Você está na página 1de 4

Curso de Ciências Econômicas

Site: www.economia.lasalle.tche.br
Boletim de Análise da Conjuntura Sócio-Econômica
Publicação Trimestral – ano 1 – nº 3 e 4-2001

A Saída Argentina da Conversibilidade e o


Impacto no Brasil e no Mercosul*

ProfªBeky Moron de Macadar


Curso de Ciências Econômicas

A Lei de Emergência Econômica de janeiro de 2002 acabou com o regime


cambial argentino de conversibilidade, que vigorou por mais de uma década e que
mantinha uma paridade fixa entre o dólar e o peso na relação de um por um.
Diante da manutenção, pelo governo Duhalde do chamado “corralito”, que
restringe os saques nos bancos, da implantação da taxa de câmbio dupla e das
marchas e contramarchas a respeito do tratamento de ativos e passivos em dólar,
a comunidade internacional, os Estados Unidos, o Fundo Monetário Internacional
(FMI) e o Banco Mundial (BM) manifestaram seu descontentamento em relação à
propriedade de algumas medidas adotadas inicialmente.
A moratória da divida externa argentina de US$ 141 bilhões e a violação de
contratos em geral, ao estabelecer o corralito e a pesificação1 de ativos e
passivos em dólar, são medidas de difícil aceitação por parte de organismos
multilaterais de crédito (FMI e BM) e dos Estados Unidos, uma vez que desafiam a
governabilidade do capitalismo global. Entretanto, é importante lembrar que esses
mesmos atores foram coniventes com o governo Menem ao apoiar, inclusive com
pacotes de auxílio financeiro, a conversibilidade do peso argentino, quando já era
evidente a insustentabilidade da paridade fixa entre o peso e o dólar. Horst Köhler,
diretor-presidente do FMI, recentemente reconheceu não ter prestado suficiente
atenção aos desvios da política de Menem.
A partir de fevereiro, com a livre flutuação da taxa de câmbio decretada no
início do mês, foi removido um importante obstáculo para receber o apoio do FMI.
Além disso, há uma maior percepção por parte dos organismos multilaterais de
crédito de que o governo Duhalde enfrenta uma crise econômica e social de
grande envergadura e que negar o apoio externo pode trazer graves
conseqüências, tais como um descontrole da crise social, o risco de contagio para
outros países da América Latina e o aumento do protecionismo na região.
Por outro lado, alguns detalhes da estratégia econômica argentina
começaram a transparecer e fica claro que o governo Duhalde não é tão populista
como se imaginava inicialmente. Há previsão de ir retirando gradativamente o
controle sobre os bancos, o câmbio e o movimento de capitais. O governo
pretende imitar a estratégia econômica brasileira a partir da desvalorização do real
em janeiro de 1999 e, eventualmente, adotar o sistema de metas de inflação.
Ademais, busca coordenar sua política macroeconômica com a dos outros países-
membros do Mercosul e aposta no aumento da competitividade de seus produtos
nesse países e de suas commodities agrícolas nos mercados mundiais, graças à
desvalorização de sua moeda.
Como é sabido, o aval dos Estados Unidos é fundamental para receber
qualquer assistência adicional do FMI. Um fato elucidativo é a designação de um
alto funcionário do Departamento do Tesouro norte-americano para ajudar o
governo Bush a monitorar a economia argentina e facilitar a comunicação entre os
dois governos. A lista de exigências que os Estados Unidos espera ver cumpridas
antes da liberação de qualquer empréstimo é praticamente impossível de ser
atendida por um governo frágil, que herdou uma situação caótica do passado e
que não conta com a confiança da população. Inclui, dentre outras, a
reestruturação da dívida externa; o compromisso de que o governo argentino
recapitalize os bancos de modo que os empréstimos ao setor privado sejam
retomados; a instauração de um sistema tributário que estimule o
desenvolvimento; a adoção de uma política monetária transparente que controle a
inflação; a definição de uma distribuição “realista” de receitas entre o governo
federal e as províncias; um orçamento para 2002 que inspire confiança.
Contudo, diante do risco de ressurgimento do protecionismo na América do
Sul, a partir da crise argentina, as instituições multilaterais de crédito e os Estados
Unidos poderão relaxar algumas das exigências para a concessão do apoio
financeiro de modo a não prejudicar ainda mais as negociações da ALCA. A União
Européia , por sua vez, tenta antecipar algumas medidas facilitadoras do comércio
entre o Mercosul e a Europa, a fim de contribuir para a recuperação da Argentina
e estreitar os vínculos com a região.
Já o Banco Interamericano de Desen-volvimento (BID) declarou que, desde
que um acordo seja assinado entre a Argentina e o FMI, ele entrará em ação com
a máxima cooperação possível. Uma das propostas mais promissoras é o projeto
de ampliar o Convênio de Crédito Recíproco (CCR)2 para que seja restabelecido,
rapidamente, o intercâmbio da Argentina com os seus parceiros do Mercosul e da
América do Sul. O CCR cobria apenas 10% das trocas regionais no ano de 2000 e
a ampliação do crédito deverá facilitar uma maior aproximação do Mercosul com a
Comunidade Andina de Nações (CAN)3 . A iniciativa do BID também contribui
para evitar medidas protecionistas que poderiam ser adotadas por países que
passam por dificuldades cambiais.
A influência da alteração do regime cambial argentino e das subseqüentes
restrições ao movimento de capitais já estão sendo sentidas no Brasil. Em
primeiro lugar, exportadores brasileiros ficaram sem receber o pagamento por
mercadorias já enviadas a importadores argentinos, estimando-se em US$ 400
milhões o valor total dos atrasados. Essa situação acaba afetando aquelas
pequenas e médias empresas que aproveitaram o início do Mercosul para realizar
suas primeiras experiências exportadoras no mercado internacional via Argentina.
Segundo, nos próximos meses haverá uma redução das exportações brasileiras
para a Argentina, não só em função do agravamento da recessão nesse país,
mas, também, pela perda de competitividade de alguns produtos face à
desvalorização da moeda argentina. Terceiro, a redução do fluxo de turistas
argentinos no Brasil está afetando os setores mais voltados ao turismo, tais como
a hotelaria, o transporte de passageiros e os serviços de alimentação nos locais
mais visados pelos turistas argentinos.
Por outra parte, a recuperação da parceria estratégica Brasil-Argentina parece
estar sendo confirmada, dadas as declarações do Presidente Duhalde quanto à
importância do relacionamento com o Mercosul. É previsível, portanto, uma
redução dos atritos comerciais e, a médio prazo, uma retomada dos fluxos
comerciais. O Brasil tem sido um dos países que mais apoio vem demonstrando
ao país vizinho, buscando soluções para a falta de crédito ao comércio exterior
argentino e acenando com concessões excepcionais à Argentina nas regras
comerciais do Mercosul, a fim de favorecer a retomada do crescimento desse
país. Algumas medidas unilaterais que, no passado, criaram tensões no Mercosul
serão revistas ou revogadas. As distorções no comércio decorrentes de políticas
cambiais, fiscais e monetárias divergentes poderão ser mais facilmente
neutralizadas, propiciando a coordenação das políticas macroeconômicas. Em um
primeiro momento, existe vontade política para a revisão do acordo automotivo e
para a eliminação de restrições comerciais ao Mercosul, além de manifestações
políticas coletivas de apoio à Argentina.
Algumas propostas já estão sendo feitas para mudar a dinâmica do Mercosul
e avançar no processo de aprofundamento e consolidação do bloco, tais como: (1)
criar o Instituto Monetário do Mercosul para produzir estudos e propostas para a
coordenação macroeconômica do bloco e para avaliar a criação de uma moeda
comum; (2) fortalecer a estrutura institucional; (3) buscar integrar efetivamente
cadeias produtivas para torná-las competitivas em relação ao resto do mundo; (4)
enfrentar juntos, com disciplinas comuns, as complexas negociações comerciais
internacionais pela frente, na OMC, na ALCA, no “4 + 1”4 , na ALADI e com a
União Européia.
O interesse brasileiro não é fortuito. Decorre da prioridade estratégica dada
ao Mercosul e à Argentina, em particular, para enfrentar juntos as negociações
comerciais que atingem os interesses da região, particularmente, as barreiras
protecionistas aos produtos agrícolas nos países desenvolvidos, buscando uma
melhor inserção na economia internacional. Além disso, no curto e no médio
prazos, se busca a retomada do comércio bilateral, que já foi bem superior aos
valores atuais. A Argentina foi o destino de 13,2% das exportações brasileiras
totais em 1998, enquanto no ano 2001 esse percentual não passou de 8,6%.
Representa uma redução em valor de US$ 1,7 bilhão. Considerando o conjunto
dos países do Mercosul, a redução foi de US$ 2,5 bilhões, montante nada
desprezível visto que exportar se tornou uma prioridade nacional.
Para concluir, não obstante os primeiros dias de flutuação da taxa de câmbio
não mostraram uma disparada da cotação do dólar. Deve-se levar em conta que
há uma escassez de liquidez no mercado argentino e que, portanto, as cotações
ainda não refletem a desconfiança da população quanto à efetividade da atual
política econômica e o desejo de manter seus recursos em moeda estrangeira.
Os próximos meses serão o verdadeiro teste do governo Duhalde e de sua
capacidade de manter o controle da situação. Mesmo se um pacote de
“blindagem” financeira for proporcionado pelo FMI junto com outros organismos
multilaterais, o ambiente recessivo na Argentina deverá continuar por um período
razoável de tempo, possivelmente com indícios de revitalização econômica
apenas na segunda metade do ano.

Você também pode gostar