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DOI: 10.17648/acta.scientiae.7152
Recebido para publicação 30 abr. 2022. Aceito após revisão 16 set. 2022
Editora designada: Marília Rios de Paula
RESUMO
Contexto: a pertinência de possibilitar aos estudantes iniciantes de cursos de
Engenharia que, já nas disciplinas iniciais da área de Matemática, resolvam problemas
diretamente relacionados às suas futuras atuações profissionais, implica na necessidade
de elaborar tais problemas, implementá-los e analisar suas potencialidades em termos
da construção e aplicação de conhecimentos matemáticos em diferentes contextos.
Objetivos: neste artigo, analisamos, as disfunções cognitivas evidenciadas pelos
estudantes durante o processo de resolução de um problema articulando as funções reais
de uma variável real ao estudo da curva característica de um diodo semicondutor,
conteúdo, vinculado à Eletrônica Analógica. Design: a investigação realizada, de
natureza qualitativa, caracteriza-se como uma pesquisa de campo, do tipo exploratória-
descritiva combinada. Ambiente e participantes: os sujeitos da pesquisa, sete
estudantes do primeiro semestre de um curso de Engenharia, ofertado por uma
instituição privada do Estado de São Paulo, com interesse em seguir a habilitação
Controle e Automação, participaram voluntariamente do estudo. Coleta e análise de
dados: foram realizados três encontros síncronos na modalidade remota e para a coleta
de dados recorremos a gravações em áudio e vídeo das discussões realizadas e às
produções escritas dos estudantes em tais momentos. Neste artigo, apresentamos as
análises relativas ao primeiro encontro. Resultados: evidenciamos, entre outros
aspectos, disfunções cognitivas que podem levar a entraves na transposição de
conhecimentos matemáticos para contextos extra matemáticos. Conclusões: os
resultados obtidos possibilitam, futuramente, o planejamento de mediações adequadas
para que o professor possa auxiliar os estudantes a converter as disfunções identificadas
em funções cognitivas suficientemente desenvolvidas.
__________________
Autor correspondente: e-mail: gllima@pucsp.br
ABSTRACT
Context: The relevance of enabling beginning students of Engineering courses
to solve problems directly related to their future professional activities, already in the
initial disciplines of Mathematics, implies the need to elaborate such problems,
implement them and analyze their potential in terms of construction and application of
mathematical knowledge in different contexts. Objectives: In this article, we analyze,
the cognitive dysfunctions evidenced by the students during the process of solving a
problem articulating the real functions of a real variable to the study of the characteristic
curve of a semiconductor diode, content, linked to the Analogical Electronics. Design:
The investigation carried out, of qualitative nature, is characterized as field research, of
exploratory-descriptive combined type. Environment and participants: the research
subjects, seven students of the first semester of an Engineering course, offered by a
private institution in the State of São Paulo, with interest in following the Control and
Automation qualification, participated voluntarily in the study. Data collection and
analysis: three synchronous meetings were held in remote modality and for data
collection we used audio and video recordings of the discussions and the written
productions of the students in such moments. In this article, we present the analysis of
the first meeting. Results: we evidenced, among other aspects, cognitive dysfunctions
that can lead to obstacles in the transposition of mathematical knowledge to extra-
mathematical contexts. Conclusions: the results obtained allow, in the future, the
planning of adequate mediations so that the teacher can help the students to convert the
identified dysfunctions into sufficiently developed cognitive functions.
Keywords: articulation of Mathematics with Engineering; Theory of
Mathematics in the Context of Sciences; Cognitive Phase; Theory of Structural
Cognitive Modifiability; cognitive dysfunctions.
INTRODUÇÃO E PROBLEMÁTICA
A importância de oportunizar aos estudantes dos cursos de Engenharia
que, desde seus ingressos na graduação, vivenciem a resolução de problemas
diretamente relacionados às suas áreas de interesse ou futuras atuações
profissionais têm sido debatida, nacionalmente e internacionalmente, por
professores, pesquisadores e até mesmo pelos estudantes, que clamam por uma
abordagem segundo esta orientação nas disciplinas que fazem parte de seus
REFERENCIAIS TEÓRICOS
O evento contextualizado em estudo neste artigo foi elaborado
conforme os procedimentos estabelecidos na TMCC, referencial apresentado a
seguir.
Figura 1
Interações entre as fases da TMCC (Camarena, 2021, p. 89)
Figura 3
A Transposição Contextualizada (inspirado em Camarena, 2021)
Figura 4
Modelo da Experiência de Aprendizagem Mediada (Feuerstein, Feuerstein &
Falik, 2014, p. 65)
Capacidade para utilizar diferentes fontes Inabilidade para relacionar e considerar duas ou
7. Organização da de informação, estabelecer relações entre mais fontes de informações ao mesmo tempo,
informação objetos e eventos, encontrar coerência ou levando em consideração somente uma das
incoerência entre diferentes informações. diversas alternativas ou dimensões.
21. Regras verbais Capacidade de usar, gerenciar e deduzir Falta de vocabulário, conceitos e operações
para comunicar regras verbais para a solução do mentais para comunicar soluções e respostas
respostas problema. corretas.
22. Elaboração e
desinibição da Capacidade para expressar a resposta de Bloqueio que leva o sujeito a não emitir nenhuma
comunicação da forma rápida, correta e sistêmica. resposta.
resposta
24. Precisão e Capacidade para pensar e expressar a Imprecisão que leva o sujeito a não responder de
exatidão nas resposta correta a um problema ou forma clara, à inflexibilidade e à falta de fluidez
respostas situação geral de aprendizagem. verbal.
METODOLOGIA
Os dados apresentados e analisados neste artigo são partes daqueles
obtidos por meio de uma pesquisa de campo, de natureza qualitativa, que, na
acepção de Lakatos e Marconi (2021), caracteriza-se como exploratória-
descritiva combinada, que, de maneira global, teve por objetivo analisar, sob
diferentes perspectivas, os resultados obtidos por meio do trabalho de um
Figura 8
O evento contextualizado proposto aos estudantes (Gomes, Bianchini &
Lima, 2021a, p. 708)
Evento Contextualizado: Um diodo, assim como os demais componentes eletrônicos, precisa de certo
tempo para passar do seu estado de condução para não condução; é o chamado tempo de recuperação do
diodo. Muitas aplicações práticas exigem diodos que “se recuperem” com facilidade, isto é, que passem no
mínimo intervalo de tempo possível do estado de condução para não condução. Um dos diodos de silício
com essa característica é o 1N4148, um dos mais empregados na eletrônica e que possui tempo de
recuperação de 4 nA. O Datasheet do diodo 1N4148 no qual são destacadas as características elétricas deste
dispositivo pode ser acessado em https://pdf1.alldatasheet.com/datasheet-
pdf/view/551820/WINNERJOIN/1N4148.html.
Considere esse diodo 1N4148 submetido a uma corrente de 30 mA e determine a queda de tensão
direta através dele e os valores aproximados de suas correntes de saturação nas seguintes
temperaturas: – 𝟒𝟓°𝑪, 𝟓𝟎°𝑪 e 𝟏𝟐𝟓°𝑪.
Por meio do estudo de conceitos relacionados à Física do Estado Sólido, demonstra-se que as características
gerais de um diodo semicondutor podem ser relacionadas, para as regiões de polarização direta e reversa,
𝑉𝐹
por uma equação chamada equação de Shockley: 𝐼𝐹 = 𝐼𝑅 𝑒 𝑛 𝑉 𝑇 − 1 . Nesta equação, 𝐼𝐹 representa a
corrente direta que passa pelo diodo, 𝐼𝑅 representa a corrente de saturação reversa, 𝑉𝐹 representa a tensão
de polarização direta aplicada ao diodo, 𝑛: representa um fator de idealidade, que depende das condições
de operação e de construção física do diodo e 𝑉𝑇 representa a tensão térmica, definida por:
𝑘𝑇𝐾
𝑉𝑇 = em que 𝑘 é a constante de Boltzmann cujo valor é 1,38 × 10−23 J/K, 𝑇𝐾 é a temperatura absoluta
𝑞
em Kelvin, que é dada pela adição entre 273 e a medida da temperatura em graus Celsius, 𝑞 é a magnitude
da carga elétrica elementar, que é dada por 1,6 × 10−19 𝐶.
1
Para maiores detalhes acerca da organização didática do evento, acesso à atividade de
preparação prévia, às questões norteadoras e às suas respostas, consultar:
https://drive.google.com/file/d/1KEHPeUYPzxbRLNU5xBafvkU16ZXKKr65/view
?usp=sharing
Figura 9
Questões norteadoras do 1o encontro (Lima, Bianchini & Gomes, 2021, p.
184)
RESULTADOS E ANÁLISES
Ao receber as primeiras três questões norteadoras, os dois grupos com
os quais estávamos trabalhando manifestaram um comportamento bastante
diferente perante o ato mental realizar uma primeira análise do que havia sido
proposto, conforme indicam as Figuras 10 e 11. A nosso ver, esse fato deve
ser ressaltado também em razão da maneira como os grupos foram compostos.
Em ambos buscamos contemplar a diversidade de estilos de aprendizagem para,
além de outras questões, trabalharmos com grupos mais homogêneos. Embora
esse aspecto não seja analisado neste artigo, é relevante destacar que não houve
essa homogeneidade.
Em G1, logo ao receber os enunciados das questões, um dos estudantes
(A1G1) rapidamente e sem qualquer intervenção dos pesquisadores ou dos
outros colegas afirmou: a equação de Shockley é a mesma do problema (do
evento contextualizado que havia sido proposto).
Os integrantes de G2, por sua vez, passaram praticamente dois minutos
em silêncio e sequer perceberam, ou ao menos evidenciaram tal percepção, que
a equação de Shockley havia sido dada no enunciado do evento
contextualizado, com explicações acerca de cada um dos elementos nela
envolvidos. O pesquisador precisou chamar atenção para este fato e, então, após
esta intervenção, um dos estudantes (A1G2) manifesta-se dizendo:
na questão 1, eu acho que a equação de Shockley é uma
relação funcional, mas não sei por que direito. Acho que aqui
na (questão) 2 se é função de alguma variável, é função da
temperatura porque o resto é constante na equação da tensão.
Mas não tenho certeza.
ENTRADA
ELABORAÇÃO
Percepção clara
Seleção da informação relevante
Exploração sistemática
Amplitude e flexibiidade mental
Habilidade linguística
Planejamento da conduta
Orientação temporal
Conduta comparativa
Precisão e exatidão na coleta da informação
Resposta dada
pelo estudante
SAIDA
Comunicação explícita
Elaboração e desinibição na comunicação da resposta A1G1: a equação de Shockley é a mesma do problema
Precisão e exatidão na resposta
Controle da resposta
A impulsividade manifestada é do tipo epistêmica, isto é, falta de atenção ao incorporar dados, na solução
do problema, com os quais já havia se deparado, o que evidencia também uma falta de orientação
temporal (inabilidade em estabelecer relações com situações já enfrentadas no passado) e uma
irreversibilidade ou rigidez do pensamento (traduzida pela inabilidade em observar a conservação da
invariabilidade de um objeto, no caso a noção de variável independente). A impulsividade está também
associada à imprecisão na coleta da informação: estávamos fazendo referência à variável independente
no contexto de função e não ao termo independente associado à equação de uma reta, por exemplo. Além
disso, o termo independente não foi interpretado da maneira correta levando em conta o contexto
(inabilidade linguística). A impulsividade o impossibilitou também de realizar um processo sistemático
de reflexão acerca das informações dadas a respeito do n no enunciado do problema.
ELABORAÇÃO
Percepção episódica da realidade
Estreitamento ou limitação do campo mental
Inabilidade na conduta comparativa
Inabilidade em selecionar a informação relevante
A inabilidade de projetar relações virtuais evidencia-se pela dificuldade de o estudante projetar na nova
situação, do contexto da Eletrônica Analógica, algo que já estudou em Matemática. A ausência de
controle da resposta está diretamente explicitada pelas respostas por ensaio-erro dadas pelo estudante,
que primeiramente responde ser -1 a variável independente e logo em seguida afirma ser 𝑛 tal variável.
RESPOSTA
A1G1: A variável independente seria esse -1?
A1G1: Agora, acho que a independente é 𝑛 porque parece que é o único que não está relacionando com
os outros.
A1G1: O 𝑛. As outras são todas as quais se relacionam uns com os outros.
A percepção obscura acerca do objeto função está diretamente associada ao não entendimento de
palavras e conceitos, uma vez que não se levou em conta que o termo estava sendo abordado no contexto
matemático. O estudante deveria ter percebido que as palavras presentes nos resultados da pesquisa que
realizou na Web não estavam relacionadas à ideia matemática de função. Ao invés de explorar a situação
dada de forma sistemática, o estudante realizou uma busca no Google, de maneira impulsiva e sem
critério. A irreversibilidade ou rigidez do pensamento traduz-se em uma percepção episódica da
realidade e uma falta de orientação temporal que dificultam o estabelecimento de relação entre os objetos
e entre a situação atual e outras com as quais o estudante já se deparou. A inabilidade na organização da
informação e a imprecisão na coleta dos dados evidenciam-se pelo fato de o estudante recorrer ao
Google, mas considerar uma única fonte dentre as obtidas em sua busca, sendo que esta não tratava do
contexto matemático. E mesmo assim o estudante não percebeu este equívoco e nem a inadequação do
resultado obtido, que ele próprio manifestou não entender.
ELABORAÇÃO
Inabilidade para perceber um problema e defini-lo
Inabilidade para selecionar a informação relevante
Estreitamento ou limitação do campo mental
Inabilidade na conduta de planejamento
Inabilidade na organização e estruturação perceptiva
Inabilidade na conduta comparativa
Inabilidade no raciocínio hipotético
Inabilidade no raciocínio lógico
Inabilidade na elaboração de categorias cognitivas
A dificuldade do estudante em perceber e definir o problema ao qual deveria responder parece ser
decorrente do fato de a definição de função encontrada em sua busca não ter sentido para ele. A
inabilidade para selecionar a informação relevante manifestou-se a partir da postura assumida pelo
estudante: receptor passivo de uma informação inadequada ao contexto que foi por ele buscada na Web,
revelando também, estreitamento ou limitação do campo mental, ratificado pela inabilidade em processar
diferentes fontes de informação. As inabilidades na conduta de planejamento e na organização e
estruturação perceptiva revelam-se pela dificuldade de o estudante organizar os dados na direção mais
adequada e por suas respostas aos estímulos de maneira episódica e fragmentada, evidenciando
inabilidade em estabelecer relações de semelhança e diferença entre objetos (no caso o objeto função na
Matemática e a noção de função no campo em que se inseria o resultado da busca realizada na Web). O
estudante assume por hipótese a definição encontrada em sua busca, mas não se mostra apto para explicá-
la, argumentar a respeito dela, além de não perceber suas incongruências em relação ao contexto
matemático. O estudante manifesta ainda a inabilidade de perceber as características que permitem
classificar um objeto como sendo ou não pertencente à categoria cognitiva função.
SAÍDA
Comunicação egocêntrica
Falta de vocabulário, conceitos e operações mentais para comunicar respostas corretas
Desinibição para comunicar a resposta
Imprecisão na resposta
Impulsividade
Ainda que de maneira desinibida, o estudante apresenta, de forma impulsiva, imprecisa e sem qualquer
senso crítico uma resposta que nem mesmo ele compreende (algo além da comunicação egocêntrica, na
realidade), o que evidencia uma falta de vocabulário e de domínio do conceito matemático função.
RESPOSTA
A3G2: Eu pesquisei aqui: é a relação entre a resposta e a consequência.
A3G2: Não, ela é indicada pela condição antecedente. Mas eu não entendi o que seria essa condição
antecedente.
A percepção obscura revela-se pela maneira imprecisa com que o estudante evidencia compreender o
objeto matemático função. Ainda assim, explorou sistematicamente a situação, embora o tenha feito de
forma equivocada pela fragilidade de seu conhecimento em relação à noção de função. Nesta exploração,
buscou, inclusive, dar exemplo a partir do que estava afirmando. As inabilidades linguísticas dizem
respeito à dificuldade de utilizar com precisão e entender adequadamente o conceito de função. Da
mesma forma, apesar de equívocos oriundos de uma compreensão equivocada da definição de função, o
estudante manifesta habilidade em organizar a informação, percebê-la e coletá-la de maneira exata.
ELABORAÇÃO
Percepção e definição de um problema
Seleção da informação relevante
Interiorização e representação mental
Amplitude e flexibilidade mental
Planificação da conduta
Organização e estruturação perceptiva
Conduta comparativa
Pensamento hipotético
Evidência lógica
Inabilidade na elaboração de categorias cognitivas
Embora o estudante tenha se equivocado por conta da não compreensão do objeto matemático em foco,
mobilizou nesta fase, eficientemente, uma série de funções cognitivas. Uma das possíveis causas para
que o resultado de suas mobilizações não tenha sido bem-sucedido é a evidenciada inabilidade de
elaboração de categorias cognitivas (no caso, quais relações matemáticas podem ser inseridas na
categoria cognitiva função).
SAÍDA
Comunicação explícita
Regras verbais para comunicar a resposta
Elaboração e desinibição na comunicação da resposta
Precisão e exatidão na resposta
Controle da resposta
Embora não conceba adequadamente a ideia de função, o estudante busca se fazer entender, por meio de
comunicação explícita com os colegas e o pesquisador, empregando eficientemente regras verbais para
comunicar a resposta. Além disso, embora inegavelmente o estudante tenha uma compreensão
equivocada acerca do que é uma relação funcional, sob a ótica de seu entendimento, a resposta foi
elaborada e comunicada de forma precisa e sem qualquer inibição. Da mesma forma, a resposta não foi
impulsiva, foi bem refletida, apesar de equivocada.
RESPOSTA
A2G2: Não necessariamente único; um 𝑥 específico pode ter outros 𝑦, tipo dado um valor de 𝑥 podemos
ter mais de um valor de 𝑦. Por exemplo, a função 𝑦 = 𝑥 2 . Para o mesmo 𝑥 temos dois valores.
A impulsividade do estudante, que pode ser classificada como epistêmica, manifesta-se ao responder
que a tensão térmica é também função da carga do elétron. Certamente, o estudante já havia trabalhado
com o fato de a carga do elétron ser constante em situações estudadas no Ensino Médio nas disciplinas
de Física. Nota-se, no entanto que ele não se atentou, adequadamente, para incorporar esta informação
neste contexto da tensão térmica, revelando também uma falta de orientação temporal, traduzida pela
inabilidade de estabelecer relações entre situações já vivenciadas em seus estudos e esta inerente à
questão com a qual estava trabalhando. Percebe-se ainda uma imprecisão na coleta da informação, uma
vez que parece que o estudante ao se deparar com uma “letra” em uma expressão matemática (no caso
𝑞) já a associa diretamente a uma variável.
ELABORAÇÃO
Inabilidade para selecionar a informação relevante
Estreitamento ou limitação do campo mental
Percepção episódica
Inabilidade na conduta comparativa
Inabilidade na elaboração de categorias cognitivas
A inabilidade para selecionar a informação relevante evidencia-se por meio do fato de o estudante não
estabelecer comparações e relações entre esta situação e outras com que já trabalhou nas quais a
magnitude 𝑞 da carga elétrica elementar se fazia presente. O estreitamento ou limitação do campo mental
está relacionado à dificuldade em lidar simultaneamente com itens de informação externos (no caso, a
expressão que possibilita determinar a tensão térmica) com outros que devem ser buscados na memória
(o significado da magnitude da carga elétrica elementar 𝑞). Atrelada a estes dois elementos anteriormente
indicados, está a percepção episódica, evidenciada, no caso, pela dificuldade por parte do estudante em
estabelecer relações entre o 𝑞, presente na expressão que representa a tensão térmica, e o significado da
magnitude da carga elétrica elementar 𝑞 em outras situações. Da mesma forma, a inabilidade na conduta
comparativa torna-se explícita na medida em que o estudante não busca um significado, em termos do
contexto que está sendo considerado para as “letras” presentes na expressão que representa a tensão
térmica. O estudante evidencia não compreender se a magnitude da carga elétrica elementar 𝑞 deve ser
incluída na categoria cognitiva das constantes físicas ou das variáveis matemáticas.
SAÍDA
Comunicação explícita
Regras verbais para comunicar a resposta
Desinibição na comunicação da resposta
Impulsividade
Embora não compreenda que 𝑞 é uma constante e não uma variável, o estudante busca se fazer entender,
por meio de comunicação explícita com os colegas e o pesquisador, empregando, eficientemente, regras
verbais para comunicar a resposta. Além disso, embora inegavelmente não compreenda o significado de
𝑞 no contexto do problema, o que o impossibilita de responder de maneira precisa, a resposta, apesar de
impulsiva e sem comportamento regulatório, foi comunicada sem qualquer inibição.
RESPOSTA
A2G1: Mas acho que depende também da magnitude da carga (q).
A percepção obscura associada a uma impulsividade, do tipo epistêmica, perante a situação e a falta de
orientação temporal revelam-se por meio da não incorporação neste contexto, por parte dos estudantes
A1G1 e A3G1, dos conhecimentos que estavam habituados a mobilizar ao trabalhar com representações
algébricas mais usuais, conforme aparecem nas aulas de Matemática, de funções polinomiais de 1º grau,
nas quais, possivelmente conseguiam identificar o valor do coeficiente angular. Estes elementos podem
também estar relacionados, em nosso entendimento, a uma irreversibilidade ou rigidez do pensamento,
relativa a não percepção da estabilidade de determinado objeto apesar de transformações em outros
atributos, no caso a representação algébrica de uma função polinomial de 1º grau e as informações
presentes em tal representação. Nota-se ainda, uma imprecisão na coleta e uma inabilidade na
organização da informação que dificulta ao sujeito utilizar todas as que têm em mãos para responder ao
que se pede.
ELABORAÇÃO
Inabilidade para perceber e definir um problema
Inabilidade para selecionar a informação relevante
Estreitamento ou limitação do campo mental
Inabilidade em planejar a conduta
Percepção episódica
Inabilidade na conduta comparativa
Ausência de evidência lógica
A inabilidade para perceber e definir o problema, associada à inabilidade para selecionar a informação
relevante e ao estreitamento ou limitação do campo mental, explicita-se pela dificuldade de os dois
estudantes, a partir das informações disponíveis nos enunciados do evento contextualizado e da questão
2, refletirem e combinarem tais informações de forma a identificar qual é o coeficiente angular da reta
que representa graficamente a função tensão térmica e, consequentemente, qual é a inclinação desta reta.
Os estudantes revelam uma não interiorização acerca de como obter, a partir da representação algébrica
de uma função, o coeficiente angular da reta que a representa graficamente, que os levam a um não
planejamento da conduta. Seus conhecimentos acerca da ideia de coeficiente angular e de representação
algébrica de uma função revelam-se episódicos e fragmentados, o que reflete em inabilidades na conduta
comparativa e na ausência de evidência lógica, que pode ser percebida pela manifestação de A3G1 acerca
da não importância da inclinação da reta que estava sendo esboçada.
SAÍDA
Comunicação egocêntrica
Regras verbais para comunicar respostas
Desinibição na comunicação da resposta
Imprecisão e inexatidão na resposta
Inabilidade no transporte visual
Impulsividade
A comunicação egocêntrica revela-se quando A3G1 afirma: “acho que não importa a inclinação não;
não há problema se não colocarmos nenhuma”, mas não explica sua resposta. No entanto, apesar deste
aspecto, apresenta sua resposta de maneira desinibida, embora imprecisa e inexata. Explicita-se uma
incapacidade no transporte visual, evidenciada pelo fato de os estudantes não se atentarem às
informações dadas que eram relevantes para que pudessem identificar o coeficiente angular da reta que
seria traçada e uma impulsividade na resposta, indicada pela ausência de autocontrole quando A3G1
responde à A1G1 de maneira bastante vaga.
RESPOSTA
A1G1: (recorrendo à ferramenta de desenho do Word) é só colocar uma linha reta aqui?
A3G1: Sim, é só uma linha reta; acho que não importa a inclinação não; não há problema se não
colocarmos nenhuma.
A1G1: (traça uma reta inclinada e questiona) é assim mesmo ou traço uma reta paralela ao eixo
horizontal?
A3G1: Não, uma reta que sai do zero mesmo.
Apesar dos entraves enfrentados pelos estudantes em razão de optarem por empregar outras variáveis ao
invés de trabalhar com aquelas que estavam presentes na expressão representando a tensão térmica,
pudemos detectar uma percepção clara, uma exploração sistemática da situação, habilidades linguísticas
e organização da informação. Uma falta de orientação temporal evidencia-se quando A2G2 não associa
o termo graus à uma medida de temperatura na escala Celsius. A irreversibilidade ou rigidez do
pensamento revela-se quando os estudantes enfrentam dificuldade para compreender como inserir a
expressão algébrica da função, especialmente a variável independente, no campo de entrada do
GeoGebra e, por fim, a imprecisão na coleta da informação torna-se clara ao não considerarem o fato de
que, se quisessem trabalhar com a temperatura diretamente em Kelvin, precisariam adicionar 273 à
temperatura em graus Celsius.
ELABORAÇÃO
Percepção e definição de um problema
Inabilidade para selecionar a informação relevante
Estreitamento ou limitação do campo mental
Planejamento da conduta
Percepção episódica
Inabilidade na conduta comparativa
Pensamento hipotético
Evidência lógica
A inabilidade para selecionar a informação relevante explicita-se apenas quando os estudantes deveriam
identificar como denotar o argumento da função tensão térmica dependendo da escala a ser assumida
para medir as temperaturas e não o fazem. O estreitamento ou limitação do campo mental também se
evidencia neste mesmo momento. A percepção episódica da realidade, associada a uma inabilidade na
conduta comparativa, revela-se no momento em que os estudantes não associam o termo graus à uma
medida de temperatura na escala Celsius, ideia com a qual já trabalharam em diferentes momentos
anteriores de seus processos formativos. Por fim, ressalta-se que os estudantes classificaram
corretamente a função tensão térmica na categoria cognitiva função linear.
SAÍDA
Comunicação explícita
Inabilidade na projeção de relações virtuais
Regras verbais para comunicar respostas
Elaboração e desinibição na comunicação da resposta
Precisão e exatidão na resposta
Controle das respostas
RESPOSTA
A2G2: Como conseguiremos colocar o 𝑇𝑘 na parte do 𝑥?
A3G2: Não! É só colocar os números já.
A2G2: Então vamos transformar o 𝑇𝑘 em um número?
Pesquisador: Quem é o 𝑇𝑘 ?
1,38×10 −23 ∙𝑥
A1G2: 𝑥 ... 𝑦 = 1,38 × 10−23 ∙ 𝑥 … agora é só dividir por 𝑞, que é 1,6 × 10−19 ... 𝑦 =
1,6×10 −19
Pesquisador: Suponha, por exemplo, que o diodo irá operar em 25 graus.
A2G2: 25 Kelvin?
Pesquisador: Não! Eu estou considerando 25℃.
A2G2: Ah, 25 mais 273. Então precisa ser 𝑥 + 273 na expressão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados apresentados e analisados indicam, entre outros aspectos,
disfunções cognitivas que influenciam significativamente na habilidade de
realizar a Transposição Contextualizada (Camarena, 2013; 2021).
Na fase de entrada, evidenciam-se: falta de orientação temporal
(identificada, sobretudo, pela inabilidade dos estudantes em estabelecer
relações, em contextos extra matemáticos, com situações matemáticas já
enfrentadas em suas trajetórias escolares); irreversibilidade ou rigidez do
pensamento (traduzida pela percepção episódica da realidade e pela inabilidade
em observar a conservação da invariabilidade de um objeto matemático, apesar
das possibilidades de variações de alguns de seus atributos e dimensões,
variações estas decorrentes de suas inserções em contextos não puramente
matemáticos); e a imprecisão na coleta de informações (relacionada a
compreensões equivocadas acerca de objetos matemáticos que tornam-se ainda
mais evidentes no momento em que conhecimentos a eles atrelados precisam
ser mobilizados em situações extra matemáticas).
Na fase de elaboração, por sua vez, destacam-se: a percepção episódica
da realidade (evidenciada nos momentos em que os estudantes enfrentam
dificuldades para transpor, para um contexto mais amplo e não puramente
matemático, conteúdos com os quais já haviam trabalhado); o estreitamento ou
limitação do campo mental (que se torna explícito nos entraves enfrentados
pelos alunos ao necessitarem trabalhar com informações explicitamente
apresentadas simultaneamente a outras, especialmente aquelas relativas a
conteúdos matemáticos, que deveriam recuperar em suas memórias);
inabilidade na conduta comparativa e consequente respostas aos estímulos de
maneira episódica e fragmentada (evidenciada pelo não estabelecimento de
comparações entre noções que, em contextos diferentes – matemáticos ou extra
matemáticos – adquirem significados distintos, pela não percepção das
possíveis incongruências em relação a tais significados e por não buscar os
significados específicos, no contexto considerado, para alguma noção com a
qual precisam trabalhar no processo de resolução de um problema); e
inabilidade em identificar as características que permitem classificar um objeto
matemático, estando ele inserido em um contexto intra ou extra matemático,
como sendo ou não pertencente a uma determinada categoria cognitiva.
REFERÊNCIAS
Boylestad, R. L., Nashelsky, L. (2013). Dispositivos Eletrônicos e Teoria dos
Circuitos. Pearson.
Brasil. Resolução CNE/CES n. 2/2019, de 23 de abril de 2019. Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Engenharia.
https://bityli.com/1pxvh
Camarena, P. (2002). Metodología curricular para las ciencias básicas en
ingeniería. Revista Innovación Educativa, 2(10), 22-28.
Camarena, P. (2013). A treita anõs de la teoria educativa “Matemática en el
Contexto de las Ciencias”. Inovación Educativa, 13(62), 17-44.
Camarena, P. (2017). Didáctica de la matemática en contexto. Educação
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3156.2017v19i2p1-26
Camarena, P. (2021). Teoría de la matemática en el contexto de las ciências.
EDUNSE.