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INSTITUTO SUPERIOR DE GESTÃO, COMERCIO E FINANÇAS

FACULDADES DE ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO

Licenciatura em Gestão Humanos

Causas Humanas de Acidente de Trabalho

Zainabo Orlando

Nampula
Maio de 2023
INSTITUTO SUPERIOR DE GESTÃO, COMERCIO E FINANÇAS

FACULDADES DE ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO

Licenciatura em Gestão Humanos

Causas Humanas de Acidente de Trabalho

Zainabo Orlando
Trabalho de Carácter Avaliativo,
Referente a cadeira de Legislação e
Higiene e Segurança no Trabalho, a ser
Apresentado na Faculdade de
Administração e Gestão, Orientado pelo:
Docente: dr. Carlos Francisco

Nampula
Maio de 2023

1i
Índice
Introdução ................................................................................................................................... 3
2. Causas humanas de acidentes de trabalho .............................................................................. 4
2.1. Acidentes de Trabalho ......................................................................................................... 5
2.2. A perspectiva sequencial dos acidentes ............................................................................... 7
2.2.1. O modelo epidemiológico dos acidentes ........................................................................ 10
2.3. A perspectiva da transferência de energia e das barreiras preventivas .............................. 13
3. Conclusão ............................................................................................................................. 15
Bibliografia ............................................................................................................................... 16

2ii
Introdução
Os acidentes de trabalho têm sido uma preocupação constante tanto para os trabalhadores
quanto para as organizações em todo o mundo. A ocorrência desses eventos indesejáveis traz
consigo consequências negativas, tanto para a saúde e segurança dos trabalhadores, quanto
para a produtividade e eficiência das empresas. Compreender a origem, os impactos e as
formas de prevenção dos acidentes de trabalho é fundamental para promover um ambiente
laboral mais seguro e saudável. Neste trabalho, examinaremos de perto essa problemática,
analisando as causas mais comuns, as implicações sociais e económicas e as estratégias
preventivas adoptadas pelas empresas e pela legislação.

3
2. Causas humanas de acidentes de trabalho
As causas humanas de acidentes de trabalho podem ser variadas e incluem factores
relacionados ao comportamento, acções ou omissões dos trabalhadores. Alguns exemplos de
causas humanas de acidentes de trabalho são:
 Falta de atenção: Distracção, falta de concentração e desatenção podem levar a erros
e acidentes no ambiente de trabalho.
 Descuido: Falta de cuidado ao manusear equipamentos, ferramentas ou substâncias,
resultando em lesões ou danos.
 Falta de treinamento: A falta de treinamento adequado sobre o uso de equipamentos,
procedimentos de segurança e boas práticas de trabalho pode contribuir para acidentes.
 Não seguir os procedimentos de segurança: Ignorar regras e procedimentos
estabelecidos para garantir a segurança no trabalho aumenta o risco de acidentes.
 Fadiga e cansaço: A fadiga excessiva, seja devido a longas jornadas de trabalho, falta
de sono adequado ou condições de trabalho extenuantes, pode afectar a capacidade do
trabalhador de se concentrar e reagir adequadamente, aumentando o risco de acidentes.
 Uso inadequado de equipamentos de protecção individual (EPIs): Não utilizar ou
utilizar incorrectamente os EPIs necessários para proteger-se contra riscos específicos
pode resultar em acidentes e lesões.
 Comportamento imprudente: Acções irresponsáveis, como correr, brincar ou
negligenciar sinais de perigo, podem levar a acidentes no ambiente de trabalho.
 Excesso de confiança: Sentir-se excessivamente confiante em relação às habilidades e
conhecimentos pode levar a comportamentos arriscados ou negligentes.
 Estreses e problemas pessoais: Situações de estreses emocional, problemas pessoais
ou conflitos no ambiente de trabalho podem afectar a concentração e a tomada de
decisões, aumentando o risco de acidentes.
É importante destacar que a prevenção de acidentes de trabalho envolve a conscientização dos
trabalhadores, treinamento adequado, implementação de medidas de segurança, fiscalização e
criação de uma cultura de segurança no ambiente de trabalho.

 Complacência e rotina: A familiaridade com as tarefas e o ambiente de trabalho pode


levar os trabalhadores a se tornarem complacentes e menos vigilantes, o que pode
resultar em erros ou negligências que levam a acidentes.

4
 Pressa e impaciência: A pressão para cumprir prazos ou realizar tarefas rapidamente
pode levar os trabalhadores a tomar atalhos e negligenciar medidas de segurança,
aumentando os riscos de acidentes.
 Falta de comunicação: A falta de comunicação clara entre colegas de trabalho ou
entre diferentes equipas pode levar a mal-entendidos, falta de coordenação e erros que
podem resultar em acidentes.
 Excesso de confiança: Alguns trabalhadores podem superestimar suas habilidades ou
conhecimentos e acreditar que podem realizar tarefas arriscadas sem seguir os
procedimentos de segurança adequados.
 Uso indevido de substâncias: O uso de substâncias como álcool, drogas ou
medicamentos que afectam a capacidade cognitiva e física no ambiente de trabalho
pode levar a acidentes.
 Falta de treinamento ou treinamento inadequado: A ausência de treinamento
adequado sobre o uso de equipamentos, procedimentos de segurança e boas práticas de
trabalho pode deixar os trabalhadores despreparados para lidar com os riscos do
ambiente de trabalho.
 Sobrecarga de trabalho: Jornadas excessivamente longas, falta de pausas adequadas
ou excesso de trabalho podem levar à fadiga, diminuição da concentração e maior
propensão a acidentes.
 Desrespeito às normas de segurança: Quando os trabalhadores não levam a sério as
normas e regulamentos de segurança estabelecidos pela empresa, podem ocorrer
acidentes evitáveis.
 Falta de manutenção e cuidado com equipamentos: A negligência na manutenção
adequada de máquinas, ferramentas e equipamentos pode resultar em falhas ou mau
funcionamento, aumentando o risco de acidentes.

2.1. Acidentes de Trabalho


Uma lesão corporal que um trabalhador sofra em conexão ou como consequência do trabalho
que ele realiza em nome de outra pessoa (Scianni, 2013, p. 28).
Os acidentes sempre fizeram e sempre farão parte dos eventos ocorridos em sociedade, e isto
pode explicar, em parte, o porquê de eles poderem ser conside-rados como um problema
social. É verdade que os acidentes podem ocorrer em todos os lugares (escolas, casa, locais de
trabalho, estradas, etc.), em diversas circunstâncias, e derivar de múltiplas causas. Esta
fatalidade social à qual todos nós estamos sujeitos depende dos riscos e dos perigos que
5
corremos ao longo das nossas vidas. Apesar de alguns acidentes serem dramáticos nas
consequên-cias que produzem, eles são por definição eventos relativamente raros, visto que
representam desvios à normalidade. Em traços gerais, julgamos que não é possível prevenir e
evitar todos os acidentes, mas estamos convictos de que as investigações sobre acidentes
podem ajudar a prevenir alguns (Areosa, 2009, p.12).

Os acidentes são eventos que ocorrem de forma repentina, mas às suas causas podem
estar associados, simultaneamente, factores sincrónicos e diacrónicos. Em sentido etimológico,
o termo “acidente” significa um qualquer evento não plane­ado, fortuito, imprevisto e fruto do
acaso. Na linguagem do senso comum um aci­dente é entendido como algo nefasto, maléfico e
aleatório que provoca danos ou prejuízos. Desta dentição preliminar podemos diagnosticar a
existência de uma impossibilidade empírica para controlar e antever todas as situações
passíveis de causar acidentes. Até meados do século XVIII a noção ocidental de acidente (tal
como a noção de risco) esteve associada a manifestações divinas; até este período as grandes
catástrofes eram vistas como fruto da vontade dos Deuses. A laicização da catástrofe (Theys,
1987) começa a emergir após o terramoto de Lisboa de 1755 (Areosa, 2008) e surge como um
pensamento fracturante dentro da visão social dominante acerca dos acidentes. A partir deste
período os acidentes come-çam também a ser entendidos como resultado de condições naturais.
Desde os primórdios e ao longo dos anos o conceito de trabalho tem vindo a Sofrer constantes
alterações. Com a evolução das sociedades o trabalho deixou de ser. Apenas uma forma de
sobrevivência, passou a ser sinónimo de realização pessoal, sociale dignificação humana.
Hoje em dia o trabalho garante ao indivíduo uma percepção de Utilidade social, assume uma
relevância importante na forma como a vida é estruturada, estando também associado à
capacidade de independência e estabilidade de vida (OMS 2010, p. 4-5).
Contudo, o mesmo trabalho que dignifica o homem, também pode ser a causa da sua
desventura porque pode originar, devido ao esforço físico e psicológico, a perda de algumas
capacidades para a actividade profissional (Sousa et al 2005, p. 4).

A sinistralidade laboral tem sido uma problemática que está sempre na ordem do dia nos
eventos sobre Segurança e Saúde no Trabalho. No contexto da campanha, promovida pela
Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, “Locais de Trabalhos seguros e
saudáveis. Bom para si, bom para as empresas”, foram referidos alguns dados estatísticos
preocupantes sobre os acidentes de trabalho.

O conhecimento de conceito de acidente de trabalho é fundamental tendo em atenção que, um


dos principais objectivos de qualquer organização deverá passar pela
sua redução ou mesmo a eliminação, daí que na análise da problemática associada aos
acidentes de trabalho o conceito de acidente de trabalho deve tomar a forma holística
constituindo a base para a pesquisa.

6
O acidente de trabalho é um evento que ocorre de forma repentina e que pode
ter na sua origem “factores sincrónicos e diacrónicos” (Areosa and Dwyer 2010, p. 1), mas
para ser considerado em consequência da actividade laboral, deve ter relação com o trabalho,
deve ocorrer “no local e tempo de trabalho” e provocar um impacto físico-funcional (Freitas
2011, p. 119).
Segundo Nebot (2003) o trabalhador pode, de facto, atravessar um período da sua vida
durante o qual sofre mais acidentes; mas esta situação tende a não estar relacionada com
aspectos individuais (biológicos ou genéticos) – como defendia o modelo da propensão
individual para os acidentes – mas com aspectos de natureza familiar, profissional ou social.
Numa perspectiva com características diferentes da anterior, autores como Reason (1990) e
Amalberti (1996) afirmam que é difícil evitar os erros humanos e criticam os modelos que
concebem os acidentes estritamente a partir deste Pressuposto, visto que o erro faz parte da
própria condição humana. Outros estudos centrados no indivíduo, nos seus aspectos
cognitivos ou nos factores sociais perante o trabalho, sugerem que o comportamento dos
trabalhadores está baseado em hábitos e rotinas (Areosa e Dwyer, 2010). Deste 18 modo, a
realização de alguns tipos de trabalho rotineiros podem ser vistos como um mecanismo quase
automatizado e não tanto como um processo de decisão permanentemente consciente (Reason
e Hobbs, 2003). Segundo a abordagem destes autores, a prevenção de acidentes a partir da
alteração comportamental dos trabalhadores não é o meio mais eficaz de prevenção; pelo
contrário, deve -se apostar nas defesas ou barreiras que não dependam da componente
humana (Reason, 1997).

2.2. A perspectiva sequencial dos acidentes


Os modelos sequenciais para a análise de acidentes partem do pressuposto de que até
chegarmos ao acidente existe uma série sequencial de acontecimentos que os possibilitam.
Estes eventos/condições surgem numa ordem específica até ao momento em que ocorre o
acidente. Nesta perspectiva os acidentes podem ser compreendidos a partir de actos inseguros
ou de outros perigos mecânicos ou físicos. Nas primeiras versões dos modelos sequencialistas
os acidentes eram entendidos como o resultado de uma causa única. Podemos afirmar que esta
era uma visão muito simplista dos acidentes, visto que considerava apenas um único factor
explicativo para a ocorrência destes eventos. Contudo, os modelos sequenciais mais recentes
contemplam a possibilidade de alguns acidentes poderem derivar de uma complexa interacção
e sequência de factores. O modelo sequencial dos acidentes preconiza que qualquer acidente
pode ocorrer quando o sistema está, aparentemente, a trabalhar com normalidade. Porém, a
7
simples ocorrência de um evento repentino e/ou inesperado pode dar origem a uma sequência
de outros acontecimentos que podem terminar no acidente. Para os teóricos deste modelo, os
actos inseguros, fortemente associados ao erro humano, são a principal causa dos acidentes;
embora as falhas em máquinas, equipamentos ou outras componentes do sistema possam
também estar na sua origem.
Este modelo pode ser considerado como uma das primeiras teorias da segurança industrial,
concebida a partir de dez grandes axiomas. Iremos reproduzi-los de seguida a partir de uma
das suas versões mais recentes (Heinrich et al., 1980, p. 21):
1. A ocorrência de uma lesão resulta invariavelmente de uma sequência completa de
factores – a última das quais é o acidente em si mesmo. O acidente é invariavelmente
causado ou permitido por um ato pessoal e/ou por um perigo mecânico ou físico.
 A maioria dos acidentes pode ser atribuída a actos inseguros.
2. As pessoas que sofreram uma lesão incapacitante estiveram, em média, próximas de
uma lesão grave cerca de trezentas vezes antes de terem sofrido a referida lesão
incapacitante, tendo cometido o mesmo ato inseguro. A mesma regra aplica -se à
exposição a perigos mecânicos antes de sofrer uma lesão.
3. A severidade da lesão é em grande medida fortuita, embora o acidente que origina a
lesão seja previsível e passível de prevenção.
4. As quatro razões básicas para a ocorrência de actos inseguros (1. atitude imprópria; 2.
falta de conhecimentos ou capacidade; 3. inaptidão física;)
5. Ambiente mecânico ou físico inadequado) providenciam um guia para a selecção de
medidas correctivas adequadas.
6. Estão também disponíveis quatro métodos básicos para a prevenção de acidentes:
engenharia; persuasão e sensibilização; ajustamento pessoal e disciplina.
7. Os métodos mais adequados para a prevenção de acidentes são similares aos métodos
de controlo da qualidade, de custo e de produção.
8. A gestão é o órgão que está mais bem posicionado para impulsionar as tarefas
preventivas e, por esse motivo, deve assumir essa responsabilidade.
9. Os capatazes e supervisores são as pessoas-chave para a prevenção de acidentes
industriais. O seu posicionamento hierárquico permite -lhes exercer maior influência
no sucesso da prevenção de acidentes.
10. A motivação humanitária para a prevenção de acidentes é complementada por dois
poderosos factores económicos.

8
Um estabelecimento seguro é eficiente do ponto de vista da produtividade e, pelo contrário,
um estabelecimento inseguro é ineficiente. Para o empregador o custo directo resultante do
pagamento das indemnizações derivadas do acidente e respectivos cuidados médicos
representa apenas um quinto do custo total que ele paga efectivamente. A designação teoria
dominó decorre da analogia que Heinrich efectuou entre o conjunto de uma sequência de
factores que podem influenciar a ocorrência de acidentes e a sequência da queda das peças do
jogo de dominó alinhadas na vertical. O autor propõe que cinco peças de dominó representem
igual número de factores (agrupáveis numa sequência predefinida); assim, o factor precedente
actuará sobre o seguinte até chegar à lesão (último factor).

Cada uma das cinco peças do dominó representa um factor específico pertencente ao
“percurso sequencial” do acidente. O modelo proposto por Heinrich possibilitou a explicação
do processo causal dos acidentes recorrendo à metáfora da queda das peças de dominó, ou seja,
a queda da primeira peça irá dar origem à queda das seguintes. Estes cinco factores podem
constituir -se numa sequência de eventos, onde a ligação entre a causa e o efeito é clara e
determinística (o evento A possibilita ou determina o evento B) (Scianni, 2013, p. 30)
Assim, a teoria dominó preconiza que a origem dos acidentes se deve a uma única causa. É
por este motivo que a corrente sequencialista é designada como determinística.
O percurso do acidente é representado do seguinte modo, tal como as peças de dominó caem
sucessivamente após a queda da primeira peça (origem ou génese), os acidentes também
resultam de uma sequência de acontecimentos que se transformam nesse evento. As peças
caídas resultam e representam simbolicamente as falhas, enquanto as peças que ficam de pé
representam os eventos normais ou o sistema a funcionar normalmente (neste caso idealize as
cinco peças alinhadas na vertical).
Segundo Heinrich, qualquer acidente pode ser evitado se um dos factores
inibir a sequência de factores acidentológicos, ou seja, metaforicamente, se pelo
menos uma das peças for retirada ou se for travada a sua queda. Por outras palavras, o
contributo deste modelo preconiza que, tal como a retirada de uma peça pode inibir a
queda das seguintes, a retirada de um dos factores sequenciais também evitará a
ocorrência do acidente e, por consequência, dos danos ou lesões eventualmente
ocorridas. Heinrich afirma que cerca de 88% dos acidentes se devem a actos
inseguros, 10% a condições perigosas e 2% a situações fortuitas. É por este motivo
que o autor indica que a prevenção de acidentes deve estar centrada na terceira peça
do dominó, isto é, no factor dos actos inseguros. Para além disso, o autor alega que é
difícil exercer algum controlo sobre os dois primeiros factores. A perspectiva de
Heinrich teve e ainda continua a ter uma forte influência nas abordagens de alguns
técnicos de segurança ao nível organizacional. Apesar disso, são também muitos os
autores que criticam o carácter ideológico da perspectiva de Heinrich (1931) quando
esta preconiza que a grande maioria dos acidentes ocorre por falhas humanas (actos
inseguros). Para sustentar a sua visão crítica, autores como Vilela et al. (2007: 31)
recorrem a algumas teorias da alienação social, onde é efetuada uma irónica analogia
entre os acidentes e a pobreza (tal como o pobre está nesta condição por culpa própria

9
– preguiça, ignorância, etc. – ou por inferioridade natural, o sinistrado também sofreu
o acidente por desleixo, desatenção ou incapacidade).
A principal limitação dos modelos unicausais está em considerarem que os acidentes ocorrem
devido a uma causa única, relegando para segundo plano a interacção de factores.

2.2.1. O modelo epidemiológico dos acidentes


O modelo epidemiológico dos acidentes, tal como o próprio nome indica, efectua uma
analogia entre a ocorrência de acidentes e a terminologia médica sobre a extensão de uma
doença numa determinada população. A designação deste modelo emergiu e ganhou
visibilidade após a publicação do trabalho. (Gordon, 1949, p. 8).
Ao longo do seu texto John Gordon vai revelando outras semelhanças entre acidentes e
doenças. Assim, o autor considera que a abordagem epidemiológica permite verificar certas
regularidades ao longo do tempo, e isso pode ajudar a melhorar a análise dos acidentes, a sua
compreensão, bem como a sua prevenção (suportada por políticas adequadas).
Existem três factores fundamentais para compreender a abordagem epidemiológica dos
acidentes: o hospedeiro (alvo do sinistro), o agente ou objecto (factor “agressivo”) e o meio
ou ambiente (local cujas características possibilitam a ocorrência do acidente).
Os factores causadores de acidentes residem no agente, no hospedeiro, e no meio ambiente. O
mecanismo de produção do acidente é o processo pelo qual os três componentes interagem
para produzir um resultado, o acidente (Gordon, 1949: 509).
Gordon (1949) afirma que qualquer programa público de prevenção de acidentes necessita da
colaboração de especialistas de várias áreas científicas e de organismos estatais. Western
(citado em Turner e Pidgeon, 1997: 29) refere que alguns autores no passado defendiam que
uma das principais críticas que podia ser apontada ao modelo epidemiológico dos acidentes
tinha por base a falta de unificação e consistência da informação sobre os acidentes. Por um
lado, estes autores preconizavam que a recolha de informação e a análise dos acidentes eram
“pobres”; por outro lado, defendiam que, devido à especialização das várias disciplinas
científicas, estas tendiam a analisar características muito distintas dos acidentes, tornando as
suas abordagens dificilmente comparáveis. Para além disso, ainda havia a crença de que todos
os acidentes eram diferentes, logo, não haveria fundamento para a sua comparação, ou seja,
não poderiam ser efetuadas previsões sobre eventuais acidentes no futuro recorrendo à
experiência do passado. Western rejeita toda esta argumentação com base no estudo sobre as
pré-condições dos acidentes, bem como, segundo a sua opinião, no falso apriorismo: “cada
acidente é diferente”.

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É verdade que o modelo epidemiológico dos acidentes, enquanto abordagem científica,
revelou inúmeras características dos acidentes (regularidades, catalogação dos riscos mais
comuns, ruptura com a ideia do acidente como infortúnio, etc.) que possibilitaram melhorar a
sua observação e compreensão, bem como redefinir a sua conceptualização. Alguns tipos de
acidentes deixaram de ser considerados como fruto do acaso e do aleatório (e por essa razão
imprevisíveis), para passarem a ser observados como eventos passíveis de prevenção. Este
facto deu origem àquilo que Green designou como a “profissionalização da prevenção dos
acidentes”, em meados do século XX. “Quando a investigação epidemiológica reconstruiu os
acidentes como um padrão ao nível populacional, em vez de infortúnios e disparates
individuais, a saúde pública identificou-o como um factor-chave. No final do século XX, o
acidental em si mesmo tornou -se num tema central, o último desafio para as tecnologias de
risco. Prever o imprevisível e tornar a aleatoriedade do infortúnio em algo passível de
prevenção, foi um sucesso notável para a epidemiologia” (Green, 1999, p. 37).
A perspectiva epidemiológica associada aos acidentes é vista, por alguns autores,
como uma resposta à insuficiente explicação dos acidentes por parte do modelo sequencialista,
particularmente nas suas primeiras versões determinísticas uni -causais. O contributo do
modelo epidemiológico tende a enfatizar a complexidade de alguns acidentes, nomeadamente a
interligação em rede de diversos factores que possibilitam a sua ocorrência, superando a ideia
simplista de sequência causal em série, ou seja, o modelo epidemiológico preconiza que os
acidentes resultam de uma constelação de riscos, em vez de causas únicas e aleatórias (Green,
1997, p. 101).
Na concepção epidemiológica a análise dos acidentes não deve apenas deter -se na procura
das causas simples e imediatas, deve deter -se, sobretudo, na articulação entre os agentes
patogénicos nocivos e as condições latentes, bem como a possível interacção complexa destes
diferentes factores. Nesta corrente os acidentes são considerados como eventos não totalmente
aleatórios, visto que uma abordagem epidemiológica pode demonstrar o mapeamento da sua
incidência.
Hollnagel (2004, p. 54 -55) preconiza quatro grandes diferenças entre o modelo sequencialista
e o modelo epidemiológico dos acidentes:
Desvios na performance: O modelo sequencialista começa por destacar o problema dos
acidentes a partir dos actos inseguros. Esta noção está fortemente conotada com o designado
“erro humano” (erros, lapsos e violações dos trabalhadores).
 Condições ambientais: O modelo epidemiológico considera que as condições
ambientais (características do meio onde decorre a situação/acção) podem conduzir ou
influenciar os desvios na performance. A importância das condições ambientais já foi
abordada anteriormente quando falamos sobre as causas não imediatas dos acidentes

11
(as raízes das causas), e esta questão veio abrir novas perspectivas para a análise dos
acidentes. As condições ambientais influenciam quer a tecnologia, quer os indivíduos.
Esta noção é mais alargada no modelo epidemiológico, onde estão incorporadas mais
dimensões, e mais estreita no modelo sequencialista, onde normalmente eram
consideradas apenas as condições de trabalho.
 Barreiras: As barreiras são mecanismos de protecção para inibir a ocorrência de
eventos e consequências inesperadas, sabendo que a sua principal função, neste
contexto, é prevenir ou evitar acidentes. As barreiras de protecção podem ser
colocadas em qualquer fase ou momento do processo (produtivo). Ao contrário
daquilo que era preconizado pelo modelo sequencialista, onde o acidente quase só
poderia ser evitado através da inibição dos actos inseguros (comportamentos e/ou
práticas humanas), o modelo epidemiológico defende que os acidentes podem ser
evitados em qualquer fase. As barreiras são conceptualizadas como dispositivos de
segurança que tanto podem proteger os erros humanos, como as falhas tecnológicas,
ou ainda outras condições latentes que possam “desviar” o sistema do seu normal
funcionamento.
 Condições latentes: O último aspeto apontado por Hollnagel (embora em alguns
momentos possa ser considerado o mais importante de todos) é designado por
condições latentes. Este conceito foi apresentado por Reason (1987; 1990; 1997),
apesar de na sua origem ter sido designado como falhas latentes. As condições latentes
podem contribuir fortemente para a ocorrência do acidente, embora não sejam vistas
como causas imediatas ou visíveis; pelo contrário são factores subjacentes,
“escondidos” e aparentemente com pouca relevância, mas que se encontram
incorporados no próprio sistema ou organização.

Erik Hollnagel (2004, p. 58) recupera de outros autores uma certa dose de ironia quando
afirma que o modelo epidemiológico dos acidentes não é uma perspectiva tão forte como a
sua própria analogia. Esta opinião é sustentada a partir da dificuldade que este modelo detém
em incorporar e especificar detalhes adicionais dos acidentes embora a noção metafórica de
patogenia permita caracterizar a “saúde” do sistema. Na sua essência qualquer modelo
epidemiológico de acidentes, particularmente na sua versão tradicional, é fortemente
dominado por modelos estatísticos de acidentes, ou seja, pretende aferir a frequência de
determinados eventos negativos. Porém, diversos autores criticam esta perspectiva, devido a
considerarem que as estatísticas de acidentes apenas mostram uma parte dos problemas de
12
segurança. “Os dados históricos sobre um determinado tipo de acidente, como por exemplo
um índice de lesões, fornecem informações sobre o nível de segurança. Mas não podemos
utilizar apenas um indicador, tal como o índice de lesões, para tirar conclusões sobre o
desenvolvimento do nível de segurança como um todo. O nível de segurança é mais do que o
número de lesões. Uma declaração sobre o nível de segurança apenas com base na observação
do índice de lesões tem pouca validade.

Os acidentes ocorrem através da combinação de factores (manifestos e/ou latentes)


coexistentes no tempo e no espaço. O modelo epidemiológico dos acidentes também foi, em
parte, adaptado para explicar os acidentes organizacionais. Reason sugeriu que as condições
latentes nos sistemas técnicos ou organizações com tecnologias complexas poderiam ser
vistas como algo análogo a agentes patogénicos no corpo humano, os quais seriam accionados
por factores locais/ambientais com capacidade para violar ou contornar o sistema imunitário
(as barreiras ou protecções) que por sua vez provocariam a doença (o acidente). Por si só os
designados agentes patogénicos não teriam capacidade para despoletar o acidente, visto
necessitarem que estejam criadas condições locais adequadas para eles poderem actuar.

Esta analogia foi designada pelo autor como a “metáfora do agente patogénico residente”,
onde está implícito que não existem sistemas completamente auto-imunes aos acidentes. Esta
metáfora enfatiza a presença de “agentes nocivos” dentro do sistema, antes mesmo de a
sequência do acidente ter tido o seu início. Tal como ao cancro ou às doenças
cardiovasculares não são atribuídas causas únicas, os acidentes organizacionais também não
surgem de causas (Aven, 2003, p. 11).

Singulares; pelo contrário derivam da articulação de condições diversas.


Multicausais. A noção de agente patogénico residente centra a sua atenção nos indicadores
da “morbilidade do sistema” que se encontram a montante do desastre em si mesmo Segundo
o próprio autor a metáfora do agente patogénico residente apresenta algumas características
interessantes, no entanto esta teoria necessita de ser aprofundada ou trabalhada, visto que
alguns termos ainda são vagos (Reason, 1990, p. 23).

2.3. A perspectiva da transferência de energia e das barreiras preventivas


A década de sessenta do século XX acabou por nos proporcionar um “salto qualitativo” na
abordagem aos acidentes. É neste período que emergem diversas correntes, as quais permitem
analisar os acidentes a partir de pontos de vista diversificados.
13
A libertação e respectiva propagação de um determinado tipo de energia, para poder causar
um acidente, deve ser superior àquela que o sujeito ou objecto (que pretendemos defender)
consegue suportar sem efeitos nocivos. É a partir daqui que o fenómeno dos acidentes passa a
estar associado às barreiras ou defesas.
O modelo da energia e das barreiras foi introduzido por Gibson (1961) e alguns dos seus
pressupostos foram seguidos por diversos autores, inclusive até aos dias de hoje.
De certo modo, podemos considerar as barreiras como algo que pretende parar a passagem de
alguém ou de alguma coisa (no sentido físico do termo). Porém, a utilização de barreiras na
vida quotidiana vai muito além deste sentido estritamente físico, pois actualmente é frequente
o recurso a barreiras simbólicas (a sinalização de trânsito é um bom exemplo deste tipo de
barreiras). Estas últimas requerem sempre uma dada interpretação para alcançarem o seu
propósito (Hollnagel, 2004, p. 33).
Neste sentido, Hollnagel (2004, p. 74) refere a pertinência de distinguir entre as
barreiras para “desviar” as consequências e as barreiras para minimizar certas consequências.
As características das barreiras são determinadas pela natureza do “objecto” que pretendem
proteger, bem como pelo tipo de energia que pretendem bloquear. Para além disso, as barreiras
só devem ser consideradas como uma entre várias medidas (possíveis) para prevenir os
acidentes e as lesões físicas, isto é, são um caminho para separar o alvo (a proteger) de um ou
vários perigos. Algumas versões do programa/método.
Segundo Hollnagel (2004, apud Scianni, 2013, p. 34), a eventual falha de uma ou mais
barreiras raramente pode ser vista como a causa principal dos acidentes. No entanto, as
barreiras podem ter funções distintas; por um lado, podem tentar evitar ou “impossibilitar” um
evento (barreiras preventivas); por outro lado, podem tentar suavizar, enfraquecer ou atenuar
os efeitos de um determinado evento (barreiras protectoras). As barreiras destinadas a
funcionar depois de iniciada uma situação específica servem como meio de protecção.

14
3. Conclusão
Os acidentes de trabalho são eventos que afectam não apenas a vida e a saúde dos
trabalhadores, mas também a sustentabilidade das empresas e a sociedade como um todo. Por
meio da análise das causas e das implicações desses acidentes, podemos perceber a
necessidade de investimentos contínuos em medidas de prevenção e segurança no ambiente
de trabalho. A conscientização e o comprometimento de todos os envolvidos são essenciais
para reduzir a incidência desses eventos indesejáveis e promover condições laborais mais
seguras e saudáveis. Além disso, a legislação desempenha um papel crucial ao estabelecer
directrizes e padrões que as empresas devem seguir para garantir a protecção dos
trabalhadores. A segurança no trabalho não deve ser vista como um custo, mas sim como um
investimento que resulta em benefícios tangíveis tanto para os indivíduos quanto para as
organizações. Ao adoptarmos uma abordagem proactiva na prevenção de acidentes, estamos
construindo um futuro mais seguro e sustentável para todos.

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Bibliografia
Aerosa , J., & Dwyer, T. (2013.). Acidentes de trabalho, uma abordagem sociológica.
Departamento de Química. (1986). Manual de Segurança para o Laboratório de Química.
São Paulo: UFSM.
Lapa, B. J. (2016). Manual De Segurança Em Laboratório De Química. Campus Bom Jesus
DaLapa.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. (2019). Manual De Regras Básicas De Segurança Dos
Laboratórios Do Departamento De Geologia. Florianópolis: Universidade Federal De
Química Geral e Inorgânica Experimental. (2006). Manual De Conduta Em Laboratório
E Normas De Segurança. São Paulo: UFPB – Universidade Federal da Paraíba.
Santa Catarina.
Scianni, V. (2013). Acidentes no Trabalho. São Paulo.

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