Você está na página 1de 12

Universidade Federal Fluminense

Instituto de Psicologia

Departamento de Psicologia

Identificação do projeto.

Título: Passagens da subjetividade à coragem: o conceito de verdade nos quatro últimos


cursos de Michel Foucault.

Área de concentração (Cnpq): 7.00.00.00-0 (Ciências Humanas); 7.07.00.00‐1


(Psicologia); 7.07.05.00‐3 (Psicologia Social)

Palavras-chave: verdade; ética; cuidado

Local de realização: Departamento de Psicologia

Identificação do pesquisador.

Nome: Danichi Hausen Mizoguchi

Matrícula Siape: 2090025

Unidade: Instituto de Psicologia

Departamento: Departamento de Psicologia

Categoria funcional: Professor Adjunto

Regime de trabalho: Dedicação exclusiva

Titulação: Doutorado em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense

Identificação do aluno.

Nome: Miguel Germano de Almeida Ferreira


Matrícula: 119024036
CPF: 16648485760

Resumo.
O presente projeto de pesquisa pretende dar prosseguimento ao trabalho iniciado
há quatro anos, o qual, financiado pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica da Universidade Federal Fluminense e pela FAPERJ, tem perquirido a
conceituação de verdade nos quatro derradeiros cursos ministrados por Michel Foucault
no Collège de France – respectivamente intitulados como Subjetividade e verdade, A
hermenêutica do sujeito, O governo de si e dos outros e A coragem da verdade. Já tendo
contemplado a leitura dos dois primeiros – com trabalhos apresentados em eventos
científicos regionais, nacionais e internacionais, artigos publicados em periódicos
brasileiros e aceitos em periódicos estrangeiros, entraremos agora no trabalho dedicado
especificamente ao curso O governo de si e dos outros.
Sabe-se que o tema da verdade – e aqueles pertencentes ao mesmo campo
semântico, como, por exemplo, saber, conhecimento e veridicção – acompanha as
pesquisas realizadas por Foucault em praticamente todo seu trajeto intelectual. Assim, a
expressão verdade adquire distintas conceituações e implicações ético-políticas à medida
em que os objetos e métodos de pesquisa forjados também se modificam. Em todas as
três fases pelas quais passou a obra de Foucault – a fase do saber, a fase do poder e a fase
do cuidado, tal qual a divide uma série de comentadores como Gilles Deleuze, Edgardo
Castro, Paul Rabinow e Hubert Dreyfus – a verdade aparece com importância estratégica,
mas sempre singularizada a partir das interrogações que ocupam o autor no momento.
A partir de tal constatação, a intenção primordial desta pesquisa tem sido a
compreensão minuciosa da íntima implicação entre a verdade e a ética que o pensamento
de Foucault estabelece em seu derradeiro movimento. É importante ressaltar que a
pesquisa não se dá aos os moldes de uma erudição de gabinete – aquela que se faz sob a
sabedoria apartada do mundo e das batalhas do presente. Ao contrário, a intenção é que a
partir da análise e problematização do conceito de verdade no último movimento
intelectual público feito por Foucault possa-se forjar ferramentas para se imiscuir com
consistência no campo de força dos acontecimentos dos espaços e tempos do aqui e do
agora. Assim, temas urgentes como o racismo, questões de gênero, o capacitismo, o
capitalismo, dentre outros, têm nos interessado nas discussões e produções do grupo,
todos eles mutuamente implicados à chave de compreensão dos conceitos e genealogias
engendradas por Foucault em seus derradeiros cursos – o que nos parece prolífico tanto
para o campo dos estudos foucaultianos quanto para os temas e questões elencados.

Introdução e justificativas.
Nas primeiras palavras da introdução ao livro O uso dos prazeres, segundo
volume de História da Sexualidade, em um trecho intitulado como Modificações, Michel
Foucault enuncia: “Esta série de pesquisas surge mais tarde do que eu previra e de uma
forma inteiramente diferente” (Foucault, 1984, p. 7). Quando da publicação do primeiro
volume da série, em 1976, Foucault (1988) prometera aos editores e aos leitores uma série
de seis volumes sequenciais. Todavia, a publicação do primeiro e dos dois últimos
volumes – os quais, lançados em conjunto no ano de 1984, encerraram a série a qual muito
recentemente, em fevereiro de 2018 na França e em maio de 2020 no Brasil, teve o
lançamento de um volume que ainda não havia sido publicado, As confissões da carne,
computando doravante um total de quatro tomos – deu-se com um intervalo de oito anos
e com uma direção conceitual bastante distinta daquela que o primeiro volume indicava.
O próprio Foucault faz a defesa pública de uma mudança ética de perspectiva, ainda na
supracitada introdução ao segundo volume, ao se perguntar: “de que valeria a obstinação
do saber se ele assegurasse apenas a aquisição dos conhecimentos e não, de certa maneira,
e tanto quanto possível, o descaminho daquele que conhece? ” (Foucault, 1984, p. 13).
Não à toa, Gilles Deleuze, no livro em homenagem ao amigo, publicado em 1986
– obra a qual intitulou tão somente Foucault, efeito de um ano inteiro de aulas ministradas
em Vincennes sobre a trajetória do filósofo que falecera havia pouco tempo –, pergunta-
se: “O que aconteceu durante o silêncio bastante longo que se seguiu a A vontade de
saber? ” (Deleuze, 2005, p. 101). Desde o início da década de 1960, Foucault jamais havia
tido um intervalo tão longo sem publicar livros. Afinal, qual seria o descaminho daquele
que conhece que fez valer a obstinação do saber a qual criou condições de possibilidade
para a consecução dos livros que findaram a série até então interrompida de A história da
sexualidade?
A aposta que na presente pesquisa se faz é de que os cursos ministrados por
Foucault no intervalo relativamente grande entre as publicações do primeiro e dos dois
últimos volumes de A história da sexualidade podem ajudar a explicar tanto a duração do
interstício quanto as modificações apresentadas ao grande público com o lançamento dos
dois derradeiros livros. Mais do que isso, a aposta basal, que justifica a pesquisa, é que
em tais modificações as modulações do conceito de verdade merecem ocupar uma certa
centralidade. Assim, faz-se necessária uma apreensão mais densa, consistente e complexa
das montagens da verdade que nessas lições se concretizaram – o que já tem se verificado
no decurso das leituras feitas no desenrolar inicial da pesquisa. Assim, a pergunta que
conduz a presente pesquisa encontra a demanda de manutenção: quais modulações o
conceito de verdade adquire nas enunciações dos quatro últimos cursos ministrados por
Michel Foucault na cátedra de História dos sistemas de pensamento no Collège de
France?

***

A fim de validar a hipótese com a qual temos trabalhado, é fundamental que o


intervalo razoavelmente grande entre o primeiro e o segundo e terceiro volume de
História da sexualidade não seja entendido como um silêncio literal. Se é fato que não há
novos livros trazidos ao grande público neste interim, não é menos factual que Foucault
prosseguia entremeado a problematizações e interrogações vívidas: em entrevistas e
manifestações textuais menores, bem como nos cursos ditados anualmente no Collège de
France, a voz e a escrita de Foucault seguiam se fazendo linha de força junto aos
acontecimentos do presente. Isso faz Frèdèric Gros, aluno e leitor de Foucault, afirmar
que a derradeira passagem de pensamento operada por Foucault, explicitada ao grande
público em 1984, não foi nem ríspida nem instantânea, mas, mais precisamente, “uma
maturação lenta, um percurso sem ruptura nem alarde, que devia conduzir Foucault às
margens do cuidado de si” (Gros, 2006, p. 616). Se não havia livros, não havia também
silêncio – e era nesse burburinho que uma nova modulação da verdade começava a
aparecer.
Maturação lenta, percurso sem ruptura nem alarde, mas não um silêncio. E, muito
importante para a presente pesquisa, um processo que passou fortemente por aquilo que
Foucault preparava e apresentava em suas aulas. Entre a publicação do primeiro volume
de história da sexualidade e do segundo e do terceiro volumes, Foucault assim intitulou
os cursos que ministrou na prestigiosa instituição francesa: Segurança, território e
população, Nascimento da biopolítica, Do governo dos vivos, Subjetividade e verdade, A
hermenêutica do sujeito, O governo de si e dos outros I, O governo de si e dos outros II:
a coragem da verdade.
Não é por simples e puro acaso – o que em grande parte é o que justifica o corte
temporal estabelecido nesta pesquisa – que os quatro últimos cursos ditados por Foucault
perfazem uma série que começa e termina com a palavra verdade no nome: a escolha aqui
operada leva a um itinerário que vai do curso Subjetividade e verdade ao curso Coragem
da verdade. A despeito da escolha feita para esta investigação, a viragem teórica em
direção ao terceiro e último movimento de Foucault se estabelece com vigor no curso
ministrado nos anos de 1981 e 1982. É neste curso, intitulado A hermenêutica do sujeito,
que a noção de cuidado de si – epiméleia heautoû, em grego – adquire proeminência. A
proposta de que se faça um recuo de um ano em relação a tal viragem, levando a pesquisa
até o curso Subjetividade e verdade, além de demarcar o ciclo no qual a verdade ganha
relevo a ponto de fazer parte do título dos cursos, faz-se pela intenção de capturar a
transmutação ética pela qual o pensamento de Foucault passou. Ou seja, para que, a
minúcia e a complexidade desta alteração ética possam ser estudadas tendo como
centralidade o conceito de verdade. Pois, afinal, segue-se perguntando: como se monta a
aposta na verdade que Michel Foucault faz ao final de sua trajetória intelectual?

***

Jacques Donzelot lembra que Deleuze lhe falou mais de uma vez que não gostava
da aproximação – ou da reaproximação – de Foucault com o tema da verdade. Em
entrevista dada a François Dosse, ele afirma que em meados da década de 1970, Deleuze
lhe dizia: “Michel está completamente louco. O que é essa coisa ultrapassada da verdade?
Ele nos reconduz a essa coisa ultrapassada, a veridicção” (Dosse, 2010, p. 262). O amigo,
de quem estava um tanto afastado naquele momento, era justamente o pensador que havia
escrito livros como, por exemplo, As palavras e as coisas e Vigiar e punir, nos quais
havia produzido estranhamento nas relações naturalizadas entre a verdade, as ciências
humanas e a implicação destas com a trama da sociedade disciplinar: regimes de
visibilidade, regimes de dizibilidade, regimes de força apresentados e analisados pelo
filósofo que estudava a história, pelo historiador que criava conceitos. Era Foucault,
afinal, que havia destruído com consistência e elegância toda e qualquer possibilidade de
uma verdade evolutiva, geral, universal, científica.
Bastaria lembrar que o primeiro curso ministrado por ele no Collège de France
chamava-se A vontade de saber, o qual tinha como metas o estudo dos primórdios da
filosofia a fim de entender as forças discursivas que operaram a separação histórica entre
o verdadeiro e o falso como uma coerção que subjuga o discurso a uma ordem específica.
O curso presta-se a examinar se “a vontade de verdade não exerce, com relação ao
discurso, um papel de exclusão análogo – em certa parte e, admito, numa parte apenas –
ao que pode desempenhar a oposição entre a loucura e a razão, ou o sistema de proibições
(Foucault, 2014, p. 4). Dito de outro modo, a intenção do primeiro curso ministrado por
Foucault

consistiria em saber se a vontade de verdade não é tão profundamente


histórica quanto qualquer outro sistema de exclusão; se, na raiz, não é
arbitrária como eles; se não é modificável como eles no decurso da
história; se, como eles, não se apoia e, como eles, não é incessantemente
reativada por toda uma rede institucional; se não forma um sistema de
coerção que se exerce não só sobre outros discursos mas sobre toda uma
série de outras práticas. Em resumo, consiste em saber quais lutas reais
e quais relações de dominação são mobilizadas na vontade de verdade
(Foucault, 2014, p. 4).

É neste curso – passando por Aristóteles, pelos sofistas, por Hesíodo – que ele
chega a Friedrich Nietzsche, para quem, mais do que representar correta e logicamente a
existência das coisas do mundo, “o conhecimento é uma ‘invenção’, por trás da qual há
outra coisa distinta: jogo de instintos, de impulsos, de desejos, de medo, de vontade de
apropriação” (Foucault, 2014, p. 205). É assim que, quase ao final das aulas daquele ano,
Foucault se interroga: como pensar a história da verdade sem basear-se na verdade?
Se ele mesmo já havia se afastado eticamente dos limites da verdade em seu
primeiro curso e em outras obras, é plenamente justificável que Deleuze tenha estranhado
o movimento de retorno à verdade feito a partir do final da década de 1970. E é por isso
que – mais uma vez – faz-se pertinente indagar: qual o conceito de verdade na derradeira
curva da trajetória intelectual de Michel Foucault?

***

Em carta escrita a Foucault no ano de 1977, intitulada Desejo e prazer, uma série
de divergências e controvérsias entre os dois grandes pensadores franceses é colocada por
Gilles Deleuze. Se tem como centralidade a cizânia em torno dos termos desejo e prazer,
o problema da verdade não deixa de aparecer com uma certa importância naquela missiva.
Deleuze diz nesta carta que no livro publicado pouco tempo antes por Foucault, os
dispositivos de poder não mais se contentam em ser normalizantes, como eram ainda em
Vigiar e punir: “eles são constitutivos de verdade” (Deleuze, 2016, p. 128). Eis aí uma
questão importante, legada por Deleuze, para o presente projeto de pesquisa: seria atrás
de um sujeito constituinte que Foucault estaria ao defender uma nova conceituação de
verdade? Ou seria, ao contrário, de uma verdade que estaria além e aquém de tal direção
filosófica e subjetiva, à guisa da construção de outras ferramentas éticas?
Ainda na carta supracitada, Deleuze segue:

Se os dispositivos de poder são constitutivos de verdade, se há uma


verdade do poder, deve haver, como contraestratégia, um tipo de poder
da verdade contra os poderes. Donde, em Michel, o problema do papel
do intelectual e sua maneira de reintroduzir a categoria de verdade; pois,
renovando-a completamente ao fazê-la depender do poder, encontrará
ele, nessa renovação, uma matéria retornável contra o poder? Mas aqui
não vejo como. É preciso esperar que Michel diga essa nova concepção
da verdade, ao nível de sua microanálise (Deleuze, 2016, p. 133).

Encontra-se, portanto, outra questão insinuada na correspondência emitida por


Deleuze: como poderia a verdade ser uma adversária do poder, estabelecendo uma
estranha espécie de enfrentamento discursivo interno? Uma estranha verdade poderia
enfrentar as diretrizes dispositivas do saber e do poder? E, se poderia, sob quais artifícios
esta empreitada pode ser executada?

***

Deleuze (2005) sugere que Foucault talvez tenha detectado um equívoco ligado
ao primeiro volume de História da Sexualidade: não estaria ele preso às relações de
poder? O próprio Foucault sugerira que a resposta a esta questão poderia ser afirmativa.
Em A vida dos homens infames, texto escrito em 1977, escrevera: “Alguém me dirá: isto
é bem próprio de você, sempre a mesma incapacidade de ultrapassar a linha, de passar
para o outro lado, de escutar e fazer ouvir a linguagem que vem de outro lugar ou de
baixo; sempre a mesma escolha, do lado do poder, do que ele diz ou do que ele faz dizer”
(Foucault, 2012, p. 204). Todavia, neste mesmo texto uma enunciação de resistência se
faz com clareza:
O ponto mais intenso das vidas, aquele em que se concentra sua energia,
é bem ali onde elas se chocam com o poder, se debatem com ele, tentam
utilizar suas forças ou escapar de suas armadilhas. As falas breves e
estridentes que vão e vêm entre o poder e as existências as mais
essenciais, sem dúvida, são para estas o único monumento que jamais
lhes foi concedido; é o que lhes dá, para atravessar o tempo, o pouco de
ruído, o breve clarão que as traz até nós (Foucault, 2012, p. 204).

É, pois, que resta perguntar mais uma vez, quase em ritornelo: como poderia a
verdade – este conceito tão desgastado – funcionar como um enfrentamento ao poder –
àquilo que ele diz ou faz dizer? Como, afinal, paradoxalmente apartado e junto da
verdade, Foucault poderia desarmar a armadilha – que montara para si mesmo – do
aprisionamento ao poder?

***

Para que esse encaminhamento – enfrentar o poder, desarmar a armadilha – se


faça possível, Foucault não pode se manter sob a tradicional oposição entre o verdadeiro
e o falso. Não à toa, quase no começo do seu derradeiro curso, aquele ao qual deu o nome
de Coragem da verdade, Foucault explicita o que para ele é a função da filosofia.
Explicando aos alunos o que era a parresía grega como modalidade do dizer a verdade,
afirma que a atitude parresiástica é

a que tenta, justa, obstinadamente e sempre recomeçando, reconduzir a


propósito da questão da verdade, a das suas condições políticas e a da
diferenciação ética que abre o seu acesso a ela; que perpetuamente e
sempre traz, a propósito da questão do poder, a da sua relação com a
verdade e com o saber, por um lado, e com a diferenciação ética, por
outro; é, enfim, a que, a propósito do sujeito moral , traz sem cessar a
questão do discurso verdadeiro em que o sujeito moral se constitui e das
relações de poder em que o sujeito se forma (Foucault, 2011, p. 61).

E segue: “são esses o discurso e a atitude parresiástica em filosofia: é o discurso


ao mesmo tempo da irredutibilidade da verdade, do poder e do éthos, e ao mesmo tempo
o discurso da sua necessária relação, da impossibilidade onde estamos de pensar a verdade
(alétheia), o poder (politeía) e o éthos sem relação essencial, fundamental uns com os
outros” (Foucault, 2011, p. 61).
Uma nova verdade havia se formado – distante de um sujeito constituinte, distante
da separação coercitiva entre o verdadeiro e o falso. Uma nova verdade próxima à estética
da existência, uma nova verdade paradoxalmente próxima ao plano da ficção. É assim
que a presente pesquisa se monta, tem se engendrado e se faz pertinente: tratando de aos
poucos entender a minúcia e a complexidade de tal passagem teórica, ética e política – e
apostando que é nos últimos quatro cursos ministrados por Foucault no Collège de France
que um esboço de resposta poderá se performatizar. É assim que se repete a questão: da
subjetividade à coragem, quais modulações de verdade foram forjadas? Da coerção à
estética, de que verdade se trata? Como a verdade pode ser entendida e praticada como
adversária dos jogos dispositivos do saber e do poder?

Objetivos.
Mapear as modulações e incidências do conceito de verdade nos quatro últimos
cursos de Michel Foucault não é tarefa que se baste por si – como já dito acima, a erudição
de gabinete e o saber de almanaque aqui não interessam. Ao contrário, trata-se de uma
tarefa que só pode se fazer porque há como objetivo mais amplo, transversal à pesquisa,
a intenção de problematizar os modos de existência atuais, interrogando os processos
subjetivos produzidos pelo capitalismo contemporâneo. De modo amplo, portanto, um
dos objetivos da presente pesquisa é interrogar – junto e aliado a um estranho conceito de
verdade – as forças de um tempo e de um espaço ao qual chamamos nosso. O objetivo,
em última análise, é que junta a tal interrogação possa se operar uma ética – aquela que
Foucault (2000, p. 351) bem define:

É preciso considerar a ontologia crítica de nós mesmos não certamente como


uma teoria, uma doutrina, nem mesmo como um corpo permanente de saber
que se acumula; é preciso concebê-la como uma atitude, um éthos, uma via
filosófica em que a crítica do que somos é simultaneamente análise histórica
dos limites que nos são colocados e prova de sua ultrapassagem possível.

Portanto, a questão de pesquisa, referente ao conceito de verdade nos últimos


quatro cursos de Foucault, só pode consistir porque serve à problematização do modo de
construção de um éthos que, atento e mergulhado em tramas sutis e fortes de um mundo
sempre perigoso e em construção aposta que linhas inventivas e menos áridas podem
habitar a vida.

Metodologia.
De modo bastante simples, a estratégia metodológica que utilizada na pesquisa é
a revisão de literatura. Tomar-se-á como foco claro e explícito das leituras os quatro
últimos ministrados por Michel Foucault no Collège de France – Subjetividade e verdade,
A hermenêutica do sujeito, O governo de si e dos outros e A coragem da verdade. Sob
esta contração textual e temporal, a intenção é montar um estilo exegético de leitura –
dando conta, detalhadamente, de todas as passagens destes quatro cursos com especial
atenção à presença do problema transversal da verdade. Não se abdicará, todavia, de
leituras que estejam no entorno destes cursos – entrevistas, pequenos textos, conferências,
livros – a fim de que se possa cercar, do modo mais consistente possível, aquilo que
interessa à pesquisa: o conceito de verdade no último movimento intelectual de Foucault.
A discursividade trazida à público por Foucault será pesquisada em sua radical
materialidade – ali onde ele torna-se uma caixa de ferramentas, ali onde “é preciso que
sirva, é preciso que funcione” (Foucault e Deleuze, 1979, p. 71), conforme disse Gilles
Deleuze versando sobre a teoria em conversa com Michel Foucault em março de 1972.
Ou seja, metodologicamente o estudo será dirigido para a compreensão do mundo que tal
discursividade ajuda a construir: o discurso como partícipe do campo de forças que
engendra modos de existência e que acredita que mundos outros são possíveis.

Plano de trabalho do bolsista.


O bolsista requisitado desenvolverá suas atividades através de participação nos
encontros semanais do grupo de pesquisa – em que serão estudados detalhadamente os
quatro últimos cursos de Michel Foucault e neles, notadamente, as modulações do
conceito de verdade. O bolsista apresentará relatórios de estudos e acompanhará novos
membros do grupo na composição da pesquisa durante toda a vigência da bolsa. Serão
essas, enfim, as atividades exigidas do aluno bolsista durante todo o período de vigência
da bolsa de iniciação científica: cumprimento da rotina de estudos semanais (às segundas-
feiras, de 10:00 às 13 horas, no gabinete do professor orientador, e, em tempos de
pandemia, em encontros online), composição de relatórios de estudo, escrita dos
relatórios parcial e final, apresentação do trabalho em eventos científicos e redação (em
cooperação com o professor orientador e com os colegas) de artigos para serem
submetidos a periódicos indexados na área.

Cronograma.
Seleção de Leitura de Análise Produção de artigos
material material das e relatórios finais
bibliográfico bibliográfico leituras
Agosto/2021 X
Setembro/2021 X
Outubro/2021 X X X
Novembro/2021 X X X
Dezembro/2021 X X X
Janeiro/2022 X X X
Fevereiro/2022 X X
Março/2022 X X
Abril/2022 X X
Maio/2022 X X
Junho/2022 X X X
Julho/2022 X
Agosto/2022 X

Referências.
DELEUZE, Gilles. Desejo e prazer. Em: Dois regimes de loucos: textos e
entrevistas (1975-1995). São Paulo: Ed. 34, 2016.
_______________. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 2005.
DOSSE, François. Gilles Deleuze & Felix Guattari: biografia cruzada. Porto
Alegre: Artmed, 2010.
FOUCAULT, Michel e DELEUZE, Gilles. Os intelectuais e o poder. Em:
Foucault, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
FOUCAULT, Michel. Aulas sobre a vontade de saber: curso no Collège de
France (1970-1971). São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014.
______________. A vida dos homens infames. Em: Ditos e Escritos, volume IV.
Estratégia Poder-Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.
______________. A coragem da verdade: o governo de si e dos outros II: curso
no Collège de France. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.
______________. O que são as luzes? Em: Ditos e Escritos, volume II.
Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2000.
______________. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1995.
______________. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 1988.
______________. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 1984.
GROS, FRÈDÈRIC. Situação do curso. Em: Foucault, Michel. A hermenêutica
do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

Você também pode gostar