Você está na página 1de 86

PADRE JOSÉ MENDIVE

INSTITUIÇÕES DA FILOSOFIA TOMISTA À


MENTE DE SÃO TOMÁS DE AQUINO E DE
SUAREZ

TEODICEIA

INTRODUÇÃO
1. – Teodiceia, que por alguns foi acostumada a ser chamada de
Teologia Natural, é aquela parte da Filosofia que investiga e demonstra a
existência que Deus e das suas altíssimas perfeições pelo lume da razão.
À medida em que é parte da Filosofia, compete a ela a razão de verdadeira
ciência. Pois a Filosofia, em todas as suas partes, é ciência verdadeira. À
medida em que é versada acerca de Deus e de suas excelsas perfeições, é
discriminada pelas restantes partes da Filosofia; pois toda ciência aceita
por seu próprio objeto a sua razão. À medida em que, finalmente, investiga
as suas verdades pelo lume da razão, é distinguida da Teologia: já que esta
examina a natureza e os divinos mistérios de Deus sob um lume da fé e da
revelação sobrenatural mais elevado.
2. – Não há por que digamos uma só palavra sobre a nobreza da
Teodiceia. Pois consta que aquela é o que é máximo, porque esta ciência é
versada acerca do objeto mais nobre. A ordem, porém, das coisas que
serão trazidas será esta: primeiro provaremos a existência de Deus, e então
examinaremos ser aduzidos os argumentos habituais por meio de coisas
em prol dos que devem ser provados, e ventilaremos questões esperando
um conhecimento de Deus; donde, porém, provaremos a natureza de Deus,
e então os seus atributos particulares para os homens.
CAPÍTULO PRIMEIERO
DA EXISTÊNCIA DE DEUS

3. – Antes que passemos à investigação da natureza de Deus,


convém provar sua existência; pois a certa ordem de disputa postula isto.
Devem ser perguntadas quatro coisas para esta questão que deve ser
resolvida: I. Se a existência de Deus é per se conhecida; II. Se é
demonstrável que Deus existe; III. Os argumentos pelos quais pode ser
provada a existência de Deus; IV. O que se deve dizer dos ateus.
Falaremos sobre estas coisas, portanto, assim como sobre os artigos.

ARTIGO PRIMEIRO

Da necessidade de algum discurso para o conhecimento da existência de


Deus.

4. – Entendemos pelo nome de Deus “O sumo Ente, que existe por


sua própria essência, do qual procedem todas as coisas, e que dispõe e
governa pela sua sabedoria perfeitíssima cada uma de todas as coisas”.
Escreve Santo Agostinho que “Quanto a este som (“Deus”) toca os
ouvidos de todos os que conhecem a língua latina, move a um
conhecimento excelentíssimo e à natureza imortal. Pois visto que Deus é
cogitado um dos deuses, por ”1.
5. – Aduzido por esta noção de Deus, Santo Anselmo, no Proslog.
Cc. 2-4, tentou demonstrar a existência de Deus por si mesma, sem
qualquer discurso, e somente por meio das exposições dos termos, pelos
quais é enunciada ser conhecida por nós. E contra, São Tomás2, a quem
seguem todos os teólogos em geral neste assunto, diz que Deus existir não
é per se conhecido quanto a nós, mas somente quanto a si; e por onde
todos os homens nesta vida, enquanto conhecem a existência de Deus,
precisam de algum discurso. Como nós suportamos esta doutrina veríssima
doutrina, assim se segue.

1
Santo Agostinho, Da Doutrina Cristã, livro I, capítulo 6-7.
2
São Tomás, Suma Teológica, I. p. q. 2, art. I.
PROPOSIÇÃO

A existência de Deus é per se conhecida quanto a Ele, não, porém, quanto


a nós.

6. – Prob. I.ª p. – Esta proposição: Deus existe, na qual é predicada


de Deus a existência, é per se conhecida quanto a Ele. Portanto, deve ser
dito que a existência de Deus é per se conhecida quanto a Ele. Prob. ant. É
per se conhecida aquela proposição quanto a si cujo predicado é da razão
do sujeito; assim como o que entende o que é aquilo que é significado
através dos nomes do sujeito e do predicado, imediatamente, sem qualquer
discurso, entende que o predicado convém ao sujeito. Isto, contudo, ocorre
nessa proposição, Deus existe: pois a existência é a essência de Deus; e,
por onde, ninguém pode conhecer a essência de Deus ou o que Deus é, de
modo que por isso se conheça sem qualquer discurso que Deus existe.
Portanto.
7. – Prob. 2.ª p. – Esta proposição: Deus existe, não é per se
conhecida quanto a nós. Portanto. Prob. ant. I.º. Para que a proposição
predita fosse per conhecida quanto a nós, deveria demonstrar a nós que é
evidente a sua verdade a partir da exposição dos termos somente, pelos
quais é enunciada. Mas a exposição dos termos, uma vez expressados per
se, somente minimamente diz a nós que Deus verdadeiramente existe à
parte das coisas e fora do nosso intelecto. Pois somente enuncia a nós que
a existência física e real se assemelha a Deus na hipótese que o objeto
significado pelo nome Deus não seja falsificado pela nossa imaginação,
mas que é real e capaz de existir: caso, porém, o objeto que vem sob o
nome de Deus não seja o que realmente é apto a existir, isto nós não
podemos saber com certeza a partir da exposição dos termos, pelos quais a
proposição predica é anunciada. Portanto. 2.º. Qualquer proposição é
incapaz de ser dita que é per se conhecida quanto a nós quando todos,
geralmente os sábios que podem realizar um julgamento dela, dizem que
sua verdade carece de demonstração. Mas isto acontece em relação à
proposição citada: pois se tu excetuas um ou outro Escolástico que adere a
Santo Anselmo, todos suporão que esta proposição carece de
demonstração. Portanto3.

Resolvem-se as dificuldades.

8. – Obj. I. Pelo consenso de todos os povos, como demonstra Santo


Agostinho no primeiro livro Da Doutrina Cristã citado acima, entende-se
pelo nome de Deus: Aquilo o qual nada melhor pode ser concebido. Mas
aquilo o qual nada melhor pode ser concebido deve, por necessidade,
existir fora do intelecto. Portanto. Prob. min. Se somente dentro do
intelecto é suposto existir, já não será maior aquele o qual nada melhor
pode ser concebido; porque é melhor dentro e fora do intelecto, que
somente dentro do intelecto. Portanto.
Resp. – Conc. maj. et dist. min. – Aquilo o qual nada melhor pode
ser pensado deve necessariamente existir fora do intelecto se é um ente
real, e apto a existir fora do intelecto. Conc.: se é puro ente de razão e
ficcionado pelo intelecto, Neg. Para a prova: Dist. ant. Se é suposto existir
somente dentro do intelecto, e é possível ou intrinsicamente apto a existir,
já não será mais amplo aquilo o qual nada melhor pode ser concebido,
Conc.: do contrário, Neg. O conceito de Deus, existindo em todos os
homens, não é intuitivo, mas abstrativo ou através da síntese do intelecto a
partir da conjunção de diversos conceitos formados dos universais; pois
por este modo nós formamos a nós o conceito de todas as coisas que
versam acerca das coisas insensíveis espirituais. Já o nosso intelecto,
porém, através da síntese das ideias forma para si entes meramente ideias e
em si somente através do modo do objeto que pode existir: e a partir da
exposição dos termos não consta se Deus, o qual nada melhor pode ser
concebido por nós, é um ente verdadeiramente real e capaz de existir fora
do intelecto, ou um ente de razão e que não pode existir a menos que no
intelecto através do modo do sujeito. Por conta disto, é evidente que não é
de nenhum valor aquilo que é dito no fim do argumento. Pois, de fato, é
melhor existir dentro e fora do intelecto que somente no intelecto, quanto
ao ente real e apto a existir, porém minimamente quanto ao mero ente de
razão.

3
Cf. São Tomás de Aquino, Suma Teológica I. p. q. 2, ar. 1; também Contra os Gentios I. cap. 10-11.
9. – Obj. II. Ninguém pode conceber Deus sem conceber que existe;
pois a existência é de sua essência. Por onde, aquilo que ninguém pode
conceber corretamente, sem conceber que exista, é manifestadamente
existente. Portanto.
Resp. – Dist. maj. – Ninguém pode conceber a Deus, sem conceber
pela concepção meramente apreensiva que existe, Conc.; sem cogitar pela
concepção judicativa que existe, Neg. E contradist. min. neg. cons.
Ninguém pode conceber Deus através da simples apreensão, sem
representa-lo si como existente; porque a existência é de sua razão formal.
Mas podemos conceber Deus sem jugarmos que existe: pois há e sempre
houve homens ateus, que concebem a existência de Deus, embora neguem
que Deus exista.
10. Obj. III. O conhecimento de Deus a partir do uso da primeira
razão é necessário aos homens para uma operação honesta. Portanto, antes
do primeiro uso da razão, a existência de Deus já deve ser manifesta para
aqueles.
Resp. – I.º Neg. ant. – Pois os princípios da moralidade bastam para
os homens para que agissem honestamente: deve-se fazer o bem, porém
fugir do mal; os quais são imediatamente evidentes, e não incluem o
conhecimento de Deus, sob a razão salva da formalidade da Divindade.
Resp. – 2º Trans. ant. et. dist. cons. – Antes do primeiro uso da
razão, a existência de Deus já deve para os homens ser manifesta através
do magistério externo, Trans.: através da evidência imediata, Neg. De
acordo com a providência ordinária de Deus, os homens vêm ao
conhecimento de Deus pela via da autoridade e do magistério, antes que
através de sua razão possa descobri-Lo: pois na sociedade, eles nascem e,
pelos seus pais, na infância mesmo, tomam conhecimento de Deus. Por
onde, Deus já providencia aos homens a natureza média de adquirir
conhecimento d’Ele, sem ser necessária que Sua existência seja conhecida
per se e imediatamente.
II. – Obj. IV. Dentre tudo, naturalmente e sem qualquer discurso,
notamos existir, à parte as coisas, algum objeto, por cuja posse podemos
ser felizes. Mas este objeto somente Deus é. Portanto, dentre tudo,
naturalmente e sem qualquer discurso, notamos que Deus existe.
Resp. – Conc. maj. et. min., dist. cons. – Dentre tudo, naturalmente
e sem qualquer discurso, notamos existir Deus sob a razão geral da
beatitude objetiva, Conc.: sob a razão especial e própria de Deus, Neg.
Conhecer a Deus sob a razão geral da beatitude objetiva não é
propriamente conhecer a Deus; porque não é per se conhecido nem
evidente a todos os homens que a nossa beatitude objetiva pode ser posta
somente em Deus.
12. – Obj. V. É per se conhecida esta proposição: O ente péssimo
não existe. Portanto, deve ser per se conhecida esta oposta: O ente ótimo
existe. Mas o ente ótimo é Deus. Portanto.
Resp. – Conc. ant. ac nego. cons. Et. parit. – O ente péssimo é
manifestadamente contraditório. Do contrário, a existência do ente ótimo
carece de demonstração; porque não é claro ser per se algum ente possível,
no qual se encontram reunidas simultaneamente todas as perfeições dos
restantes entes inferiores, embora o qual seja expresso através da razão
foram do ente ótimo.
13. – Obj. VI. Foi introduzida a cada homem, pela natureza mesma,
a ideia da existência divina. Donde, por causa disto, a Sagrada Escritura
diz que Deus assignou sobre nós o lume do seu vulto4: e os Santos Padres
da Igreja ensinam que o conhecimento de Deus é uma doutrina natural,
congênita e ingênita à consciência.
Resp. – Dist. maj. – Foi introduzida a cada homem, pela natureza
mesma, a ideia da existência divina, à medida em que podem, por um
discurso muito fácil, pela sua razão natural, conhecer a Deus a partir das
criaturas, Conc.; Do contrário, Neg. Donde dist. pariter min. A natureza
apenas introduz conhecimentos per se evidentes por um discurso muito
estrito, Conc.; por um menos estrito, Nego. E sob dat. dist. neg. cons. Não
somente os conhecimentos imediatamente evidentes, mas também aqueles
que, pelo discurso muito fácil a partir dos imediatamente evidentes são
inferidos, são ditos serem introduzidos pela natureza mesma. Pois a
natureza nos fez todos racionais: onde todos aqueles discursos, que sem
qualquer trabalho humano estiveram em nós assim como pelo movimento
da natureza mesma, são chamamos justamente de optimamente naturais.
Desta maneira, porém, é o discurso, pelo qual todos os homens a partir do
conhecimento deste mundo sensível belíssimo facilmente ascendem ao
conhecimento de seu autor, conduzidos sem qualquer trabalho e por quase
instintiva natureza. E somente isto é que a Escritura e os Padres querem

4
Salmos IV, v. 7.
dizer, quando dizem que o conhecimento da existência divina é para nós
ingênito e introduzido naturalmente.

ARTIGO SEGUNDO

Da demonstrabilidade da existência de Deus.

14. A existência de Deus não pode ser demonstrada, como


estabelecem principalmente os materialistas, os panteístas e os positivistas:
dos quais os primeiros ensinam que Deus deve ser removido às coisas
puramente imaginárias, e nada nas coisas além da matéria pura existe; os
segundos confundem repulsivamente os entes deste mundo sensível com
Deus mesmo, e somente por isso admitem o nome de Deus; os terceiros,
finalmente, reputam como dignas somente as considerações sensíveis dos
homens, porém afirmam para todas as cogitações dos singulares puramente
subjetivas, assim como para o fundamento científico destituído. Assim, os
ontólogos e os tradicionalistas batalham, a partir de uma razão
completamente contrária, em prol da impossibilidade da demonstração da
existência de Deus: pois ambos, a embora levados por razões diversas,
defenderam que o conhecimento de Deus é requerido para todos os outros,
e assim que a existência de Deus pode ser ilustrada e esclarecida através
da contemplação das criaturas, porém minimamente pode ser conhecida
pela demonstração, na qual procedemos do conhecido para o
desconhecido. Finalmente, os sentimentalistas, com seu líder Jacobi, dizem
que a razão humana por seus discursos somente pode ter um conhecimento
obscuro de Deus; porém isto que pode ser comparado pelo instinto a um
cego e para um sentimento da mente, a qual chamamos de fé.
Não é por este motivo que refutaremos todas estas doutrinas falsas,
uma por uma, porque a falsidade delas já foi demonstrada abundantemente
em outras partes da Filosofia. Basta, portanto, tocarmos de leve em
algumas delas e estabelecermos a demonstrabilidade da existência divina
por argumentos firmes. Portanto, passemos para as seguintes proposições.

PROPOSIÇÃO PRIMEIRA
É completamente falso que a revelação divina é absolutamente necessária
para que a mente humana, pelo lume da razão natural a partir das coisas,
possa conhecer certamente a Deus.

15. – Demonst. – A revelação divina não é absolutamente necessária


para que a mente humana, pelo lume da razão natural, seja capaz de
adquirir um certo conhecimento verdadeiro das coisas morais e religiosas,
como consta das coisas demonstradas na Psicologia. Mas o que é dito das
verdades religiosas, por igual razão da fonte de todas as religiões, que é o
Deus verdadeiro, deve ser compreendido. Portanto.
16. – Assim, o Concílio Vaticano não duvidou em reprovar a
doutrina dos tradicionalistas, que afirmam que afirmam a absoluta
necessidade da revelação divina para um conhecimento certo de Deus,
com restas palavras: “A mesma Santa Mãe Igreja defende e ensina que
Deus, o princípio e o fim de todas as coisas, pode ser certamente
conhecido pelo lume da razão natural humana a partir das coisas criadas;
pois desde a criação do mundo as qualidades invisíveis d’Ele são
entendidas, sendo entendidas através daquelas coisas que foram feitas: não
obstante ter revelado outras coisas de sua sabedoria e vontade, e pela via
sobrenatural revelar ao gênero humano os decretos eternos de sua vontade
e Ele mesmo”5. Onde os Pais do Concílio ensinam, pelas forças esperadas
da razão humana, que a mente humana pôde, sem auxílio da revelação,
conhecer certamente, a partir das coisas criadas, Deus; porém pertence ao
fato que viesse ao seu conhecimento pela via sobrenatural da revelação.
Donde, um pouco mais em baixo, no mesmo capítulo, escrevem que “deve
ser concedida a esta revelação divina que essas coisas, as quais não são per
se intransitáveis nas coisas divinas à razão humana, na condição presente
do gênero humano, mediante um firme conhecimento, e sem mistura de
erro, possam ser conhecidas por todos: embora isso, não deve ser dito que
a revelação é absolutamente necessária, mas que Deus, por sua infinita
bondade, ordenou o homem a um fim sobrenatural”.

PROPOSIÇÃO SEGUNDA

5
Concil. Vatic. Constit. Dei Filius, cap. 2.
Deus nem é conhecido por nós em si mesmo imediatamente por qualquer
intuição nem por algum sentimento da mente

17. – Prob. I.ª p. – O conhecimento intuitivo de Deus nem é dado do


facto (Ps. 485), nem convém por sua própria condição (Ps. 488). Portanto.
18. – Prob. 2.ª p. – I. O conhecimento instintivo e cego de Deus
repugna à natureza humana: pois esta, porque é racional, ama suportar o
seu julgamento em algum motivo. 2.º Se o conhecimento de Deus é
chamado de cego ou instintivo, o mesmo deveria ser dito de todos aqueles
conhecimentos primários, os quais são fundamento para todas as ciências:
e isto, de fato, os sentimentalistas e os reidianos admitem, como foi
demonstrado na Lógica (L. 478). Mas isto é destruir todo o edifício das
ciências, ao construir isso em cima da fé cega e instável. Portanto.

PROPOSIÇÃO TERCEIRA

A existência de Deus pode ser verdadeiramente e propriamente


demonstrada.

19. – Demonst. – E requirido e suficiente para uma demonstração


verdadeira e apropriada, que a coisa que deve ser demonstrada seja menos
conhecida para nós que outras coisas, das quais o conhecimento é inferido
através de um raciocínio evidentemente legítimo. Contudo, a existência de
Deus: a) é, quanto a nós, menos conhecida que as criaturas das quais o
conhecimento é inferido; b) deduzido a partir do conhecimento das
criaturas através de um raciocínio legítimo; c) e, por fim, este raciocínio
não é de qualquer gênero, mas verdadeiramente evidente. Portanto.
Prob. minor quoad I.am p. – As criaturas, a saber, as coisas sensíveis,
pertencem ao objeto próprio e proporcionado do nosso intelecto: por outro
lado, Deus, ou seja, uma essência sumamente espiritual e remota ao
máximo das coisas sensíveis, está fora deste objeto proporcional e se
empreende a um meramente adequado. Ora, as coisas que estão fora do
objeto próprio e proporcional do nosso intelecto são menos conhecidas a
nós do que as outras, que são contidas neste objeto; pois estas são
percebidas por suas espécies próprias e sem à imagem de nenhuma outra,
porém aquelas por espécies alienígenas e à imagem das coisas sensíveis
por nós conhecidas. Portanto.
Prob. minor quoad 2.am p. – As criaturas deste mundo sensível
depredicam a sabedoria e a potênciaa de seu Criador: pois todo efeito, de
algum modo, participa da natureza e das perfeições de sua causa e as
manifesta. Mas o Criador supremo de todas as coisas é depreendido ser
Deus. Portanto, a existência deste é inferida através de um raciocínio
legítimo por um conhecimento legítimo daquelas coisas de acordo com o
princípio da causalidade.
Prob. minor quoad 3.am p. – A natureza das coisas sensíveis nos
atesta claramente e manifestadamente que a razão suficiente de sua
existência deve ser posta na ação criadora do seu supremo Criador, como
será evidenciado a partir do que será tratado logo em baixo. Portanto, o
raciocínio, através do qual nós ascendemos das criaturas a Deus, criador
daquelas, não deve ser dito ser de qualquer gênero, mas ser
verdadeiramente demonstrativo.

Resolvem-se as dificuldades.

20. – Obj. I. Os filósofos pagãos, destituídos da revelação divina,


erraram feiamente acerca da natureza de Deus. Donde, isto demonstra que
esta revelação é absolutamente necessária para que a natureza de Deus seja
conhecida a partir das criaturas; pois, do contrário, pelo menos alguns
deles julgariam bem sobre Deus. Portanto, sem a revelação, é
absolutamente impossível conhecer Deus a partir das criaturas.
Resp. – Conc. maj. et. neg. min. – Para cuja prova. Dist. assert. Pelo
menos alguns deles julgariam bem sobre Deus quanto a algumas coisas,
conc.: quanto a tudo, subd. se usassem bem sua razão ao discorrer, como
absolutamente podiam, conc.: do contrário, neg. Os erros dos filósofos
pagãos acerca da natureza de Deus não provam a impotência física de
descobrir o Deus verdadeiro, mas meramente a moral a partir do influxo
das paixões com a dificuldade intrínseca pelo conjunto da obra. Não
obstante a este influxo, em geral, todos os homens eruditos na filosofia
entre os gentios desconheceram a unidade de Deus. Pois, para eu não diga
nada de Sócrates, Platão, Aristóteles e de outros, dos quais consta que sua
doutrina, dentre todas as outras, abertamente se aproximou deste assunto,
São Justino6 e Lactâncio7 abertamente dizem isso de Pitágoras, Ésquilo,
Eurípedes, Sófocles, Filemón, Orfeu e de outros: e Santo Agostinho, no
livro quatro da Cidade de Deus8 afirma que, em geral, todos os filósofos
perceberam retamente a unidade de Deus, ainda que adorassem muitos
deuses como virtudes ou partes de um Deus uno. Por isso que o Concílio
Vaticano concedeu somente a ela que essas coisas, as quais não são per se
intransitáveis nas coisas divinas à razão humana, possam ser conhecidas
por todos livremente, por uma certeza firme e sem qualquer mistura de
erro.
21. – Obj. II. Não há nenhuma proporção entre o finito e o infinito.
Mas as criaturas são algo finito, porém Deus algo infinito. Portanto.
Resp. – Dist. maj. – Entre o finito e o infinito não há nenhuma
proporção de entidade, Conc.: de semelhança, Neg. Assim, concessa
minore, neg. cons. sub. dist. data. As criaturas são, de fato, entidades
finitas; mas dizem intrinsicamente pela sua natureza a semelhança ou
relação a Deus, criador de todas; e, por onde, o conhecimento delas pode
nos conduzir ao conhecimento de Deus.
22. Obj. III. É requerido para uma demonstração verdadeira que, ao
se discorrer, faça-se uma transição do conhecimento ao desconhecido.
Contudo, não pode ser feita uma transição desta maneira das criaturas para
Deus. Portanto. Prob. min. Ou as criaturas são tomadas materialmente, e
como o que são, ou formalmente e como feitas por algo. Se o primeiro. são
percebidas por um conceito absoluto, e assim não conduzem ao
conhecimento de Deus. Se o segundo, dizem uma relação forma delas para
com o Criador, e assim fazem com que o conhecimento d’Ele não seja
discursivo, mas simultâneo com elas, porque são relativas pela coisa e pelo
conhecimento simultâneos. Portanto.
Resp. – Conc. maj. et neg. min. – E para a prova, respondo de
muitas maneiras.
I.º Nego maj. disjunctivam. Pois deve ser adicionado ao terceiro
membro, que as criaturas são tomadas na demonstração de ambos os
modos: materialmente e formalmente. Pois ao considerar a natureza das
criaturas por um conceito absoluto, descobrimos que elas são
essencialmente feitas por outro, e assim as apreendemos por um conceito
6
De Monarchia.
7
Divin. Inst. Lib. I. cap. 5.
8
Cap. 11.
relativo: por este conceito posto, no entanto, ascendemos gradativamente
ao primeiro feitor delas, ou Deus.
2.º Distingo primum membrum disjunctionis. Elas não conduzem ao
conhecimento de Deus imediatamente, Conc.: mediatamente, Neg. As
criaturas, assumidas materialmente, conduzem imediatamente ao
conhecimento de sua essência, que é algo essencialmente relativo, e assim
inferem o conhecimento de Deus.
3.º Distingo o segundo membro da disjunção. Elas dizem a relação
formal para com Deus mediatamente, Conc.: imediatamente, Neg.
Qualquer criatura sensível que seja é concebida imediatamente por nós
como relacionada à sua causa próxima, que é outra criatura; porém
mediatamente como relacionada à sua causa última, ou Deus. Assim,
podemos apreender estas substâncias sensíveis também formalmente como
criaturas, sem simultaneamente concebermos a Deus.
23. Obj. V. A existência de Deus não pode ser conhecida sem ser
conhecida a sua essência: pois em Deus a essência e a existência se
identificam. Mas a essência de Deus não é conhecida nem minimamente a
partir das criaturas. Assim também a existência.
Res. – Dist. maj. – A existência de Deus não pode ser conhecida
sem ser conhecida à uma certa medida a sua essência, Conc.: sem ser
conhecida perfeitamente e plenamente, Neg. Donde contradistingo a
menor: A essência de Deus não é conhecida a partir das criaturas
plenamente e perfeitamente, Conc.: não é conhecida à uma certa medida,
Neg. Assim, sub dat. dist. neg. cons. Quando, ao raciocinar, inferimos das
criaturas Deus, conhecemos imediatamente de alguma maneira imperfeita
a sua essência; por conseguinte, depreendemos que aquele existe sob o
conceito da causa não causada ou o Ente existente pela força de sua
essência e fonte primária de todos os entes. Mas este conceito deve ser
completado após uma reflexão e meditação atenta, para que possamos
inteligir, diante das nossas forças, plenamente e sutilmente a essência de
Deus.

ARTIGO TERCEIRO
Sobre o argumento à priori em prol da existência de Deus costumeiro
de ser aduzido por alguns.

25. – Diz-se argumento a priori aquele pelo qual algo é


demonstrado através de suas causas. Assim, é manifestadamente evidente
que a existência de Deus não pode ser demonstrada por um argumento
estritamente à priori. Pois a existência de Deus não tem causa: nem física,
porque não é produzida; nem metafísica, porque não é o que
metafisicamente flui da essência, mas verdadeiramente identificado com
ela; pois em Deus nem se distingue a essência da existência, mas somente
nocionalmente. É outro, no entanto, o argumento dito late à priori, que é
costumeiro de ser chamado de a simultâneo também; no qual busca provar
a existência de um Deus protetor através de sua razão suficiente. Ora, este
argumento, sob diversas formas de um proposito cartesiano na coisa, não
difere do argumento de Santo Anselmo acima refutado: donde não deve ser
dito demonstrar mais que daquele. No entanto, vindica a si por igual
justiça uma consideração especial: pois pela nossa sentença, através
daquela, a existência de Deus é eficazmente demonstrada, se é admitido
todo tipo de possibilidade de Deus.

PROPOSIÇÃO PRIMEIRA

A existência de Deus não pode ser absolutamente demonstrada à priori.

26. – Demonst. – Sob três formas o argumento é costumeiro de ser


proposto pelos cartesianos. A primeira é esta: Deus é o ente realíssimo:
ora, o ente realíssimo é necessariamente existente: pois se carecesse de
existência, já não seria realíssimo, porque já não teria mais teria todas as
possíveis realidades. Portanto. A segunda: Nós temos uma ideia do
Infinito absoluto: ora, esta ideia não pode ser concebida a menos que pelo
Infinito mesmo; pois, do contrário, a ideia que possui uma realidade
objetiva infinita seria produzida por uma causa finita, o que é repugnante.
Portanto. Terceira: A existência de Deus é possível: ora, em Deus a
possibilidade não é distinguida da existência: portanto a existência de
Deus é real, ou, Deus realmente existe. Estas são as três formas sob as
quais o argumento cartesiano é proposto. No entanto, sob nenhuma delas
prova absolutamente. Pois na primeira e na terceira é suposta a existência
possível de Deus, ou, do Ente realíssimo, embora não seja evidente per se
ou possa ser demonstrado à priori. Porém na segunda é defendido ser
repugnante que a ideia que tem a realidade objetiva, do tipo do qual é a
nossa ideia do Infinito absoluto, possa ser produzida pela nossa mente
finita: o que não é nem um pouco verdade, porque esta ideia é algum ato
intelectivo que procede da atividade da nossa mente e alguma modificação
simples da nossa alma que não excede as suas forças finitas. Além do
mais, se há alguma coisa que é demonstrada pela segunda forma, o
argumento obtido é à posteriori: pois nela, a partir da natureza de algum
fato, do tipo que é a ideia do Infinito que existe em nós, é concluída a
existência da primeira causa. Portanto.

PROPOSIÇÃO SEGUNDA

A existência de Deus pode ser demonstrada por um argumento à priori


hipotético, suposta, evidentemente, a sua possibilidade real.

27. – Demosnt. – I.º Se Deus é verdadeiramente e realmente


possível, verdadeiramente e realmente existe. Portanto, a existência de
Deus pode ser demonstrada por um argumento à priori hipotético.
Prob. ant. – I.º Se Deus não existe, repugna à sua existência; se, de
fato, não pode ser produzido por si mesmo, nem por outro, porque é um
ente existente por força de sua essência e causa incausada de todas as
coisas. Portanto, se a existência não é repugnante, existe, verdadeiramente,
à parte das coisas. 2.º A causa primeira não pode estar no estado de pura
possibilidade; mas ou é impossível, ou realmente existe: pois repugna a
causa primeira existir, se enquanto isso ela não existe (O. 437). Mas Deus,
cuja existência é suposta realmente possível, é a causa primeira mesma.
Portanto, se deus é realmente possível, verdadeiramente e realmente existe.

Resolvem-se as dificuldades.

28. – Obj. I. Não é lícito que na argumentação faça-se uma transição


do estado ideal ao real. Mas na argumentação, na qual a existência de Deus
é demonstrada a partir de sua possibilidade, há esta transição. Portanto, de
nenhum modo é provada à priori a existência de Deus.
Resp. – Dist. maj. – Não é lícito na argumentação passar do estado
ideal ao real, quando, nesse caso, sobre entes meramente de razão, Conc.:
quando o discurso é sobre os entes reais, Subd.: se nesses entes não é
conectado essencialmente a existência real e física com a possibilidade
deles, Conc. e novamente: se é conectado, como acontece em Deus, neg.
Os entes de razão carecem da possibilidade intrínseca: porém os entes
reais, mas indiferentes sobre si quanto a existir ou não existir, não são
conectados essencialmente com a existência física: por conta disso, quando
o discurso é sobre esses, não é lícitos inferir a partir da possibilidade deles
a existência física. Mas, do contrário, é um caso diferente quando
concernente a Deus, ou ao Ente por Si, como é manifesto pela
demonstração acima.
29. Obj. II. Há no argumento, pelo qual é provada, a partir da
possibilidade de Deus, a sua existência, uma transição da impossibilidade
extrínseca à intrínseca: pois Deus é dito ser destituído da impossibilidade
intrínseca, contra a hipótese feita. Portanto.
Resp. I.º – Neg. maj. – Para a sua prova, digo que aquela causal no
argumento não é aduzida para que se transitasse da impossibilidade
extrínseca à intrínseca, mas para que se demonstrasse que a natureza da
possibilidade intrínseca de Deus é tal que essencialmente fosse postulada
estar em ato sem qualquer produção em Deus.
Resp. 2.º - Trans. maj. et neg. min. – A possibilidade extrínseca
responde à intrínseca, assim como alguém pode por uma discordar da
outra; porque o objeto não é dado sem a potência, nem a potência sem o
objeto. Por onde, se Deus fosse suposto no estado de pura possibilidade, e
então fosse negada a existência da causa apta a produzi-lo, então seriam
afirmadas duas proposições contraditórias9.

ARTIGO QUARTO

9
Pois, como foi dito antes, “pois repugna a causa primeira existir, se enquanto isso ela não existe”.
Dos argumentos pelos quais a existência de Deus à
posterioristicamente é verdadeiramente provada.

30. – Os argumentos, pelos quais verdadeiramente e absolutamente


a existência de Deus é demonstrada, devem ser assumidos a partir dos
efeitos, por meio dos quais Deus manifesta suas perfeições: donde por
aqueles é realizada uma demonstração à posteriori. Estes argumentos, no
entanto, são de três gêneros: a saber, metafísicos, físicos e morais. Assim,
falaremos sobre cada um separadamente por parágrafos.

§I. – ARGUMENTOS METAFÍSICOS.

31. – Chama-se de argumentos metafísicos aqueles que são visados


pela ordem metafísica. Traremos quatro em prol da existência de Deus; o
primeiro do motor imóvel, o segundo do produtor improduzido, o terceiro
do ente absolutamente necessário, o quarto, por fim, do ente perfeitíssimo.
Tomamos este movimento no sentido não físico, mas metafísico, em prol
da atualização, a saber, do ente existente verdadeiramente e realmente em
potência a alguma forma ou perfeição, quer este ente seja material, ou
espiritual: pois se tomássemos o movimento no sentido físico e assim
como convém somente aos corpos, o argumento não seria metafísico, mas
físico; porque o movimento deste tipo convém à ordem física. Que assim
seja o seguinte.

PROPOSIÇÃO

A existência de Deus é demonstrada por argumentos metafísicos.

32. – Demonst. – I.º Deve ser admitido no mundo um motor


completamente imóvel, que mova todas as coisas, as quais nós vemos que
se movem, e que permaneça ele mesmo imóvel. Mas o motor deste tipo é
Deus. Portanto. A menor é evidente: pois o motor completamente imóvel
nem é movido a ser, nem aos modos de ser; e assim é um verdadeiro ente
por si e causa não causada, o que entendemos pelo nome de Deus.
Portanto, somente a maior deve ser provada. Esta, porém, é demonstrada
assim: Tudo que se move, é movido por outro: contudo, nos motores
movidos, necessariamente deve-se chegar a algum que mova sem ser
movido. Portanto. A maior deste silogismo é evidente. Pois todo móvel, à
medida em que é movido, está em potência com respeito à forma que será
recebida pelo movimento: e, no outro lado, todo o motor, enquanto move,
está em ato com respeito à forma impressa pelo movimento. No entanto, é
impossível que, no mesmo aspecto, esteja em ato e em potência: porque
em relação ao que está em ato, tem alguma perfeição; e segundo o que está
em potência, dela carece: o que é contraditório. Portanto, é necessário,
para tudo que é movido, que seja movido por outro. A menor é assim
evidenciada: se tudo o que move é dito ser movido por outro, será
necessário admitir um processo infinito nos motores movidos; assim como
este que move, é movido por outro, e este outro por outro, e assim sem
fim. Contudo, este processo não pode ser admitido: pois na série dos
motores de um tipo, todos movem em virtude de seu precedente; a saber, o
próximo em virtude de todos os outros, e o intermédio em virtude do
primeiro: donde, removido, através do processo infinito, o primeiro, a
causalidade dos restantes se torna impossível. Portanto, nos motores
movidos, é necessário chegar a algo completamente imóvel.
2.º É impossível que todos os entes que existem no universo sejam
feitos. Portanto, necessariamente deve ser admitido algum ente não-feito
ou per se, o qual chamamos de Deus. Prob. ant. Se todos os entes que
existem no universo fossem supostos serem feitos, deverá ser
necessariamente admitido algum dentre eles que, proximamente ou
remotamente, causa para si mesmo a primeira existência. Mas isto não
pode ser admitido, como evidente pelo que foi demonstrado na Ontologia
(O. 421). Portanto. Prob. maj. Os entes são ditos serem produzidos ou per
se ou por outro. Se o primeiro; temos o intento. Se o segundo; aquele
outro, pelo qual são supostos serem feitos, deve ser feito por algum dos
outros por si feitos, e assim remotamente por si mesmo; porque o que é
causa da causa, é causa também do causado. – Nem, porém, é útil aos
adversários recorrer ao processo ao infinito: pois por este não se ausenta a
necessidade de se admitir algum ente não-produzido. E em verdade,
admitindo-se este processo, toda a coleção das causas infinitas será
produzida: pois o que essencialmente convém às partes, essencialmente
também convém ao todo; e assim, porque cada uma das causas infinitas
existem essencialmente por outro, assim também toda a coleção delas
essencialmente será por outro. Já, porém, não pode ser posto aquele outro
dentro da coleção predica; porque assim deveria ser dito produzido por
algum dos outros causados por si e, assim, também causado por si, o que é
repugnante. Portanto, deve ser posto fora dela e, assim, necessariamente
será improduzido.
3.º É impossível que todos os entes deste universo sejam
absolutamente contingentes ou indiferentes quanto a existirem ou a não
existirem; porque assim toda a coleção deles produziria, de alguma
maneira, coisas indiferentes, e assim existiria sem razão suficiente de sua
existência, o que é absurdo. Portanto, convém que haja algo necessário
dentre eles. Porém este tem ou sua necessidade de si, ou de outro. Se o
primeiro; será absolutamente necessário, e verdadeiro Deus. Se o segundo;
se institua uma investigação sobre o outro: e porque não pode ser feito um
processo ao infinito por conta do que foi dito no argumento precedente,
deve ser posto, finalmente, algo absolutamente necessário, que por força
de sua essência exista e seja verdadeiro Deus.
4. a) Deve ser admitido nas coisas algo que seja ótimo, nobilíssimo
e ao máximo ente. Pois o mais e o menos são ditos dos diversos, segundo o
modo diverso o qual se aproximam a algo, que é ao máximo; assim como
o mais cálido é o que mais se aproxima ao cálido ao máximo10. Donde,
assim como o vivente é mais11, ou participa mais da razão do ente, que o
não-vivente, e o sapiente mais que o não sapiente, assim também aquele
ente, que supera em excelência e nobreza todas as outras coisas inferiores
pela espécie, será mais que todos os outros12, quer seja um em número, ou
múltiplo na natureza; pois somente isto nós chamamos de graus essenciais.
b) Donde, o que é ao máximo em algum gênero, é a causa de todos os que
são daquele gênero. Pois todos os que são inferiores em algum gênero tem
sua perfeição ao participarem de outro: pois as perfeições que estão pela
natureza mesma na coisa, pertencem a elas de igual grau. Donde se a
sapiência, por exemplo, conviesse aos homens pela natureza e não pela
participação, não seriam uns mais sábios que outros, assim como não é
mais homem. Mas se os inferiores de algum gênero tivessem a sua
perfeição por participação, é necessário que a recebam por aquele que é ao
10
Ou, calidíssimo.
11
O vivente é num grau maior.
12
Lê-se: será ao máximo ente, e superior a todas as coisas.
máximo no seu gênero, pois os superiores não devem receber dos
inferiores, mas os inferiores dos superiores. c) Finalmente, o que é dito dos
gêneros singulares, é necessário também que seja dito do gênero de todos
os gêneros, ou do gênero universalíssimo, por conta das mesmas razões.
No entanto, este gênero universalíssimo é o ente, sob o qual todos os
gêneros do ente são contidos, e que os singulares deles mais ou menos
participam de cuja razão em prol segundo a diversidade de seus graus.
Portanto, deve ser dito que todos os entes recebem sua entidade por outro,
o qual supera nos graus de ser todos os outros e é no grau máximo.
Contudo, aquilo pelo qual todos os gêneros do ente recebem sua entidade,
chama-se Deus. Portanto, Deus existe13.

Resolvem-se as dificuldades.

33. – Obj. I. O argumento escolhido a partir dos muitos motores não


prova que deva ser admitido algum motor completamente imóvel. Pois
esse primeiro motor pode ser movido por si mesmo, assim como se
movem todos os viventes e especialmente a livre vontade do homem.
Portanto.
Resp. – Neg. ant. – À razão aduzida nego prorsus assertum. Para
que o primeiro motor possa ser movido, deve estar em potência com
respeito à forma introduzida nele através do movimento: e para que ele
mova, deve estar em ato com respeito à mesma forma; porque ninguém dá
o que não tem. No entanto, estar em potência e ato no aspecto da mesma
coisa; assim como é contraditório ter simultaneamente e não ter. Nem
qualquer exemplo pode ser aduzido em contrário. Pois os viventes não
movem a si conforme o todo, mas através de uma parte que existe em ato e
que move a outra que existe em potência: e a livre vontade do homem
move a si, não como um movente não movido, mas como movida por um
objeto apetecível e como existente em potência a receber o movimento
daquele. Donde, assim como o apetecível, o qual é o primeiro motor no
gênero do apetite, é absolutamente imóvel e não pode mover a si, assim
também o mesmo deve ser dito, do primeiro motor absolutamente.

13
Cf. S. Tom. Sum. Teol. I. p. q. 2, a 3.; item cont. gent. lib. 2, cap. 15. Cf também Suarez, Metaphys disp. 29, sec. I.
34. – Obj. II. No segundo e no terceiro argumento transitou-se do
sentido distributivo ao coletivo. Mas esta transição não é permitida.
Portanto, ambos os argumentos não tem nenhum valor.
Resp. – Conc. maj. et. dist. min. – A transição predita não é
permitida quando no caso das coisas acidentais ou das que são afirmadas
precisamente pela razão da distribuição, Conc.: quando o discurso é sobre
as coisas essenciais, ou sobre aquelas completamente à parte da
distribuição e da coleção, Neg. Assim, sub data distictione nego
consequentiam. Nos dois argumentos é tratado de coisas essenciais e que
são à parte da distribuição: consequentemente, o que é depreendido convir
à cada uma das partes da coleção, justamente é concedido à coleção
mesma nelas.
Inst. – Embora as coisas factíveis sejam infinitas, não é por essa
razão que pode existir uma multidão de coisas feitas atualmente infinitas.
Portanto, por igual razão, embora cada um dos entes sejam contingentes;
não é por essa razão lícito concluir que toda a coleção deles possam não
ser.
Resp. – Neg. parit. – Mais é requirido para existir que para não
existir: por onde, à medida em que não possa ser suposto atualmente
existente a multidão infinita das coisas factíveis, pode ser suposto não
existente toda a multidão infinita dos entes contingentes. Além disso, na
coleção infinita atualmente existente encontram-se algumas
inconveniências surgiram das coisas atualmente existentes: ainda assim, na
coleção dos entes contingentes que tem o estado de pura possibilidade,
nada inconveniente pode originar das coisas, porque aquela coleção não
está em nada fora do intelecto. Portanto, é evidente que nada há de igual
no argumento feito.
35. – Obj. III. Suposto um processo ao infinito nas causas causadas,
nenhuma tem necessidade de admitir uma causa não causada; porque
qualquer uma delas terá sua causa pela qual foi produzida. Mas esse
processo pode ser realizado, ao menos provavelmente: pois São Tomás
afirma que somente pela revelação pode ser conhecido com certeza que
não existiu no mundo uma série de geração infinita ou eterna14. Portanto.
Resp. – Neg. maj. – Para a razão aduzida dist. assert.: Qualquer
uma daquelas causas causadas terá sua causa inadequada, Conc.:

14
Cf. São Tomás Suma Teológica I. p. q. 46. art. 2.
adequada, Neg. Se cada uma das causas fosse suposta ser produzidas, toda
a coleção delas também será essencialmente produzida; porque o que
convém essencialmente às partes, essencialmente também convém ao todo.
E assim, qualquer uma daquelas causas causadas, com toda a série infinita
das causas precedentes, não contém senão aquela razão inadequada do
efeito produzido por ela; e a razão adequada só pode ser vista no concurso
dela e da causa primeira.
36. – Obj. IV. O argumento tomado da diversidade dos graus
existentes nos entes deste mundo, na verdade não vale nada. Pois: I.º
Diríamos sem qualquer fundamento que o homem perfeitíssimo é a causa
de todos os homens, ou que todas as plantas se desenvolvem a partir da
planta perfeitíssima, origem de todas elas: portanto, sem qualquer
fundamento seria dito que o perfeitíssimo em qualquer gênero é a causa de
todos os que estão no mesmo gênero. 2.º Se o argumento valesse,
restauraria as formas platônicas per se subsistentes: pois em qualquer
gênero dos entes deveria ser sustentado algo ótimo per se subsistente que é
a causa de tudo que pertence aquele gênero. Portanto.
Resp. – Neg. ant. – Ad rat. 1.am Conc. ant. et neg. conseq. Quando é
dito que o perfeitíssimo em qualquer gênero é causa das outras coisas que
pertencem ao mesmo gênero, isto deve ser entendido não dos graus
acidentais por causa daqueles indivíduos que se distinguem entre se, mas
dos graus substanciais; que são o subsistir nos minerais, o viver nas plantas
e o inteligir no homem. Pois por conta dos graus acidentais que vagam
fora da essência, um homem não é mais homem que o outro, nem uma
planta participa mais da razão de planta que outra. Porém, falando dos
graus substanciais, é verdadeiro dizer que qualquer um dos subsistenciais
tem seu ser substancial por aquilo que subsiste ao máximo, e qualquer um
dos inteligentes por aquilo que é inteligente ao máximo: porque os
superiores não devem recebem dos inferiores, mas estes daqueles.
Ad. rat. 2.am Nego assertum cum ejus probatione. Pois aquilo que é
ao máximo15, é também ao máximo subsistente, e também ao máximo
vivente, e ao máximo inteligente: e assim, não se segue do argumento
nenhuma necessidade de suportar muitos per se subsistentes, mas, do
contrário, é necessário admitir um somente.

15
I. e. No grau máximo.
37. – Obj. V. Se segue, a partir dos argumentos aduzidos, que deve
ser admitido algum ente absolutamente necessário e per se, a partir do qual
todas as coisas sensíveis se segue; no entanto, não que este ente é uno em
número. Contudo, enquanto é demonstrada a unidade de Deus, não é
demonstrada a sua existência, porque o Deus verdadeiro só é um em
número. Portanto.
Resp. – Dist. maj. – Dos argumentos etc. não se segue
imediatamente o ente absoluto, necessário, a partir da qual procederam as
coisas sensíveis, que é um em número, Conc.: não se segue de qualquer
modo, nem também remotamente, Neg. Donde, contrad. min., neg. conseq.
Para demonstrar a existência de Deus, basta que demonstramos algum
atributo próprio e exclusivo da Divindade; porque já é virtualmente
manifestada toda a essência de Deus, uma vez que todos os seus atributos
se incluem mutuamente. Além de que, se para demonstrar a existência de
Deus é necessário demonstrar sua unidade, por igual razão será necessário
dizer que a existência de Deus não é demonstrada a menos que todos os
seus atributos sejam expressamente demonstrados. Pois o Deus verdadeiro,
não somente é numericamente uno, ou único, mas também simples,
omnipotente, onisciente, livre, etc. e está em si mesmo. No entanto,
nenhum filósofo exige isso: portanto, o mesmo deve ser dito deste caso.
38. – Obj. VI. Mas cético Kant diz: O ente absolutamente
necessário, que é deduzido na demonstração cosmológica do princípio da
causalidade, se opõe ao princípio da causalidade; pois este ente existe sem
causa. Portanto.
Resp. – Neg. ant. – À razão aduzida, neg. conseq. O princípio da
causalidade não diz que todo ente tem uma causa, mas somente que todo
ente produzido, ou todo efeito: o ente absolutamente necessário, porém,
não é um efeito. Portanto, é fútil a argumentação kantiana.
39. – Obj. VII. Novamente o mesmo filósofo diz: O argumento
ontológico, que da ideia de Deus é inferida a sua existência, não é nada.
Contudo, na argumentação pela qual é inferida a partir da absoluta
necessidade de existir a perfeição infinita do ente absolutamente
necessário, encontra-se o mesmo paralogismo que no argumento
ontológico. Portanto. Prob. min. Aquela argumentação se toma assim: O
ente absolutamente necessário é o ente per se: o ente per se é
infinitamente perfeito: portanto, o ente absolutamente necessário é
absolutamente perfeito. Ora, a menor deste silogismo é a proposição
mesma das coisas que vêm ao argumento ontológico ou à demonstração a
priori: pois pode ser invertido deste modo: O ente infinitamente
perfeitíssimo é o ente per se, ou, necessariamente existe. Portanto.
Resp. – Conc. maj. et. neg. min. – Ad prob. conc. maj. et dist. min.
A menor do silogismo predito é a mesma etc. e é realizada por diversas
circunstâncias, Trans.: e é assumida pelas mesmas circunstâncias, Neg.
Neste silogismo já é suposta como demonstrada a existência, e assim
também, a possibilidade do ente absolutamente necessário; o que não
acontece quando no argumento ontológico pretendem alguns demonstrar a
existência de Deus somente a partir da ideia abstrata do ente realíssimo.

§ II. – ARGUMENTOS FÍSICOS.

40. – Chamam-se argumentos físicos aqueles pelos quais provém da


ordem física. Contudo, pois a quantidade de argumentos que podem ser
feitos é a mesma que daquelas coisas que são vistas existirem neste
universo: pois todas, ao radiar a ordem das mesmas, declaram a
maravilhosa sabedoria de seu criador. Nós, no entanto, pela brevidade
proferiremos apenas duas causas; uma, é claro, da bela harmonia deste
universo, que se chama de magnus mundus, e outro da belíssima ação e
estrutura do homem, que não imérito é chamado de parvus mundus pelo
Filósofo. Seja o que se segue.

PROPOSIÇÃO

A existência de Deus é invencivelmente demonstrada por argumentos


físicos.

41. – Demonst. – I.º A maravilhosa e constante ordem, que reluz em


toda a universalidade das coisas, postula um autor sapientíssimo para si, o
qual chamamos de Deus. Portanto. Probatur antecedens per partes.
Primeiro, que postula um autor para si, é muitíssimo evidente a partir das
coisas que nós dissemos no Cosmologia acerca da ordem do mundo: pois
lá demonstramos que esta maravilhosa ordem não pôde vir por acaso (C.
120). Aqui, porém, basta as seguintes palavras do Doutor Angélico: “Pois
vemos que algumas coisas, que carecem de conhecimento, a saber, os
corpos naturais, operam por causa de um fim; o qual é evidente a partir do
fato de que sempre ou frequentemente operam do mesmo modo, ou
conseguem para conseguir o que é ótimo. Donde, é evidente que, não por
acaso, mas pela intenção, visam um fim. No entanto, aquilo que não tem
conhecimento, não tende a um fim a menos que direcionado por algo que é
conhecedor e inteligente, assim como a flecha e o arqueiro: portanto, há
algo inteligente, pelo qual todas as coisas naturais são ordenadas a um fim,
e isto nós chamamos de Deus16”. Donde, que este ordenado é
sapientíssimo, é evidenciado a partir do número e diversidade das coisas
ordenadas. Pois: a) Se para conhecer a menor parte que reluz a ordem
belíssima nesta universidade de coisas é requisitado a máxima ciência,
muito mais será para integramente cria-la. b) A ciência deve ser maior no
artífice pelo qual as coisas, muitas em diversidade e em número, devam ser
ordenadas. Mas as coisas que refinam este mundo são diversíssimas e não
são de pouco número. Portanto, elas postulam uma ciência excelentíssima
no autor e maior que todo o conhecimento. c) Esta ciência deve vir a ser
imensa, para que o artista confira a esta imensa e complicadíssima
máquina a perene estabilidade, pela qual exerce seu poder: pois há
inúmeras combinações que poderiam perturbar a ordem do mundo, todas
as quais o artista deveu evitar para que esta ordem perpetuamente imóvel
persistisse. Portanto, é manifesta que a ordem deste universo postula para
si um ordenador sapientíssimo.
2.º O artifício maravilhoso e estupendo, que reluz na união universal
e na estrutura do homem, também manifestamente declaram a existência
de seu criador sapientíssimo. Pois: a) O corpo todo é parte daquele
maravilhoso e estupendo artifício. b) Qualquer órgão destinado à produzir
sensações deve ser chamado de milagre da produção predita da arte: pois
dos olhos, por exemplo, basta examinar atentamente a sua estrutura, para
que nela seja clarissimamente vista impressa a sapiência incompreensível
do divino Artífice. c) Adicione a isto as faculdades pelas quais a alma é
instruída para conhecer e para livremente querer, as quais são
verdadeiramente belíssimas e verdadeiramente maravilhosas. d)
Finalmente, a união estupenda da alma espiritual com o corpo material
demonstra ser esta sapiência também muito mais admirável e

16
Santo Tomás, Suma Teológica, I. p. q. 2, art. 3.
incompreensível: pois é tal e tanta, que nenhuma das filosofias do nosso
tempo poderá a explicar, nem, pensando bem, explicará depois. Portanto.

Resolvem-se as dificuldades.

42. – Obj. I. A ordem deste mundo pode provir do acaso: pois a


ordem atual dos elementos é uma de todas as possíveis que podem ser
formadas pelos elementos do mundo. Portanto, não se prova disso a
existência de Deus.
Resp. – Neg. ant. – Para a razão aduzida dist. assert.: a combinação
atual dos elementos é uma das possíveis que podem ser formadas através
dos elementos do mundo pela arte e trabalho, Conc.: pelo acaso, Neg.
Esta dificuldade com outras deste tipo já foram solucionadas no
Cosmologia, onde tratamos da ordem do mundo.
43. – Obj. II. A existência de Deus não é demonstrada a partir da
ordem predita: pois esta, uma vez composta de elementos de número
finito, é finita e, assim, postula somente uma potência finita. Portanto.
Resp. – Neg. ant. – À razão aduzida Conc. ant. et neg. cons. Embora
a ordem predita seja em si finita, ainda assim não deixa de postular a
infinita sabedoria em seu autor: assim como a entidade das coisas regidas,
ainda que finita, pode ser produzida através de uma potência infinita. A
razão é, porque todo o artefato que resulta daquela ordem parece grande
demais para que através de qualquer inteligência finita pudesse ser criado e
produzido; especialmente porque nele encontram-se também criaturas
livres, das quais a ordem e a disposição somente podem ser
convenientemente feitas por ele, que as faz do nada pela virtude de sua
potência infinita. De resto, basta demonstrar a existência de algum
ordenador sapientíssimo a partir da ordem desse mundo para refutar os
ateus, ainda que esta ordem não postule por si a infinita sapiência: pois isto
suposto, facilmente pode ser demonstrado por outros argumentos a virtude
infinita deste ordenador.

§ III. ARGUMENTOS MORAIS


44. – Chamam-se de argumentos morais aqueles que são tomados
da ordem moral. No entanto, aqui daremos dois, um tomado da fonte da
moralidade e o outro do senso comum dos homens.

PROPOSIÇÃO.

Enfim, a existência de Deus é manifestamente provada pelos argumentos


morais.

45. – Demonst. – I.º É absolutamente impossível que o primeiro e


fundamental princípio de toda a honestidade humana seja errônea, mas o
primeiro e fundamental princípio dos vícios seja verdadeiro. Pois se isto
acontecesse, a natureza humana seria formada de um modo péssimo:
donde os homens, para que aquela devesse ser reformada, deveriam buscar
o vício como se fosse seu verdadeiro bem, e fugir da virtude assim como
de seu verdadeiro mal; o que, contudo, tanto é absurdo em si quanto a vida
social se tornaria impossível. Contudo, a persuasão da existência de Deus é
fonte e origem de toda a honestidade nos homens religiosos, e, por outro
lado, o julgamento de sua não-existência é a fonte de todos os vícios nos
ateus: pois aqueles que cultuam a Deus são incitados a seguir a virtude
pela esperança dos prêmios e pelo medo das penas; os ateus, porém,
movente à indulgência pelas paixões, constituindo toda a sua felicidade
nos prazeres da vida presente. Portanto.
2.º a) Nenhum povo foi absolutamente inventado sem alguma
divindade cuja existência fosse admitida e cuja majestade fosse venerada;
como também no nosso tempo, depois de conhecidos todos os povos da
terra, vê-se verdadeiríssimo, depois de muitos anos, aquilo dizia Plutarco,
que escreveu: “Se chegardes à terra, poderás encontrar cidades carentes de
muros, de letras, de leis, de casas, de recursos e de moedas... Porém
ninguém encontra uma cidade destituída de templos e de deuses, que de
preces o oráculo, pela ação do juramento, não se utilize, que não sacrifique
por causa dos bons, que não se empenhe em espantar os males do sagrado.
Creio que seja mais fácil uma cidade poder ser estabelecida sem chão, que
ser encontrada uma cidade removida de uma opinião dos deuses”17. b) Esta
universal, constante e uniforme persuasão não pode ter seu fundamento

17
Plutarco, Contra Coloten Epicur.
senão na natureza racional do homem. Pois somente aquela tem as
condições da universalidade, constância e uniformidade que convém à esta
persuasão; e, por outro lado, todas as outras causas, que são o medo, a
fraude dos legisladores, a dor dos sacerdotes e outras do mesmo tipo que
são solicitadas serem assignadas pelos ateus, são meramente particulares e
transitórias, e, por conta disso, absolutamente impotente para produzir
universalmente, constantemente e uniformemente o efeito expressado. c)
Por fim, esta persuasão fundada na natureza racional do homem demonstra
manifestamente a existência de Deus. Pois natureza humana não tende pela
sua liberdade senão para a verdade: donde tudo que, nas coisas,
especialmente as morais, é tomado do gênero humano em geral conforme
o verdadeiro e santo, necessita que existe aquilo que é verdadeiro e santo.
Portanto. Assim, diz Túlio: “Visto que não por algum hábito, ou costume,
ou lei que a opinião é constituída e é mantido um consenso firme entre
todos, é necessário ser entendido que há deuses, por conta de que temos
conhecimentos inserido ou inatos deles”18, e Sêneca: “Nos acostumamos a
dar muito valor à presunção de todos os homens: para nós, é um
argumento verdadeiro algo ser visto por todos: por exemplo, consideramos
que os deuses assim existem, porque em todos há implantada alguma
opinião sobre eles, e nem qualquer povo é projetado fora das leis e dos
costumes que não cria em certos deuses”19. E Cícero também observa:
“aquilo ao qual todos consentem pela natureza, é necessariamente
verdadeiro”20. E Aristóteles: “O que é natural, é comum. Pois tudo que os
homens julgam quase que pelo instinto, é algo naturalmente justo ou
injusto”. E é por esta causa que tal julgamento sempre permanece um e o
mesmo. Pois, como diz Cícero: “O tempo apaga as invenções das opiniões,
mas confirma os julgamentos da natureza”21.

Resolvem-se as dificuldades.

18
Cícero, De natura deorum, lib. I. cap. 17.
19
Sêneca, epist. CXVII.
20
Cícero, loc. cit.
21
Cícero, De natura deorum, lib. 2, cap. 2.
46. – Obj. I. O testemunho do gênero humano neste assunto não é
de nenhum valor: pois do contrário, do mesmo modo se provaria que
devem ser admitidos muitos deuses. Portanto.
Resp. – Neg. ant. cum ejus probatione. – O testemunho do gênero
humano na ordem para a pluralidade dos deuses não tem as aquelas
condições que devem estar nele para que possa ser critério de verdade.
Pois não foi universal, porque tanto o povo hebreu quanto quase todos os
filósofos declaravam a unidade de Deus; nem constante, porque o
cristianismo adveniente impeliu o politeísmo de todo o globo; nem nasceu
por uma reta razão, porque sua origem é devida às deformes paixões dos
homens; nem, finalmente, nem é confirmado pelo processo das ciências,
porque mais ensinam as ciências, e principalmente a filosofia, que o
politeísmo deve ser computado como um dentre grandes erros. Por outro
lado, é assignado acerca da simples existência de Deus o testemunho do
sentido comum por todas as características da infabilidade, porque o
sentido comum neste assunto é universal, constante, originado de uma
recta razão e confirmado pela cultura das ciências.
47. – Obj. II. O sentido comum acerca da simples existência de
Deus carece do caráter da universalidade; pois em todos os tempos
existiram ateus, que registram a opinião concernente a existência de Deus
uma entre as vãs credulidades. Portanto.
Resp. – Neg. ant. – Para a razão aduzida, dist. assert. Em todos os
tempos existiram ateus, poucos homens em número e de nenhuma
autoridade, que, por onde, abandonaram o consenso absolutamente
integro moralmente unanime dos povos ao admitir a existência de Deus,
Conc.: muitos em número e tais que desestabilizavam o consenso predito,
Neg. Em todos os tempos os ateus foram poucos em número e, assim
como os monstros da natureza, sempre habitaram entre os homens: donde
o consenso do gênero humano acerca da existência de Deus numa pôde ser
perturbado por eles.
48. – Obj. III. Quanto mais cresce entre os povos a cultura das
ciências e dais artes, mais fracos ficam nas virtudes religiosas. Portanto, o
julgamento do sentido comum acerca da existência de Deus deve ser dito
não ser firmado no processo das ciências, mas enfraquecido por elas.
Resp. – Dist. ant. – Quanto mais etc., mais fracos ficam nas virtudes
religiosas pela razão dos vícios, aos quais se trazem ordinariamente,
Conc.: pela razão das mesmas ciências e artes, Neg. Os homens alcançam
pela cultura das ciências e das artes coisas mediante as quais tanto
adquirem para si riquezas quanto aduzem a si maiores gozos: como sendo
um resultado se inclinar a coisas pouco religiosas e buscarem bens
sensíveis mais ardentes. Em verdade, as ciências mesmas, e principalmente
a Filosofia, não enfraquecem a virtude da religião, mas, do contrário,
colaboram com ela; e, quanto mais forte, mais plenamente e perfeitamente
são possuídas.
49. – Obj. IV. A ideia de Deus se deve à ignorância das causas
naturais. Pois visto que os homens viam os movimentos ordenados deste
mundo sensível, mas não podiam os explicar por causas naturais, fugiam à
causa sobrenatural por costume dos poetas, que, assim como aduziam
deuses ex machina na cena22.
Resp. – Neg. ant. – À razão aduzida dist. assert. De tal maneira
que, raciocinando, discorreram sabiamente, Conc: tolamente, Neg. O
povo discorre muito mais sabiamente a existência do divino Artífice ao
desconhecer o magnífico artefato dele que os ateus ao ao atribui-lo ao
acaso e ao concurso furtuito dos átomos: nem o povo nesta ignorância
deve ser culpado, mas sim os ateus, que não elevar seus olhos para além
das coisas sensíveis, oprimidos pelos seus vícios.
50. – Obj. V. O medo gera nos homens a ideia de Deus. Pois, uma
vez se percebendo imbecis e enfermos, inventaram facilmente algumas
naturezas intelectuais e invisíveis, das quais pelo seu arbítrio é regido todo
o mundo; e chamaram estas naturezas de deuses, e por obséquio e
adoração se aplicaram a cultua-los. Assim, diz o célebre Lucrécio: Os
primeiros no globo temiam os deuses. Portanto.
Resp. – I.º Trans. ant. et neg. conseq. Ainda que os ateus digam que
fora pelo medo que os primeiros homens foram induzidos a aceitar uma
opinião sobre Deus, em verdade eles não fazem completamente nada. Pois
este medo, juma vez universal e absolutamente conforme à razão humana,
deverá ser dito ser impresso pela natureza reta mesma aos homens; e
assim, o julgamento ao qual ela impele as mentes de todos os homens
22
Como Lucrécio escreve no lib. 5, V. 1182.
Praetera coeli rationes ordine certo
Et varia annorum cernebant tempora verti.
Nec poterant quibus id fieret cognoscere causis.
Ergo perfugium sibi habebant, omnia divis
Tradete, et illorum mutu facere omnia flecti.
necessariamente será tomado como verdadeiro, porque a natureza reta não
pode impelir de si ao falso.
Resp. – 2.º Neg. ant. cum ratione pro eo allata. De fato, se fosse do
medo que a ideia de Deus tivesse nascido nos homens, eles cogitariam um
Deus truculento e terrível, não, porém, amável e sumo bondoso. No
entanto, o que acontece é o contrário. Pois os homens sempre imaginaram
Deus como alguma natureza plenamente boa e extremamente louvável,
amigo dos justos, e hostil com os criminosos. A saber, pelo óptimo
concílio, conduzidos pela natureza, os homens defendiam que este
belíssimo mundo não pode existir sem algum autor, assim como o relógio
não pode existir sem o relojeiro; mas, por outro lado, que tanto o mundo
quanto estes homens descendem desta bondosa Divindade.
51. – Obj. VI. A opinião do povo sobre a existência de algum Deus
é devida à invenção dos primeiros legisladores. Pois estes julgaram que
isto é uma para manter os povos sujeitos a eles em seu ofício, e tentaram
persuadi-los por meio da existência de alguma divindade. Portanto.
Resp. – Neg. ant. – Os legisladores antigos buscaram confirmar as
suas leis com a ajuda da religião porque viam que seus súditos já eram
afetados pela religião e veneravam algum Deus supremo: donde a ideia de
Deus nos povos é mais antiga que os legisladores. Contudo, se
consultarmos as histórias, veremos facilmente que ele tomavam caso desta
maneira. Pois Amósis e Mnévis diziam que as suas leis eram aceitadas
pelos egípcios por conta de Hermes, Zoroastro entre os bactrianos e
Zalmoxis entre os getas pela deusa Vesta, Zaratustra nos arimaspos pelo
bom gênio, Radamanto e Minos entre os cretentes por Júpiter, Triptolemo
entre os atenienses por Cerere, Pitágoras e Zaleuco entre os crotoniatas e
os locrenses por Minerva, Licurgo entre os lacedemones por Apólino,
Rômulo pelo deus Conso, Númia pela ninfa Egéria, e Sertório entre os
hispanos por Diana. Porém nem podia ser outra coisa: pois, do contrário,
seria completamente difícil persuadir seu povo à existência deste Deus
destituídos totalmente da ideia da divindade; e seria ainda mais difícil
persuadir os homens ateus, que são monstros horrendos da natureza, à
opinião concebida de Deus.
Inst. – Como, portanto, pode acontecer que cada povo tivesse seus
deuses, se isto não é devido às diversas índoles dos legisladores?
Resp. – Originou-se da inconstância deste povo: o qual pouco
valorizava ter um Deus, pai comum de todos os homens e que governava
pela providência geral todas as coisas do gênero humano; mas quis ter
deuses indígenas e locais, os quais zelariam especialmente por si e por
suas coisas. Contudo, os povos conduzidos por esta vanidade
gradualmente declinaram do monoteísmo ao politeísmo: pois as origens
dos povos anunciam não obscuramente que os teístas foram os primeiros
homens em todas as gentes.

ARTIGO QUINTO

Dos ateus.

52. – Chamam-se de ateus aqueles que vivem sem Deus, ou são


destituídos do conhecimento de Deus. Os ateus são comumente divididos
em especulativos e práticos. Estes, de fato, conhecem a Deus, mas embora
isso, vivem torpemente, parecendo ignorar O ignorar completamente:
porém aqueles ou nunca conheceram a Deus, e chamam-se negativos; ou
conheceram, mas o recusam e dizem-no ser fictício, donde chamam-se de
positivos. A estes positivos, deve ser visto tanto em que sentido são
possíveis ateus, quanto quem são as fontes do ateísmo e brevemente o seu
fruto.

PROPOSIÇÃO PRIMEIRA

Existem ateus não somente práticos, mas também especulativos, os quais


rejeitam positivamente a existência de Deus

53. – Demonst. – Cada parte da proposição consta da perpétua


experiência. Pois em todos os tempos é visto que existem homens amam
os bens corpóreos e os dessa vida, e que, desprezando a lei de Deus, nem
temem a Ele nem se apegam ao amor das virtudes. Em todos os tempos
existiram homens ímprobos que classificavam Deus como uma pura
invenção da razão, e se esforçavam para lutar contra os argumentos que
buscavam O provar; dos quais, ao examinar o número, são todos que, no
nosso tempo, seguem o perfeito materialismo. Portanto.
PROPOSIÇÃO SEGUNDA

Podem existir ateus especulativos, que de algum modo ignorem o Deus


verdadeiro; não, porém, que careçam todos de um conhecimento absoluto
de Deus, ao menos por um longo período de tempo.

54. – Prob. I.ª p. – Consta a experiência existir homens politeístas


que adoram muitos deuses. Mas estes ignoram o Deus verdadeiro; porque
nenhum dos deuses os quais os mesmos admitem é o Deus verdadeiro.
Portanto.
55. – Prob. 2.ª p. – Não pode acontecer que o homem, adepto ao uso
perfeito da razão, viva por um longo tempo sem ter uma noção de Deus
que pelo menos obscuramente e sob algum predicado convertível com
Deus que represente a divindade surja nele. Pois: a) pela relação dos
homens com os quais vive, não pode não ouvir falar sobre; pois é
impossível que nenhum deles por um longo tempo, em pessoa, falasse
sobre as coisas religiosas ou morais. b) Ele não pode não ser incitado,
partir do apetite natural da felicidade e da impotência das coisas criadas a
preenche-lo a cogitar, ao menos algumas vezes, que deva existir algo de
bom melhor que todas as criaturas, que seja capaz de o felicitar; e assim
adquirirá o conhecimento, a saber, obscuro, de algum Deus. c) A partir da
consciência moral do bem e do mal, será deduzido necessariamente algum
sumo legislador, cujas ordens não se pode violar: e assim, sob esta forma
de sumo legislador, conhece-se Deus; pois o legislador, cujas ordens não se
pode violar, é Deus. d) E finalmente, a partir da consideração de si mesmo
e do todo deste universo sensível, naturalmente é compelido a conhecer o
criador destas coisas: pois nem pode acontecer que por um longo depois
não lhe ocorra, nem ao menos uma vez, a cogitação de um autor que fez
todas estas coisas; porque o homem é naturalmente curioso, e deseja
livremente conhecer as causas das coisas: assim, porém, apreende a Deus
sob a razão de criador do universo. E nós não falamos de qualquer homem,
mas do que tem somente o uso desimpedido da razão, e que pode discernir
moralmente entre o bem e o mal: pois quem ainda não chegou a isto,
embora seja fortemente longevo, deve ser enumerado como uma criança
ou bebezinho. Portanto.
56. É suficiente provável que possa acontecer de que, por um breve
tempo, depois de iniciada o uso da razão algum homem permaneça sem
qualquer conhecimento de Deus: porque pode acontecer que em todo
aquele tempo esteja completamente distraído das coisas sensíveis, sem que
cogite sobre o objeto de sua beatitude, ou da lei obrigante, ou do autor
deste universo. No entanto, em todo aquele espaço de tempo, será
trabalhado pelo costume das crianças o que discerne moralmente o bem e o
mal e o que não adverte a existência da lei: porque se é trabalhado
moralmente, já deve ser dito conhecer a Deus sob a razão de legislador que
absolutamente proíbe moralmente o mal, ainda que obscuramente.

PROPOSIÇÃO TERCEIRA.

Os ateus especulativos que negam a Deus, podem, de fato, verter a Sua


existência à dúvida, porém não podem a tomar como indubitavelmente
falsa.

57. – Prob. I.ª p. – Embora os argumentos, pelos quais a existência


de Deus é manifestada aos homens, resplandeçam a sua evidência, e se
dissolvam facilmente as razões contrárias, ainda assim alguém pode, pela
perversidade de sua alma, inerir a estas razões, ponderando entre pouco ou
nada a força dos argumentos em favor da existência de Deus. Pois o
intelecto, ainda que seja potência necessária com respeito a especificação,
ainda assim se subjaz ao influxo com respeito ao exercício da vontade, a
qual pode manda-lo cogitar e fortemente ponderar as coisas que deleitam a
mesma. E, postulada esta consideração, a existência de Deus se torna para
ele naturalmente obscura e dúbia: tanto porque somente as razões que
induzem falsidade dele (do ateu) são combatidas, quanto porque também
essas razões não podem não satisfazer o ateu que deseja a não existência
de Deus. Portanto, os ateus preditos, por seus sofismas, podem tornar
dúbia a existência de Deus.
58. – Prob. 2.ª p. – Os sofismas expressos, pois são
desavergonhadamente fáceis de resolver, assim como não podem firmar a
mente, não são afetados por movimentos contrários. Pois os argumentos
que sustentam a existência de Deus surgem na mente de qualquer homem
por impulso de natureza; e porque são pesadíssimos, não pode não
frequente aterrorizar o ateu e perturbar a falsa tranquilidade da sua alma.
Portanto, os ateus, ainda que tentem, não podem se libertar de duvidar da
validade de seus sofismas. Pois, como disse Horácio, ainda que tu expulses
a natureza ao forcado, ela ainda assim voltará a correr. E assim o ótimo
Sêneca: “Mentem os que dizem que não percebem que Deus existe: pois
embora de manhã afirmem isso para ti, de noite, porém, duvidarão de si
mesmos”. E até mesmo Lucrécio, embora seja cantor do ateísmo, confessa
abertamente que os ateus são derrotados pelos terrores de Deus vingador e
especialmente do inferno nas coisas adversas, donde ele adverte as almas
para a religião: e ele adiciona que quanto mais é notadamente digno, mais
nestes casos opera-se não pelo conselho, mas pelo impulso da natureza23.

PROPOSIÇÃO QUARTA

A ignorância do verdadeiro Deus, pela qual trabalham os ateus


especulativos, quer os positivos, quer os negativos, é vencível e culpável.

59. – Prob. I.ª p. – Quem pode perceber a força das razões pelas
quais é levado a negar a existência de Deus, poderá muito mais perceber a
força dos argumentos que suportam a existência de Deus. Portanto, os
ateus positivos podem escapar de sua ignorância e conhecer o verdadeiro
Deus. No entanto, é impossível que até agora não tenham tocado nestes
argumentos; porque, por impulso da natureza, são oferecidos a qualquer
um, como foi dito na proposição precedente. Portanto, esta ignorância será
culpável; porque à medida em que são tocados por aqueles argumentos,
não podem não sentir em si mesmos uma obrigação da consciência em
buscar a Deus por meio de seus anúncios.
60. – Prob. 2.ª p. – É moralmente impossível que alguém, adepto ao
uso da razão, passe por um longo tempo sem algum conhecimento de
Deus. E por conta disso, naturalmente origina-se nele um conhecimento da
obrigação pela qual toma ciência do que fazer enquanto conhece
certamente o verdadeiro Deus. Donde pode adquirir a si esta certeza, se
aplicar uma consideração medíocre. Porque os argumentos pelos quais
Deus é demonstrado como criador e governante deste universo sensível
são fáceis de serem entendidos e óbvios para todos os homens. Portanto, a

23
Cf. Lucrécio, de rerum natura, Lib. 3. V. 50 et seqq.
ignorância do verdadeiro Deus nos ateus é vencível e culpável. – Ainda
assim, em alguns muito fortemente rudes, esta culpa não é senão venial;
em razão do fato de que há pessoas que, por toda a sua vida, não são
plenamente capazes de discernir moralmente entre o bem e o mal, elas
têm, de algum modo, uma inteligência meio adormecida. De fato, os
missionários tomaram de todas as tribos americanas uma opinião de que
estes omnes selvagens viviam em séculos passados.

PROPOSIÇÃO QUINTA

O ateísmo tanto especulativo quanto toma como seu último fundamento a


corrupção do coração dos homens.

61. – Demonst. – Os ateus são tais ou pela ação, ou pelo coração,


ou pela mente. Os primeiros conhecem, de fato, a Deus, mas passam a sua
vida quase como julgando-o como uma entre puras fábulas. Os segundos
anseiam que Deus não exista, para que possam se dar mais livremente e
sem qualquer temor às vontades desta vida. Os terceiros, finalmente,
aduzidos pelo amor a vanidade e a paradoxos, defendem sempre o seu
ateísmo para se separarem dos outros homens do gênero humano: mas isto
mesmo não poderia ser contido num assunto tão pesado o qual é a
existência da suprema Divindade se não fosse por uma grande corrupção
do coração. Portanto, todas as espécies de ateísmo tem como seu último
fundamento a corrupção do coração. – É narrado, de fato, de alguns ateus,
como Diágoras, Ático, Espinoza, etc. que eles viviam em costumes probos.
Mas isto não se seguiria contra a nossa tese, se nós concedêssemos a isso.
Pois o modo de alguém viver pôde ser efeito natural quer da educação,
quer da índole nativa, quer também do esforço de evitar a infâmia inerente
ao seu ateísmo: ainda assim, podem se ajuntar com ele otimamente e sem
qualquer dificuldade alguma arrogância e soberba luciferiana, pelas quais
as pessoas se julgam superiores a todo o gênero humano, as quais tem
como seu último fundamento somente a perversidade da vontade.

PROPOSIÇÃO SEXTA
O ateísmo espolia a natureza humana de seus bens mais preciosos e torna
impossível a sociedade civil.

62. – Prob. I.ª p. – Depois que se deixa de lado Deus, a virtude é


provada de sua proteção e remuneração, a ordem de seu guardião e
reparador, e a felicidade de seu objeto natural; a imortalidade da alma é
convertida em pura fantasia, o desejo da felicidade em mero ludíbrio, o
amor à virtude em um tormento lamentável; foge o conforto da alma
humana nas tristezas e nas fúrias desta vida, a dureza da esperança nos
trabalhos e nas coisas árduas, a coroa nos gestos de forte vitória; e todo o
homem rebaixado à condição infeliz dos jumentos, nascem e morrem
como jumentos. Mas a virtude, a ordem, a felicidade, a imortalidade, o
conforto, a esperança no trabalho, a coroa nas vitórias, e a felicidade,
depois desta breve e lamentável vida, são os bens mais preciosos da
natureza humana. Portanto.
63. – Prob. 2.ª p. – Depois que se deixa de lado a Deus, perece-se
nos príncipes o amor à justiça, nos súditos o obséquio à autoridade, por
fim, em todos os civis a confiança mútua, a reverência à lei e o amor ao
bem público. Pois assim a única lei da ação para todos os cidadãos será a
utilidade primada, o único fim das operações será obter os deleites nesta
vida, o único freio das paixões será o temor alheio, e o único direito será a
força física nos mais fortes e o crime e a simulação nos mais fracos:
porque todas estas são absolutamente necessárias para que felicidade de
cada um, para a qual é dirigido por força da mesma natureza, possa ser
alcançada na vida presente. E sem amor à justiça no príncipe, sem o
obséquio dos súditos para a autoridade, sem a mútua confiança, a
reverência às leis e o amor ao bem público em todos os cidadãos tornará
impossível a sociedade; assim, pois a paz dos que participam da sociedade
tornar-se-á em uma guerra contra todos. Portanto.
Nem digam os ateus que, no lugar destes bens todos, os quais são
fundamentos para a sociedade constituída sobre a ideia de Deus,
permanece o amor à glória e o cálculo da utilidade maior na sociedade que
nega a Deus. Pois o amor à glória e o cálculo da utilidade maior são
completamente impotentes per se de manter os civis em seu ofício; nem
podem impedir sempre busquemos meramente a felicidade própria por
meio de todas as coisas que estejam em sua mão, mesmo se para obter seja
preciso realizar sacrifícios.

Graças sejam dadas ao bom Deus Que me permitiu traduzir este


fragmento.
CAPÍTULO SEGUNDO
DA NATUREZA OU ESSÊNCIA DE DEUS
64. – Chama-se de essência aquilo pelo qual algo é o que é e não
outra coisa. A essência é divida em física e metafísica; das quais a
primeira deve ser posta na coleção de todas as perfeições que constituem
algum ente, porém a segunda consiste naquela perfeição que é tomada
assim como a raiz e fonte primária de todas as outras que pertencem a
algum ente (O. 12-16).
65. – Acerca do constitutivo da essência física de Deus, não pode
haver muita disputa entre os filósofos cristãos. Pois todos admitem,
otimamente, que Deus é simplíssimo por sua natureza: donde toda
perfeição que esteja em Deus é necessariamente identificada com sua
natureza física. No entanto, o mesmo não acontece na ordem do
constitutivo da essência metafísica: pois alguns colocam aquela na
infinidade formal, outros na infinidade radical, outros na suma
intelectualidade, outros na asseidade, outros na plenitude de ser, etc., etc.
Ainda assim, muitos parecem discordar em opiniões apenas em nome: pois
a infinitude radical, por exemplo, a asseidade e a plenitude de ser
exprimem a mesma coisa, e o mesmo pode ser dito das outras opiniões
comparadas entre si. Portanto, reduziremos todas a somente três, a saber, à
infinitude formal, à intelectualidade e à asseidade. Para que mais
convenientemente falemos delas, antes falaremos dos nomes de Deus e do
nome propríssimo da Divindade.

ARTIGO PRIMEIRO

Dos nomes de Deus.

São Tomás trata esta questão em muitos artigos na Suma Teológica


(1. p. q. 13), cuja doutrina exporemos pelas seguintes proposições.

PROPOSIÇÃO PRIMEIRA

Deus pode, de fato, ser nomeado por nós; não, porém, por nomes que
exprimem a sua essência exatamente como é em si.
66. – Prob. I.ª p. – Tudo o que nós de algum modo conhecemos,
podemos nomear; pois as palavras são os sinais das ideias. Ora,
conhecemos, à certa medida, Deus, visto que ascendemos através da
consideração das criaturas a algum conhecimento seu. Portanto, podemos
nomear a Deus.
67. – Prob. 2.ª p. – Nós só podemos nomear algo pelo modo que o
conhecemos; no entanto, nós não podemos conhecer a essência de Deus
por meio das forças naturais senão enquanto observando as suas perfeições
nas criaturas, visto que não pertence a nossa natureza um conhecimento
direto e imediato d’Ele (17). Mas nenhuma criatura exprime plenamente
todas as perfeições da essência divina, já que todo artefato criado, sendo
finito, infinitamente dista da essência infinita de Deus, cuja perfeição de
algum modo imita. Portanto, não podemos, através de nenhum nome,
exprimir a essência de Deus assim como ela é em si, mas somente como
ela dita ordem às criaturas.
68. – COROLLARIUM. – Portanto, não podemos ver a divina
essência em nenhuma espécie assim como no objeto conhecido. É evidente
a consequência: pois toda espécie criada é algum artefato da omnipotência
divina que, não sem imperfeição, representa a essência divina. Portanto,
não podemos ver nela, [senão minimamente], assim como na especulação
ou objeto visto, a essência divina.

PROPOSIÇÃO SEGUNDA.

Nem todos os nomes, os quase atribuímos a Deus, são metafóricos ou


sinônimos; no entanto, qualquer um dos que convém ao mesmo e às
criaturas, d’Ele não podem ser ditos senão analogicamente.

69. – Prob. I.ª p. – Alguns nomes que atribuímos a Deus, são, de


fato, metafóricos, com os quais dizemos que Deus tem olhos, braços,
mãos, pés, coração, etc.: pois Deus é espírito puro e carece de partes
materiais. No entanto, nem todos os nomes são deste gênero, o que é
provado assim. Nos nomes, os quais atribuímos a Deus, deve-se considerar
duas coisas; a saber, as perfeições significadas pelos nomes, como vida,
bondade, etc., e o modo de significar elas. Ora, aquelas perfeições, quanto
a si mesmas, estão realmente em Deus, visto que são derivadas d’Ele às
criaturas. Portanto, à medida em que estes nomes significam aquelas
perfeições, verdadeiramente e propriamente convêm a Deus: e mais
propriamente que às criaturas, porque as perfeições mais plenamente e
perfeitamente são encontradas em Deus que nelas. Já quanto ao modo de
significar as perfeições preditas, elas não podem ser ditas de Deus; porque
exprimem uma razão limitada, da qual aquelas perfeições são participadas
pelas criaturas. Mas para remover esta impropriedade, adicionamos a elas
algumas outras coisas; através das quais são utilizadas para significar um
modo mais elevado e ilimitado pelo qual aquelas perfeições são possuídas
por Deus; pois dizemos que Deus é o espírito puríssimo, a substância
perfeitíssima e destituída de todo acidente, algum ente atualísismo e que
carece de toda a potencialidade, etc.
70. – Prob. 2.ª p. – Os nomes diversos, os quais atribuímos a Deus,
significam perfeições de Deus que, raciocinadas, são entre si distinctas
pela razão. Pois a essência divina, ainda que absolutamente simples, é
virtualmente múltipla e exprime diversas perfeições imitáveis pelas
criaturas. Donde, porque não sem a contemplação destas podemos
ascender ao conhecimento daquela, representamos ela (a essência divina)
sob conceitos inadequados, atribuíndo à mesma perfeições racionalmente
diversas. Mas os nomes que exprimem perfeições racionalmente diversas
não são sinônimos; pois representam objetos formalmente diversos.
Portanto.
71. – Prob. 3.ª p. – As razões significadas pelos nomes preditos
convêm, de fato, a Deus e às criaturas: mas, não obstante a isto, de diverso
modo; pois convêm a Deus por essência, mas às criaturas por participação.
Portanto, à medida em que se afirma coisas comum a Deus e às criaturas,
são análogas (L. 98), Contudo, as criaturas estão principalmente na
atribuiçaõ destes nomes analogados, não, porém, Deus: porque estes
nomes são utilizados primariamente e per se para significar as perfeições
das criaturas; e, portanto, significam propriamente estas perfeições, quanto
a si mesmas e quanto aos modos delas: o que, de fato, não acontece quanto
são atribuídos a Deus, como foi dito na proposição precedente. Portanto,
absolutamente todos os nomes, que são atribuídos a Deus e às criaturas,
não são ditos de Deus senão analogicamente.
PROPOSIÇÃO TERCEIRA
Entre os nomes os quais atribuímos a Deus, alguns são ditos eternamente,
outros, porém, temporalmente.

72. – Demonst. – Os nomes segundo algo são ditos de Deus segundo


o que as razões formais significadas pelos mesmos convêm a Ele; pois as
palavras são sinais dos conceitos. Mas entre estas razões, algumas convêm
a Ele eternamente, e outras temporalmente. Portanto. Prob min. Qualquer
razão formal, ou qualquer predicado, convém a Deus de acordo com a
natureza do motivo, no qual é fundado. Contudo, o motivo, no qual são
fundadas alguns predicados que enunciamos de Deus, é eterno e existente
abeterno em Deus, pois dizemos que Deus é espírito, onipotente,
onisciente, que quis a existência do mundo, etc: porém aquele pelo qual os
outros são tomados, para que Deus seja Pai, Senhor e Redentor dos
homens, e criador e regente, etc., é meramente temporâneo; pois consiste,
numa ação recebida de Deus que transita temporalmente em suas criaturas,
porque nenhuma delas existe abeterno. Portanto, alguns predicados, e
assim, nomes, pelos quais os significamos, devem ser ditos convirem a
Deus desde a eternidade, e outros, porém, são somente temporais.
73. – Nem, porém, por essa razão, Deus deve ser pensado como
submisso a qualquer mutação por razão daqueles nomes. Pois essas novas
denominações, as quais advêm a Ele no tempo, são fundadas numa nova
mutação postulada fora d’Ele, e que tem ordem e modo ao mesmo. Donde,
assim como sem qualquer mutação intrínseca minha eu começo a estar à
esquerda de Paulo, porque antes eu estava em sua direita, pelo fato de que
Paulo foi da minha esquerda à minha direita por um movimento não em
mim, mas nele mesmo; da mesma maneira também Deus, sem qualquer
mutação em si, começou no tempo a ser Criador, Redentor, Senhor, etc., a
partir somente do fato de que, por suas ações transitivas, as coisas vêm a
ser por Ele criadas, governadas, redimidas, sujeitas à Sua Potestade, etc.

PROPOSIÇÃO QUARTA
Não somente proposições negativas, mas também afirmativas podem ser
anunciadas de Deus.

74. – Prob. I.ª p. – É verdadeiríssimo dizer que Deus não é corpo,


criatura, mutável e outras muitas coisas que são predicadas das coisas
criadas. Portanto, de Deus podem ser anunciadas proposições negativas.
75. – Prob. 2.ª p. – I.º Em Deus se dão muitas perfeições
racionalmente distintas entre si: portanto, podemos atribuí-las a Ele com
verdade. Mas ao fazer isto, enunciamos proposições afirmativas d’Ele.
Portanto. 2.º Não seria lícito afirmar d’Ele proposições afirmativas se
repugnasse a Sua simplicidade. Mas isto não repugna a Sua simplicidade:
pois nós percebemos até as coisas simplíssimas compostamente de acordo
com a nossa natureza da concepção, donde nós atribuímos a elas
verdadeiramente diversos predicados. Pois não afirmamos através destes
julgamentos que as mesmas são, em si, compostas: mas somente dizemos
que Deus tem em si, de modo simplíssimo e perfeitíssimo, as perfeições,
as quais nós apreendemos n’Ele por conceitos diversos.

ARTIGO SEGUNDO

Do nome propríssimo da Divindade.

76. – Deus, ou a natureza divina, por diversos nomes é chamado por


nós: pois é dito ser o ente per se, a causa primeira, o criador e retor do
mundo, omnipotente, eterno, Deus, etc. Portanto, buscamos algum dos
nomes, os quais podem ser atribuídos por nós a Ele, que convenha com
maior propriedade ao mesmo. Neste assunto, absolutamente não pode ser
visto qualquer dúvida; porque o mesmo Deus revelou seu nome a Moisés,
dizendo: Eu sou Yahweh 24; o que a Vulgata traduziu para Aquele que Sou,
e a Septuaginta interpretou ὁ Ὡν, ou por antonomásia, literalmente soa o
mesmo que Eu serei, Eu sou. Pois se aproxima a cogitar que Deus atribuiu
para si o nome mais apto de todos; e por essa máxima razão parecia que o
assumiu para designar a sua essência, como todo o contexto elucida e São
Tomás, junto com um muitos Pais da Igreja interpretam. Assim seja a
sequência.
24
No original deste livro, “Ego sum Jehova”, mas para nos afastarmos das más seitas, colocamos para Jeová, que era
uma forma dos antigos estudantes do hebraico escreverem o Nome de Deus sem o ofender.
PROPOSIÇÃO

O nome propríssimo de Deus ‫אֶ הְ יֶה‬, ou Aquele que É.

77. – Demonst. – I.º Isto é evidente a partir de sua significação.


Pois, como optimamente argumenta São Tomás, “não significa alguma
forma, mas o ser mesmo. Donde, porque o ser de Deus é a sua essência
mesma, e isto não convém a nenhum outro, é manifesto que entre os outros
nomes, este de um modo maximamente próprio nomeia a Deus. Pois
qualquer outro ente é denominado por sua forma”25.
2.º Isto consta a partir de sua universalidade. Pois tanto os nomes
são menos determinados e mais comuns e absolutos, quanto mais
propriamente são ditos de Deus por nós. Ora, nenhum nome é menos
determinado e mais comum e absoluto que não ser ou existir. Portanto.
Prob. maj. a) Quão mais universal é o nome, pelo qual nomeamos Deus,
uma diferença mais universal ele postula, diferença essa pela qual
distinguimos Deus das criaturas. Mas quanto mais propriamente e
perfeitamente o nome é dito de Deus, mais o separa das criaturas. Portanto,
tanto o nome é menos determinado e mais universal, quanto mais
propriamente é dito de Deus. b) O nosso intelecto neste estado da vida não
pode inteligir a essência de Deus segundo o que é em si; mas
determinando segundo qualquer modo o que intelige de Deus, decai do
modo pelo qual Deus é em si. Portanto, quanto menos determina, ou
quanto mais indeterminados e universais são os conceitos pelos quais o
representa para si, melhor e mais propriamente o intelige. Contudo, o que é
dito dos conceitos, o mesmo deve ser dito dos nomes; pois, de fato, os
nomes são os sinais pelos quais representamos os conceitos. Portanto,
quanto mais universal é o nome, etc.
3.º Por fim, isso é demonstrado a partir de sua consignificação.
“Pois significa o ser no presente: e isto é ao máximo propriamente dito de
Deus, cujo ser não conhece o pretérito e o futuro, como diz Santo
Agostinho, no 5. De Trinit. c. 2”. Portanto.

Resolvem-se as dificuldades.

25
São Tomás, Suma Teológica, I. p. q. 13, art. 11. “pos
78. – Obj. I. O nome Deus é, entre todos, o mais próprio; pois foi
instituído expressamente para designar a natureza divina incomunicável a
qualquer outra. Portanto.
Resp. – Neg. ant. – À razão aduzida, dist. assert. O nome Deus foi
instituído para designar a natureza divina, não obstante menos
perfeitamente que o nome Aquele que É, Concor.: do contrário, Neg. O
nome Aquele que É designa mais perfeitamente a natureza divina a partir
da Sua instituição que o nome Deus. Pois segundo este, significa a
natureza divina partir da instituição primária, assim como dita ordem às
criaturas, das quais gera providência: porém aquele primeiro foi instituído
para significar a natureza divina singular, assim como é em si mesma e
sem relação às criaturas. Nem enquanto significa Deus absolutamente
como em si, mas somente enquanto por alguns conceitos abstratos ele pode
ser percebido por nós: pois nós não podemos de nenhuma maneira intuir
Deus como em si mesmo (67).
79. – Obj. II. A nomeação de bom é excelentemente reveladora de
todas as procissões de Deus, como otimamente diz o autor ‘Dos nomes
Divinos, capítulo 3. Mas a Deus convém maximamente o ser o primeiro
princípio das coisas. Portanto, o nome bom é, antes de todas as coisas,
próprio de Deus.
Resp. – Conc. maj. et dist. min. – A Deus convém maximamente o
ser o primeiro princípio das coisas: segundo algo e à medida em que é
considerado como causa, Conc.: simplesmente e à medida em que é
considerado como ente, Neg. Para o fato, São Tomás: “Este nome, “bem”,
é nome principal de Deus à medida em que é causa; não, porém,
simplesmente, pois antes é inteligido o ser absoluto da causa”26. Assim,
sob dada distinção, nego a consequência.
80. – Obj. III. Todo nome divino implica em relação com as
criaturas; pois Deus não é conhecido por nós senão pelas criaturas. Mas o
nome Aquele que É não implica em relação com as criaturas. Portanto, não
é próprio de Deus.
Resp. – Dist. maj. – Todo nome divino implica uma relação com as
criaturas: considerada a sua imposição para significar, Conc.:
considerada sua significação precisa, Neg. E contradist. min., neg.

26
São Tomás, Suma Teológica, I. p. q. 13, art. 11, ad 2.um.
conseq. A imposição considerada dos nomes pelos quais nomeamos a
Deus implicam, absolutamente todos, uma relação com as criaturas; pois a
razão da imposição deles é sempre alguma perfeição das criaturas
produzida por Deus. No entanto, considerada a significação mesma dos
nomes, não é necessário que todos ditem esta relação: porque pode ser
algo que designe a natureza divina representada sob um conceito absoluto.
Para isso, o Doutor Angélico: “Não é necessário que todos os nomes
divinos importem alguma relação com as criaturas; mas basta que sejam
impostos pelas perfeições que procedem de Deus às criaturas; entre as
quais a primeira é o ser mesmo, pela qual é tomado este nome: “Aquele
que É””27.

ARTIGO SEGUNDO

Do constitutivo da natureza divina.

81. – A três, como observamos acima (65), podem ser reduzidas as


sentenças conhecidas pelos filósofos e teólogos; a saber, à infinidade
formal que contém expressamente todos os atributos de Deus, à sua
intelectualidade suma que representa perfeitissimamente todas as coisas
pela sua idealidade, e, por fim, à asseidade que exprime a independência
absoluta de Deus no ser e a exigência de todos os atributos formalmente
divinos. Contudo, destas opiniões, é mais comum a terceira às duas
restantes e, como parece, também a mais provável. Sejam, portanto, as
seguintes proposições.

PROPOSIÇÃO PRIMEIRA

A essência metafísica de Deus não pode ser posta na infinidade formal.

82. – Prob. – A infinidade formal compreende formalmente todos


os atributos de Deus sob o seu conceito: pois através dela expressamente
significamos convir perfeitissimamente e sem qualquer limitação a Deus

27
São Tomás, idem in resp. ad 3.um.
tudo que do ente Ele tenha a razão. Mas a essência metafísica de Deus não
pode ser reposta formalmente na coisa que exprime todos os seus
atributos: pois as propriedades que fluem da essência são concebidas por
nós somente enquanto virtualmente contidas nela, não, porém, enquanto
partes constitutivas dela ou algo formalmente identificado com ela.
Portanto.

Resolvem-se as dificuldades.

83. – Obj. I. A essência metafísica é a essência física mesma


concebida metafisicamente. Mas a essência física de Deus consiste no
complexo de todos os atributos divino, complexo esse que representa a
infinitude formal de Deus. Portanto, a essência metafísica de Deus deve
ser reposta na sua infinidade formal.
Resp. – Concessis maj. et min., neg. conseq. A consequência do
silogismo é somente esta: Portanto, a essência metafísica de Deus consiste
no complexo dos atributos divinos abstratamente concebido. Já, porém,
este complexo sob o conceito da essência metafísica de Deus não deve ser
representado formalmente, mas somente virtualmente, porque, do
contrário, a essência metafísica de Deus seria confundida completamente
com a física.
84. – Obj. II. Se a essência metafísica de Deus não dissesse
formalmente toda perfeição, seria formalmente menos perfeita que a
essência física. Contudo, isto é absurdo. Portanto.
Resp. – Dist. maj. – Se a essência metafísica de Deus não dissesse
formalmente, nem, também, virtualmente ou eminentemente, toda
perfeição, seria formalmente menos perfeita que a essência física, Conc.:
se não diz formalmente, no entanto, diz virtualmente e eminentemente,
Neg. E contrad. min. neg. conseq. A essência metafísica de Deus, não
formalmente, mas virtualmente e eminentemente, deve exprimir todas as
perfeições de Deus; pois, do contrária, mas seria metafísica, mas física.
Contudo, se a argumentação feita valesse, na mesma ideia de Deus deveria
formalmente e explicitamente ser contida pela infinitude: porque a
essência da Deidade não pode estar menos sob a ideia de Deus que a
essência da humanidade sob o conceito do homem. Assim como, portanto,
sob o conceito da Deidade não deve a menos que virtualmente ser
exprimida infinitude da perfeição, assim também sob o conceito da
essência metafísica de Deus.
85. – Obj. III. A essência metafísica deve ser completar não parte
da essência física, mas ela toda. Contudo, isto não pode ser obtido de outra
forma que não a constituindo na infinitude formal. Portanto.
Resp. – Dist. maj. – A essência metafísica deve completar
radicalmente e eminentemente toda a essência física, Conc.: formalmente,
Neg. E contradist. min. neg. conseq. A essência metafísica deve conter em
si radicalmente e eminentemente todos os atributos que constituem a
essência física, porque ela é concebida como raiz e fonte primária
daqueles: não, porém, formalmente, porque assim seria confundida com a
essência física.
86. – Obj. IV. Os atributos divinos são predicados de Deus no que
[é] ou essencialmente, não, porém em que tipo [é] ou acidentalmente.
Portanto, pertencem à essência de Deus e são de Sua noção.
Resp. – Dist. ant. – Os atributos divinos são predicados de Deus
essencialmente pela essencialidade física, Conc.: pela essencialidade
metafísica, Neg. Estes atributos são concebidos através da nossa razão
como algumas noções da essência divina: pois do contrário, não
chamaríamos de atributos, mas de partes constitutivas da essência
metafísica de Deus.
87. – Obj. V. Se os atributos não constituem essência de Deus, mas
são algo que advém a ela já constituída; a essência poderá por eles ser
perfeita. Contudo, a essência metafísica de Deus não pode ser cogitada por
nós como perfectível. Portanto.
Resp. – Neg. maj. – Toda a perfeição dos atributos divinos vem na
essência metafísica de Deus radicalmente e eminentemente: por onde,
estes atributos não devem ser concebidos como perfeições completivas da
essência, mas como explicações da virtude contidas formalmente na
essência. Do lado da essência divina, não acontece da mesma maneira para
outras essências: já que elas são, de verdade, completadas por seus
atributos, porque devem por outro recebê-los e, assim, de si estão em
potência a outros: porém a essência mesma de Deus é para si fonte
metafísica, e por conta disso deve ser cogitado não em potência, mas em
ato eminencial e radical com respeito aqueles.
PROPOSIÇÃO SEGUNDA

A essência metafísica de Deus não consiste em Sua suma intelectualidade.

88. – Prob. – O intelecto divino, em qualquer maneira em que seja


considerado, sempre se exibe a nós como atributo e como alguma
propriedade da essência de Deus não menos que a omnipotência, a
vontade, etc. Mas em nenhum atributo de Deus pode ser constituída sua
essência metafísica, porque esta deve ser apreendida assim como a fonte
primária dos atributos. Portanto.

Resolvem-se as dificuldades.

89. – Obj. I. A essência metafísica de Deus deve ser reposta no


supremo grau de perfeição. Ora, o supremo grau de perfeição é a
intelectualidade; porque o espírito, ao qual pertence o inteligir, é
constituído no grau supremo dos entes. Portanto.
Resp. – Conc. et dist. min. – A intelectualidade é o grau supremo da
perfeição criada, Conc.: da perfeição simplesmente, Neg. E contrad. min.
neg. conseq. Como o grau supremo da perfeição simplesmente é assumido
o ser, ou existir, porque o ser é a atuação da essência. Por onde, neste grau
deve ser reposta a essência metafísica de Deus, e não em outro que
pertence às naturezas ou essências craidas.
90. – Obj. II. A suma intelectualidade distingue Deus de todas as
coisas criadas, e necessariamente infere em Deus todos os Seus atributos.
Portanto, compete a Ele a razão da essência metafísica.
Resp. – Dist. 2.am p. antecedentes: Necessariamente infere em Deus
todos os seus atributos como se fosse conectado com eles de algum modo,
Conc.: como se fosse fonte primária, Neg. E sob dada distinção, neg.
conseq. O argumento, deste mesmo modo, pode ser utilizado para a
omnipotência, a imutabilidade, a eternidade, etc.; porque todos os atributos
de Deus são próprios e exclusivos da Divindade e, ademais, unem-se
intimamente entre se. Deve ser dito que não prova nada: porque não
demonstra que o intelecto divino é a fonte e raiz de todas as perfeições
divinas.
91. – Obj. III. A inteligência é sobre a razão da natureza divina se
Deus é alguma substância perfeitíssima e, portanto, espiritual. Logo, a
essência metafísica de Deus consiste na Sua suma intelectualidade.
Resp. – Dist. ant. – A inteligência é sobre a razão da natureza divina
física, Conc.: sobre a razão da essência metafísica, subd. radicalmente,
conc.: formalmente, neg. Explico a distinção: é da razão da essência divina
que seja raiz e fonte da suma inteligência, assim como a omnipotência,
imutabilidade, eternidade, etc.: mas a mesma não inclui em si a razão
formal da intelectualidade, assim como nem a omnipotência, a
imutabilidade, etc. Donde, à razão aduzida, respondo concedendo à
antecedente e negando a consequente trazida a partir dela. Deve-se se
chamada de substância formalmente perfeitíssima aquela que permanece
determinada a existir a partir de si mesma, e que, assim, não é um ente por
participação, mas pela plenitude de ser.

PROPOSIÇÃO TERCEIRA

A essência metafísica de Deus parece ser reposta no fato de que Deus é o


ente pleno por si pela plenitude de ser.

92. – Praenot. – É manifestadamente evidente que Deus ou a


natureza divina é o ente per se a partir dos mesmos argumentos pelos quais
demonstramos a existência de Deus. Em verdade, o ser pleno pela
plenitude de ser resplandece a mesma evidência. Pois não inteligimos por
estas palavras a omniperfeição divina ou a infinidade formal de Deus; das
quais a primeira dita relação à diversas perfeições das criaturas, e a
segunda às imperfeições e limites delas; mas a existência não-participada
do ente per se. Já que esta, pela mesma razão que não é participada, é
plena em sua razão formal de existir; porque nada tem de seu contrário ou
de natureza atualizável, mas é a existência pura, ou o puro ser, ou também
o puro ente atual, ou o ato puro; pois estes todos soam absolutamente o
mesmo, e neste caso significam somente que em Deus não se distinguem a
essência metafísica da existência.
93. – Prob. – A razão do ente per se pleno pela plenitude de ser: a)
perfeitamente discerne Deus das criaturas, porque todas elas são por outro
e entes por participação. b) Exibe aquilo que é perfeitíssimo em Deus: pois,
como otimamente ensina São Tomás, esta razão do puro existente e carente
de toda essência ou capacidade atuável “não determina nenhum modo de
ser, mas se tem indeterminadamente a todos: porque se comporta
indeterminadamente em relação a todos e, portanto, designa o pélago
infinito mesmo da substância”28. Donde nós demonstramos pelos
argumentos acima do mesmo Aquinate que o nome Aquele que É, que
plenamente significa a razão do existente mais perfeitamente que todos os
outros, representa a natureza de Deus (77). c) Percebida por nós como
fonte primária de todas as perfeições que competem a Deus: pois pela
razão que Deus é o ente por essência, deve conter em si, de modo
simplíssimo e puríssimo, todas as perfeições dos entes por participação.
Donde São Tomás diz do nome Aquele que é que significa esta razão do
existente por essência: “O mais principal dos nomes que são ditos de Deus
é Aquele que É: pois ele tem o todo que compreende em si mesmo o ser
como algum pélago infinito e indeterminado da substância”29. E São
Bernardo: “Se for dito de Deus o bem, o grande, o beato, o sapiente, ou
qualquer coisa como tal, seria instaurado nesta palavra que é o É”30. d) Por
fim, não marca a nenhum atributo divino de modo que identificado
formalmente com eles, mas de um modo singular mais elevado, eminente e
simples que tudo. Pois o simples existir é inteligido antes que causa,
potência, inteligência, vontade e qualquer predicado determinado que pode
ser enunciado de Deus. Donde São Tomás, falando dos nomes de Deus
distintos do nome Aquele que É, diz isso: “Todos os outros nomes, ou são
menos comuns, ou se se convertem com o mesmo, ainda assim aduzem
sobre o mesmo segundo alguma razão: donde de algum modo informam e
determinam o mesmo”31. Contudo, essas são as quatro propriedades da
essência metafísica constitutiva. Portanto.

Resolvem-se as dificuldades.

94. – Obj. I. A essência metafísica deve indicar para nós o que a


coisa é. Ora, a noção do ente por si pleno pela plenitude do ser não indica a

28
São Tomás, Suma Teológica, I. p. q. 13, art., 11.
29
Ibid.
30
São Bernardo, de Considerat. Lib. 5, cap. 6.
31
São Tomás, loc. cit.
nós o que Deus é, mas somente de onde e quem é. Portanto, a essência
metafísica de Deus não pode ser reposta nesta noção.
Resp. – Conc. et neg. min. – A noção predica abertamente indica,
não por meio de onde e quem é Deus, mas também o que é a sua natureza:
pois nos diz que a essência de Deus é existir, ou ser a pura existência
destituída de toda capacidade de ser atualizada e, assim, que possui
plenissimamente a razão do ente ou existente.
95. – Obj. II. As definições das coisas não devem ser feitas através
do remoto, mas do próximo. Mas ao dizer que a essência metafísica de
Deus consiste na asseidade que tem a plenitude do ser, definimos Deus
pelo gênero remotíssimo, o qual é o ente. Portanto.
Resp. – Dist. maj. As definições das coisas não devem ser feitas
através do gênero remoto, quando com respeito aos entes contidos dentro
de gêneros, Conc.: quando com respeito ao ente constituído acima de
todos os gêneros, o qual Deus é Neg. E concessa min., neg. conseq. sub.
dist. data. Deus está acima de todos os gêneros: logo, como algum modo
de sua natureza, deve ser definido através da diferença remotíssima,
porque assim é distinguido de todos os que existem sob um gênero. No
entanto, esta diferença é a asseidade que exprime formalmente a plenitude
de ser.
96. – Obj. III. O simples existir é adicionado formalmente aos
atributos singulares de Deus; pois todos são entes por essência e não por
participação. Ora, a essência metafísica não deve ser formalmente
adicionada às propriedades, porque estas concebidas emanarem daquela.
Portanto.
Resp. – Dist. maj. – O simples existir é adicionado formalmente aos
atributos singulares de Deus como algo determinado e informado de algum
modo por eles, Conc.: como algo identificado com respeito a todos eles,
Neg. E contrad. min. neg. conseq. À razão aduzida, dist. assert. Todos os
atributos de Deus são por essência segundo algo, Conc.: simplesmente,
neg. O ser é absolutamente inteligido em Deus antes que todos os
atributos, e assim é distinguido formalmente de todos eles assim como o
indeterminado por suas determinações. Porém os atributos de Deus
somente são entes por essência à medida em que se identificam realmente
com o ser de Deus: donde não simplesmente, mas segundo algo devem ser
chamados de tais, no que são suficientemente distinguidos do ser simples
ou da essência.
97. – Obj. IV. A noção da plenitude do ser flui para a essência
metafísica de Deus: pois basta a asseidade para exprimi-la. Portanto.
Resp. – Neg. ant. cum ejus probatione. “O nome do ente por si”,
como optimamente nota P. Kleutgen, “não indica proximamente a não ser
que Deus é por virtude própria: porque, assim como o fundamento e raiz
de todas as perfeições mais se concebe aquela plenitude da essência a qual
compreende todo o Ser”32. Donde, P. Marin: “O bem assumido como cheio
de toda perfeição é o mais excelente predicado de Deus: porque
formalmente tanto é o ente per se, quanto explica aquilo que formalmente
diz o ente per se com alguma confusão”33. Assim, para que seja claramente
expressa a noção da essência metafísica de Deus, deve ser aduzida a
plenitude de ser.

Graças sejam dadas ao Senhor Deus por me permitir traduzir este


fragmento.
CAPÍTULO TERCEIRO
DOS ATRIBUTOS ABSOLUTOS DE DEUS

32
Klautgen, Instit. Theolog. – De Deo uno, n. 217.
33
Marin, Theol. Specul. Et Moral. – De Deo uno, tratado I, disputa 1, seção VI, n. 67.
98. – Depois que tratamos da essência metafísica de Deus, devemos
tratar dos seus atributos divinos. No entanto, porque são plurais e diversos,
postulam para si uma tratação separada; e por conta disso tratamos delas
por capítulos distintos. Antes que, porém, comecemos a dizer sobre as
absolutas, fazemos um certo juízo anterior sobre todas em geral.

ARTIGO PRIMEIRO

Prenota-se algumas coisas dos atributos de Deus em geral.

99. – Chamam-se de atributos em geral aquelas propriedades que


necessariamente fluem da essência (O. 15). Donde, visto que em Deus, já
que é simplíssimo, nenhuma propriedade pode fluir da essência:
chamam-se de atributos divinos aquelas perfeições de Deus as quais são
concebidas por nós assim como determinações da essência e propriedades
enraizadas nela.
100. – Podemos chegar de três maneiras ao conhecimento das
perfeições divinas: pela remoção, pela afirmação e pela excelência. Pela
primeira, removemos da natureza divida qualquer imperfeição e limitação
que venha nas naturezas criadas; e assim dizemos que Deus é simplíssimo,
imutável, imensurável, eterno, infinito, uno, incompreensível e inefável.
Pela segunda, depreendemos que pertencem a Deus todas as perfeições
das criaturas sem, não obstante a isso, os limites dela. Donde dizemos que
Deus é poderosíssimo, sapientíssimo, livríssimo, santíssimo, justíssimo,
sumamente misericordioso, beatíssimo, omniperfeito. Pela terceira, enfim,
conhecemos a Deus e todas as suas perfeições por existir acima de todo
gênero das perfeições criadas e criáveis; visto que não convém
univocamente a Deus e as criaturas a mesma razão do ente. Donde
afirmamos que Deus, propriamente falando, não deve ser chamado de ente,
nem substância, nem espírito, nem vivente; mas supraessencial,
subrasubstancial, supraespiritual, supravivente. Pois todas estas coisas
significam abertamente que a essência de Deus, desconhecida em si
mesma, flui para nós; porque ignoramos o que é em si aquilo que em
relação às criaturas chama-se supraessencial, suprasubstancial,
supraespiritual, supravivente, etc.34.
34
Como escreve São Tomás (Qq. Disp. – Da Verdade, q. 2, a. 1, ad 9am): “Tudo que o nosso intelecto concebe de Deus é
deficiente em sua representação: e, portanto, que é do mesmo Deus sempre permanece oculto para nós; e este é o maior
101. – Também por três razões podemos distinguir os atributos: a
saber, pela negação e afirmação, pela existência e operação, e pelo estado
absoluto e relativo. Divide-se a razão da negação e da afirmação em
negativas e positivas: das quais as primeiras são chamada daquelas pelas
quais negamos expressamente as imperfeições próprias da criatura de
Deus, já que dizemos que Deus é incriado, simplíssimo, imutável, etc.:
porém as segundas são aquelas pelas quais afirmamos de Deus as
perfeições das criaturas desnudas de seus limites, já que dizemos que
Deus é omnipotente, omnisciente, providentíssimo, justo, misericordioso,
etc. Donde, da razão da existência e da operação, algumas determinam o
modo de ser, outros, porém, o modo de operar. Enfim, da razão do estado
absoluto e relativo, algumas são absolutas e ditam ordem somente à
natureza divina em si mesma considerada, as quais são a simplicidade, a
omniperfeição, a infinidade, a imutabilidade, a eternidade, a unidade, etc.;
no entanto, algumas são relativas, e referem Deus, de algum modo, às
criaturas, as quais são a potência, o intelecto, a vontade, etc. Nós seguimos
esta última divisão para o capítulo dos atributos absolutos de Deus, e
depois separadamente dos relativos por dois outros capítulos.

ARTIGO SEGUNDO

Da simplicidade de Deus.

102. – Chama-se de simples o que carece de composição: donde,


porque uma composição é real, e outra é a lógica, deve afirmar-se essa
mesma da simplicidade. O composto real consta de partes realmente
distintas e mutuamente unidas: no entanto, o composto lógico somente tem
partes que são, em si mesmas, uma e a mesma coisa, mas são percebidas
por nós através conceitos diversos. Assim, porque apreendemos Deus sob
conceitos diversos, não há qualquer dificuldade em atribuir nele algum
gênero de composição lógica; pois isto não adicionada nada em Deus
mesmo, mas apenas permanece nos puros conceitos da nossa mente.
Porém não acontece assim quando com respeito à composição real, a qual
deve ser completamente removida da natureza de Deus, porque é carente
de toda composição real. Porque os monistas, materialistas e panteístas
conhecimento que podemos ter do mesmo neste estado de vida para que conheçamos que Deus está acima daquilo que
cogitamos d’Ele, como se atesta por Dionísio no capítulo I ‘Da Teologia Mística”.
admitem algum gênero de composição real em Deus, nós assumimos que
deve ser provada a proposição seguinte.

PROPOSIÇÃO

Deus é completamente simples, ou carece de toda composição real.

103. – Demonst. – I.º No primeiro ente não se encontra nenhuma


potência: pois é ato puro, visto que é o primeiro movente imóvel. Mas todo
composto tem alguma potência; pois qualquer parte sua está em potência a
outra e é atualizável por ela. Portanto, o primeiro ente, ou Deus, carece de
toda composição real. 2.º O primeiro ente nada pode ter de anterior a si,
porque é o primeiro princípio de todas as coisas. Mas todo composto tem
algo anterior a si; pois os componentes são de uma natureza anterior aos
compostos. Portanto, Deus não pode ser composto. 3.º Todo composto
precisa de um componente extrínseco que traga suas partes à unidade. Pois
seria produzido algum composto não terminado, cujas partes singulares
seriam entes per se determinados por força de sua essência à união, pois o
ente existente por força de sua essência é completamente independente de
outra coisa tanto no modo de ser quanto no ser mesmo; no entanto essas
partes têm mútua dependência no modo de ser. Ora, o primeiro ente não
precisa de um agente extrínseco para a sua existência. Portanto. 4.º Deus é
o ser puro ou a existência pura, pois sua essência é o ser, ou o existir:
portanto, é a forma ou a perfeição pura; pois o existir é uma perfeição, e o
puro existir a pura perfeição. Mas a forma pura não admite nenhuma
composição em si mesma, pois não tem absolutamente nada de estranho
em si. Portanto. São Tomás: “Em todo composto há algo que não o
mesmo. No entanto, embora isto possa ser dito do que tem forma, a saber,
que tem algo que não o mesmo (imagine que no branco há algo que não
pertence à razão do branco), ainda assim na forma mesma nada há de
estranho: donde, porque Deus é a forma mesma, ou melhor, o ser mesmo,
não pode ser de nenhum modo composto”35. 5. Deus carece: a) da
composição quantitativa dos corpos; pois nenhum corpo move senão
enquanto é movido, no entanto, Deus é o movente imóvel; a) da
composição de matéria e forma; pois é forma pura que rejeita qualquer

35
São Tomás, Suma Teológica, I. p. q. 3, art. 7.
potencialidade essencial da matéria; c) da composição de matéria e
suposto; pois o primeiro ente por força de sua essência é determinado a
subsistir em si mesmo e não em outro, já que é essencialmente
independente do outro tanto no modo de ser quanto no ser mesmo; d) da
composição de essência e existência; pois o primeiro ente existe por força
de sua essência sem que possa ser produzido por outro ou por si mesmo: e
assim sua essência é o seu existir; e) da composição de sujeito e acidente;
tanto porque o sujeito de si está em potência aos acidentes, no entanto
Deus repugna toda potencialidade; tanto também “porque Deus é o seu
ser”, como Boécio diz no livro 'De Hebdomadibus36, “e embora aquilo que
é possa ter outra coisa adjunta, ainda assim o ser mesmo não pode ter nada
adjunto: assim como o que é cálido pode ter algo de estranho que não o
calor, como a brancura; mas o calor mesmo nada pode ter além do calor”.
E além desta composição real, nenhum outro gênero pode ser concebido
por nós; seria adicionado em vão algum outro gênero, porque não há nada
que seja absoluto fundamento para conceber outro. Portanto.
104. – COROLLARIUM. – Portanto, os atributos de Deus se
identificam realmente com a Sua essência. Evidente a consecução: porque,
do contrário, seriam acidentes naturais à essência, e atualizarem ela, por
informando-a, produziriam um ente composto; o que é absurdo. Pois os
atributos são alguma determinação da essência e com ela constituem um
ente uno. – Ainda assim, deve ser admitida uma distinção entre os
atributos divinos; virtualmente, como evidente, ou racionalmente. Pois a
natureza divina, por uma razão múltiplos e diversos efeitos que dela
emanam, proveu a nós um fundamento para que a concebamos por
diversos conceitos. No entanto, esta distinção dos atributos não deve ser
chamada de virtual maior, mas menor (O. 13). Pois, como escreve o ótimo
Suarez: “Assim os atributos divinos são comparados entre si, como todos o
são em relação à razão essencial de qualquer um, e toda a essência de Deus
em relação à razão dos singulares”37; assim como no conceito formal
explícito dos singulares todos os outros formalmente são implicitamente
representados, porque qualquer um daqueles é o ente de si necessário e o
ser mesmo por essência.

Resolvem-se as dificuldades.
36
Ibid. art. 6. Cfr. também com o Santo Doutor, de Potentia, q. 7.
37
Suarez, Metaphys. disp. 30, sect. 6, n. 10.
105. – Obj. I. As coisas que são por Deus, o imitam. Mas nas coisas
criadas, nada há de completamente simples. Portanto.
Resp. – Dist. maj. – As coisas são por Deus, porque o imitam assim
como causa primeira e equívoca, Conc.: assim como qualquer causa e
unívoca, Neg. Donde conc. min. et neg. cons. sob a dada distinção.
Qualquer ente criado essencialmente se difere de Deus e infinitamente da
perfeição dele, porque é em si dependente de outro, sendo finito e mutável.
Assim, nenhuma coisa criada pode imitar a Deus senão como causa
primeira e equívoca; e, por conta disso, a sua natureza, em qualquer modo
que seja composto, de nenhuma maneira demonstra qualquer composição
em Deus.
106. – Obj. II. Do completamente simples, o múltiplo e o variado
não pode proceder. Mas as criaturas que procedem de Deus são múltiplas e
variadas. Portanto.
Resp. – Dist. maj. – Do completamente simples, o múltiplo e o
variado não pode proceder, se é a causa unívoca ou a necessidade da
natureza que opera, Conc.: se é a causa equívoca e pela liberdade que
age, Neg. Assim, concordada com a menor, neg. cons. Porque os efeitos
são deficientes na representação da sua causa, é necessário que aquilo que
é unido na causa, seja multiplicado nos efeitos. No entanto, as coisas
criadas, à medida em que são multiplicadas, sempre são defeituosas na
representação da causa primeira, que é de virtude infinita.
107. – Obj. III. De Deus são predicadas coisas diversas, como justo,
sábio, misericordioso, etc. Mas coisas diversas não podem ser predicadas
senão do ente composto. Portanto.
Resp. – Dist. maj. – De Deus são predicadas coisas diversas
virtualmente, Conc.: diversas realmente, subd.: sob diversas razões
formais, Conc.: sob as mesmas, Neg. E contrad. min., neg. conseq. Da
coisa simples sob razões formais, até conceitos contraditórios podem ser
predicados. Assim, do um e do mesmo ponto, que é simples sob diversos
conceitos, podemos afirmar que ele é tanto o princípio quanto o fim da
linha. O mesmo, portanto, acontece em ordem à essência divina.
108. – Obj. IV. Em Deus se dão três pessoas realmente distintas.
Mas a pluralidade conduzida à unidade sem a união real dos distintos não
pode ser concebida. Portanto, em Deus se dá uma união real dos distintos
e, assim, real composição.
Resp. – Dist. maj. – Em Deus se dão três pessoas realmente
distintas, embora identificadas realmente com a essência, Conc.: do
contrário, Neg. E contrad. min. neg. conseq. As pessoas divinas não estão
em Deus mutuamente unidas, mas simplesmente relativamente opostas:
pois qualquer uma delas realmente se identifica com a essência divina,
embora realmente se distinga das outras. Mas sobre este assunto trata a
Teologia, não a Teodiceia.

ARTIGO TERCEIRO

Da infinita perfeição de Deus.

109. – Já foi dito na Ontologia (O. 271, 275-276) o que seria a


perfeição e de que modo são divididas as perfeições em mistas, simples e
simplesmente simples. Lá também declaramos o modo pelo qual uma
perfeição pode ser contida na outra formalmente, virtualmente
eminentemente. Por conta disso, por todas essas que devem ser explicadas
aqui novamente, manifestaremos a única natureza da divina perfeição
pelas seguintes proposições.

PROPOSIÇÃO PRIMEIRA

Deus contém em si todas as perfeições possíveis; as simplesmente simples


formalmente, porém as mistas somente virtualmente e eminentemente.

110. – Praenot. – As duas primeiras partes são facilmente admitidas


por todos: a terceira, porém, é negada pelos panteístas, que põem toda
perfeição das criaturas em Deus, mas com os seus limites próprios,
confundindo torpemente o ser divino e atualíssimo com o ser genérico e
potencial.
111. – Prob. I.ª p. – I.º As perfeições possíveis são ou próprias do
ente por si ou do ente outro. Ora, as primeiras competem à natureza divina,
porque é o ente por si; as segundas, no entanto, devem de algum modo
existir nela, porque não podem fluir de algo como uma fonte primária
senão dela. Portanto. 2.º Deus, por consenso de todos os homens, é aquilo
o qual nada melhor pode ser cogitado. Ora, se não contivesse em si, num
certo sentido, todas as perfeições possíveis, poderia ser cogitado algo mais
perfeito que Ele; é claro, aquilo que incluiria todas as perfeições possíveis
num certo sentido. Portanto. 3.º Do que foi demonstrado acima, Deus é o
ente ótimo, nobilíssimo e máximo (32, 4.º). Mas o ente deste tipo contém
em si todas as perfeições possíveis. Portanto. 4.º Deus é o puro ente, sem
mistura de qualquer capacidade receptiva; pois sua essência é o ser. Mas o
ente puro necessário deve ter em si toda perfeição que existe nas coisas
singulares que participam da razão do ente, uma vez que ele possui
plenamente a razão do ente38. Portanto.
112. – Prob. 2.ª p. – Deus é o ente o qual nada melhor e mais
perfeito pode ser cogitado. Mas é melhor ter formalmente as perfeições
simplesmente simples, p. ex., a vida, a liberdade, etc., que não as ter.
Portanto.
113. – Prob. 3.ª p. – I. As perfeições mistas sob sua própria razão
formal são incompatíveis com aquelas mais nobres, p. ex., a corporeidade
com a absoluta espiritualidade, no mesmo sujeito: donde, se a Deus
pertencessem sob esta própria razão formal, excluiriam aquelas de Deus.
mas não podem ser excluídas as perfeições mais nobres de Deus, porque
Ele é o ente ótimo, e nobilíssimo, e perfeitíssimo. Portanto, em Deus não
estão formalmente, mas somente virtualmente, exemplarmente e
eminentemente; de fato, à medida em que Deus pode as produzir por sua
virtude, as representa idealmente para si, pelo seu intelecto, e existem em
sua essência simplíssima por alguma razão como o ato do imperfeito existe
no perfeito. 2.º Deus é o ente atualíssimo, destituído de toda capacidade
receptiva. Ora, se existem n’Ele as perfeições formalmente mistas das
criaturas com os próprios limites das mesmas, Deus não seria o ente
atualíssimo, mas sumamente potencial; porque teria a aptidão a receber
todas as limitações das criaturas. Portanto. 3.º Na hipótese panteísta, Deus
não deveria ser chamado de ente ótimo, mas de acervo de todas as coisas,
o que é absurdo, como demonstrado no Cosmologia. Portanto, é necessária
38
Cfr. São Tomás, Suma Teológica, I. p. q. 4, art. 2: item Suarez, Metaphys. disp. 30, sect. I.
que existam em Deus as perfeições das criaturas, não formalmente com
seus limites próprios, mas de outro modo mais elevado e perfeito, a saber,
eminentemente, exemplarmente e virtualmente (O. 283).
As dificuldades que foram objetadas pelos panteístas para esta
terceira proposição já foram solucionadas no Cosmologia.

PROPOSIÇÃO SEGUNDA

Deus é infinitamente perfeito em sua essência.

114. – Demonst. – I.º A forma que não tem absolutamente nenhum


princípio de limitação, nem intrínseco, nem extrínseco, e ilimitada ou
infinita no gênero da perfeição. Mas a essência divina é uma forma deste
tipo. Portanto. A major é evidentíssima: pois toda forma em si é um ato ou
perfeição: portanto, a forma pura que carece de todo princípio limitante
necessariamente é ilimitada ou infinita na linha da forma ou da perfeição.
Prova-se, portanto, a menor. a) Em primeiro lugar, carece do princípio
intrínseco de limitação. Pois o princípio intrínseco de limitação de alguma
forma são limites contidos pela sua própria razão. Assim, a forma da
espiritualidade, por exemplo, tem o princípio intrínseco de limitação;
porque o espirito é uma espécie determinada de ente que tem como
contrapostas todas as espécies dos corpos, e que inclui em si as suas
perfeições a menos que de um modo imperfeito. Ora, na razão da essência
divina não é contido absolutamente nenhum limite próprio: pois a essência
divina é o ser puro que não é contraído a nenhuma espécie dos entes, e
que, portanto, contém em si a razão do ente em toda a sua plenitude.
Portanto, essa essência carece do princípio intrinsecamente limitante39. b)
Donde carece de um princípio limitante extrínseco. Pois os princípios
extrínsecos que limitam alguma forma não podem ser outro senão a sua
causa eficiente e o sujeito no qual se é recebido. Mas o ser divino nem tem

39
“Dupla é a forma”, observa sabiamente Cardeal Toledo (Comm. in I.am D. Thom. q. 7, art. I, pag. 116). “Uma que
inclui em sua razão a limitação e alguma espécie ou gênero: como o fogo, a alma, e outros semelhantes; o branco, a cor
e os acidentes. Outra é a que tem, de si, nenhuma limitação, como o ser: pois o ser declara todo o ato e de que gênero e
espécie é, e não tem de si limitação: donde acontece que, se é tomado segundo a si, o ato restringe simplesmente a
infinidade”.
causa eficiente, porque é per se; nem é recebido de algum modo em algum
sujeito, porque Deus é a sua essência mesma40. Portanto. 2.º O ente per se
goza da virtude criativa para produzir o mundo, já que as coisas deste
mundo foram produzidas do nada por algum ente per se, como é
demonstrado no Cosmologia. Portanto, pertence naturalmente a Deus, à
medida em que é ente, um tipo de virtude. Ora, esta virtude é
simplesmente infinita: tanto porque o efeito surge, entre todas as potências,
a partir de uma remotíssima, o produzindo a partir do nada; tanto porque
opera com toda independência; tanto porque atinge diretamente e
formalmente a razão mesma do ente factível, enquanto tal; o que é próprio
do ente per se, como tal, ou do que tem a plenitude do ser; tanto porque,
enfim, se estende absolutamente a todas as coisas criadas, pois requer
somente a não-repugnância de ser, da parte do objeto, a qual é comum a
todas as coisas criadas. Portanto, Deus é simplesmente infinito na
perfeição, porque é absurdo a infinita perfeição no agir sem a infinita
perfeição no ser. 3.º Todos os filósofos, tanto os antigos quanto os recentes,
convêm a esta infinidade de Deus ao conhece-la, porque veem que o
primeiro princípio de todas as coisas não pode carecer dela. Portanto,
como coisa per se manifesta, deve ser considerada por todos: pois do
contrário, seria impossível tal consenso41.

Resolvem-se as dificuldades.

115. – Obj. I. Deus, propriamente falando, não é senão o seu ser.


Mas também qualquer criatura é seu ser, e ainda assim são limitadas por
fins. Portanto, por conta de que Deus é o puro ser, de nenhum modo se
segue que Ele é infinito em perfeição.
Resp. – Dist. maj. – Deus, propriamente falando, não é senão o seu
ser, que, ainda assim, é atualíssimo, ou destituído de toda potencialidade e
está acima de todas as espécies dos entes e, assim, não é limitado por
nenhum fim na sua razão de ser, Conc.: e por conta disso o seu ser é um
40
Esta é a belíssima prova do Doutor Angélico (I. p. q. 7, art. I), a qual o mesmo toma como manifestamente
demonstrativo, e a qual Toledo Comment. in hunc locum, questão única, segunda conclusão, chama de egrégia. Donde é
admirável que possa existir pessoas que repugnem a isso.
41
Cfr. Toledo, loc. cit.: que otimamente explana a doutrina de São Tomás e a defende de todas os empecilho.
ser potencial e contido dentro de alguma espécie particular dos entes,
assim como acontece com o ser das criaturas, Neg. E contrad. min. neg.
conseq. O ser das criaturas é essencialmente potencial e contido dentro de
alguma determinada espécie dos entes; donde em sua mesma noção
exprime formalmente limites. Por outro lado, o ser de Deus não tem
absolutamente nenhuma mistura com potencialidade, mas é o ato puro e
posto acima de todas as espécies dos entes; e assim possui de modo pleno
a razão do ente, e não é limitado por absolutamente nada na razão de ser.
Além disso, nenhuma criatura é o seu ser, mas é metafisicamente
distinguida nela a essência da existência: em Deus, no entanto, acontece o
contrário, pois a essência de Deus é o ser. Donde deve ser negada também
a menor.
116. – Obj. II. Se Deus é chamado de o ser simplesmente puro, o ser
sem adição; é confundido com o ser abstrato e universalíssimo: pois a este
convêm as mesmas denominações. Portanto.
Resp. – Neg. ant. – À razão aduzida, Dist. assert. Ao ser abstrato e
universalíssimo convêm as denominações predicas de modo absolutamente
diverso com o ser divino, Trans.: do mesmo modo, Neg. O ser abstrato é o
ser puro, mas potencial e capaz de atuação; e também o ser sem adição
atual, mas capaz de adição. Porém o ser divino é atualíssimo e incapaz de
qualquer adição; é, além disso, sem adição atual e sem capacidade de
receber em si qualquer adição. Donde é evidente que um se dista do
outro42.
117. – Obj. III. Deus também, não menos que as criaturas, vindica
para a si uma essência determinada, e assim não é simplesmente ser, mas
este ser distinto de tudo o mais. Portanto, ainda que careça de toda
potencialidade; ainda assim, portanto, não é infinito no ser.
Resp. – Dist. 2.am p. ant. – Deus não é simplesmente ser, mas este
ser, isto é, não é o ser comum, mas o ser próprio de Deus, Conc.: não é o
ser próprio de Deus, que exprime a pura atualidade, e que através disto
exprime precisamente a pura atualidade, que é distinto de tudo o mais e
contém a verdadeira infinitude no ser, Neg. Donde sob dada distinção,
neg. conseq. Para tal, o Doutor Angélico “Por conta de que o ser de Deus é
42
Cfr. São Tomás, Suma Teológica, I. p. q. 3, art. 4, ad 1.am.
per se subsistente, não sendo recebido, à medida em que é dito finito, é
distinguido de todas as outras coisas e todas são removidas d’Ele. Assim
como se houvesse um branco subsistente, por conta do fato de que não
estaria em outro, diferiria de toda a brancura existente num sujeito”43.
118. – Obj. IV. O ser das criaturas também não é recebido, assim
como nas criaturas a essência é realmente identificada com a existência.
Ora, ainda assim o ser das criaturas é finito. Portanto.
Resp. – Dist. maj. – O ser das criaturas não é recebido segundo algo
e em outro, Conc.: simplesmente e em si, Neg. E concedida a menor, neg.
conseq. sob dada distinção. O ser das criaturas tem causa e simplesmente é
algo recebido de Deus; donde tem o princípio da limitação. O ser de Deus,
no entanto, é absolutamente não recebido: donde, absolutamente não
pertence a Ele o princípio de limitação. Ouçamos Cardeal Toledo: “Acerca
da segunda nota ‘Da Potência q. 1, art. 2, diz-se de duas maneiras o que é
recebido: de um modo, por algo, porque foi produzido; de outro modo, em
algo, porque é recebido em outro. Cada recepção produz uma limitação:
pois o eficiente limita a forma, e similarmente o sujeito. Advirta-se que a
essência da coisa foi recebida do modo anterior, porque depende e procede
de Deus: a essência limitada, porém, limita a existência; porque tal é a
existência, qual a essência, na qual é recebida. Deus não é recebido de
nenhuma maneira: pois é infinito”44.
119. – Obj. V Se Deus é infinito, não podem ser inteligidos fora
d’Ele outros entes; porque o infinito contém em si todas as coisas: assim
como se existisse um corpo infinito, não poderia existir algo fora do
mesmo. Mas fora de Deus existem inúmeros entes, de fato, todas as
criaturas. Portanto, Deus não é infinito no ser.
Resp. – Dist. maj. – Se Deus é infinito, não podem ser inteligido
fora d’Ele outros entes, isto é, aos quais o mesmo não esteja presente,
Conc.: os quais são distinguidos realmente do mesmo, Neg. E contrad.
min., neg. conseq. À razão aduzida, Dist. assert. O infinito convém em si
todas as coisas de um modo pelo qual podem ser contidas, Conc.: de outro
modo, Neg. As perfeições das coisas não podem estar em Deus com seus
43
Id. Ibid. q. 7, art. 2, ad 3.am
44
Toledo, Comment. in I. p. D. Thom. q. 7, art. I, pag. 117.
limites próprios; porque assim tolerariam a Sua infinitude ou a tornariam
finita. Portanto, estão n’Ele por uma razão mais elevada e eminente, sem
as imperfeições próprias das criaturas; as quais é unicamente comparável
com a verdadeira infinitude.
Ao exemplo do corpo infinito respondo que, o que ele faz não é
impedir que possam existir outros corpos finitos além dele, mas sim que
não ocupem o mesmo espaço que ele e que não o compenetrem. Donde se
vale algo deste exemplo, somente prova que Deus, pela razão de sua
infinidade no ser, deve estar intimamente presente em todo ente criado: o
que, de fato, é veríssimo e indica o atributo da imensidade divina.

ARTIGO QUARTO

Da absoluta imutabilidade de Deus.

120. – Chama-se de mutável aquilo que pode transitar de um a


outro estado: donde será absolutamente mutável aquilo que é
absolutamente incapaz de estados diversos, assim como por força da sua
essência sempre deve se ter do mesmo modo. Contudo, a esta
imutabilidade exclui dois gêneros de mutação: a física, como evidente, e a
moral: das quais a primeira consiste na aquisição ou perda de alguma
entidade física, a segunda, porém, na aquisição ou na perda de algum
propósito na vontade (O. 321-323).
121. – Os panteístas não negam que Deus seja imutável de um
modo, mas também O subjazem a mutações perpétuas e contínuas, assim
como estabelecem n’Ele sua imutabilidade, dizendo que Deus é
imutavelmente mutável. Porém que a mutação, tanto física quanto moral,
repugna absolutamente a Deus, provaremos pelas seguintes proposições.

PROPOSIÇÃO PRIMEIRA.

Repugna absolutamente a Deus qualquer mutação física.

122. – Demonst. – Eu demonstrarei esta proposição pelos mesmos


argumentos e palavras do Doutor Angélico, os quais são brevíssimos e
belíssimos: “Repondo dizendo que”, escreve ele, “a partir das premissas
(q. 2. a. 3) é demonstrado que Deus é completamente imutável. Primeiro:
porque acima foi demonstrado (ibid.) que há algum primeiro ente, o qual
chamamos de Deus: e que é necessário que o primeiro ente deste tipo seja
ato puro, sem qualquer mistura de potência, porque a potência é
simplesmente posterior ao ato. No entanto, tudo que é de alguma forma
mutado, está de alguma maneira em potência. A partir do qual, é evidente
que é impossível que Deus, de algum amaneira, seja mutado. Segundo,
porque tudo que é movido, permanece em relação a algo, e transita em
relação a outro algo: assim como o que é movido da brancura à negritude
permanece segundo a substância; e assim, em tudo aquilo que é movido, é
demonstrada alguma composição. Foi demonstrado, no entanto, acima (q.
3. a. 7), que em Deus não há nenhuma composição, mas é completamente
simples. Donde é manifesto que Deus não pode ser mutado. Terceiro.
Porque tudo que é movido, adquire algo por seu movimento; e possui
aquilo ao qual anteriormente não possuía. No entanto, Deus, que
compreende em si toda a plenitude da perfeição do ser todo, já que é
infinito, não pode adquirir algo, nem se estender em algo, ao qual
anteriormente não possuía. Donde, para Si, não compete nenhuma
mutação”45.

PROPOSIÇÃO SEGUNDA

Repugna igualmente a Deus qualquer mutação moral.

123. – Demonst. – I.º Tudo que, de algum modo, é mutado, de


algum modo está em potência; e assim, a mutação moral em Deus não
pode ser concebida sem alguma potencialidade. Ora, repugna a Deus, uma
vez acto puríssimo, qualquer potencialidade. Portanto. 2.º Tudo que é
movido, adquiri seu movimento por algo. Ora, Deus, uma vez ente
infinitamente perfeito, não pode adquirir nada em nenhum gênero de
perfeição. Portanto. 3.º A mutação do proposito implica em uma
imperfeição no ente submisso a ele. Pois isso nunca acontece, a menos que
seja julgue algum mal proposito: o que, de fato, supõe uma vera
imperfeição do propósito; se é falso, inclui em si mesmo alguma

45
São Tomás, Suma Teológica, I. p. q. 9, art. I.
imperfeição real. Ora, a Deus repugna absolutamente toda imperfeição, já
que é absolutamente perfeito. Portanto.

Resolvem-se as dificuldades.

124- Obj. Deus passou de não criador para criador: portanto,


mudou.
Resp. – Dist. ant. – Deus passou de não criador para criador através
de uma ação que flui abeterno d’Ele, Trans.: através de alguma ação
sucedida n’Ele temporalmente, Neg. E sob dada distinção, neg. conseq. A
ação criativa, à medida em que é considerada em Deus, esteve abeterno em
Deus; já que nada é decretado acerca da existência do muito que não
esteve abeterno em Deus.
Isnt. – 1.º O ato de criar é alguma perfeição. Ora, esta perfeição
vem, de novo, a Deus; pois do contrário, denominaríamos Ele criado
abeterno. Portanto.
Resp. – Dist. maj. – O ato de criar é alguma perfeição identificada
realmente com a omnipotência de Deus, Conc.: realmente distinta dela,
subd.: à medida em que é considerada nas criaturas ou em seu termo,
conc.: à medida em que considerada em Deus, ou em seu princípio, Neg.
Donde, nego a menor com sua prova, e sob dada distinção nego a
consequência. O ato de criar, do mesmo jeito que está em Deus, é o
mesmo que Deus e, assim, algo que existe abeterno em Deus. Nem,
portanto, denomina Deus abeterno criador; porque as relações lógicas,
pelas quais Deus é referido logicamente às criaturas, não são eternas, mas
temporais; assim como é temporal o fundamento das mesmas ou a
existências das criaturas.
Inst. – 2.º A partir da produção das criaturas, veio a Deus justiça da
propriedade nas mesmas, das quais antes carecia. Mas a propriedade da
justiça é alguma perfeição, a saber, moral. Portanto.
Resp. – Neg. ant. – Através desta produção, foi feita a justiça
absoluta, a qual já existia abeterno em Deus sob alguma forma hipotética:
pois a natureza divina existe abeterno que sempre quando fizer alguma
criatura, a permaneça sujeita essencialmente a si.
125. – Obj. II. Em Deus estão alguns decretos livres, os quais
poderão estar absolutamente fora d’Ele. Mas estes decretos incluem vera
perfeição. Portanto, Deus poderia carecer de alguma perfeição, a qual de
fato tem; e assim é intrinsecamente mutável.
Resp. – Dist. maj. – Deus pode carecer de decretos livres
assumidamente terminativos, Conc.: entitativamente assumidos, Neg. E
contrad. min. neg. conseq. Os decretos de Deus, da mesma maneira em
que exprimem algum respeito acidental de Deus às criaturas, não põem
nenhuma perfeição em Deus; mas indicam mera relação lógica, pela qual
Deus é referido abeterno contingentemente aos seus efeitos. Donde,
mesmo em que Deus tenha agora decretos livres que antes não tinha; não,
por isso, carecia de alguma perfeição.

ARTIGO QUARTO

Da imensidão e eternidade de Deus.

126. – A imensidade divina é aquela perfeição pela qual Deus


existe essencialmente determinado a compelir de sua substância todo
espaço e qualquer mutação. Difere da ubiquidade: pois esta é a
inexistência atual em qualquer coisa visível; nem põe em Deus algo senão
a mera denominação extrínseca da coexistência com as coisas criadas;
porém essa é a substância divina mesma, à medida em que essencialmente
determinada a coexistir com todos os espaços atuais e possíveis. A
eternidade de Deus, no entanto, pode ser definida com Boécio: “a posse
total, simultânea e perfeição de uma vida interminável”. Nós já
explicamos sobre dada definição no Cosmologia (C. 202).
127. – Muitos entre os antigos filósofos negaram a imensidão
divina, dos quais alguns colocaram Deus no centro do mundo, outros,
porém, alegaram estar nos extremos do mesmo. Os panteístas negam a
eternidade divina, subjazendo Deus a alguma mutação evolutiva perpétua,
privando-O da posse plena e simultânea da vida. Ambos os atributos
podem ser demonstrados facilmente pela razão natural, como se
evidenciará a partir das proposições seguintes.
PROPOSIÇÃO PRIMEIRA

Deus é imenso.

128. – Demonst. – I.º É uma grande perfeição poder coexistir


simultaneamente pela totalidade da substância com todas e singulares
partes de algum corpo como é evidente a partir do exemplo da alma
humana, a qual existe simultaneamente toda ela em todo o corpo e nas
partes singulares do mesmo. Mas a Deus não pode ser negada qualquer
perfeição em qualquer gênero, como do supradito resulta (111-113).
Portanto. 2.º Deus está, por necessidade de sua essência, em algum lugar,
porque é existente. Portanto, está, pela mesma necessidade, em qualquer
lugar: tanto porque, do contrário, seria limitado pela razão do lugar, que
repugna absolutamente a sua infinitude; tanto também porque não pode ser
cogitar ser circunscrito por um lugar nem com ou sem a capacidade de se
mover; porque é adversa à sua imutabilidade a capacidade de se mover, a
incapacidade é uma grande imperfeição ao máximo alienígena à sua
infinitude. Mas o que está por necessidade de sua essência em qualquer
lugar, chama-se imenso. Portanto. 3.º Nenhuma cosia criada pode ser feita
ou conservada sem a ação imediata de Deus, como será provado depois.
Mas Deus é presente e age em qualquer lugar: pois imediatamente e sem
qualquer médio interposto no objeto de sua potência exerce a sua ação,
como postula sua perfeição infinita. Portanto.
129. – COROLLARIUM I.UM – Portanto, é mais verdadeiro dizer
que o mundo existe em Deus que Deus no mundo. É evidente a
consequência. Pois Deus não está no mundo desta maneira, quase sendo
contido pelos seus limites, sem que possa preencher outros espaços; mas
superexcede por sua imensidão todos os espaços do mundo, exigindo
existir em todo espaço real e existindo em todos os espaços possíveis ou
imaginários. Donde verdadeiramente e propriamente Deus, pela razão da
sua imensidade, contém o mundo em si e minimamente é contido pelo
mundo.
130. – COROLLARIUM II.UM – Portanto, Deus criou o mundo
dentro de uma “cavidade” da sua imensidade. É evidente a partir dos
próximos ditos no corolário precedente. A razão da divina imutabilidade
também postula isso: pois se produzisse o mundo fora de si, não poderia o
permear depois sem alguma mutação em si. No entanto, o mundo existe
dentro de uma cavidade da imensidade divina, não como acidente ou como
uma determinação da substância divina, mas como algum ente que subsiste
em si mesmo e distinto de Deus. É evidente para os bem preparados os
erros do panteísmo.

Resolvem-se as dificuldades.

131. – Obj. I. A imensidade combate a divina simplicidade: pois o


que é imenso, é também extenso. Portanto.
Resp. – Neg. ant. – À razão aduzida, dist. assert.: O que é imenso, é
extenso virtualmente, Conc.: formalmente, Neg. Deus não é simples ao
modo dos pontos matemáticos, mas ao modo do espírito. No entanto, o
espiro não ocupa o lugar assim como os corpos, mas está todo ele nos
espaços repletos das partes de sua substância.
132. – Obj. II. A imensidade combate a divina imutabilidade. Pois
por sua força, Deus receberia quotidianamente coisas as quais vieram a ser
novamente: o que não pode ser concebido sem uma mutação em Deus.
Resp. – Neg. assert. – À prova, conc. maj. et dist. min. Que em
Deus não pode ser concebido sem uma mudança lógica, Trans.: sem
mudança física. Nego. A presença atual nas coisas não põe nada de físico
em Deus, mas somente a relação lógica da coexistência: pois em Deus não
pode haver nenhuma relação real para com as criaturas, porque Deus está
fora da ordem das criaturas, como retamente afirmou São Tomás46.
133. – Obj. III. De nenhuma maneira o argumento tomado a partir
da ação imediata de Deus nas criaturas prova a sua imensidade. Pois Deus
opera somente pela vontade e intelecto: no entanto, a volição e a intelecção
não necessariamente requerem a presença essencial da causa com respeito
aos seus efeitos. Donde, ainda que repugne nas criaturas a ação à distância,
ainda assim não repugna em Deus.
Resp. – Neg. assert. – À prova, Dist. min. A volição e a intelecção
não requerem a presença essencial da causa com respeito aos seu efeito, se
este efeito procede somente mediatamente delas, Conc.: se procede
imediatamente delas, Neg. A ação à distância não menos repugna em Deus

46
São Tomás, Suma Teológica, I. p. q. 13, art. 7.
que nas criaturas. “Pois, assim como a forma, enquanto é forma, requer ao
seu efeito formal a união e a indistância com a matéria; não poderia forma
alguma, à medida em que fosse suposta infinita, dar seu efeito sem
qualquer proximidade; ou assim como a causa final para a sua causalidade
requer proximidade através do conhecimento, nem pode de outro modo
exercê-la, ainda que fosse maximamente infinita; assim o agente, enquanto
agente, requer para agir proximidade e imediação com a paixão ou o
efeito; sem a qual não pode agir, ainda que fosse infinito. Adiciono que
muito menos isso pode convir aquele agente de virtude; porque agir à
distância, ainda que possa ser visto em algum agente como uma perfeição,
não pode ser, não obstante a isso, simplesmente perfeição, mas suposta
pela imperfeição: ainda assim, é absolutamente muito melhor ter, enquanto
se dista completamente do seu efeito, suma perfeição no agir e sumo
domínio nele, não somente a partir da virtude da ação, mas também a
partir do modo e da disposição ou da proximidade”47.

PROPOSIÇÃO SEGUNDA

Deus é eterno.

134. – Demonst. – É verdadeiramente e propriamente eterno o ente


vivente, que carece de princípio e fim ao existir, e que persevera em si
mesmo completamente imutável; pois isto é evidentemente inferido a
partir da definição de eternidade supramencionada. Mas Deus: a) é ente
vivente; tanto porque é o que é ótimo e nobilíssimo, tanto também porque
é inteligente por sua natureza, como abertamente indicam todas as suas
obras: b) carece de princípio e fim, porque é o ente absolutamente
necessário e existente por força de Sua essência (O. 319): c) e é, por fim,
completamente imutável, como do sobredito resulta (122-123). Portanto.

Resolvem-se as dificuldades.

135. – Obj. I. A eternidade é alguma duração. Mas a sucessão


pertence à razão da duração. Portanto.

47
Suarez, Metaphys. disp. 30, sect. 7, n. 13.
Resp. – Conc. maj. et dist. min. – a sucessão pertence à razão da
duração mutável, Conc.: à razão da duração imutável, Neg. E sob dada
distinção, neg. cons.
136. – Obj. II. A eternidade tem parcialmente duração, já que é
maior que o tempo. Portanto, não é totalmente simultânea.
Resp. – Dist. ant. – A eternidade tem partes virtuais da duração,
Conc.: reais, Neg. A eternidade é, de fato, maior que o tempo; mas não
pode ser comensurada pelo tempo, já que é completamente de outra ordem
e existe acima de qualquer tempo.
137. – Obj. III. Se a eternidade é totalmente simultânea, qualquer
instante do tempo coexiste com toda a eternidade. Mas isto não pode ser
admitido, porque do contrário o instante do tempo seria igualado com a
eternidade. Portanto.
Resp. – Dist. maj. – Qualquer instante do tempo coexiste com a
eternidade, enquanto partícula do tempo, a qual dista infinitamente da
eternidade, Conc.: como algo na duração que se adequa à eternidade,
Neg. A eternidade está para os pontos tempo assim como o centro está
para os pontos de alguma circunferência: pois contém em si, por sua
simplicidade e imobilidade, todas as coisas, sem ter em si tempo ou
sucessão.

ARTIGO SEXTO

Da unidade de Deus.

138. – A unidade divina é um atributo situado no fato de que a


essência divina não pode ser multiplicidade em muitos supostos da mesma
razão, mas existe somente um em número. O que, de fato, não ocorre
naquelas coisas naturais criadas, as quais são multiplicáveis e tanto é o
número das que existem que são os indivíduos que participam da razão
delas. – Os pagãos e os maniqueístas negam a unidade de Deus; dos quais
os primeiros admitem uma pluralidade de deuses, porém os segundos dois
princípios das coisas, um sumo bom e o outro sumo mal. Porém a razão de
ambos demonstra abertamente falsidade, como será evidente a partir das
proposições seguintes.
PROPOSIÇÃO PRIMEIRA

Não se dão muitos deuses, mas Deus é naturalmente uno e singular.

139. – Demonst. – I.º A partir da absoluta simplicidade de Deus.


Pois a supositalidade pertente a uma natureza cuja razão não pode ser
multiplicada em muitos supostos. Pois a supositalidade e a
imultiplicabilidade soam o mesmo (O. 364); donde, se um dos
constitutivos de alguma natureza metafísica é a supositalidade, esta
natureza é essencialmente incapaz de multiplicação. Ora, a supositalidade
pertence à razão da natureza divina; porque Deus é absolutamente simples,
não é dado n’Ele composição a partir da natureza e do suposto, mas sua
natureza é supositada por si mesma48. Portanto.
2.º O mesmo conta a partir da infinidade de Deus. Pois é impossível
que muitos deuses exista, sem que um careça de alguma perfeição a qual
compete ao ouro; pois as coisas que convém a todos, são absolutamente a
mesma e não diferem mutuamente entre si. Mas nenhuma perfeição pode
carecer ao ente absolutamente infinito. Portanto, porque Deus é
infinitamente perfeito, é impossível que sua natureza seja multiplicada em
muitos sujeitos.
3.º O mesmo é evidente a partir da mesma noção de Deus. Pois
Deus, quanto ao consenso de todos os homens, é aquilo ao qual nada
melhor pode ser cogitado. Mas se são supostos muitos deuses, podemos
cogitar algo melhor que eles, a saber, o ente que de um modo simplíssimo
e eminentíssimo contém em si as perfeições esparsas em todos os deuses.
Portanto. E é racionalmente uma grande perfeição não ter igual em
perfeição. Portanto, porque Deus é algo optimíssimo e nobilíssimo, deve
ser chamado de singular e único em sua perfeição. Assim, otimamente diz
Tertuliano: “À medida em que o homem pode formar uma definição de
Deus, eu aduzo aquela a qual a consciência de todos os homens tem
conhecimento: que Deus é o grande supremo que existe na eternidade,
incriado, sem começo e nem fim. Pois uma condição como esta precisa ser
atribuída àquela eternidade que faz Deus ser o magno supremo, porque,
para tal proposito como este, está este mesmo atributo (a eternidade) em
Deus; e assim para as outras qualidades: de modo que Deus seja o magno

48
São Tomás, Suma Teológica, I. p. q. 11, art. 3.
supremo na forma e na razão, e na potência e no poder. Ora, já que todos
concordam neste ponto (porque ninguém negaria que Deus é, num sentido,
o magno supremo, exceto o homem que só pronunciaria a opinião oposta
a fim de negar a Deus, roubando d’Ele o atributo divino), qual deve ser a
condição do sumo magno? Claramente deve ser que nada é igual a Ele, isto
é, que não há outro magno supremo; porque, se houvesse, Ele teria um
igual; e se ele tivesse um igual, Ele não mais seria o magno supremo, dado
que a condição e (por assim dizer) nossa lei, a qual não permite que nada
seja igual ao magno supremo, é subvertida. Que este ente, então, que é o
magno supremo, deva ser único, não tendo nada de igual, e assim não
deixando de ser o magno supremo”49.
4.º Além disso, o mesmo é demonstrado a partir da unidade do
mundo. “Pois todas as coisas que existem são vistas serem ordenadas
mutuamente, enquanto algumas servem a outras. No entanto, não
conviriam em uma ordem coisas diversas a menos que sejam ordenadas
por algo uno, pois é melhor que sejam trazidas muitas coisas a uma ordem
por uma coisa una, que por muitas coisas; porque o uno é causa do uno per
se, porém o múltiplo não é causa do uno a menos que per acidente, a saber,
enquanto é, de algum modo, uno. Visto que aquilo que é primeiro é
perfeitíssimo e per se, não per acidentes, é necessário que o primeiro que
reduz todas as coisas em uma ordem seja somente uno. E este é Deus”50.
5.º E finalmente, o mesmo se prova a partir do consenso comum dos
sábios. Pois logo em cima vimos com Suarez que todos os sábios gentios
conheciam a unidade de Deus (20). Portanto.

PROPOSIÇÃO SEGUNDA

A hipóteses dos maniqueus de dois princípios tanto é absurda em si quanto


não serve para explicar a origem do mal.

140. – Prob. I.ª p. – O princípio mal por sua natureza é dito tal
absolutamente ou relativamente. Ora: a) O princípio ser absolutamente em
si mal é pura imaginação; pois todo ente é algo absolutamente bom (O.
219); b) No entanto, o primeiro princípio ser mal por sua natureza no

49
Tertuliano, Contra Marcião, lib. I, cap. 3.
50
São Tomás, loc. cit.
segundo tipo de mal é contraditório; visto que é da razão do ente per se ter
a plenitude do ser, e assim ser naturalmente benéfico. Portanto.
141. – Prob. 2.ª p. – Estes princípios ou são postos com igual
virtude, ou desigual. Se o primeiro: não poderá haver nada de bom no
mundo. Pois seriam como duas forças iguais e contrárias, as quais colidem
por sua própria natureza; e assim, tudo que uma faz, é, pela necessidade de
sua natureza, destruído pelo outra. Se o segundo; não poderia haver no
mundo nenhuma mistura do bem e do mal; pois o que for mais forte não
poderá não impedir, por necessidade de sua natureza, o efeito do outro.
Portanto.

Resolvem-se as dificuldades.

142. – Obj. Não deve ser negada aquela perfeição da natureza


divina a qual vemos convir aos viventes criados. Mas estes viventes por
sua natureza são fecundos e são capazes de gerar filhos da mesma espécie.
Portanto, isso mesmo deve ser estabelecido de Deus, e assim, a natureza
divina pode ser multiplicada em muitos indivíduos.
Resp. – Dist. maj. – Não deve ser negada, à medida em que nela são
encontradas toda perfeição das criaturas quer formalmente, quer
eminentemente, Conc.: à medida em que deve ser encontrada nela toda
perfeição das criaturas formalmente, Neg. Donde, concedida a menor,
dist. conseq.: isso deve ser dito de Deus, mas sob uma razão diversa,
Conc.: sob a mesma, Neg. A natureza divina pode não ser fecunda assim
como estes viventes sensíveis, já que ela é completamente simplíssima. E,
por onde, os mesmos espíritos angélicos, os quais são viventes de uma
maneira mais elevada e são mais elevados à perfeição divina, por conta de
sua simplicidade, não podem gerar outras substâncias da mesma espécie. É
fecunda, portanto, à medida em que pode produzir do nada muitas
substâncias espirituais, as quais são, num certo sentido lado, filhos de
Deus; e à medida em que tem em si algumas procissões, dais quais fala a
Teologia por uma revelação ilustrada de Deus ao tratar do mistério da SS.ª
Trindade.
143. – Obj. II. Se houvesse somente apenas um Deus sumo bom,
não poderia existir nenhum mal na natureza das coisas: pois o sumo bom
necessariamente exclui qualquer mal, como contrário a ele. Portanto,
necessariamente deve ser admitido muitos deuses.
Resp. – Neg. ant. – À razão aduzida, Dist. assert. O sumo bem
necessariamente exclui qualquer mal de si mesmo, Conc.; de seus efeitos,
subd.: se opera por necessidade de natureza, Trans.: se opera por livre
vontade, Neg. O sumo bem que opera por livre vontade, o qual Deus é,
pode ter razões especiais por conta das quais permita o mal em suas
criaturas, permitindo-as agir quanto a própria natureza de qualquer coisa e
não impedindo defeitos, que per accidens às vezes se seguem a partir da
defectibilidade nativa das mesmas (O. 238).
Inst. – I.º Se existisse o fogo infinito, absolutamente nada de frio
poderia ser visto em quaisquer corpos. Portanto, pela mesma razão, se
existe um ente sumo bom, não deve haver nenhum mal nas coisas distintas
d’Ele.
Resp. – Neg. parit. et conseq. – Este fogo operaria por necessidade
natural e assim excluiria necessariamente de todos os corpos o frio, que
consiste na privação do calor. No entanto, Deus não opera no mundo por
necessidade da natureza, mas por livre vontade; nem o mal contido por
suas criaturas consiste na privação de alguma perfeição divina, mas criada
e que pertence às mesmas criaturas. Donde nenhuma igualdade é aduzida.
Contudo, o exemplo assumido do fogo somente prova que Deus, a partir
de sua natureza, tem a suma propensão a beneficiar; não obstante, não é
por conta disso que vale não permitir nenhum mal em suas criaturas e é
necessitado a criar um mundo absolutamente ótimo por sua natureza (C.
261).
Inst. – 2.º Se aquele ente sumamente bom não impedisse algum mal
de suas criaturas, isto seria ou porque não conhecia este mal, ou porque
não poderia removê-lo, ou porque não queria51. Ora, nenhum destes pode
ser afirmado: pois o primeiro repugna a infinita sabedoria daquele ente, a
segunda a infinita potência, o terceiro a sua infinita bondade.
Resp. – Neg. maj. – Pois resta um quarto membro, no qual é
precisamente contida a razão por que Deus quer permitir algum mal em
suas criaturas: porque acha mais vantajoso assim. Pois, como otimamente
disse São Tomás, “Visto que Deus é o provisor universal de todos ente,
pertence à providência do mesmo que permita que alguns defeitos existam

51
Ou seja, o famoso paradoxo do “Epiruco”.
em algumas coisas particulares para que um bem perfeito do universo não
seja impedido. Pois se impedisse todos os males, o universo perderia
muitas coisas boas: pois o leão morreria se não houvesse a morte de outros
animais; nem haveria a paciência dos mártires, se não houvesse a
perseguição dos tiranos”52.

Graças sejam dadas ao Senhor Deus por este fragmento.


CAPÍTULO QUARTO
DOS ATRIBUTOS RELATIVOS DE DEUS

144. – Chamam-se de atributos relativos de Deus aquelas perfeições


pelas quais Deus é referido de algum modo às criaturas. Enumeram-se
quarto; o intelecto, a vontade, a potência e a providência, sobre os quais
trataremos singularmente ao longo dos artigos.

ARTIGO PRIMEIRO

Do intelecto divino.

145. – É fato que o intelecto divino existe: pois a sabedoria e a


ciência de Deus reluzem em suas obras clarissimamente. Portanto,
supondo a sua existência, investigaremos por distintos parágrafos primeiro
a natureza, depois o objeto, e então o médio in quo, e, por fim, o ato do
intelecto divino.

§ I. O QUE SERIA A NATUREZA DO INTELECTO DIVINO.

Para que respondamos à questão proposta brevemente e claramente,


tentaremos demonstrar brevemente as proposições seguintes.

PROPOSIÇÃO PRIMEIRA

O intelecto divino não é potência, mas ato puro; nem é determinado a


conhecer por um objeto, mas por si mesmo propriamente.

52
São Tomás, Suma Teológica, I. p. q. 22, art. 2.
146. – Prob. I.ª p. – I.º Em Deus não pode haver nenhuma
potencialidade, porque Ele é ato puríssimo. Mas haveria n’Ele alguma
potencialidade se o Seu intelecto fosse verdadeira potência atualizável, e
não ato. Portanto. 2º Se o intelecto divino fosse alguma potência
atualizável da mesma maneira que o nosso, haveria uma aquisição de
ciência ao conhecer, já que transitaria da potência ao ato. Mas isto não
pode ser admitido, já que o intelecto divino é, de si, perfeitíssimo.
Portanto.
147. – Prob. 2.ª p. – Se o intelecto divino fosse verdadeiramente e
propriamente determinado ao conhecimento pelos objetos, o mesmo, de si,
estaria em potência ao conhecimento deles; pois precisaria ser atualizado
pelos mesmos. Mas isto foi demonstrado ser falso na primeira parte da
proposição. Portanto.
148. – Diz São Tomás: “Porque Deus não tem nenhuma
potencialidade, mas é ato puro, é necessário que n’Ele o intelecto e o
inteligido sejam o mesmo de todos os modos, de modo que, a saber, não
careça de nenhuma espécie inteligível, assim como o nosso intelecto
quando intelige em potência; nem a espécie inteligível é outra que não a
substância do intelecto divino, assim como acontece no nosso intelecto
quando intelige em ato: mas a espécie mesma do inteligível é o intelecto
divino mesmo”53. Ainda assim, é dito ser determinado por objetos
logicamente, à medida em que estes objetos são termos objetivos diversos
do intuito divino, uno e simplíssimo.
149. – COROLLARIUM. – I.um Portanto, o intelecto divino não
recebe as espécies das coisas as quais conhece; mas o mesmo, a partir de
sua perfeição intrínseca, é determinado a representa-las através do
conhecimento. É evidente a consecução: pois receber as espécies das
coisas não é senão ser determinado pelas mesmas à representação delas.
Assim, as coisas conhecidas pelo intelecto divino não são senão puros
termos objetivos que simplesmente terminam a ciência divina; e, da parte
delas, somente é requisitado que sejam em si inteligíveis, pois este
intelecto, de si, é essencialmente determinado a representar tudo
representável.
150. – COROLLARIUM. – II.um Portanto, o intelecto divino nem
por sua própria essência divina recebe propriamente a sua espécie; mas a

53
São Tomás, loc. cit. Q. 14, art. 2.
partir da sua perfeição intrínseca é essencialmente determinado a
representa-la idealmente. Pois o intelecto divino, à medida em que a
virtude é cognoscitiva, é, de si, ato puríssimo, contudo não admite em si
nenhuma potencialidade. Donde, como sabiamente conclui São Tomás: “a
espécie mesma do inteligível é o intelecto divino mesmo, e assim, intelige
a si mesmo através de si mesmo”.

PROPOSIÇÃO SEGUNDA

O intelecto divino não pode de nenhum modo ser discursivo.

151. – Demonst. – De duas maneiras pode em nós haver o discurso:


à medida em que, depois de um ato da intelecção, pomos outro, e à medida
em que, a partir de uma intelecção, inferimos outra. E nenhum destes
discursos pode haver em Deus. Não o primeiro; porque envolve a
verdadeira sucessão do ato, que repugna a eternidade de Deus. Não o
segundo, tanto porque supõe o primeiro, já que o ato de inferir a conclusão
é posto pelo intelecto depois do ato das premissas; tanto porque implica
em imperfeição formal, por conta de que o ato da inferência é o um
processo intelectual do conhecido ao desconhecido. Portanto.

Resolvem-se uma dificuldade.

152. – Conhecer o efeito através da causa é verdadeiramente


discorrer54. Mas Deus conhece os outros através de Si mesmo, como o
efeito através da causa; pois este é o modo perfeitíssimo de conhecer.
Portanto.
Resp. – Dist. maj. – Conhecer o efeito antes desconhecido através
da causa antes conhecida é discorrer, Conc.: conhecer o efeito sempre
conhecido através da causa não antes conhecida é discorrer, Neg. E
contrad. min., neg. cons. O verdadeiro discurso transita do conhecido ao
desconhecido, o que repugna racionalmente a perfeição do intelecto
divino. Donde Deus assim conhece os efeitos através das causas como não
transita destas para o conhecimento daqueles, mas intelige tudo por um ato
simultâneo.

54
Discorrer, de “discurso”.
PROPOSIÇÃO TERCEIRA

O intelecto divino é infinitamente perfeito.

153. – Demonst. – Os atributos, enquanto efeitos da essência, são


segundo a essência. Mas a essência divina é simplesmente infinita na linha
do ser. E, portanto, o intelecto na linha do inteligir.

§ II. QUAL SERIA O OBJETO DO INTELECTO DIVINO.

Resolveremos esta questão pelas seguintes proposições.


PROPOSIÇÃO PRIMEIRA.

Tudo que é cognoscível pode ser conhecido pelo intelecto divino.

154. – Demonst. – I.º A omnisciência é uma perfeição simplesmente


simples, já que é melhor tê-la do que não a ter. Portanto. 2.º O intelecto
divino, enquanto atributo duma essência infinitamente perfeita, é
infinitamente perfeito. Mas tal não seria se desconhecesse algo o qual
outro intelecto pode conhecer. Portanto.

PROPOSIÇÃO SEGUNDA

Deus conhece não somente a si mesmo, mas perfeitissimamente também


todas as coisas criadas.

155. – Demonst. – Tudo que Deus pode conhecer, de fato conhece


perfeitissimamente, já que carece absolutamente de toda potencialidade e,
assim, conhece em ato todo objeto enquanto é cognoscível. Ora, não
somente Deus, mas também todas as coisas criadas são em si cognoscíveis.
Portanto.

PROPOSIÇÃO TERCEIRA.
Deus conhece desde a eternidade não somente as coisas presentes, mas
também as passadas e as futuras.

156. – Demonst. – Tudo que Deus conhece, conhece abeterno; do


contrário, transitaria da potência ao ato e adquiriria pelo conhecimento das
coisas alguma nova perfeição, o que repugna a natureza divina. Mas Deus
agora conhece não somente as coisas presentes, mas também as passadas e
as futuras: tanto porque o que agora é pretérito, em algum momento foi
presente e conhecido em ato por Deus, e o que é futuro, em algum
momento será presente e conhecido por Deus; tanto porque, para produzir
e conservar todas as coisas, quer presentes, passadas ou futuras, é
requerido o concurso divino, o qual é provido através da vontade direta
pelo conhecimento; tanto, por fim, porque todas as coisas passadas e
futuras em relação aquele tempo no qual são presente têm determinada
entidade e, assim, intrínseca cognoscibilidade. Portanto.

Resolvem-se as dificuldades.

157. – Obj. I. Se Deus conhecesse as coisas presentes, a ciência


divida dependeria delas. Mas a ciência divina nunca pode depender de
qualquer coisa criada. Portanto.
Resp. – Dist. maj. – A ciência divina dependeria das coisas criadas
terminativamente, Conc.: entitativamente, Neg. E contrad. min., neg.
conseq. O intuito divino é semelhante ao sol; que, ao difundir seus raios
através do espaço, não depende dos corpos celestes, mas não pode atingir
por seus raios estes cornos sem a existência suposta deles.
158. – Obj. II. Se Deus vê todas as coisas futuras, destruiria a
liberdade do homem: pois o que de futuro Deus viu desde a eternidade,
necessariamente é futuro. Portanto, pelo menos as ações livres dos homens
seriam removidas pela ciência do futuro.
Resp. – Neg. ant. – À razão aduzida, Dist. assert.: O que de futuro
Deus viu desde a eternidade, necessariamente é futuro pela necessidade
consequente do livre exercício da vontade humana, Conc.: por necessidade
antecedente, Neg. Dupla é a necessidade: Uma que antecede a
determinação da vontade e que irresistivelmente a causa, e outra que é
consequente desta determinação. A primeira é absoluta e remove o
exercício da liberdade, porque determina irresistivelmente a vontade a
algo. A segunda, porém, é hipotética e supõe o exercício da liberdade, mas
não a extingue; porque somente diz que não pode ser feita enquanto não
existe alguma ação livre, se já é suposta livremente feita. Já a visão divina,
porém, induz somente a necessidade do segundo gênero: porque, como
dissemos na resposta à dificuldade precedente, na terminação de seu
objeto, e, consequentemente, é posterior a ele sob esta razão.
159. – Obj. III. A ciência divina é eterna, porém a ação do homem é
temporal. Ora, o temporal sob nenhum aspecto pode ser anterior ao eterno.
Portanto, a necessidade aduzida através da ciência divina é
verdadeiramente antecedente.
Resp. – Conc. maj. et neg. min. – Ainda que a coisa temporal
entitativamente e fisicamente na razão do ente seja posterior à visão
divina, ainda assim terminativamente e na razão do objeto é anterior a esta
visão: assim como a terminação do raio de luz em relação à terra é
posterior a mesma terra, à medida em que, por um acaso, este raio existe
no espaço muito antes da formação da terra.
160. – Obj. IV. O homem não pode impedir, por sua ação temporal,
a ciência eterna de Deus. Portanto, esta infere a ele a necessidade
antecedente.
Resp. – Dist. ant. – O homem não pode impedir, por sua ação
temporal, a ciência eterna de Deus assumida entitativamente, Conc.:
considerada terminativamente, Neg. E sob dada distinção, neg. conseq. A
ciência de Deus, considerada entitativamente, é o Deus mesmo que existe
necessariamente desde toda a eternidade; no entanto, assumida
terminativamente, exprime alguma relação contingente que provém a
partir do livre exercício da vontade humana. Por onde, o homem, por sua
ação, à medida em que é temporal, pode impedir a ciência de Deus
considerada segundo este modo. Contudo, assim como João, vendo as
ações diante dos seus olhos feitas por mim, minimamente impede o
exercício da minha liberdade, porque a sua visão supõe já existente este
exercício; e o mesmo deve ser dito de Deus, porque Deus em seu ato
simplíssimo, que é chamado de eternidade, vê todas as coisas em sua
presencialidade ao supor a existência das mesmas determinadas
temporalmente a Ele.
PROPOSIÇÃO TERCEIRA

Deus conhece desde a eternidade coisas puramente possíveis e futuras


condicionais livres.

161. – Praenot. – As coisas puramente possíveis são aquelas que,


embora tenham a aptidão intrínseca a existir, ainda assim nunca existem,
porque Deus nunca as chamou à existência. São futuras condicionais
aquelas que são afirmadas e negadas sob uma condição: e serão livres se
versadas acerca das ações que devem ser livremente postas pela vontade,
como quando é dito: “Se Pedro pedisse desculpa a João, este lhe
perdoaria a ofensa”. Contudo, as coisas futuras condicionais são divididas
em puramente tais e não puramente tais. As primeiras são aquelas que
sempre permanecerão no estado de pura condicionalidade, pois nunca
será purificada a condição da qual depende a futurição das mesmas.
Porém as segundas são aquelas das quais a condição às vezes é purificada
ou reduzida à atividade, e que, por onde, transitam do estado de pura
condicionalidade ao absoluto, e são enumeradas entre si de futuras. Pois
todo futuro absoluto pressupõe um futuro condicional: pois, se é
verdadeiro, por exemplo, que João perdoará a ofensa de Pedro que pedirá
desculpas, é necessariamente verdadeiro que João deve perdoar esta
ofensa, se Pedro pedir desculpas a ele. Nós tratamos nesta tese do
puramente condicional porque o conhecimento dos outros já é suficiente
evidente do que precede.
162. – Prob. I.ª p. – I.º As coisas puramente possíveis tem
verdadeira cognoscibilidade, já que são entes, embora possíveis, e são
distinguidas das coisas quiméricas e intrinsicamente absurdas. Mas Deus
conhece abeterno tudo que tem verdadeira cognoscibilidade, já que tudo
cognoscível pertence ao objeto d’Aquele e o intelecto divino nunca
poderia estar em estado de mera potência com respeito ao seu objeto.
Portanto. 2. Deus perfeitissimamente intelige a sua essência, pois o Seu
intelecto goza de infinita perfeição e não é distinguido realmente da Sua
essência. Mas esta essência não pode ser plenamente conhecida a menos
que conheça também todas as coisas possíveis; pois a essência divina é
fundamento de todas as coisas possíveis e se refere logicamente a elas; no
entanto, o fundamento não pode ser plenamente conhecido a menos que os
termos sejam conhecidos, aos qual dita ordem de fundação. Portanto. 3.
Nada é possível o qual Deus não possa chamar à existência, caso Lhe
convenha. Mas Ele não pode chamar as coisas possíveis à existência caso
não as conheça, pois Deus não opera por necessidade de natureza, mas por
livre vontade, como será provado depois. Portanto, nada é possível o qual
Deus não conheça e, por onde, não tivesse conhecido desde a eternidade.
163. – Prob. 2.ª p. – I.º Deus, por sua perfeitíssima ciência, conhece
tudo o que em si tem verdade. Mas os futuros condicionais livres têm em
si verdade, pois assim como é em si verdadeiro que alguns atos livres das
criaturas em determinada diferença do tempo futuro devam, de fato, serem
postos; assim também, por igual verdade, muitos outros seriam postos no
mesmo instante se a condição, sob a qual são futuros, fosse purificada; mas
ainda assim nunca existirão de fato, porque esta condição nunca será
purificada. Portanto. 2.º Deus não pode reger uma providência certa e
indubitável com respeito as coisas humanas sem este tipo de ciência dois
condicionáveis. Pois não pode senão através de certas conjecturas
conhecer o que fariam, por sua liberdade, os homens singulares, se fossem
postos a essas ou aquelas circunstâncias; e assim, enquanto constituísse
aqueles em determinadas circunstâncias, desconheceria certamente o que
eventualmente fariam, enquanto os viria operar. Mas Deus gera certa e
indubitável providência com respeito às coisas humanas, como constará do
que se seguirá em baixo. Portanto. 3.º Isso, finalmente, é evidente a partir
do senso comum de todos. Pois todos nós, por doce natureza, pedimos a
Deus para que nós retire desta ou daquela ocasião, deste ou daquele
trabalho, etc., se nos vê prestes a causar a nossa própria ruína por uso
indevido de nossa liberdade. Portanto, deve ser tomado mais certamente
que Deus perfeitissimamente conhece abeterno todos estes tipos de
condicionais.

§ III. EM QUE MANEIRA DEUS CONHECE AS COISAS


SINGULARES

164. – Esta questão não pode ser tocada na Filosofia senão


levemente: pois postula um longo e profundo tratado para sua plena
resolução, que não pode ser dada convenientemente senão na teologia.
Portanto, exporemos brevemente ela.
165. – Além de que, o médio discutido nessa matéria é aquele
objeto que logicamente e intencionalmente move o intelecto divino a
conhecer as coisas, ou o título imediato e direto existente da parte do
objeto, por causa do qual o conhecimento de alguma é devido ao intelecto
divino. Pois o intelecto divino, de sua parte, não requer nenhuma espécie
impressa dos objetos para conhece-las, mas o mesmo é, de si, espécie
deles, como do sobredito resulta (147). Donde, se por conhecimento da
coisa em si entende-se aquele que é tomado através da espécie própria e
adequada, assim como São Tomás e os antigos comumente entendiam, é
manifesto que o intelecto divino nada pode conhecer absolutamente que
não em si mesmo: porque não recebe nenhuma espécie das coisas, mas ele
mesmo, por si, já é espécie de todas as coisas.
166. – Acerca do médio no qual Deus conhece a si mesmo, não há
nenhuma dificuldade; pois é evidente que ele em si mesmo conhece a si
imediatamente, pois isto postula abertamente a excelência da essência
divina, que é o mais digno objeto de intelecção dentre todos. Porém o
mesmo não acontece na ordem do conhecimento dos outros objetos, e,
portanto, acerca disto é dada grande discrepância entre os autores. Os
Banezianos opinam que Deus conhece as coisas presentes e futuras nos
seus decretos absolutos que predeterminaram a existência delas; no
entanto, as coisas futuras condicionais no decreto subjetivo absoluto e
objetivamente condicional, pelo qual eficientemente abeterno decretou a
premoção física que determina nas coisas livres produzir algumas ações se
se encontram em algumas determinadas circunstâncias. Outros, porém, por
conta de que estes decretos Deus fere a liberdade humana, se refugiaram a
outros médios. Assim, autores da Sociedade de Jesus ensinam comumente
com Suarez que Deus tanto vê as coisas presentes quanto as futuras livres
de qualquer gênero diretamente na própria entidade das mesmas, quer
sendo elas absolutas ou condicionais, pois são de si e por sua razão
inteligíveis, pois são veras entidades distintas realmente das quimeras.
Alguns, ainda que com Molina, afirmam que os futuros condicionais livres
são vistos por Deus na essência divina que naturalmente os representa, não
à medida em que são possíveis, mas também à medida em que são futuros
condicionais; no entanto, os futuros absolutos são concernidos por ele no
decreto de criar este determinado mundo instruído por estas determinadas
causas livres”55. Por fim, acerca do médio no qual são conhecidas por Deus
as coisas possíveis, é dada uma tríplice opinião. Pois de acordo com
alguns, elas não são inteligidas por Deus senão na essência divina; porém
de acordo com outro, não são senão diretamente em si mesmas; enfim, de
acordo com mais outros, tanto na essência divina quanto nelas mesmas; e
este último parece ser o mais verdadeiro.
Assim, depois de brevemente explicadas, para que de algum modo
respondamos a proposição da questão, diremos brevemente as coisas
seguintes.
167. – I. Deus conhece perfeitissimamente a Si mesmo em Si
mesmo. Manifestadamente evidente: pois a essência divina é objeto
proporcionado ao máximo ao divino intelecto. Donde, em razão de si
mesma e por conta da própria entidade, postula que é conhecida por este
intelecto, pois a mesma é objeto principal e primário daquele.
168. – II. Deus conhece todas as coisas atuais na própria entidade
das mesmas. A razão é: porque qualquer uma delas tem uma vera e própria
entidade e inteligibilidade; e assim, por sua mesma razão, postula o
conhecimento do intelecto divino determinado nela (na coisa). De fato, é
vero que o intelecto divino não é determinado fisicamente a este
conhecimento através de qualquer espécie tomada das coisas criadas, por
onde, sob este aspecto, Ele em Si mesmo vê as coisas posicionadas fora de
Si. Mas isto deve ser dito da essência divina mesma enquanto é objeto do
intelecto divino; pois a essência divina verdadeiramente e propriamente
não atualiza o divino intelecto na razão do objeto, mas simplesmente
termina o conhecimento daquele: e ainda assim é dita verdadeiramente ser
conhecida em si mesma, porque em razão de si mesma postula um
conhecimento especial distinto de todos os outros. Portanto, é necessário
que isso mesmo seja afirmado das criaturas, ainda que pertençam a um
objeto secundário do intelecto divino.
169. – III. Deus também conhece todas as coisas pretéritas assim
como as presentes. É evidente como do supradito próximo resulta. Pois as
coisas pretéritas no aspecto do tempo atual são, de fato, pretéritas; mas no
aspecto do tempo no qual estiveram, no qual estiveram e devem ser ditas
verdadeiramente atuais e presentes. Donde não são menos atingíveis em si
mesmas com respeito ao intelecto divino, que é infinito e se estende a

55
Cfr. Molina em Concordia liberi arbitrii cum gratiae donis q. 14, d. 48.
todos os tempos por seu simplíssimo intuito, tempos estes nos quais as
coisas existem em ato.
170. – IV. Deus não conhece os futuros livres das criaturas nos seus
decretos que determinam absolutamente e eficazmente a vontade delas a
uma parte da contradição. A razão é: porque desta maneira os decretos
são: a) injuriosos a Deus, uma vez que determinam a vontade das
criaturas, não somente às boas, mas também às intrinsecamente desonestas
e pecaminosas: b) eversiva à liberdade humana; uma vez que assimilam a
predeterminação física baneziana ou outra equivalente a ela, pelas quais a
liberdade humana é destruída, como será evidente pelo que será dito; c)
supérflua, porque a predeterminação física assimilada naquelas é
absolutamente supérflua aos fins intendidos pelos baneziados, como consta
do que será dito.
171. – V. Deus conhece estas coisas futuras tanto em si mesmas,
quanto também no decreto pelo qual o livre arbítrio nesta ou naquela
ordem das coisas e de circunstâncias

Você também pode gostar