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Consequencialismo, racionalidade e
decisão jurídica: o que a teoria da decisão
e a teoria dos jogos podem oferecer?
Fernando Leal
1. Introdução
1
AgRg na Pet 1.495/PR, de 9/12/2003, p. 1 do Relatório.
88 Direito e Economia
que agentes econômicos racionais podem optar por não participar de contratos
com partes que sejam percebidas como sendo mais favorecidas do que eles pela
justiça, a menos que haja outros mecanismos de estímulo ao cumprimento do
contrato (por exemplo, a perspectiva de um novo contrato) e o risco do opor-
tunismo não penalizado pelo Judiciário seja embutido nos preços. Esta é uma
explicação de porque há tão pouco crédito imobiliário voluntário para famílias
pobres. [Pinheiro, 2003:7]
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Como se nota, o argumento diz respeito tanto a raciocínios propriamente consequencialistas
como a raciocínios teleológicos. Embora seja possível distingui-los (Leal, 2014:53 e ss.), os dois
tipos de raciocínio serão tratados indistintamente neste trabalho como espécies de raciocínios
prospectivos que pressupõem relações do tipo meio-resultado.
consequencialismo, racionaliDaDe e Decisão juríDica 89
3
As alterações promovidas na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro pela Lei
no 13.655/2018 são os exemplos mais claros de como decidir com base em consequências sig-
nifica observar exatamente o que o direito prescreve. O artigo 20, por exemplo, dispõe que “[n]
as esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos
abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”. O artigo 21 da mes-
ma lei prevê orientação semelhante, ao determinar que “[a] decisão que, nas esferas administra-
tiva, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma
administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas”.
4
STF começa a decidir se bancos devem pagar perdas com planos econômicos. IstoÉ, 2016.
Disponível em: <https://istoe.com.br/336675_STF+COMECA+A+DECIDIR+SE+BANCOS+-
DEVEM+PAGAR+PERDAS+COM+PLANOS+ECONOMICOS/>. Acesso em: 8 maio 2018.
90 Direito e Economia
Estados do mundo
Gás explosivo Sem gás explosivo
Acender um fósforo Explosão Nada
Cursos de ação
Não acender um Nada Nada
fósforo
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Nesse sentido, por exemplo, o conceito de princípios como mandamentos de otimização de
Robert Alexy pressupõe o desenvolvimento de um raciocínio consequencialista por aplicado-
res do direito (Leal, 2014:196 e ss.).
consequencialismo, racionaliDaDe e Decisão juríDica 93
R$ 3.500,00
Acordo
R$ - 200,00
Indeferimento (20%)
Ação
Deferimento (40%)
R$ 2.800,00
Deferimento com repetição
do indébito (40%)
R$ 5.800,00
Prisioneiro 2
sempre os melhores payoffs. Assim, como cada jogador possui uma estratégia
estritamente dominante, é possível dizer que a solução do jogo se localiza em
um equilíbrio em estratégias estritamente dominantes. No caso, o par de es-
tratégias {delatar; delatar} é o equilíbrio do dilema dos prisioneiros. A seguir
é possível visualizar por que a estratégia “delatar” é estritamente dominante
para o jogador 1 no dilema dos prisioneiros anteriormente apresentado:
Prisioneiro 2
Prisioneiro 2
No dilema dos prisioneiros, como cada jogador possui apenas duas estra-
tégias e, dado que uma delas é estritamente dominante (no caso, a estratégia
“delatar”), isso significa que a estratégia “não delatar” é, para cada jogador,
estritamente dominada por “delatar”. Isso porque, para cada jogador, “não
delatar” lhe garante sempre piores payoffs do que a estratégia “delatar”, inde-
pendentemente da estratégia escolhida pelo outro jogador. Como, no jogo,
cada jogador possui uma estratégia estritamente dominada, que pode ser eli-
minada para cada um, restará para cada jogador apenas a estratégia “delatar”,
de modo que, no dilema dos prisioneiros, o par {delatar; delatar} também
poderia ser caracterizado como um equilíbrio por eliminação de estratégias
estritamente dominadas.
O último conceito de solução a ser apresentado é o de equilíbrio de Nash.
Se os conceitos de estratégia estritamente dominante e de estratégia estri-
tamente dominada indicam, respectivamente, os cursos de ação que serão
ou não serão privilegiados por um agente racional, independentemente das
estratégias possivelmente escolhidas pelo outro jogador, o conceito de equi-
líbrio de Nash pressupõe o encontro de melhores respostas mútuas (Watson,
2013:97), ou, em outras palavras, o da constatação de que uma determinada
estratégia de um jogador é a melhor resposta para a estratégia do outro e vice-
-versa (Baird, Gertner e Picker, 2002:21). Assim, o conceito de equilíbrio de
Nash não envolve a indicação de melhores estratégias, mas de combinações
de estratégias. Isso significa que, para a noção de equilíbrio, o que o outro
jogador envolvido na situação de jogo escolhe é determinante para a solução
do problema, ao contrário dos outros conceitos de solução, que sempre se
definiam com a parte “independentemente das escolhas do outro jogador”.
Uma das consequências facilmente apreensíveis dessa noção inicial é que,
sendo um equilíbrio de Nash uma combinação de estratégias, um mesmo
jogo pode possuir mais de um equilíbrio de Nash. Considere o jogo seguinte,
por exemplo:
Jogador 2
C D
A 2,2 0,0
Jogador 1
B 0,0 1,1
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conjunto de ferramentas mais rico e rigoroso para lidar com processos de to-
mada de decisão jurídica, comparativamente a métodos tradicionais que têm
a pretensão de conduzir decisores em processos de justificação orientados
para o futuro, como o cânone teleológico de interpretação ou algum tipo de
inclinação pragmática que se limita a despertar a sensibilidade de julgadores
para os efeitos das suas escolhas.
As vantagens anunciadas dos inputs que essas teorias podem trazer para o
raciocínio jurídico, no entanto, não são isentas de críticas. Uma das mais for-
tes objeções ataca os pressupostos de racionalidade por elas compartilhados.
Como regra, o que vimos nas seções anteriores parte de certa compreensão
idealizada da racionalidade humana. O decisor ideal usado como referência
de modelos decisórios é considerado o indivíduo que conhece completamen-
te suas preferências sobre as consequências de diferentes alternativas decisó-
rias e que age sempre buscando a maximização de sua escala de preferências
(Resnik, 2006:4; Jones, 1999:299). Esse seria um ator econômico plenamente
racional. Em alguns casos, esses modelos também pressupõem que tomado-
res de decisão possuem informações perfeitas sobre a realidade e sobre as
preferências envolvidas no mesmo problema decisório. Essas idealizações, se,
por um lado, atuam como referenciais normativos úteis para a construção de
modelos, podem, por outro lado, reduzir o potencial analítico desses mes-
mos modelos para descrever e a sua aptidão efetiva para orientar processos
reais de tomada de decisão.
Será que nós somos decisores com as características presumidas por
esses modelos? Durante os anos 1940 e 1950, Herbert Simon desenvolveu
um modelo de escolha voltado a desafiar os pressupostos compreensivos de
racionalidade usados na construção e teorias econômicas (Jones, 1999:299),
especialmente por meio do reconhecimento da necessidade de diálogos com
a psicologia cognitiva para se entender, de fato, como pessoas reais encaram
problemas e tomam decisões. Seu argumento central é o de que somos seres
cognitivamente limitados e que isso torna o “economic man”, referencial espe-
cialmente relevante para teorias econômicas normativas, um ideal inatingível
e, por isso, provavelmente pouco útil para amparar prescrições sobre como
agir no mundo real. Nas palavras de Simon:
o seu ambiente objetivo, esse modelo não se prova mais adequado. Precisamos
de uma descrição do processo de escolha que reconhece que alternativas não
são dadas, mas devem ser procuradas; e uma descrição que considera a ardo-
rosa tarefa de determinar quais consequências se seguirão de cada alternativa.
[Simon, 1959:272]
6. Conclusão
O ponto de partida deste texto foi uma possível tensão entre, por um lado,
a inevitabilidade de raciocínios consequencialistas no plano da tomada de
decisão jurídica (notadamente da decisão judicial) e o seu caráter desejável
em um estado de direito. Por um lado, os argumentos tradicionalmente usa-
dos para criticar o emprego de raciocínios prospectivos no direito podem
ser considerados problemáticos, por partirem de idealizações sobre o direito
(por exemplo, ao não levarem a sério seu caráter estruturalmente indetermi-
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Referências
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