é normalmente ensinado, justamente o
enfoque dos debates que pretendemos suscitar. É necessário um processo de reavaliação
das teorias e práticas educacionais a partir das perspectivas dos segmentos
subalternizados, uma vez que conhecem e vivenciam aquilo que é sistematicamente
ignorado e reprimido pela branquitude. É apenas pelo conhecimento prático da nossa
realidade, mediado pelas vivências de pessoas negras e indígenas, com elas e por elas,
que podemos começar a desenvolver teorias e práticas educacionais adequadas às nossas
escolas e universidades. É um pequeno passo o que damos, certamente. Mas é um.

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