Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Um dos grandes desafios no ensino da matemática em nível superior ainda é, sem dúvida,
a tão famosa relação entre teoria e prática, especialmente no ensino de Cálculo Diferencial e
Integral. A questão latente: que matemática é necessária ensinar aos estudantes de
Engenharia? já foi tema de discussão de um simpósio de ensino de engenharia, envolvendo
matemáticos e engenheiros, ocorrido em 1907, na Universidade de Chicago, evidenciando que
não é recente a preocupação com a Matemática ensinada no ensino superior (SLAUGHT
1908, apud GOMES 2009).
O ensino e aprendizagem do Cálculo Diferencial e Integral, para professores e alunos,
revelam-se como uma tarefa ao mesmo tempo atraente e difícil, pois proporciona um campo
fértil para as aplicações em diferentes áreas de formação, porém exige conhecimentos nessas
diversas áreas e requer uma mobilidade na prática docente. Além disso, outro obstáculo
enfrentado pelo professor é como superar as dificuldades que os alunos apresentam ao
utilizarem a matemática como ferramenta numa situação problema. Em muitos casos o aluno
entende o contexto da aplicação, porém a fragilidade do conhecimento matemático faz com
que ele não tenha êxito na resolução do problema. Por outro lado, ocorre a situação contrária.
O aluno sabe trabalhar com as ferramentas, como por exemplo, técnicas de derivação e
integração de funções, mas não consegue estabelecer conexões dessas ferramentas num
problema prático e nem relacioná-las com a formação posterior em disciplinas especificas.
Defendemos a ideia de que o ensino da técnica é fundamental, porém a técnica isolada
não possibilita uma aprendizagem significativa. Acreditamos que o ensino pode tornar-se
mais significativo se o professor preocupar-se em saber em que e como são aplicados, no
curso de formação, os conteúdos ensinados. Essa prática pedagógica, diferentemente da
metodologia tradicional que envolve essencialmente as técnicas de transmissão de
conhecimento, memorização e repetição de exercícios, pode motivar os alunos e propiciar-
lhes uma matemática significativa na sua área de atuação. Com essa prática é possível
trabalhar com o conteúdo programático de uma disciplina estabelecendo possíveis conexões
com outras, sejam elas anteriores ou posteriores na grade curricular. De acordo com
FIGUEIREDO et al. (2012) essa prática suscita uma questão, a qual deveria ser inerente ao
trabalho do docente: por quanto tempo um professor, em sua respectiva disciplina, pára para
pensar sobre o que está ensinando? A resposta a esse questionamento leva o professor a
refletir sobre a gênese do conteúdo ensinado, a relação desse conteúdo com as demais
disciplinas e a sua importância na formação do acadêmico.
SILVA e NETO (2012) também abordam essa problemática no ensino do cálculo,
enfatizando que o professor ao ensinar tal disciplina deve levar em consideração a própria
epistemologia histórica do cálculo, levando em consideração sua gênese e desenvolvimento.
Entretanto observam que
Tradicionalmente, as formas de trabalho mais utilizadas em sala de aula continuam
sendo o uso do livro-texto, a exposição oral e o resumo de matérias, coadjuvados por
exercícios passados no quadro. A tendência natural é manter uma unidade de
conhecimento básico para todos os estudantes, de modo a proporcionar uma
formação unitária e sólida de matemática. Os professores, em sua maioria, não
propõem pesquisas para os alunos realizarem e, em geral, o livro texto funciona
como fonte única de informação teórica e aplicação. Como qualquer livro texto tem
suas limitações, haverá sempre necessidade de se produzir dados adicionais, mais
abrangentes, voltados aos interesses dos alunos e dos cursos a que pertencem, de tal
modo que percebam a importância daquilo que estão estudando na contextura de
suas especialidades (SILVA & NETO, 2012, p.5.)
Com base nesse panorama, os educadores que ministram disciplinas de cálculo sentem-se
desafiados a identificar estratégias de ensino que contemplem tais especialidades. Neste
trabalho, apresentamos uma aplicação da integral definida, oriunda de um trabalho
colaborativo entre professores de Cálculo e de disciplinas específicas de Engenharia. O
principal objetivo dessa aplicação é propiciar a relação entre “teoria e prática”, auxiliando
professor e aluno na compreensão da aplicação da ferramenta Integral num problema de
cálculo de características geométricas dos elementos estruturais em forma de barras que
compõem um edifício (vigas, pilares etc) ou que compõe uma determinada máquina (eixos,
alavancas etc).
Na sequência apresentamos os procedimentos metodológicos, a relação da aplicação com
o conteúdo matemático, uma aplicação e as considerações finais.
2. METODOLOGIA
O centroide pode ser definido como sendo o centro geométrico de um corpo, de uma
superfície ou de uma linha. No caso específico de estruturas em barras é interessante conhecer
o centroide da seção dessa barra. Normalmente a determinação da posição do centroide é
simples devido às formas geométricas usuais das seções das estruturas em barras (círculos,
retângulos ou associação dessas formas), mas em muitos casos essa determinação não é tão
simples. Matematicamente o centroide de uma seção é dado pelo ponto cujas coordenadas são
obtidas pelas médias das coordenadas de todos os pontos da forma geométrica que compões
esta seção. O conhecimento da posição do centroide de uma seção é de extrema importância
em mecânica dos materiais quando se trabalha com estruturas em barras submetidas a
esforços normais (tração e compressão) ou barras submetidas à flexão, pois sem esta posição
não se consegue, dentre outros fatores, determinar a distribuição das tensões que atuam ao
longo da seção da barra.
Para se determinar o centroide, considere uma superfície plana, de área A, contida no
plano yz, de peso W aplicado no centroide dessa superfície (ponto C), como indicado na
Figura 1a. Essa superfície é equivalente à outra superfície dividida em n áreas ΔAi de
respectivos pesos ΔWi aplicados em seus respectivos centroides, como indicado na Figura 1b.
x x
z z
ΔWi
W
yc ΔAi
C
zc
O y O y
(a) (b)
Também se pode dizer que a somatória das n forças ΔW (na direção x) será igual à força
W, ou seja:
Se cada elemento de área ΔAi tender a zero (consequentemente n→∞), pode-se reescrever
as equações (1), (2) e (3) como sendo:
(4)
(5)
(6)
(7)
(8)
sendo:
γ – peso específico da superfície, por unidade de volume;
t – espessura da superfície;
A e dA – área e diferencial de área da superfície, respectivamente.
Substituindo as equações (7) e (8) nas equações (4), (5) e (6), obtêm-se:
(9)
(10)
(11)
Como o peso específico da superfície (γ) e a espessura da superfície (t) são considerados
constantes para uma seção de uma estrutura em barra, as equações (9), (10) e (11) podem ser
simplificadas, obtendo-se:
(12)
(13)
(14)
Deve-se lembrar de que o diferencial de área é dado por dA=dy.dz, logo as integrais das
equações (12), (13) e (14) são integrais duplas, ou seja, são integrais sobre uma área nas
coordenadas y e z. Utilizando essas equações, consegue-se determinar o centroide da seção de
uma barra por integração direta.
(15)
(16)
Como o resultado das integrais das equações (15) e (16) irão fornecer grandezas
geométricas elevadas à terceira potência, no S.I., os momentos de primeira ordem são
expressos em [m3].
(17)
(18)
A A’
Figura 2 – Teorema dos Eixos Paralelos para uma Seção de área A
(19)
Traçando agora um eixo BB’, paralelo a AA’ a uma distância d do eixo AA’, que passa
pelo centroide C da seção (denominado eixo centroidal), com distância entre o elemento de
seção de área dA e o eixo BB’, pode-se escrever:
(20)
(21)
(22)
(23)
A equação (23) é conhecida como Teorema dos Eixos Paralelos, ou seja, o momento de
inércia de uma seção em relação a um eixo qualquer é igual à soma do momento de inércia
em relação ao eixo paralelo que passa pelo centroide da seção ( ) com o produto da área da
seção (A) com a distância perpendicular entre o eixo e o centroide da seção elevada ao
quadrado (d2).
Logo, utilizando os eixos coordenados y e z, pode-se escrever a equação (23) como
sendo:
(24)
(25)
Desta forma, a determinação dos momentos de inércia em relação aos eixos centroidais
pode ser realizada utilizando-se os mesmos limites de integração para a obtenção do centroide
da seção e aplicando-se posteriormente o Teorema dos Eixos Paralelos por meio das equações
(24) e (25). Esses momentos de inércia em relação aos eixos centroidais serão utilizados para
se determinar a resistência das barras em relação a esforços de flexão. Se esses eixos
centroidais não corresponderem a pelo menos um eixo de simetria da seção, será necessária
ainda a determinação dos eixos principais de inércia obtidos através de uma rotação destes
últimos, mas essa determinação não será objeto de estudo deste artigo.
4. APLICAÇÃO
Supondo-se que um arquiteto projetou uma viga com seção transversal como apresentada
na Figura 3 (Adaptado de BEER et al., 2006, p.245) com o intuito de ter essa viga, além da
função estrutural, também a função de escoamento de água da chuva do telhado de uma casa.
Sabendo-se que essa barra está sujeita a um carregamento transversal proveniente do peso
próprio da viga e do peso na água que pode estar sobre ela, procederemos ao cálculo das
características geométricas desta seção necessárias para o seu posterior dimensionamento.
Observem que todo o cálculo dessas características será feito de forma genérica (sem a
utilização de valores fixos), pois no dimensionamento de estruturas desse tipo se faz
necessário muitas vezes adequar as dimensões da seção transversal para se ter um melhor
dimensionamento da estrutura como um todo, inclusive com o teste de materiais diferentes e
com resistências mecânicas diferentes.
y
L L
Figura 3 – Exemplo de Seção Transversal
Para a determinação dos momentos de primeira ordem serão utilizadas as equações (15) e
(16):
Para a determinação da posição do centroide serão utilizadas as equações (12) e (13):
Para determinar os momentos de inércia da seção em relação aos eixos dados serão
utilizadas as equações (17) e (18):
Para a determinação dos momentos de inércia da seção em relação aos eixos centroidais
serão utilizadas as equações (24) e (25):
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um dos caminhos para ultrapassar as barreiras, ou pelo menos estabelecer uma ponte, do
ensino de cálculo é o professor sair de sua zona de conforto, buscando conhecer em que
situações as ferramentas do cálculo são aplicadas, além das tradicionais abordadas pelos
livros didáticos que, em geral, não aparecem em situações cotidianas. Muitas vezes, ao
tentarmos contextualizar um determinado problema, não refletimos se a função matemática
utilizada é de fato factível, pois isso envolveria a modelagem e a conexão de algumas áreas de
conhecimento que fogem do domínio específico da formação matemática. Porém, para nós
professores é difícil de sair dessa zona de conforto, pois ao adentramos em outras áreas,
caminhamos muitas vezes por terrenos desconhecidos, tendo que admitir que a matemática
pela matemática não é suficiente, necessitando de pesquisas em outros campos de
conhecimento, no qual o trabalho colaborativo pode ser um elemento facilitador desse
processo.
Não é trivial para os professores perceberem a grande relação do cálculo, especificamente
da integral, ligada com aplicações em outras áreas, por isso permanecemos muitas vezes na
prática tradicional, não correndo riscos, mas também privando os alunos de aplicações
significativas em outros contextos. Entretanto, um processo de ensino e aprendizagem
baseado na relação teoria e prática pode se revelar um ambiente rico para essas conexões.
Observou-se com a investigação realizada, que há a necessidade de uma fundamentação
teórica específica aprofundada para estabelecer as conexões entre o problema físico e as
ferramentas do cálculo, na qual o trabalho colaborativo entre os professores de cálculo e
engenharia foi fundamental. Com a experiência vivenciada, nós, professores de cálculo,
percebemos a validação significativa da ferramenta da integral em outras aplicações em
disciplinas específicas, tais como o cálculo e a interpretação geométrica da integral dupla,
além da transição da notação da integral dupla num contexto de integral definida simples.
Também se faz necessário aqui contextualizar a necessidade dos professores das áreas
específicas dos cursos saírem da sua zona de conforto, pois atualmente com as inúmeras
ferramentas computacionais existentes para solução de problemas físicos e matemáticos, esses
professores geralmente restringem a sua didática em problemas usuais, utilizando, no caso do
assunto abordado neste artigo, formas geométricas simples de seções nas quais as
determinações das características geométricas podem ser realizadas de outras formas,
fugindo-se da utilização da integral definida. Esse tipo de procedimento leva a formação
deficitária do acadêmico, que quando deparado com situações diferentes, como a apresentada
na aplicação, não sabe resolver o problema proposto, ou mesmo, não tem ideia de se os
resultados obtidos através das ferramentas computacionais expressam o que realmente eles
pretendiam determinar. Logo, utilizarmos toda a dedução teórica apresentada neste artigo não
deve servir somente para justificar problemas usuais e já incessantemente discutidos na
literatura, mas deve servir para mostrar que quando dominamos os conceitos específicos (no
caso aqui os conceitos de mecânica dos sólidos) associados aos conceitos matemáticos,
conseguimos inovar em formas das estruturas e melhorar a sua eficiência na aplicação a que
se destina.
Um currículo de um curso não pode ser definido somente por meio de disciplinas que
possuem ementas e pré-requisitos, mas sim definido como uma série de conteúdos
programáticos que possuem uma estrita relação ao longo do curso e propiciem, a cada assunto
abordado, uma extensão dos assuntos anteriores, transformando esse currículo, não em uma
“colcha de retalhos” de conhecimentos, mas sim em uma “teia” de conhecimentos
interdependentes.
6. BIBLIOGRAFIA