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Workshop - A poética da voz enquanto palco:

Ocupando a carne por meio do som.

Este projeto é uma proposta de intervenção, elaborada pelo psicólogo Caio Zenero Pinheiro
CRP: 06/174963 em seus estudos aplicados nas práticas corporais. Todos os cuidados éticos são
realizados para respeitar as demandas individuais e coletivas na realidade clínica, bem como o
contexto do 26º Congresso Internacional de Análise Bioenergética do IIBA. Agradeço o espaço
para apresentação do trabalho.

Responsável: Caio Zenero Pinheiro

Psicólogo inscrito no CRP: 06/174963

Trainee em Análise Bioenergética pelo IABSP

E-mail: caiozpinheiro@caiopinheiro.com

Telefone para contato: +55 (19) 98131-6106

Piracicaba

Março de 2023
Introdução:

A escuta é importantíssima para a formação dos afetos e construção da subjetividade.


No campo dos afetos, estudos em embriogênese apontam que o feto já ouve desde a vida
intra-uterina, podendo, logo após o nascimento, reconhecer e discriminar a voz de sua mãe,
tendo predileção por esta em detrimento de outras vozes (PIONTELLI, 1992). No que diz
respeito ao processo de subjetivação, os sons movimentam a relação entre: indivíduo,
linguagem, e pensamento - Da articulação existente entre estes três elementos é que se edifica
todo o terreno representativo humano, ligado à dimensão simbólico-representativa relacionada
com a memória (CASTRO, 2020).
A vocalização, por sua vez, exige uma posição ativa e articula o sujeito com a
produção de “novos caminhos” sinápticos. A produção da palavra falada, por exemplo, exige
a presença da respiração, a ativação de cadeias musculares plurais e a organização dos sons de
maneira organizada no tempo.
O uso da fala possui um potencial de transformação humana. A produção do discurso
pode ser muito efetiva na “liberação” de afetos ligados a traumas - A fala pode, inclusive,
apontar na direção da saúde. O próprio método psicológico já foi descrito como: “A cura pela
fala” (FOCHESATTO 2011). Da Análise Bioenergética surge a perspectiva do uso do corpo e
das funções corporais para um processo de transformação dos indivíduos, assim lemos:

Uma das teses mais importantes da bioenergética diz que


mudanças de personalidade são condicionadas pelas mudanças
nas funções corporais, a saber: respiração mais profunda,
motilidade acentuada, auto expressão mais plena e livre.
(LOWEN, 1975-2017, p.99).

Por estas razões o presente estudo foi sistematizado através de um planejamento,


pensado como uma intervenção com o intuito de promover o movimento necessário à
produção de saúde, em uma articulação entre a voz (vocalizações), o corpo (e suas
expressões), e a capacidade de criação de novos caminhos sinápticos. Ou, em outras palavras:
É um convite a dar voz aos nossos corpos, ainda que em tempos de desafio1.

Justificativas:
1 Referência direta ao título do presente congresso.
● A proposta de intervenção não exige que os participantes disponham de nenhum
material específico.
● A proposta se alinha intimamente com a temática do 26º Congresso Internacional de
Análise Bioenergética do IIBA. Como? Qual é a temática? Sei que parece óbvio
para você e para a banca, mas deixar essa justificativa mais evidente traria um
maior peso para o trabalho, acredito eu.
● A proposta já foi aplicada diversas vezes (você poderia citar em quais eventos,
principalmentese forem da bioenergética), havendo feedbacks positivos sobre os
benefícios da prática.
● A intervenção se adequa ao tempo sugerido pela organização - sendo necessários
apenas 80 minutos para a realização de todas as etapas descritas anteriormente.

Objetivos:
O workshop consiste em uma vivência corporal que, de maneira geral, objetiva a
articulação entre os afetos primitivos (conectados com o início do processo de fala) e a
expressão corporal. É uma tentativa de integração: voz - corpo, voltada à promoção de saúde
mental.
De maneira específica, podemos dizer que o encontro objetiva possibilitar que seus
participantes experienciem, por meio da vocalização e de sua expressão em movimentos
corporais espontâneos e livres, o que, REIS (2020) descreve como uma: “qualidade intensiva
de presença voco-corpórea”.

Apresentação/Caracterização das técnicas:

Todas as dinâmicas e técnicas aqui aplicadas são oriundas da articulação entre a Análise
Bioenergética, estudos em fonoaudiologia e técnicas de dança contemporânea. Sendo os
principais autores de referência: ARTHUSO. (2021) Pesquisa e estudo: “Voz que dança”.
FELDENKRAIS. (1977) Consciência pelo movimento. São Paulo. Summus Editorial.
LOWEN (1958) The language of the body. New York. Collier Books. LOWEN (1975-2017)
Bioenergética. São Paulo. ABDR. E RODRIGUES (2020) Glossolalia intensiva: Como criar
uma voz para o corpo sem órgãos.
Planejamento do encontro: - Tempo total: 80 minutos2

A proposta de intervenção foi construída em VIII eixos terapêuticos, distribuídos


intencionalmente no tempo, levando em consideração a Curva Orgástica Reichiana.

Os algarismos romanos contidos no gráfico correspondem aos eixos descritos a seguir:

I- O caminhar intuitivo: - Tempo estimado: 5 minutos

Todos os participantes serão convidados a andarem pela sala, ocupando os espaços


vazios, em um caminhar fluido e intuitivo, sob a orientação de que se movimentem, respirem
e se conectem com os sentimentos, emoções e expectativas da vivência. O caminhar será um
convite à conexão com o mundo subjetivo.

II- A deriva exploratória: - Tempo estimado:5 minutos

Após a conexão com o mundo subjetivo, os participantes serão convidados à deriva


exploratória, andando com atenção flutuante, voltando o olhar aos elementos que provoquem
uma sensação de atração, fazendo uma exploração da sala e de tudo o que a compõe - os
participantes também serão convidados a direcionarem a sua atenção uns aos outros.

2 Considerando o tempo total sugerido pela organização (90 minutos), a atividade proposta legou
uma margem de 10 minutos para possíveis atrasos e/ou ajustes necessários ao bom cumprimento do
cronograma.
É um momento para que os integrantes se conectem com o campo formado pela presença, em
uma articulação íntima entre mundo objetivo-subjetivo.

III- Conexão com o solo: - Tempo estimado: 5 minutos

Feita a deriva exploratória, os participantes serão convidados a andarem até encontrar


um lugar na sala em que se “sintam bem”. A orientação é de que, quando encontrarem este
espaço, prestem bastante atenção ao seu redor como se tentassem memorizar o máximo de
elementos que pudessem sobre o espaço. Feito isso devem deitar-se no chão com a barriga
para cima e mãos ao longo do corpo - respirando e entrando em contato consigo.

IV- A exploração do corpo no chão: - Tempo estimado: 10 minutos

Nesta etapa o mediador irá ler o seguinte trecho retirado do livro “Consciência pelo
movimento”:

Há partes em cada corpo e em cada personalidade das quais o


indivíduo está plenamente consciente e com as quais está
familiarizado. Por exemplo, quase todo mundo está habitualmente
mais consciente dos lábios e das pontas dos dedos do que da parte de
trás da cabeça ou ou das axilas.Uma auto-imagem completa e
uniforme em relação a todas as partes do corpo, todas as sensações,
sentimentos e pensamentos - é um ideal difícil de ser conseguido até
agora, no estado de ignorância do homem. (FELDENKRAIS, 1977, p.
201)

Para FELDENKRAIS (1977), a transformação na auto-imagem possibilita a


constituição de novas conexões capazes de transformar sentimentos, emoções e,
consequentemente, os pensamentos. Tal modificação é permeada pela exploração dos
movimentos. Aqui serão guiadas práticas para “expandir os limites do possível”
(FELDENKRAIS 1977), procurando criar formas alternativas de adesão das costas dos
participantes ao chão.
O condutor do grupo então dirá:

- Pensando no trecho lido, o que acham de tentarmos expandir um pouco a consciência


corporal para chegarmos a uma auto-imagem mais completa e íntegra?
- Que tal explorarmos toda a parte de trás do corpo? - Mas de um jeito diferente…
- Vocês devem se mover o mínimo possível, usando apenas os pontos em que sentem o
corpo em contato com o chão. Dessa forma, escaneiem todos os pontos de apoio que
ligam suas costas ao chão. Aonde o corpo toca o chão? Aonde não toca?
- Quais os pontos de apoio você mais usa para sustentar o corpo com as costas no chão?
- Será que poderia explorar outros? Outros pontos que te sustentem e apoiem.
- É um convite a perceber o vazio e a tentar preencher esse vazio de modo sutil com a
sua presença no chão.
- Vamos tentar, usar movimentos muito sutis, nos valendo dos pontos de apoio que já
conhecemos e utilizamos para descobrir formas de aderir, ao máximo, a parte de trás
do corpo ao chão - preenchendo ao máximo os pontos em que não se percebe o
contato e tentando encontrar novos pontos de apoio que liguem as costas ao chão.

A ideia é de que, a partir da exploração de novos pontos de apoio, se possa produzir


uma transformação, ainda que pequena, na auto-imagem. Além disso, trabalhamos a adesão e
a conexão dos corpos com o solo, em uma exploração que pretende produzir o enraizamento
dos participantes em seus corpos e no ambiente em que estão.

V- O treino da escuta: - Tempo estimado: 10 minutos

Com o corpo integrado ao espaço, os participantes agora são convidados a observarem


os sons, os ruídos e o silêncio. Faremos uma construção da escuta com vistas a integrar
percepção sensorial e imaginação. O processo será construído pelo seguinte percurso de
escuta: 1- cosmo (sala e arredores), 2- macrocosmo (cidade, estado, país, mundo) e 3-
microcosmo (pele, vísceras, circulação sanguínea). O mediador agirá como um condutor da
atenção/imaginação, fazendo colocações como:
- Voltemos a nossa escuta ao campo formado pelo nosso redor (pessoas próximas,
barulhos da sala, ruídos próximos…).
- Agora vamos expandir um pouco: comecem a ouvir o prédio como um todo, os
andares, as pessoas que andam pelos corredores…
E assim sucessivamente: A condução vai se dar por etapas indo de “cosmo” à
"macrocosmo" terminando no dentro da pele: “microcosmo”.
VI- A voz enquanto palco: - Tempo estimado: (15 minutos)

CASTRO (2020) nos descreve como “seres sonoros e ouvintes”, tal perspectiva nos
caracteriza como produtores e receptores de sons, barulhos, ruídos, música… - Tomando isso
como prerrogativa, neste tópico, iremos realizar o convite à exploração sonora através da
entonação de consoantes.
Como ensina RODRIGUES (2020), o uso das consoantes nos conduz a uma “ecologia
de práticas voltadas à investigação fonoarticulatória" - O que quer dizer que a exploração de
consoantes, desassociadas das vogais ou até mesmo de “palavras prontas”, permite que o
corpo se encontre com o som apartado de um sentido - Como na fases iniciais da fala, quando
balbuciamos sons que não se vinculam ao campo semântico ou quando ouvimos os sons
produzidos pelos pais e cuidadores mas ainda não entendemos nada do que foi dito, apenas
registrando as entonações e os sons “soltos no ar”.
Neste momento da vivência, estamos construindo um chão feito de memórias sonoras
primitivas. Cada participante compõe o espaço com sua presença vocal em uma exploração
conduzida pelo mediador, que fará as seguintes orientações:
- Deitados em seus lugares vamos tentar começar a entoar algumas letras.
- São letras que não possuímos o costume de vocalizar pois são algumas
consoantes.
- Iremos experimentar uma por vez, começando pelo “m”

Neste ponto o condutor fará a demonstração de como entoar a consoante “seca” - sem
que seja vinculada a nenhuma vogal. A forma de vocalização das consoantes irá ser orientada
levando em consideração a tabela do International Phonetic Alphabet (IPA). Nesta etapa os
participantes serão orientados a entoarem as vogais: “m”, “p”, “b”, “k” e “l”. Uma por vez,
em uma média de 2 minutos para cada.
Lembremos que o presente workshop foi construído pensando na curva orgástica
Reichiana. Este tópico está vinculado à etapa de “carga”, nestes termos, para além da
orientação da exploração vocal, também é importante que o mediador faça colocações visando
o aumento da carga nos corpos dos participantes, como:
- Vamos tentar colocar um pouco mais de energia na entonação.
- Respirem fundo e usem o ar dos pulmões.
- Vamos usar a voz para aumentar o fluxo energético de nossos corpos.
A utilização da voz produz movimentos que articulam pulmões com músculos
abdominais e do diafragma, músculos laríngeos e fluxo de ar, músculos dos lábios, língua e
mandíbula, como se evidencia no quadro seguinte:
3

VII- Ocupando a carne por meio do som: - Tempo estimado: (15 minutos)

Depois da exploração sonora por meio do trabalho com a entonação das consoantes, os
participantes serão convidados a, de olhos fechados, começarem a se mexer, experimentando
livremente as consoantes experimentadas na vivência: o “m”, o “p”, o “b”, o “k” e o “l”.
A orientação é que procurem entender o sentimento que cada um dos sons provoca.
Que sintam qual é mais confortável e qual mais desconfortável. É orientado que tentem se
conectar com os afetos que surgiram a partir da exploração e, nesse momento, comecem a
tentar usar a voz para “liberar” possíveis afetos negativos (explorando a possibilidade de
gritar ou falar baixo, de estender o tempo de sonorização ou encurtar, por exemplo).
Nesse momento o som compõe e atravessa o corpo virando movimento, atravessando
a carne e ganhando o mundo através da expressão do corpo. Os participantes são convidados a
irem levantando e “dançando” os sentimentos que vierem, sempre produzindo os sons das
consoantes. A movimentação deve ser fluida e seguir os movimentos que cada um sentir que
necessita fazer para liberar tensões e se conectar com o prazer.
Aqui iremos chegar ao "clímax" de nossa atividade, assim é importante que a
condução seja bastante vigorosa, fazendo com que os participantes consigam explorar ao

3 Parâmetros vocais sob um ponto de vista não linear - MATTOS (2014) apud RODRIGUES (2020)
máximo sua potência energética em movimentos e sons livres na tentativa da produção de
descarga.

VIII- Relaxamento e roda de conversa final: - Tempo estimado: (15 minutos)

Ao final do processo os participantes são orientados a se entregarem ao chão,


adotando a posição que considerarem mais confortável. A ideia é que cada um acolha o
próprio corpo, em um momento de relaxamento e entrega, visando o descanso e a auto-
regulação, após todo o gasto de energia. O relaxamento é embalado por músicas tranquilas
que trazem o acalanto e aconchego. Por fim, todos se levantam, preguiçosamente, e formam
uma roda para uma breve partilha da experiência.

Conclusão:

Como vimos ao longo deste trabalho, a exploração sonora articula a relação entre
mundo objetivo e mundo subjetivo, mente-corpo, percepção sensorial – imaginação e
liberação de possíveis afetos negativos. Assim se pode concluir que voz é um recurso
terapêutico interessantíssimo no trabalho em psicoterapia corporal, vez que sua utilização
possibilita a inter-relação entre pontos imprescindíveis à construção de saúde psíquica.

Referências:
ARTHUSO. (2021) Pesquisa e estudo: “A voz que dança”.
CASTRO. (2020) Música e clínica - sonoridades e subjetividades. Curitiba. Editora Appris.
FELDENKRAIS. (1977) Consciência pelo movimento.São Paulo. Summus Editorial.
FOCHESATTO. (2011) A cura pela fala. Belo Horizonte. Estudos de Psicanálise. n. 36
LOWEN (1958) The language of the body. New York. Collier Books.
LOWEN (1975-2017) Bioenergética. São Paulo. ABDR.
PIONTELLI. (1995). De feto a criança: um estudo observacional e psicanalítico. Rio de
Janeiro: Imago.
RODRIGUES (2020) Glossolalia intensiva: Como criar uma voz para o corpo sem órgãos.
São Paulo. Dissertação apresentada ao Departamento de Pós-Graduação em Artes da UNESP.
SOUZA, V. L. T., DUGNANI, L. A. C., REIS, E. C. G. (2018). Psicologia da arte:
Fundamentos e práticas para uma ação transformadora. Estudos de Psicologia (Campinas).

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