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09/12/2015 Liderança 

na literatura ­ Harvard Business Review Brasil

 Liderança na literatura   Leia em 26 minutos

HBR

NOVEMBRO 2015

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09/12/2015 Liderança na literatura ­ Harvard Business Review Brasil

Uma conversa com o professor de ética Joseph L. Badaracco Jr.


Há muitas lições pragmáticas e contundentes de liderança nas obras de Sófocles,
Shakespeare e Conrad, entre outros. Mas é preciso saber onde procurar e como interpretar
o que diz a literatura.

Antigamente, o aluno de MBA buscava o curso para aprender sobre a prática da gestão. A
maioria tinha graduação em artes e ciências.

Mas a coisa mudou. Uma crescente parcela dos alunos hoje matriculados na pós de
administração também se formou em administração — ou entra no MBA com cinco ou
seis anos de experiência em bancos de investimento ou consultoria. Hoje, o estudante de
administração não é, em geral, um poeta.

É gente muito familiarizada com o mundo dos negócios.


 Liderança na literatura
Naturalmente, essa experiência confere ao aluno uma vantagem no MBA. Ele já chega
dominando o básico da contabilidade, entendendo o que é o fluxo de caixa descontado e a
análise de regressão. Mas, se formos pensar, o próprio fato de já estar tão inteirado do
conteúdo do programa tradicional de MBA sugere que esse aluno talvez precise de uma
dose menor de ferramentas quantitativas e de um pouco mais de capacidade de
julgamento e autoconhecimento, além de um entendimento mais profundo da natureza
humana.

Não surpreende que uma série de acadêmicos e profissionais da gestão esteja


questionando os rumos do ensino da administração. No ano passado, nestas páginas, os
gurus da liderança Warren G. Bennis e James O’Toole disseram, por exemplo, que a escola
de administração perdera o rumo devido ao modelo científico que domina a pesquisa e o
ensino da gestão (veja “Como a escola de administração perdeu o rumo”, Maio 2005). Hoje,
o docente e o pesquisador são promovidos com base no rigor matemático da pesquisa, e
não em sua relevância. Logo, o que o aluno tem na sala de aula é um acadêmico altamente

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treinado na matemática para ensinar ferramentas formalizadas de gestão. São


ferramentas até boas para quem estuda técnicas de avaliação financeira — mas menos
úteis se a matéria é liderança e comportamento organizacional.

Nessas disciplinas, o estudante aprenderia muito mais, dizem Bennis e O’Toole, com um
curso de literatura.

A ficção pode ensinar tanto sobre liderança e comportamento organizacional quanto


qualquer manual de administração.

É justamente um curso desses que Joseph L. Badaracco Jr., titular da cátedra John Shad
Professor of Business Ethics, da Harvard Business School, vem ministrando no MBA da
escola nessa última década. Nos últimos anos, promoveu ainda debates sobre ficção
literária séria com executivos na HBS. Badaracco usa a literatura para montar retratos
completos e complexos de líderes em todas as instâncias da vida — líderes cujos desafios,
sobretudo psicológicos e emocionais, são similares aos de altos executivos. Em suas aulas,
Badaracco usa obras como A Morte do Caixeiro Viajante, de Arthur Miller, Antígona, de
Sófocles, e O Parceiro Secreto, de Joseph Conrad, para ajudar o aluno a entender questões
sobre liderança, tomada de decisão e julgamento moral — questões que Badaracco
também examina no livro Questions of Character: Illuminating the Heart of Leadership
Through Literature, a ser lançado em abril de 2006 pela Harvard Business School Press.

Há pouco, a editora sênior da HBR Diane Coutu encontrou Badaracco para uma conversa
sobre tudo aquilo que um líder pode aprender com a literatura.

O papo, de três horas, produziu insights surpreendentes sobre os inúmeros desafios da


liderança.

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Por que o senhor decidiu ensinar literatura a executivos?


Foi uma aposta. Estava dando uma aula sobre liderança e pedi a um grupo de executivos
graduados que lessem uma novela de Joseph Conrad, O Parceiro Secreto. Não fazia idéia se
a experiência iria dar certo. Com o tempo, tinha constatado que muitos profissionais da
gestão associam a discussão literária a um discurso acadêmico indecifrável e ao imaginário
freudiano. Só que aquela não era uma aula de crítica literária, eu não estava buscando a
interpretação “correta”. Queria usar a novela como um estudo de caso.

É lógico que a literatura é mais subjetiva e aberta do que o estudo de ca s o t í p i co que


utilizamos em Harvard, que é fundado em fatos, em estudos minuciosos, em problemas
específicos.

Mas, na verdade, a literatura traz alguns dos estudos de caso mais contundentes e
envolventes já escritos.

A ficção séria, que sobreviveu ao teste do tempo, suscita mais questões do que responde. É
só pensar em Júlio César, de Shakes-peare. Essa peça ensina tanto sobre liderança quanto a
leitura de qualquer livro ou revista de administração. E suas lições não são menos valiosas
e, provavelmente, são tão pragmáticas quanto.

O Parceiro Secreto é um bom exemplo de obra literária que realmente repercute entre
executivos. O centro da trama é um jovem capitão que oculta brevemente um assassino na
embarcação.

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Essa decisão viola a lei do mar, mas o capitão acredita que a acusação é falsa. Depois de
uma animada discussão na aula, a maioria dos altos executivos reconheceu que, no
passado, estivera às voltas com uma decisão bem parecida à do personagem. É possível que
parte da formação de um líder envolva aprender a enfrentar opções muito difíceis, a
enfrentar testes quase temerários de seus limites, e que O Parceiro Secreto tenha dado
àqueles executivos um meio de falar sobre esses limites.

O Parceiro Secreto tem algum tema específico que repercuta entre altos executivos?
A meu ver, a premissa dessa novela é que a responsabilidade não é dada ao líder — que,
portanto, precisa tomála, muitas vezes de forma emocional, agressiva, até forçosa. Em
geral, é a situação enfrentada pelo gestor ao receber promoções e novos desafios — o que,
nos negócios, chamamos de oportunidade. Ao assumir o novo papel, o gestor precisa
confrontar sua capacidade (ou a falta dela) de encarar a realidade, seu temor de assumir
novas responsabilidades e, às vezes, sua relutância em ser pessoalmente responsabilizado.

O líder terá os recursos internos, o rumo, o pragmatismo e a força de vontade para assumir
esses desafios? Se não, o que falta?
Respostas simples a essas questões não ajudam muito. É isso que torna O Parceiro Secreto
tão incisivo. A novela de Conrad é sobre questões de caráter e escolha. Logo no início, o
capitão precisa decidir entre trazer ou não o estranho a bordo. Mais tarde, precisa decidir
se expulsa o sujeito do navio.

Como o capitão lida com a primeira escolha? Grosso modo, não muito bem. O que faz é,
simplesmente, reagir como ser humano: estabelece empatia com o estranho, gosta dele,
confia nele.

Hoje em dia, quando tanta ênfase é dada à empatia e inteligência emocional


essa obra traz uma visão não tradicional da liderança.

Que o capitão mostre empatia é um impulso decente, até nobre. Só que seu papel traz
também outras obrigações.

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Cabe a ele proteger o navio — mas nada indica que tal dever tenhalhe ocorrido. Se o
capitão tivesse tomado a decisão depois de pensar muito sobre o que era certo, talvez
tivéssemos mais confiança em sua escolha. Mas não foi o que ocorreu.

Embora até mereça o crédito pela empatia, ele parece ter esquecido seu novo papel, o de
capitão do navio, quando não considera suas outras responsabilidades e as conseqüências
práticas de ocultar um clandestino a bordo.

Como o capitão no final entende, empatia é algo bom, mas não pode substituir o confronto
com o lado mais sombrio do próprio ser. Conrad — que, a propósito, passou 20 anos no
mar — sugere que assumir responsabilidades significa enfrentar seu lado “secreto”, seu
lado sombrio, seu lado reflexivo. Toda pessoa tem muitos eusinexplorados a integrar antes
de se tornar um líder. Isto não transforma o indivíduo de Clark Kent em Superhomem.

Mas, no processo de assumir a responsabilidade, o capitão do livro de Conrad aprende,


sim, a observar e a se desenvolver. Para isso, não se resume a praticar a arte da navegação
ou a estudar mapas, mas busca a autoobservação e dá passos firmes, pacientes, rumo ao
autocontrole.

Por que assumir responsabilidades seria um ato agressivo?


Conrad não é homem de meias palavras.

Assumir responsabilidades é algo realmente difícil. O mundo é um lugar recalcitrante. Os


outros vão impor resistência, tudo traz riscos. Às vezes o líder precisa assumir a
responsabilidade com atos diretos e enérgicos.

No final da novela, quando um membro da tripulação se recusa a cumprir uma ordem, o


capitão literalmente sacode o sujeito para que faça o que foi mandado. Não usa força bruta,
mas faz, fisicamente, o marinheiro seguir a ordem.

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É lógico que ninguém está sugerindo que um dirigente empresarial deva usar de força
física para colocar o pessoal na linha. Contudo, um presidente às vezes precisa ser
enérgico. Há ocasiões em que deve dizer “É nessa direção que estamos indo, e você deve
segui-la”. Agora, dizer isso é algo agressivo — é que assumir responsabilidades às vezes
obriga alguém a fazer, em vez de abrir discussões e uma votação. No final de O Parceiro
Secreto, o capitão diz, gostem ou não, esse é meu barco. É um ato impositivo, arriscado e
de certa forma assustador.

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Quando o líder assume a responsabilidade, a tarefa está cumprida?


Assumir responsabilidades é só um de muitos testes para um líder. Um dos maiores
desafios é resistir ao fluxo do sucesso. É o tema de um romance de Louis Auchincloss, I
Come as a Thief, sobre um advogado quarentão, Tony Lowder, que comete um crime
brilhante, que ninguém seria capaz de descobrir. Apesar dos conselhos e das súplicas de
todos à sua volta, Tony confessa o crime às autoridades, o que destrói sua vida profissional
e coloca a família sob risco de revide da Máfia. Um líder busca o sucesso, não a
autodestruição — mas autodestruição é exatamente o que Tony impõe a si mesmo,
suscitando um dos temas mais desconcertantes na literatura e na liderança: o perigo do
sucesso.

Para muitos líderes e aspirantes a líder, o grande desafio a superar não é a pobreza ou a
opressão, ou a falta de capacidade ou de oportunidades. É, paradoxalmente, uma vida e
uma carreira de sucesso e tudo o que essa vida traz.

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O crime e a confissão de Tony suscitam questões difíceis. Por que, para começo de
conversa, ele comete o crime, e por que decide botar a boca no mundo quando tem
alternativas?
A meu ver, Tony age assim porque sente que o sucesso está destruindo sua vida. Para os
outros, Tony parece ter uma vida exigente mas sólida. Só que ele está em apuros, e tem
uma leve suspeita disso. Como disse certa vez Edgar Degas, “Há uma forma de sucesso que
é indistinguível do pânico”, o que parece descrever a situação de Tony.

O romance mostra que tudo na vida pode parecer muito bem quando na verdade não está.
No caso de Tony, ele está sempre ocupado, trabalhando duro, ganhando dinheiro,
construindo um negócio e estabelecendo uma reputação.

Tony trata os outros com respeito, sensibilidade, consideração.

Mas o incessante esforço para honrar expectativas alheias e ser bem-sucedido deixa
anestesiados sua vida emocional e seus instintos morais. Tony não é um autômato, e sente
de modo semiconsciente que há algo errado, mas nunca tem tempo ou energia para
descobrir o que é. É como se, por dentro, estivesse morto — até confessar o crime. Para ele,
esse crime é como um tratamento de choque autoadministrado, que o faz acordar, sentir-
se vivo. Cometer um crime é errado, é claro, mas o modo como Tony o encara é correto —
tanto a razão quanto o coração de Tony des-pertam. Curiosamente, a decisão de Tony de
cometer um crime é seu primeiro ato moral.

O que um líder aprenderia com Tony Lowder?


A história de Tony nos coloca um desafio.

Como buscar o sucesso e a realização sem sermos tragados por correntes poderosas e
perigosas, mais fortes do que nós? Uma resposta está na tese peculiar de que temos sérias
obrigações morais não só para com os outros, mas para conosco mesmos. O senso comum
sugere que egoísmo e altruísmo são coisas opostas.

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Quanto mais egoísta for uma pessoa, menos ela se importaria com os outros; e quanto
mais altruísta fosse, mais disposta ela estaria a sacrificar os próprios interesses. A
literatura séria sugere algo mais complicado. Os indivíduos mais admiráveis, sejam eles
líderes extraordinários ou gente comum, vivem e trabalham para os outros e para si
mesmos. Não há nisso nenhuma culpa. Não há nada de errado com o desejo de sucesso de
Tony.

Maquiavel certa vez escreveu que um homem sem posição na sociedade é incapaz até de
fazer com que um cão lata para ele. Tony tem conquistas reais, conquistas que lhe dão o
poder de fazer contribuições genuínas para a sociedade. O problema é que o personagem
precisava aprender a exigir menos de si.

Muitos executivos precisam, igualmente, aprender a exigir menos deles próprios. É


arriscado e autodestrutivo jogar toda sua energia no trabalho e deixar quase nenhuma
para qualquer outra coisa na vida. Lembro de um artigo que li em uma revista de negócios
tempos atrás sobre um executivo muito poderoso que era descrito como um bom pai. O
artigo contava como o sujeito fazia questão de estar em casa para o jantar sempre que os
filhos recebiam o boletim escolar. É só calcular: com quatro filhos, haveria quatro boletins
cada, o que daria 16 jantares por ano. Tenho certeza de que aquele presidente passava mais
de 16 dias por ano com a família, mas imagino quantos dias mais. Ao que parece, o
executivo estava pagando um alto preço pelo excelente desempenho que mostrava.

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Imagino que Auchincloss diria que pagar esse preço — ou seja, ter o melhor desempenho
possível — deixa um líder em uma posição bem precária e exposta. O sucesso pode ser
sedutor, e por um bom tempo as coisas correrão muito bem no trabalho e em quase todo
outro aspecto da vida de um indivíduo de alto desempenho.

Em geral, os garotos prodígios de uma organização não passam por nenhum dos
solavancos, erros ou fracassos que lembrariam que parte do seu desempenho se deve a
uma extraordinária sorte. É preciso saber que nem tudo se deve a seu brilho e esforço. A
ilusão do sucesso é perigosa. Quando os dias difíceis chegam, como quase sempre ocorre,
tais líderes talvez não tenham nenhum tipo de suporte.

O senhor acha, então, que há muito de sorte na liderança?


Sim. Outro livro que uso em classe é sobre o chefe de uma tribo nigeriana, Okonkwo. É o
principal personagem de Things Fall Apart, de Chinua Achebe.

Talvez seja o romance africano mais lido. Em uma cena no meio do livro, Okonkwo e os
anciãos da aldeia se reúnem para um funeral. No ápice da cerimônia, com o rufar dos
tambores e o disparar de armas, a arma de Okonkwo explode inesperadamente, e um
estilhaço de metal atinge, e mata, um rapaz. Cessa a dança quando todos se dão conta do
destino reservado a Okonkwo: sete anos de desterro, a pena aplicada a um membro da
tribo por matar acidentalmente um membro do clã. Okonkwo e suas esposas são expulsos
da aldeia e, para expiar seu pecado, os outros habitantes porão abaixo sua morada.

Creio que Achebe esteja sugerindo que momentos de provação surgem de modo
inesperado. Em O Parceiro Secreto, Conrad também explora os acidentes do destino. A
certa altura, Conrad alude ao “capítulo de acidentes que responde por tanta coisa no livro
do sucesso”. É interessante que, na novela de Conrad, o capitão nãotenha nome, o que
sugere que qualquer um está sujeito aos caprichos do destino.

Muitos dos autores que estamos discutindo aqui estão dizendo ao líder que ele não se
iluda. A qualquer instante pode surgir um desafio para testar se a pessoa de fato tem o que
é preciso para liderar. Ninguém precisa — e nem deveria — buscar desafios.

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Qualquer pessoa em um posto de responsabilidade como o do capitão em O Parceiro


Secreto passará por momentos de crise. Na novela de Conrad, o capitão enfrenta o desafio
de assumir responsabilidades quando por fim recebe o comando da embarcação.

É noite, ele está no comando, o mar está tranqüilo, sua expectativa é de que nada venha a
acontecer. Até que, de súbito, ele é obrigado a lidar com um estranho que vem nadando até
o navio e afirma estar sendo injustamente acusado por ter matado um marinheiro que, por
não cumprir ordens, teria posto em perigo seu próprio navio. Aqui — na aparição
repentina desse sujeito — pode estar outro elemento dessa espécie de provação do líder.

Muitos acidentes podem tirar do eixo a vida e a carreira, inclusive aqueles que envolvem a
saúde — e que a maioria de nós prefere ignorar.

Foi o caso de Richard Gerstner. Em meados da década de 1980, Gerstner estava no auge da
carreira. Quando o conheci, ele dirigia a IBM Japan. Para muitos, seria o próximo cabeça
da IBM.

Mas Gerstner adoeceu. Nem os melhores médicos do mundo conseguiam diagnosticar o


problema, que o debilitou de tal maneira que teve de se aposentar. Por fim, ficou
constatado que tinha a doença de Lyme. Foi tratado e estava pronto para voltar ao
trabalho. Mas, àquela altura, a IBM havia contratado o irmão caçula de Gerstner, Lou —
que nunca trabalhara para uma empresa de informática —, para o cargo com que Richard
tanto sonhara. Sorte ou destino, o fato é que há muita coisa fora de nosso controle.

Uma série de escândalos em empresas trouxe muito ceticismo e desconfiança ao público. O


que a literatura pode ensinar sobre um bom código moral?
De uma maneira ou outra, a moralidade é o tema da maioria das grandes obras de ficção.
Mas a literatura séria raramente endossa uma moral do branco ou preto. Voltemos a
Things Fall Apart. A história trata, basicamente, da luta de Okonkwo para assimilar os
missionários colonialistas que chegam a seu mundo e desafiam suas noções arraigadas,
desafiam seu modo de vida. Okonkwo é um personagem dinâmico, centrado, talentoso —

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ou seja, é a contrapartida psicológica e emocional da gente forte e determinada que hoje


toca a maioria das organizações ao redor do mundo. Mas, com o desenrolar da história, ele
perde seus seguidores, cai em desespero e se mata.

O que teria ocorrido com esse chefe africano, outrora triunfante, para impedilo de lutar
contra a força colonialista?
O que descobrimos com Okonkwo é o perigo de aderir cegamente a códigos morais rígidos
em momentos de mudança. Okonkwo acredita que o código moral simples de tempos
passados é tudo o que precisa para liderar seu povo. Só que essa crença equivocada
transforma sua determinação e firmeza em ônus, não no ativo que poderiam ser; o
empurram cada vez mais na direção errada.

Às vezes, para o líder, a moralidade exige mais do que consultar regras e segui-las.
Okonkwo nunca chega a entender isso.

A literatura séria leva o líder a quebrar regras, então?


A ficção sugere que, ao encarar os desafios cotidianos, o líder talvez precise adotar um
código de comportamento ético mais complexo do que o que possa ter adquirido na
infância. A moralidade na vida real não é binária, é muito matizada. Um líder precisa de
códigos morais tão complexos, variados e sutis quanto as situações nas quais se encontra.
Isso não significa abandonar valores básicos ou adotar o relativismo moral. Significa, isto
sim, que ao longo da carreira o líder talvez tenha de adotar um amplo conjunto de valores
humanos. Assim como Okonkwo, um executivo às vezes não entende essa idéia. Crê,
equivocadamente, que o código moral simples de seu passado é tudo o que precisa para
liderar.

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Sei, por exemplo, do caso de um executivo de sucesso que recentemente entrou para uma
empresa pequena, em rápido crescimento. Essa empresa era tocada por um velho amigo
dele. Com um par de semanas no novo posto, o executivo encontrou indícios de que a
empresa vinha contabilizando receita por vendas que não haviam ocorrido. Confrontou o
amigo e o conselho de administração, e acabou renunciando ao cargo. A empresa soltou
um comunicado dizendo que o executivo saíra porque as exigências do cargo eram
superiores à sua expectativa. Mas o mercado não caiu nessa esparrela. Derrubou em 50% a
cotação das ações da empresa e minou uma planejada oferta de ações. Logo depois a
empresa pedia concordata.

À primeira vista, o executivo em questão teria agido com coragem e correção. Recusou-se a
participar de uma enganação contábil e colocou o amigo e o conselho contra a parede.

Contudo, ao seguir seu rígido código de ética, o executivo acabou desencadeando a ruína
da empresa. Um caminho mais difícil teria sido dar ao presidente e ao conselho a opção de
expor os problemas e adotar imediatamente medidas drásticas. Isso teria dado à empresa a
chance de lutar — mas o executivo, ciente de estar seguindo a própria consciência e de
estar fazendo a coisa certa, aparentemente não considerou essa opção.

A dúvida, aqui, é se o código moral dele era rígido demais.

A literatura sugere que o líder seja pragmático em questões morais?


O choque entre princípios e pragmatismo é um dos testes mais duros do caráter de um
líder. É óbvio que todos queremos líderes que sejam ao mesmo tempo pragmáticos e
dotados de princípios. Se possui princípios, e nada mais, um indivíduo pode ser pastor, ou
santo. Já outro, puramente pragmático, pode abrir a caixa de ferramentas e fazer o que é
preciso, mas a amoralidade o torna perigoso. Como muitos líderes sabem, o pior conflito
às vezes é entre dois princípios muito arraigados — duelo mais difícil do que tentar
equilibrar princípios e pragmatismo.

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Na peça Antígona, o dramaturgo grego Sófocles mostra o que pode suceder quando o líder
é movido apenas por princípios. Embora transcorra em outra era, Antígona é relevante
para o líder às voltas com o ambiente de alta pressão de hoje em dia — em parte porque
Sófocles adota uma visão muito ampla da liderança. Um dos principais personagens,
Creonte, é o novo governante de Tebas. Pela autoridade que detém e por seu papel oficial,
Creonte encaixa-se na definição clássica do líder. A outra figura centralé Antígona, filha
de Édipo, antigo rei de Tebas. Antígona não tem uma posição formal na sociedade, mas
representa os líderes sociais e religiosos que ao longo da história mobilizaramos demais
através de seu profundo compromisso pessoal com valores morais fundamentais.

Antígona quer enterrar o irmão segundo as leis da religião, mas Creonte o declara um
traidor por supostamente ter dado início a uma guerra civil.

Creonte lança um edito proibindo Antígona de enterrar o corpo do irmão, que deveria
ficar exposto para s e r comido por cães e abutres. Antígona prossegue com o enterro.
Creonte a sentencia à morte.

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O princípio fundamenta l d e Antígo-na é a religião e o de Creonte, o país. Os dois


personagens são aferrados à sua visão. Mas, num nível mais profundo, os dois líderes são
lamentavelmente parecidos. Ambos tomam um importante valor humano — a religião no
caso de Antígona e o dever cívico no caso de Creonte — e o pervertem. É que cada um toma
esse único valor e o emprega como uma foice, decepando todas as demais considerações.

Antígona e Creonte deixam que um único valor domine não só seu raciocínio, mas sua
personalidade.

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Vemos o mesmo, hoje, em empresas nas quais o líder é incapaz de enxergar além de sua
própria agenda de honestidade, mudança e desenvolvimento humano.

Falemos de um dos poucos protagonistas que de fato mexe com negócios.

O senhor disse que Willy Loman, na peça A Morte do Caixeiro Viajante, de Arthur Miller,
tinha os sonhos errados. Quais são os sonhos certos? É a mesma coisa da visão? Miller
nunca teria equiparado sonhos com visão corporativa. Pelo contrário, via o sonho como
um recurso interno crucial para o líder. Miller sugere que o sonho move todos nós, mas
que o sonho errado pode ser um veneno de ação lenta. A queda de Willy Loman reflete o
efeito pernicioso de certos sonhos. A peça suscita uma questão difícil para o líder: como
saber se seu sonho é tóxico?

A interpretação convencional da peça é que Willy adota uma versão corrompida do sonho
americano, na qual sucesso é dinheiro e prestígio, fama. A peça de Miller foi escrita em
fins da década de 1940 e certos críticos viram nela um brilhante libelo contra o moderno
capitalismo americano.

Só que, nessa interpretação, Willy é um ícone anticapitalista, e não um ser humano. Outra
visão possível da peça é que Willy não sonha de olhos bem abertos. Soa paradoxal, já que
os sonhos são feitos para resistir ao pragmatismo.

Ao mesmo tempo, é um realismo intransigente — acerca do mundo e acerca de si mesmo


— que separa o sonho do delírio. Os sonhos de Willy são uma teia diáfana, frágil e
fantasiosa. Willy é de um otimismo ingênuo, e falta a seus sonhos o pé na realidade
necessário para que cresçam e se reconfigurem com o tempo. Um bom sonho tem raízes
profundas no cotidiano, e não nas seduções da sociedade à volta. Alguém disse que oteste
de uma vocação é o amor por seu lado maçante. Uma carreira de sucesso na gestão é
desafiante e gratificante sob tantos aspectos que pode parecer estranho enfatizar seu lado
enfadonho. Mas A Morte do Caixeiro Viajante sugere que isso pode ser um teste melhor de
um sonho saudável do que entusiasmo ou inspiração.

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Nos textos que o senhor discute em classe, vários protagonistas cometem suicídio. Um
deles acaba na prisão. Outro é condenado à morte.

Isso tudo não é muito soturno para executivos?


Não saí intencionalmente à cata de obras sombrias. Certamente não é minha intenção
sugerir que a administração seja uma empreitada soturna.

Se achasse isso, incentivaria os alunos do MBA a buscar outra área de trabalho. O fato é
que na gestão é preciso ser confiante e acreditar que, na maioria das vezes, você terá
sucesso. E isso é o oposto do soturno.

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Ao mesmo tempo, diferentemente da literatura da administração contemporânea, que é de


um otimismo incansável, a literatura séria é impiedosamente realista. Nela, não há surtos
de inspiração, histórias de sucesso desmedido ou programas que garantam a felicidade em
cinco passos. O líder retratado na literatura às vezes falha e, com freqüência, luta. Há
pressão porque há muito em jogo.

Quando lê sobre a luta de personagens literários, o dirigente empresarial pode entender


melhor os próprios conflitos. Apesar disso, a ficção não leva ao cinismo, à passividade, ao
desespero.

A literatura pode trazer esperança e até inspiração, pois suas questões e lições são reais e
conquistadas a duras penas. Essa abordagem realista é um incentivo mais profundo, mais
duradouro.

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Ao longo da conversa, o senhor frisou a necessidade de reflexão por parte do líder. Por que
isso é tão importante?
Damos pouquíssima atenção à vida interior do líder. Muito do que se aprende no curso de
administração parece sugerir que é possível tratar o executivo como uma cobaia cujo
comportamento pode ser controlado se manipularmos o ambiente. Sistemas de
remuneração pelo desempenho, por exemplo, pressupõem que o chamariz certo, como
opções de ações, vai produzir o comportamento certo. E a lei Sarbanes-Oxley equivale
simplesmente a dar choques maiores e lançar uma luz mais forte em ratos que se
comportam mal.

Esse tipo de behaviorismo não basta. A literatura sugere que o líder deve se conhecer
melhor para ter sucesso.

Ou seja, antes de tentar mudar o mundo e administrar outras pessoas, o indivíduo deve
examinar seu interior para descobrir se está pronto para liderar. Deveria indagar se é
capaz de administrar a si mesmo. Isso leva tempo, e não é algo natural para indivíduos
voltados à ação. Além disso, nem sempre a pessoa gosta daquilo que vê. Mas, se ensina que
o líder não pode fugir à imperfeição de sua humanidade, Sófocles sugere também que é
possível reduzir o risco de erro e tsragédia através de uma sólida ref lexão. A deliberação
produtiva é um processo caótico de vaivém, de ziguezague entre sentimentos,
pensamentos, fatos e análise. Resiste à tentação de agarrar um único princípio grandioso e
permitir que ele tiranize todas as outras considerações.

Como Antígona sugere, a melhor reflexão envolve o diálogo com os outros.

Gênios solitários, autodesignados, são uma receita para o desastre.

Liderança

na literatura"
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