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LEITURA DE OBRA DE ARTE

Diversas vezes na história, a arte assumiu o papel de relatar os acontecimentos da realidade e refletir
sobre eles. Em muitas dessas manifestações é possível perceber um olhar dos artistas a respeito dos
conflitos humanos que fizeram história. Essas obras nos contam um pouco sobre esses acontecimentos,
mas especialmente apresentam uma interpretação dos artistas sobre eles.
Alguns acontecimentos da história humana se repetem com tanta frequência , como situações de conflito
e violência, que é possível uma obra de determinado período ser entendido como algo universal e
atemporal, ou seja, que nos faz relacioná-la a todas as outras situações semelhantes, mesmo que sua
estética seja específica do período em que foi feita.
neste material, vamos trabalhar como a violência é retratada por artistas de períodos diferentes.
Começamos com a obra de Goya em 1808 e vamos para arte contemporânea com Hélio Oiticica em 1968.
Entender o que é leitura e releitura de imagem e atividades práticas.
TREINANDO O OLHAR

Anexo 1
Procure descrever a imagem. O que ela representa?
O que você sente quando a vê? Tristeza, alegria, dor,
angústia?
Que parte da obra mais chama a atenção? Porque?
No centro do quadro, há um grupo de pessoas mais ao
fundo. Que significado tem sua presença na imagem?
Quem seriam as pessoas que estão sendo mortas?
Observe seu aspecto, suas vestimentas. O que as
diferencia daqueles que apontam as armas?
Que significados você atribuiu à expressão e ao gesto
do homem de branco?
Você acha que o artista presenciou a cena ? Por que
você pensa assim?
Considerando suas impressões sobre a imagem e os
significados que você atribui a ela, que nome você daria
à obra?
LEITURa Da oBRa

A obra de Goya, O 3 de maio de 1808 em Madri, também conhecida como


fuzilamentos, refere-se a um acontecimento específico da história espanhola
e, ao mesmo tempo, pode ser associada a histórias de violência semelhantes
em várias épocas e lugares diferentes.
Goya retratou, em 1814, um acontecimento de 1808, referente à invasão da
Espanha pelas tropas francesas do exército de Napoleão, no momento em que
este, depois de autoproclamar-se imperador da França, procurava conquistar
outros territórios na Europa. Em 2 de maio de 1808, parte da população
madrilhenha revoltou-se contra a rendição da monarquia espanhola aos
franceses, enfrentando o exército francês. Muitos revolucionários foram presos
e fuzilados na noite seguinte. A pintura de Goya foi realizada depois da
expulsão definitiva dos franceses da Espanha, como encomenda do poder real
que se reestabelecia naquele momento. Como muitos grandes artistas do período,
ele era um pintor oficial, contratado para realizar obras para os membros da
corte. Não se sabe ao certo se a ideia para o quadro partiu de Goya e foi
aceita, ou foi pedida e ele. Uma obra sobre o dia 2 de maio, representando os
enfrentamentos, também foi feita por ele, mas não apresenta a mesma
intensidade e poder
comunicativo que O 3 de maio de 1808 em Madri.
Não se sabe se ele presenciou ou não os fuzilamentos. Mesmo que Goya tenha visto
tal cena, é impossível que a tenha representado com fidelidade, numa época em
que ainda não havia fotografia para um registro mais fiel e para a reprodução
em jornais e revistas. Nada indica também que essa fosse a intenção do artista.
Ele realiza com sua pintura uma interpretação do fato, a partir de várias
associações simbólicas e da organização dos aspectos formais, de modo a passar
certas impressões. O homem de branco, ajoelhado, que olha os soldados de frente,
tem os braços na mesma posição que a do Cristo crucificado. Como este, está
a ponto de ser martirizado. Ao fundo, vê- se também sobre a cidade a torre de
uma igreja, e entre os rebeldes a presença do monge que reza ajoelhado. Goya
também coloca os militares de costa, de modo que não se vejam seus rostos.
Enquanto soldados, força representante de um poder dominante, eles têm
identidade própria.
Observe a imagem a seguir:
aNEXo 2
ATIVIDADE

1- Em dupla com um colega, ou individual, procurem


observar a imagem em detalhes. Escrevam juntos um
pequeno texto sobre as suas impressões e os significados
que atribuem à obra. Considerem as seguintes questões:

O que a obra parece representar?


O que você sente quando olha essa imagem? Dor,
alegria, angústia, revolta, justiça, injustiça, enfim, quais
sentimentos essa imagem desperta em você.
Qual é seu aspecto formal? Quais são as cores
predominantes?
Há elementos na imagem que remetem a outras obras ou
artistas que vocês já viu ou estudou?
Que lugar a imagem parece representar? É possível
identificar um local ou época específicos?
Quais personagens aparecem na imagem? Como
interpretam cada um deles?
Como todos esses elementos combinados interpretam
em suas impressões sobre a imagem?
A obra Guernica, de Pablo Picasso, pintada em 1937, é uma das mais
conhecidas imagens antiguerra do mundo.A pintura é um enorme painel
de quase 8 metros de comprimento e 3,5 metros de altura. Picasso a executou
para o pavilhão representante da Espanha na Exposição Internacional de Paris
daquele ano. Ele já havia aceitado criar uma obra para representar seu país
natal na exposição, e decidiu pintar essa obra depois que um
bombardeio aéreo atingiu Guernica, pequena cidade basca, matando centenas
de civis.

UM PoUCo Da HISTÓRIa

A Espanha viveu uma guerra civil entre 1936 e 1939, em que


combatiam, de um lado, os republicanos, ala do governo eleito, e, de
outro, os nacionalistas, que haviam orquestrado um golpe de Estado
sob o comando do general Francisco Franco. O país ficou dividido
entre as cidades em poder de cada um dos grupos. No dia 26 de abril
de 1937, Guernica, local de resistência republicana, foi atacada por
aviões da Alemanha nazista e da Itália fascista, aliadas do
general Franco. O ataque, o qual matou principalmente mulheres e
crianças, já que os homens estavam fora da cidade por parte dos
nacionalistas. Eles venceram a guerra e o General Franco governou
como ditador da Espanha pelos 36 anos seguintes.
Picasso vivia em Paris, na época, e soube dos ataques por meio de uma
reportagem feita por um jornalista inglês, que esteve no local pouco depois do
bombardeio e relatou seus horrores para o mundo. Picasso então pintou
Guernica, que se tornaria uma de suas obras mais conhecidas. Apesar de o
nome remeter à cidade, não há nada na obra que seja indicativo de um lugar em
particular. Ele criou uma poderosa imagem que fala de dor, sofrimento e
violência provocados pela guerra em qualquer lugar e qualquer época, que
tem o potencial de se comunicar com todo o ser humano.
Como acontece com a maioria das obras de arte, é impossível dizer exatamente
o que simboliza cada um dos seus elementos. Picasso mesmo se recusava a
explicar sua obra. Guernica oferece diversas possibilidades de sentidos, em
cada uma de suas figuras. Algumas são enigmáticas, como o cavalo, que ocupa
o centro da composição. Sua aparência de sofrimento é visível, a boca aberta
que parece gritar, a língua em forma de espinho, como que a representar a dor.
Mesmo ferido, com uma das patas já curvadas, ele ainda resiste. Abaixo dele,
um braço decepado, que parece ser do homem no chão, à esquerda, segura na
mão uma flor e uma espada, dois elementos aos quais podem ser atribuídos
diversos significados.
Acima dos personagens uma lâmpada ilumina a cena como um olho, elemento que
muitos historiadores da arte associam à bomba. À direita da lâmpada, uma
mulher aparece como que flutuando por uma janela, carregando nas mãos uma
lamparina.
Na extrema esquerda da tela, a figura mais universal de todas: uma mãe, com
olhos em formato de lágrimas, que chora desesperada a morte de seu filho.
Depois de sua exposição em Paris , a obra Guernica viajou para vários países
nos anos seguintes, tornando-se cada vez mais conhecida. Esteve exposta
inclusive no Brasil, na 2° Bienal de São Paulo, em 1953. Depois da vitória de
Franco na Espanha, Picasso não autorizou o retorno da obra para seu país, até
que voltasse a ter um regime democrático, deixando - a sob os cuidados do
MoMa ( Museu de Arte Moderna de Nova York), onde fica até 1981.
Atividade prática

Guernica de Picasso, apresenta diversas imagens em sua composição que


podem ser entendidas como universais.Chamamos assim, algo que tem o
potencial de ser compreendido por qualquer pessoa, ou pela maioria das pessoas.
As figuras representadas, relacionam-se com situações que todos os povos já
viveram de uma forma ou de outra, e tem portanto a capacidade de gerar
significados semelhantes para pessoas de culturas distintas. a luz e a escuridão,
a mãe que chora o filho morto, o soldado, o fogo, são algumas imagens que
podem ter significados universais.
Quando vemos uma imagem, ela sempre nos faz pensar em outras que já
vimos antes( e também em outras manifestações não só visuais), mesmo
inconscientemente.
Usamos nossas referências anteriores para dar significados a ela.
Agora, você fará uma busca de referências visuais para a obra
Guernica. junto a seu colega com quem escreveu o texto anterior, você
selecionará imagens que, de alguma maneira, dialoguem com a obra
de Picasso.
Vocês podem pensar nas figuras isoladamente, ou na percepção do conjunto da
obra. Podem escolher quaisquer imagens, de qualquer época e de qualquer
mídia: fotografia, desenho, cena congelada de um filme ou na tv. Pode ser
outra obra de arte, uma imagem de revista, internet, jornal ou também uma
imagem pessoal: uma fotografia de família ou um desenho feito em outra
ocasião. O importante é que as imagens selecionadas se relacionem de alguma
forma com a obra.

PICASSO E GOYA
A obra Guenica, de Picasso, dialoga em vários sentidos com a obra de Goya, O 3
de maio de 1808 em Madri. Ambos os artistas representaram e interpretaram em
suas pinturas os horrores da guerra, transformando fatos históricos específicos
em imagens universais, apesar de vermos nelas as diferenças estéticas de dois
artistas e épocas distintas. Ao comparar as duas obras, é possível perceber que
Picasso provavelmente se remeteu à obra de Goya para fazer Guernica. O elemento
mais evidente é a figura de braços abertos à direita da pintura de Picasso,
que lembra a posição do homem de branco na pintura de Goya. A luz triangular
aparentemente emitida pela lamparina, segurada por uma das figuras femininas,
também pode ser associada a esse recurso na obra de Goya.
Apesar de Picasso ser um dos principais artistas das vanguardas européias
do século XX, que romperam com diversos padrões de representação artística
anteriores, ele não negava a contribuição dos mestres do passado. Pelo contrário,
conhecia e admirava as obras de artistas como Goya, Diego Velázquez ( 1599-
1660) e El Grego (1514- 1614), e em muitas de suas obras fez referências ou
releituras de obras desses artistas.
Goya é considerado um dos primeiros artistas a
apresentar em suas obras elementos de rompimento com a
tradição, que aos poucos levariam a arte moderna .
A obra O 3 de maio de Madri é considerada revolucionária em vários sentidos. Suas temáticas, que
trata de uma cena histórica, mas representa a luta e a resistência do povo, era nova para os padrões
acadêmicos. As cenas históricas costumavam representar os heróis oficiais, membros da monarquia , das
classes dominantes,muitas vezes caracterizados como heróis mitológicos, e não heróis anônimos como os
que retrata Goya. Apesar de ter sido uma imagem feita para a corte, ela não exalta a resistência do
poder monárquico, cujos membros deixaram o país, rendendo-se às forças de Napoleão. Os aspectos
formais, da composição também fogem das cenas posadas e idealizadas da arte acadêmica, que primava
pelo acabamento das figuras. A pintura de Goya, apesar de feita de imaginação, seis anos depois do fato,
parece com uma imagem documental: suas figuras são mais humanas, e talvez por isso mesmo seu
conteúdo emocional seja mais intenso.

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