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Satisfeitos com a promessa do Espírito

UMA PERSPECTIVA CESSACIONISTA


DOS DONS REVELACIONAIS

por
Rev. Ewerton B. Tokashiki

Revisado em 10 de Novembro de 2016


Porto Velho – RO
2

INTRODUÇÃO

“Há muito tempo Deus falou muitas vezes e de várias maneiras aos
nossos antepassados por meio dos profetas, mas nestes últimos dias
falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as
coisas e por meio de quem fez o universo” (Hb 1:1-2, NVI – grifos
meus)

Muito fervor emocional, intenso desejo de ser batizado com o Espírito, de


falar em línguas, e uma pequena sala cheia de crentes gritando! Esse cenário lhe é
familiar? Este contexto era comum para a minha busca espiritual aos dezesseis
anos, indo de um culto ao outro, a procura de uma prometida experiência, que na
época julgava ser o segredo para uma vida de maior intimidade com Deus. Até que
numa “ministração ungida” eu recebi! Eu recebi! Falei em línguas, ou pensava
falar, num emaranhado de sons inarticulados e ininteligíveis, sinceramente
declarados a atribuídos ao Espírito Santo.
Eu cri como um continuísta num percurso de uns quatro anos, envolvendo o
meu primeiro ano no Seminário Presbiteriano JMC, apesar de nunca ter saído da
IPB. Sim, eu já pensei como um pentecostal! Sou grato ao Conselho da Igreja
Presbiteriana de Cacoal e ao Presbitério Sul Rondônia que tiveram uma sábia
paciência comigo, dando-me a oportunidade de estudar e discernir os erros
doutrinários em que havia me envolvido.
O meu contato com continuísmo se deu pela amizade que tive no ambiente
de trabalho. Sempre era confrontado pelos atraentes testemunhos de uma vida
santificada e vitoriosa sobre o pecado. Tive o interesse despertado por aquelas
doutrinas e estilo de espiritualidade! Li muita literatura carismática, conversei e
deixei-me instruir por seus líderes, e o meu contato era com irmãos de diferentes
denominações pentecostais, eu os ouvi atentamente, e dei crédito ao seu ensino, e
sinceramente busquei as suas experiências. As suas crenças se tornaram
convicções em minha compreensão da vida cristã.
Durante o período que cri no continuísmo tive minhas crises pessoais. Elas
procediam de algumas questões, como por exemplo, não encontrar base bíblica
para muita coisa que ouvia e via. Neste contexto questionar soava como
incredulidade, ou beirava à blasfêmia contra o Espírito Santo, por isso, crer e
somente crer, era a norma. Outro problema era de cunho bem pessoal, pois a tão
sonhada vida abundante, e o nível superior de intimidade com Deus nunca
aconteceu, pelo menos não por meio daquelas práticas pentecostais. E por último,
não via real diferença qualitativa na vida de piedade entre crentes pentecostais e
crentes tradicionais!1 Descobri que somente a verdade produz intimidade com
1
Um caso muito curioso foi conhecer um membro fundador da Igreja Presbiteriana Renovada de Pimenta Bueno,
em Rondônia, admirado pelos membros de sua igreja por ser piedoso e de excelente testemunho cristão, todavia,
3

Deus, a sinceridade por mais intensa que seja, mas, se movida pelo erro, somente
produzirá fanatismo, desvio e desaprovação de Deus.
É verdade que conheci irmãos pentecostais que aprendi admirar por sua
consagração ao Senhor, as suas orações faziam-me sentir vergonha do modo como
eu falava com Deus. Entretanto, também conheci muitos irmãos, os assim
chamados tradicionais [muitas vezes apelidados de “frios”], que revelavam uma
piedade, sobriedade e testemunho cristão que posso dizer “homens dos quais o
mundo não era digno” (Hb 11). Assim, entendi que não são crenças em
experiências de êxtase, e supostos dons extraordinários, que produzem maturidade,
intimidade e piedade, mas o compromisso de obedecer a Escritura Sagrada,
aplicando-a a todas as áreas da vida, na dependência dos méritos de Cristo, do
poder do Espírito Santo para a glória do Pai.
Recordo com carinho de um idoso presbítero, o “seu José”, uma pessoa
muito enferma que sofria de mal de Parkinson em estado avançado. Numa certa
reunião de oração, eu um fervoroso garoto com dezessete anos, que cria ter dons
extraordinários, dispus-me a orar com ele, convicto de que conhecia o segredo que
poderia livrá-lo daquela enfermidade. Algo inconcebível para alguém que era
presbítero, assim, eu pensava. Comecei a nossa conversa da seguinte maneira:
“meu irmão, o senhor crê que Deus pode curá-lo agora? Ele com dificuldades de
falar por causa da enfermidade, respondeu “sim, meu jovem, creio nisso, se Ele
quiser”. Então, com uma tola ousadia, motivada pela confissão positiva e teologia
da prosperidade, impus minhas mãos sobre a sua cabeça, e orava determinando a
cura, exigindo que Deus o curasse porque não aceitava aquela triste situação de
saúde! Ele ficou de cabeça baixa, pacientemente ouviu toda a oração, e em seguida
orou, por ser a sua vez. “Senhor Deus, tu és sábio e bondoso conosco, nos concede
a alegria e a dor, o vigor e a enfermidade, nos levanta e abate, nos ensinando a
amá-lo, a temer o teu nome, e glorificar as tuas obras! Que por meio de teu Filho
Jesus nos revela a graça de viver e morrer, e uma intimidade com o teu Espírito,
nos conduzindo pelo misterioso caminho da providência, instruí-nos a dizer, com
todo o coração, ‘seja feita a tua vontade’, e a amá-lo em tudo o que fizer conosco”;
e assim, continuou uma longa oração, que me abalou. Aquele senhor era um
homem de Deus, em todo o significado desta expressão. Ele não me humilhou, nem
usou da oportunidade para me repreender com rispidez, mas preferiu falar com o
nosso Pai, em meu favor. A enfermidade havia limitado o seu corpo, mas o seu
amor pelo Senhor era muito saudável! Quando lembro daquele momento, e com o
discernimento que hoje possuo, às vezes, lacrimejam-me os olhos. Não foram
somente as ortodoxas declarações, mas a intimidade com que ele falava com nosso
Deus. Naquele momento começou a ruir as novas crenças que havia abraçado.
Mas, a minha insistência com “a experiência” que tive, deveria ser superior, eu
estava equivocado se negasse o que o Espírito Santo havia feito recentemente em
declarava que não era batizado com o Espírito, e nunca falara em línguas. Recentemente tenho encontrado vários
casos de pentecostais que alegam nunca terem falado em línguas, embora acreditem que o dom ocorra com
frequência em suas igrejas. Estes casos, inicialmente contribuíram reforçar o questionamento se, de fato, o falar
em línguas era evidência de uma vida de intimidade com Deus.
4

mim naquele culto de busca! Por isso, ainda demorei uns dois anos até abandonar o
continuísmo.
Há aproximadamente 20 anos Deus reformou a minha mente, e fez-me
retornar ao ensino das Escrituras. Desde então, muita coisa mudou, por isso, vejo-
me numa imensurável dívida com meus irmãos. Desejo compartilhar com vocês o
que o Senhor me concedeu, e poupar-lhes de sofrer todo o processo que trilhei.
Mas, se você tem labutado com dúvidas, e elas têm lhe motivado a buscar uma
vida de intimidade com Deus, permita-me ser um facilitador nessa jornada em
direção ao ensino da Escritura Sagrada – a nossa única regra de fé e prática.
O propósito deste livro é apresentar um esclarecimento do que a Fé
Reformada, e sob esta herança a Igreja Presbiteriana do Brasil, crê da cessação do
dom de línguas. Desnecessária confusão tem se difundido em nossa igreja
aceitando que membros, e até mesmo pastores, aleguem exercer o dom de línguas,
sem exigir a correta aplicação da Carta Pastoral. Em 2005, o Supremo Concílio da
IPB compôs uma Comissão Permanente de Doutrina que produziu uma Carta
Pastoral sob o título de “O Espírito Santo Hoje – dons de línguas e profecia”
reafirmaram seu compromisso confessional. Na “apresentação” é declarado que
eles oferecem
respostas às indagações mais urgentes dos seus pastores e membros em várias áreas
da fé e da prática, respostas estas que provenham de uma exegese biblicamente
correta e de uma hermenêutica que reflita a teologia dos nossos símbolos de fé e de
nossa tradição reformada.2
Com esta declaração inicial a Comissão Permanente de Doutrina declara
uma tríplice fonte de autoridade. Obviamente a ordem segue o grau de
importância:
1. Exegese biblicamente correta;
2. A teologia dos nossos símbolos de fé;
3. A nossa tradição reformada.

A estrutura do livro interagirá sob estes três pilares: a exegese bíblica, a


teologia dos nossos símbolos de fé e a nossa tradição reformada. A minha
preocupação é em expor o fiel ensino da Escritura, mostrando como a prática da
verdadeira piedade foi reproduzida pelo Espírito Santo dentro da tradição
reformada, e fielmente sistematizada na sabedoria teológica de nossos pais.
Sou constantemente questionado por irmãos sobre estes temas. Por vezes,
querem entender alguns textos bíblicos e os relatos de experiências extraordinários
que supostamente ocorrem no meio evangélico. Esporadicamente ocorrem
empolgantes diálogos com cristãos que ainda estão ligados a alguma denominação
pentecostal ou carismática. As nossas conversas são cheias de manuseios dos
vários textos das Escrituras, a fim de entendermos a poderosa obra do Espírito
Santo no meio da Igreja de Cristo. As análises apresentadas são resultado de uma
peregrinação, em busca de respostas às minhas dúvidas, bem como somam o
2
O Espírito Santo Hoje – Dons de Línguas e Profecia - Carta Pastoral endereçada aos Concílios e Ministros da Igreja
Presbiteriana do Brasil (São Paulo, 2ª ed., 1996), p. 1.
5

resultado de respostas à irmãos que foram corajosos em seus questionamentos.


Apenas uma palavra final nesta introdução. Apesar do texto se encontrar
inacabado foi meu desejo compartilhá-lo para que colegas, seminaristas e leitores
em geral, possam lê-lo, prover críticas, e remetê-las a mim para que, expondo o
resultado de meus estudos e reflexão sobre o assunto, possa aperfeiçoá-lo a partir
de questionamentos e críticas relevantes. Assim, há partes deste texto que ainda
pretendo desenvolver e muito, mas infelizmente, devido as várias atividades e o
fragmentado tempo, luto para produzir algo que valha a pena se ler.
A questão toda se detém numa única questão: a Igreja Presbiteriana do
Brasil é cessacionista em sua herança doutrinária reformada? Para responder
precisamos nos deter em cinco pontos:
I. A IPB como herdeira da Reforma
II. O Cessacionismo nas Confissões Reformadas
III. A interpretação da CFW
IV. Aspecto litúgico: os votos de ordenação
V. Uma análise da “Pastoral dos dons do Espírito Santo”

CONSTRUINDO E DISCERNINDO CONCEITOS


O QUE É REVELAÇÃO
Antes de entendermos a causa da cessação precisamos responder o que é
revelação? Evitando contínuas e desnecessárias explicações, iniciaremos definindo
o que ela é, a fim de que possamos concluir em que sentido as “revelações”
cessaram.
Há muita confusão quando ao significado do que seja revelação.
Comecemos definindo pela negação, assim, eliminaremos várias opções errôneas.
Primeiro, não é presunção. Deus adverte que “o profeta que presumir de falar
alguma palavra em meu nome, que eu lhe não mandei falar, ou o que falar em
nome de outros deuses, esse profeta será morto” (Dt 18:20, ARA).
Segundo, revelação não é percepção sensorial.
Finalmente, revelação não é discernimento.
Comecemos com uma definição geral de revelação. Robert L. Reymond
define a doutrina da revelação como sendo
o ato divino através do qual Deus deliberadamente descobre algo que é desconhecido
e incognoscível (incognoscível, ou seja, para a desamparada mente dos seres
humanos) compartilhando o seu conhecimento de si mesmo, e/ou do seu propósito
para a sua criação.3

O QUE É DOM ESPIRITUAL


3
Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith (Nashville, Thomas Nelson Publishers,
2a.ed.rev., 2001), p. 4, na nota 3.
6

O QUE SÃO OS DONS REVELACIONAIS

O QUE É RESTAURACIONISMO
O Restauracionismo é a defesa de que alguns dos dons, em especial os
revelacionais como línguas, profecias e dons de curas, que antes haviam cessado,
ou estado ausentes na Igreja, foram restaurados em tempos recentes como um sinal
escatológico. Esta é a defesa da maioria dos adeptos do movimento Pentecostal
clássico.4 Era crença comum que “os padrões da igreja do Novo Testamento
começaram a ser restaurados com a Reforma Protestante do século 16, e essa
restauração se daria em sucessivas ondas até a atualidade, em preparação ao
retorno de Cristo à terra.” H.S. Maltby, um de seus principais porta-vozes, resumiu
a perspectiva restauracionista descrevendo que
durante a Reforma, Deus usou Martinho Lutero e outros para restaurar ao mundo a
doutrina da justificação pela fé (Rm 5:1). Depois o Senhor usou os Wesley e outros,
no grande movimento de Santidade, para restaurar o evangelho da santificação pela
fé (At 26:18). Mais tarde, ele ainda usou vários outros para restaurar o evangelho da
segunda vinda de Cristo (At 1:11). Agora o Senhor está usando muitas testemunhas,
no grande Movimento Pentecostal, para restaurar o evangelho do batismo com o
Espírito Santo e com fogo (Lc 3:16; At 1:5), com sinais que o acompanham (Mc
16:17-18; At 2:4; 10:44-46; 19:6; 1:1-28:31). Graças a Deus, nós agora temos
pregadores do evangelho completo.5

O movimento Pentecostal clássico é o maior e mais duradouro proponente do


Restauracionismo.
Edward Irving foi o precursor do movimento carismático moderno, criando
uma seita restauracionista.6 Ele cria que todos os ofícios e dons mencionados no
Novo Testamento foram recuperados em seus dias, em sua igreja local. Apesar de
originalmente ser um ministro da igreja reformada, ele se apostatou, criando novas
doutrinas a partir das suas supostas novas revelações. Entretanto, antes dele Ann
Lee (1736-1784), fundadora do movimento dos Shakers, pregava uma mensagem
que era em sua essência restauracionista. Ela ensinava que “a igreja havia perdido
os dons”, mas que “a restauração era prometida no fim dos tempos”. 7 Entretanto,
deve se notar que não há relação causal histórica ou teológica entre os dois grupos.
Não é tarefa fácil classificar como restauracionistas, ou continuístas, alguns
teólogos pentecostais e carismáticos, por causa de sua falta de coerência em seu
sistema teológico.
4
Gary B. McGee, “Panorama Histórico” in: Teologia Sistemática – Uma Perspectiva Pentecostal (Rio de Janeiro,
CPAD, 1996), pp. 11-18.
5
Citado por Israel de Araújo, “Pentecostalismo nos Estados Unidos da América” in: Dicionário do Movimento
Pentecostal (Rio de Janeiro, CPAD, 2007), p. 598.
6
Veja artigo de Alderi Souza de Matos, “Edward Irving: precursor do movimento carismático na igreja reformada”
in: http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_I__1996__2/edward.....pdf
7
Stanley M. Burgess and Gary McGee, eds., Dictionary of Pentecostal and Charismatic Movements (Grand Rapids,
Zondervan Publishers, 1988), p. 789. Veja também “Pentecostalismo nos Estados Unidos da América” in: Israel de
Araújo, Dicionário do Movimento Pentecostal, p. 586.
7

Há nesta doutrina uma perspectiva escatológica. Hank Hanegraaff define


como sendo “a crença de que no final dos tempos Deus restaurará os sinais
sobrenaturais, super-apóstolos e profetas – é um ingrediente chave na mitologia do
falso avivamento.”8 A restauração dos dons extraordinários e revelacionais do
Espírito, segundo o Pentecostalismo clássico, é uma evidência escatológica dos
últimos tempos. Paul Cain declarou que “nem profeta, ou apóstolo viveram com
igual poder daqueles indivíduos neste grande exército do Senhor nestes últimos
dias. Nenhum deles teve; nem mesmo Elias, Pedro ou Paulo, ou qualquer outro
desfrutaram do poder que está se derramando neste grande exército.” 9 Rick Joyner,
outro restauracionista diz que Deus revelou que no fim dos tempos “a palavra
profética florescerá com pureza e precisão insuperável na história da igreja”.10
A doutrina pentecostal “chuva serôdia” aponta para o fim de uma era
antecedente ao milênio.11

O QUE É CONTINUÍSMO?
Basicamente o Continuísmo afirma a existência contemporânea dos dons
extraordinários, como línguas e profecias, sem interrupções desde os dias dos
apóstolos até os dias de hoje.12
Há diferentes tipos de continuístas o que dificulta uma crítica direcionada ao
movimento. O movimento continuísta desde cedo na história da Igreja Cristã. Os
primeiros continuístas foram os Montanistas, este grupo surgiu e deve o seu nome
ao seu fundador Montano. Na Idade Média surgiram os místicos que alegavam ter
visões beatíficas, falar com anjos, realizar curas, além de crerem que milhares de
eventos sobrenaturais ocorriam nas e através das relíquias. Na época da Reforma a
partir de uma facção anabatista surgiram os fanáticos, que também eram
conhecidos por entusiastas, e em desprezo ao princípio Sola Scriptura, alegavam
profetizar e falar em línguas e realizar milagres.

I. O continuísmo da Igreja Católica Romana


1. A autoridade revelacional do papado como implicação “sucessão apostólica”.
2. As visões beatíficas.
3. O misticismo medieval.
4. “Milagres” como sinais da verdadeira igreja.
Vide* Aparições e revelações particulares – subsídios doutrinais da CNBB (São
Paulo, Editora Paulinas, 4ª ed., 2005).

II. O continuísmo pós-Reforma


8
Hank Hanegraaff, Counterfeit Revival - Looking for God in all the wrong places (Nashville, Word Publishing, 2001),
p. 15.
9
Citado em Hank Hanegraaff, Counterfeit Revival - Looking for God in all the wrong places, p. 176.
10
Rick Joyner, The Harvest (Pineville, N.C., MorningStar, 1989), p. 26 citado em Hank Hanegraaff, Counterfeit
Revival - Looking for God in all the wrong places, p. 176.
11
Curiosamente o Dispensacionalismo é uma doutrina somatória à Pneumatologia Pentecostal clássica.
12
Jack Deere, Supreendido pelo poder do Espírito (Rio de Janeiro, CPAD, 1995) e noutro livro Jack Deere,
Supreendido com a voz de Deus (São Paulo, Editora Vida, 1998).
8

O QUE É CESSACIONISMO?
O Cessacionismo ensina ter cessado as modalidades e os agentes
revelacionais, bem como a continuação da comunicação de uma nova revelação
especial. As modalidades revelacionais, dentre elas visões, sonhos, o uso do urim e
tumim, teofanias, profecias, línguas e outras modalidades. Também cessaram os
agentes revelacionais, isto é, profetas e apóstolos. E por fim, o conteúdo
revelacional, ou seja, cessou a continuidade da revelação verbal, que outrora foi
transmitida por meio de diversos modos no decorrer da história da redenção. Este
assunto será esclarecido a seguir.

I. Cessaram as modalidades revelacionais


Lendo as Escrituras somos informados de que na história da redenção nem
sempre Deus se revelou do mesmo modo. Houve mudanças na história, de modo
que, Deus mudou as maneiras de como Ele se revelou ao seu povo. O autor aos
Hebreus escreveu que
há muito tempo Deus falou muitas vezes e de várias maneiras aos nossos
antepassados por meio dos profetas, mas nestes últimos dias falou-nos por meio do
Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas e por meio de quem fez o
universo. (Hb 1:1-2, NVI – grifos meus).

A revelação especial é por natureza progressiva. 13 Isto significa que a


revelação verbal e pessoal de Deus em nos comunicar a sua vontade foi dada
gradativamente. No desenvolvimento da Aliança, Deus acrescenta enriquecendo
com novos elementos, transitando e cessando as modalidades dele se revelar.
Podemos adotar a seguinte definição de “revelação progressiva” oferecida por
D.A. Carson que diz
Deus progressivamente revelou-Se em acontecimentos e nas Escrituras, culminando
tais eventos com a morte-ressurreição-exaltação de Jesus Cristo, e culminando as
Escrituras com o fechamento do cânon. O resultado é que os caminhos e propósitos
de Deus foram progressivamente cumpridos não apenas nos eventos redentivos, mas
também na explanação registrada nas Escrituras.14

A revelação foi progressivamente manifestada na histórica da redenção sendo


adaptada a cada período em que foi entregue. Por exemplo, sabemos que de Adão
até Moisés, Deus falou “viva voz”, de modo que, todos publicamente pudessem
ouvi-lo, mas a partir da entrega dos Dez Mandamentos, o Senhor Deus passou a
revelar a sua vontade somente pela mediação de Moisés (Êx 20:1-21; 33:11; Dt
34:10). Entretanto, após as suas manifestações a revelação especial também cessou
em cada período, até que atingiu o seu auge em Cristo, e sob a sua autoridade com
13
O teólogo reformado Geerhardus Vos oferece um excelente estudo da perspectiva da “revelação progressiva”
abrangendo desde a revelação pré-redentora até o ministério de Jesus. Vide Geerhardus Vos, Teologia Bíblica –
Antigo e Novo Testamento (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2010), pp. 33-481.
14
D.A. Carson, Teologia Bíblica ou Teologia Sistemática, (São Paulo, Edições Vida nova, 2004), . 60.
9

os apóstolos no registro do Novo Testamento. Quanto a esta relação de


desenvolvimento, Gerard Van Groningen esclarece que
quando o progresso em revelação é observado, então, vê-se e considera-se revelação
expandida e adicional. Não se deve pensar na revelação expandida e/ou como
completamente nova. De certo modo, nada pertencente ao original estava presente.
Como ficará evidente em estudo adicional, há avanço; há desenvolvimento; há
crescimento; há riqueza crescente na medida em que a revelação continua de uma
fase para outra ou de um cenário para outro, ou de uma situação ativa para outra.15

Em cada estágio de desenvolvimento a revelação passou por um processo de


transição entre os distintos períodos da história da redenção. Charles Hodge
comenta que “sem nenhuma transição violenta, as mais antigas revelações deste
mistério foram gradualmente desvendadas, até que o Deus Trino, o Pai, o Filho e o
Espírito, surge no Novo Testamento como o Deus universalmente reconhecido de
todos os crentes”.16A revelação posterior desenvolveu-se a partir da anterior, sendo
complementar. A continuidade da mensagem envolve o seu cumprimento e
também, o fim dos agentes e modos revelacionais.

II. Cessaram os agentes revelacionais


Hoje não há mais profetas nem apóstolos. Misael Nascimento diz que “os
dons devem ser entendidos dentro da moldura do pacto e à luz da doutrina dos
ofícios.”17 A história da redenção possuí seus momentos especiais. A cada
transição dentro da estrutura do pacto tem milagres e modalidades revelacionais
que sinalizam alguma mudança na história da redenção. Os grandes eventos como
a queda, o dilúvio, a libertação do Egito, a condução pelo deserto durante 40 anos,
a invasão da terra prometida, a presença dos profetas, a divisão do reino, o
cativeiro babilônico e o retorno estão presente os profetas interpretando a ação de
Deus.

III. Cessou a comunicação de novas revelações


A Escritura Sagrada é a preservação da Palavra de Deus, registrando todos
os modos da revelação de Deus, sendo ela mesma a revelação o seu estado final,
bem como, ela é a interpretação dos atos revelacionais de Deus. Cremos que
somente a Escritura Sagrada é a Palavra de Deus!

III. Diferentes interpretações cessacionistas


III.1. Cessacionismo exegético
III.2. Cessacionismo história da redenção
III.3. Cessacionismo histórico

15
Gerard Van Groningen, O progresso da revelação no Antigo Testamento (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2006),
pp. 18-19.
16
Charles Hodge, Teologia Sistemática (São Paulo, Editora Hagnos, 2001), p.. 337.
17
Misael Nascimento, “Porque sou cessacionista” in: http://www.misaelbn.com/2011/12/porque-sou-
cessacionista/ acessado às 14:59 do dia 21 de Dezembro de 2011.
10

AS MODALIDADES REVELACIONAIS NA HISTÓRIA DA REDENÇÃO

I. As modalidades revelacionais na antiga aliança

II. As modalidades revelacionais na transição da antiga para nova aliança

III. As modalidades revelacionais evidenciando o fechamento do cânon do NT

O CESSACIONISMO NA HISTÓRIA DA REDENÇÃO


Se os dons revelacionais continuam existindo, então somos confrontados com um
problema a ser resolvido. As revelações continuam sendo comunicadas e há outra palavra de
Deus além da Escritura Sagrada?
Os agentes revelacionais, apóstolos e profetas, estão presentes mediando novas
revelações, supervisionando a igreja e atestando a veracidade de um novo fundamento?
A revelação foi progressivamente dada na história da redenção. A comunicação verbal
da vontade divina envolveu agentes e diferentes modalidades revelacionais, que existiram
sobrepostas, ou cessaram a medida que nova modalidade era acrescida no processo histórico.
Após o Pentecostes a revelação alcança a sua maturação final evidenciando pelo fechamento
do cânon. A obra de Cristo consumada, a promessa do Espírito satisfeita, o fundamento
apostólico lançado e o cânon fechado. Haveria alguma coisa testificando a insuficiência no
registro da história da redenção?

O CESSACIONISMO NAS CONFISSÕES REFORMADAS

A INTERPRETAÇÃO DA CFW
O especialista em história da teologia Garnet H. Milne argumentou que
“uma análise dos teólogos de Westminster revela o seu completo compromisso
com um cessacionismo de um tipo bastante abrangente.” 18 Eles afirmaram que “a
possibilidade de mais revelações cessou, ambos com o propósito de visão
doutrinária e para orientação ética.”19 Assim, “inspiradas mensagens do céu com o
propósito de abrir o sentido da Escritura, para garantia da redenção pessoal, ou
para qualquer outra finalidade, foram consideradas como não sendo mais
possíveis.”20
18
Garnet H. Milne, The Westminster Confession of Faith and the Cessation of Special Revelation – Studies in
Christian History and Thought (Eugene, Wipf & Stock, 2008), p. 145.
19
Garnet H. Milne, The Westminster Confession of Faith and the Cessation of Special Revelation – Studies in
Christian History and Thought, p. 145.
20
Garnet H. Milne, The Westminster Confession of Faith and the Cessation of Special Revelation – Studies in
Christian History and Thought, p. 123.
11

O contexto histórico em que os teólogos de Westminster viviam exigia uma


resposta a dois grupos. Eles lutavam contra as doutrinas católicas, de um lado, e os
desvios anabatistas, de outro. Derek Thomas esclarece que
duas questões estão por detrás desta afirmação: primeiro, a posição de Roma em
reclamar a autoridade da Igreja em matéria de fé e vida; segundo, a tendência dos
anabatistas de citar novas revelações do Espírito como algo normativo da fé e
comportamento cristãos. A implicação desta afirmação para o fenômeno carismático
moderno dificilmente poderia ser mais relevante. Reivindicações de revelações
diretas e imediatas do Espírito não têm lugar no pensamento dos teólogos de
Westminster.21

E, isto pode ser comprovado com base em três preposições:


1. A cessação da revelação especial pelos antigos modos – CFW I.1
2. A declaração da suficiência das Escrituras: “nada se acrescentará” – CFW I.6
3. O Espírito Santo fala por meio da Escritura Sagrada – CFW I.10

I. A cessação da revelação especial pelos antigos modos – CFW I.1


O texto original da CFW declara que a fonte de todo o conhecimento de
Deus, das suas obras e, da sua vontade na história da redenção se registra na
Escritura Sagrada. A CFW I.1 inicia afirmando a insuficiência da revelação geral
para o conhecimento salvador, menciona a revelação progressivamente
comunicada e a preservação da revelação especial pelo seu registro inspirado,
culminando na solene declaração de que este processo revelacional cessou com o
fechamento do cânon das Escrituras.
Embora à luz da natureza, e das obras da criação e da providência, de tal modo, a
manifestar a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, a ponto de deixar todos os
homens indesculpáveis (Rm 2:1, 14-15; 1:19-20, 32; Sl 19:1-3), ainda assim, [esta
luz da revelação geral] não é suficiente para dar aquele conhecimento de Deus e da
sua vontade, que é necessário para a salvação (1 Co 1:21, 2:13-14). Por isso, o
Senhor serviu-se, em diversos tempos e de diversas maneiras, revelar-se, e declarar
aquela sua vontade para a sua Igreja (Hb 1:1), e, depois para a melhor preservação e
propagação da verdade, e para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja
contra a corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo, a fez escrevê-la (Pv
22:19-20;. Lc 1:3-4; Rm 15:04; Mt 4:4,7,10; Is 8:19-20); o que torna a Sagrada
Escritura para ser mais necessário (2 Tm 3:15, 2 Pe 1:19); e, aqueles antigos modos
de Deus revelar a sua vontade ao seu povo, cessaram (Hb 1:1-2).22

II. A declaração da suficiência das Escrituras: “nada se acrescentará” – CFW I.6


O argumento em favor do princípio sola Scriptura no primeiro capítulo da
CFW é fundamentado de modo duplo. Primeiro, é declarado que cessaram os
antigos modos de Deus revelar, porque a Escritura é o processo final da revelação
de modo completo. Agora a ideia se complementa afirmando que nada deve ser
acrescentado à Escritura Sagrada por causa da sua suficiência.
21
Derek Thomas, A visão puritana das Escrituras – uma análise do capítulo de abertura da Confissão de Fé de
Westminster (São Paulo, Editora Os Puritanos, 1998), p. 20.
22
Ofereço aqui uma tradução mais literal, comparado ao texto publicado pela Editora Cultura Cristã.
12

A CFW I.6 declara que


Todo o conselho de Deus, concernente a todas as coisas indispensáveis à sua glória, à
salvação, fé e vida do ser humano, ou está expressamente registrado na Escritura, ou
pode ser lógica e claramente deduzido dela; à qual nada, e em tempo algum, se
acrescentará, seja por novas revelações do Espírito, seja por tradições humanas. Não
obstante, reconhecem ser indispensável à iluminação interior do Espírito de Deus
para o salvífico discernimento de tais coisas como se encontram reveladas na
Palavra; e que há certas circunstâncias concernentes ao culto divino e ao governo da
Igreja, comuns às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela
luz da natureza e da prudência cristã, segundo as regras gerais da Palavra, as quais
sempre devem ser observadas.

É necessário observar que os teólogos da Assembleia de Westminster não se


referiam a um acréscimo textual nas Escrituras. Em CFW I.6 eles não se referiram
a uma continuação da escrita de novos livros, porque esta possibilidade eles
negaram em CFW I.1. Agora eles condenavam qualquer ensino que insinuasse a
insuficiência da autoridade da Escritura, ou a tentativa de oferecer ou promover
outra fonte além de autoridade além das Escrituras. A conclusão segue que é algo
reprovado acrescentar lado a lado da Escritura novas revelações ou tradições
humanas.

III. O Espírito Santo fala por meio da Escritura Sagrada – CFW I.10
10. O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser
determinadas e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as
opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares,
o Juiz Supremo em cuja sentença nos devemos firmar não pode ser outro senão o
Espírito Santo falando na Escritura (Mt 22:29, 31; At 28:25; Gl 1:10).

Os teólogos de Westminster concluíram que cessaram as novas


comunicações da revelação especial como também os seus agentes e os seus
modos. Deus fala somente através da Escritura Sagrada.
Não há dúvidas de que a Confissão de Fé de Westminster adota a posição
cessacionista quanto à revelação especial. Assim, negar que a posição oficial
adotada majoritariamente pelos que escreveram os Padrões de Westminster não é
cessacionista seria equivalente que duvidar do seu Calvinismo e Presbiterianismo,
bem como das doutrinas essenciais neles contidos.

O CATECISMO MAIOR DE WESTMINSTER


Não somente a Confissão de Fé, bem como o Catecismo Maior de
Westminster, coerentemente afirmam o cessacionismo revelacional.

Pergunta: 80. Poderão os crentes verdadeiros ter certeza infalível de que estão no
estado da graça e de que neste estado perseverarão até a salvação? Resposta: Aqueles
que verdadeiramente creem em Cristo, e se esforçam por andar perante Ele com toda
a boa consciência, podem, sem uma revelação extraordinária, ter a certeza infalível
13

de que estão no estado de graça, e de que neste estado perseverarão até a salvação,
pela fé baseada na verdade das promessas de Deus e pelo Espírito que os habilita a
discernir em si aquelas graças às quais são feitas as promessas da vida, testificando
aos seus espíritos que eles são filhos de Deus.

Johannes G. Vos comentando a expressão “sem uma revelação


extraordinária” ele diz que “isso não quer dizer que haja alguma revelação especial
ou alguma voz estranha dentro de nós, ou que Deus vai falar conosco da mesma
maneira que falou com Moisés ou com Paulo, como uma pessoa fala com outra. Se
esperarmos coisas assim ficaremos decepcionados.”23

O TESTEMUNHO DOS TEÓLOGOS REFORMADOS


O testemunho majoritário dos teólogos reformados foi a favor da cessação
dos dons extraordinários, dentre eles o dom de línguas. A seguir teremos citações
objetivas a respeito deste assunto.

I. Martinho Lutero (1483-1546)


Martinho Lutero, Pelo evangelho de Cristo, pp. 163-170
Lutero em sua exposição do Evangelho de João afirma que “aquilo que os
apóstolos pregaram a Palavra, e deram em seus escritos, nada mais do que eles
escreveram permanece revelado, não há nenhuma nova revelação ou milagre é
necessário”.24
Lutero comentando a Epístola aos Gálatas nota que
na Igreja primitiva, o Espírito Santo foi enviado de forma visível. Ele desceu sobre
Cristo na forma de uma pomba (Mt. 3:16), e à semelhança de fogo sobre os apóstolos
e outros crentes. (Atos 2:3) Esse derramamento visível do Espírito Santo foi
necessário para o estabelecimento da Igreja primitiva, como também foram
necessários os milagres que acompanharam o dom do Espírito Santo. Paulo explicou
o propósito destes dons miraculosos do Espírito em 1 Coríntios 14:22, “as línguas
são um sinal, não para os que creem, mas para os que não creem.” Uma vez que a
Igreja tinha sido estabelecida e devidamente anunciada por estes milagres, a
aparência visível do Espírito Santo cessou.25

II. João Calvino (1509-1564)


João Calvino reprova um grupo dentre os anabatistas, que ele chama de
fanáticos, que alegavam receberem revelações sem a mediação das Escrituras. Ele
afirma que “recentemente surgiu pessoas de mau caráter, que com muito orgulho,
jactando-se de ensinar em nome do Espírito, depreciam a Escritura e, zombam da
simplicidade dos que ainda seguem o que esses, de mau caráter, chamam de letra
23
Johannes G. Vos, Catecismo Maior de Westminster Comentado (São Paulo, Editora Os Puritanos, 2007), pp. 236-
237.
24
Martin Luther, Works, vol. 24, p. 366 citado em Victor Budgen, The Charismatics and the Word of God – a biblical
and historical perspective on the charismatic movement (Darlington, Evangelical Press, 2001), p. 123.
25
Martinho Lutero, traduzido por Theodore Graebner [Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 1949], pp 150-172. A
respeito do comentário de Lutero de Gálatas 4:6.
14

morta e que mata.”26


Noutro lugar ele afirma que “entretanto, isto permanece estabelecido: com
esta perfeição da doutrina, que Cristo trouxe, pôs-se um fim a todas as profecias,
de tal sorte que violam sua autoridade quantos, não contentes com o evangelho, o
remendam de algo estranho.”27
Ele segue questionando da veracidade da fonte de onde estas alegadas novas
revelações procedem. Ele exige que
esses fanáticos me respondam também o seguinte: terão eles bebido de outro Espírito
e não daquele que o Senhor prometeu aos seus discípulos? Ainda que estejam
possuídos de loucura tão extrema, não os considero, contudo, arrebatados de tão
furiosa demência a ponto de terem a ousadia de gabar-se disso. Mas, ao prometer o
Espírito, de que natureza declarou ele haver de ser esse Espírito? Na verdade, era um
Espírito que não falaria por si mesmo, mas, ao contrário, sugeriria a mente deles e
nela instilaria aquilo que ele mesmo, Jesus, havia transmitido por meio da Palavra (Jo
16:13). Portanto, não é função do Espírito que Cristo nos prometeu desvendar novas
e indizíveis revelações, ou forjar novos tipos de doutrina, pelos quais sejamos
desviados do ensino do Evangelho já recebido. Ao contrário, a função do Espírito é a
de selar, na nossa mente, a mesma doutrina que o Evangelho nos recomenda.28

O seguinte argumento de Calvino é que a Escritura e o Espírito não se


separam, de modo que, tudo o que o Espírito quer revelar, Ele o faz por meio da
Escritura. Ele esclarece que no texto de 2 Co 3:8, Paulo reconhece que
o seu ministério de pregação era sob o Espírito, querendo dizer com isso, sem
dúvida, que o Espírito Santo de tal modo se prende à sua verdade expressa na
Escritura, nela manifestando e patenteando o seu poder, que nos leva a reconhecer na
Palavra a devida reverência e dignidade. E isto não contradiz o que foi dito pouco
atrás quando afirmamos que a Palavra não é absolutamente certa para nós, se não for
confirmada pelo testemunho do Espírito, visto que o Senhor uniu entre si - como se
fosse por mútua ligação -, a certeza de sua Palavra e a certeza do seu Espírito, de
maneira que a firme religião da Palavra seja implantada em nossa alma, quando
brilha o Espírito, fazendo-nos contemplar a face de Deus. Do mesmo modo,
reciprocamente, abraçamos ao Espírito sem nenhum temor ou engano, quando o
reconhecemos na sua imagem, ou seja, na Palavra! E, de fato, é assim!29

Calvino explica que “o dom de cura, como o resto dos milagres, os quais o
Senhor quis que fossem trazidos à luz por um tempo, desapareceu, a fim de tornar
a pregação do Evangelho maravilhosa para sempre.”30 Ainda quanto ao dom de
operação de milagres, Calvino comenta que, embora
Cristo não declara expressamente se Ele pretende que esse dom [de milagres] seja
temporário ou que permaneça perpetuamente na Igreja, é mais provável que os
milagres tenham sido prometidos apenas por um tempo, para dar brilho ao evangelho

26
Juan Calvino, Institución de la Religión Cristiana (Barcelona, FeLire, 4ª ed., 1994), I.9.1, p. 44. Será citada apenas
como Institutas.
27
João Calvino. As Institutas da Religião Cristã: Edição Clássica. II.15.2. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. p. 249.
28
Juan Calvino, Institutas, I.9.1, p. 45.
29
João Calvino, Institutas, I.9.3, p. 46.
30
João Calvino, Institutas da Religião Cristã, IV: 19, 18.
15

enquanto ele era novo ou em estado de obscuridade.31

Ao comentar Ef 4 [Institutas].

III. John Knox (1514-1572)


Recentemente escritores continuístas têm atribuído a John Knox o dom
profético. Parece que a falsa crença retrocede aos seus contemporâneos. Charles J.
Guthrie em nota que esclarece que “quando creditado com dons proféticos pelos
seus seguidores, o próprio Knox respondia: ‘minha segurança não está nos
milagres de Merlin, nem nas obscuras sentenças das profecias profanas. Mas,
primeiro, na plena verdade da Palavra de Deus, segundo, na invencível justiça do
eterno Deus, e terceiro, no curso ordinário de suas punições e pragas desde o
início, são minha segurança e fundamento’”.32

IV. William Perkins (1558-)

V. William Ames (1576-1633)


William Ames, em seu compêndio de dogmática The Marrow of Theology,
faz algumas declarações:
24. Um ministro extraordinário é aquele que tem certa direção maior e mais perfeita
do que se consegue obter por meio de meios ordinários.
25. Tais ministros sempre têm dons extraordinários e assistência, de modo que, eles
ministravam sem erro.
[...]
37. Os profetas, apóstolos e evangelistas eram ministros extraordinários.
38. Wyclif, Lutero, Zwingli e outros que foram os primeiros restauradores do
evangelho não eram, estritamente falando, ministros extraordinários.
39. Todavia, eles não eram erroneamente chamados de extraordinários por ninguém.
Primeiro, porque eles não fizeram algo similar ao que realizado pelos ministros
extraordinários de antigamente. Segundo, porque como ocasião exigiria que eles
recebessem dons de especial magnitude de Deus. Isto pode também ser afirmado de
muitos dos mais famosos mártires. Terceiro, porque eles necessariamente tentaram
algumas coisas fora do curso comum, que desde o fim dos tempos foi deturpado e
deteriorado.
40. Entretanto, é ridículo requerer milagres destes homens para confirmar a doutrina
que propuseram, quando tal confirmação não era necessária, nem mesmo entre os
ministros extraordinários.33

V. David Dickson (1583-1663)


David Dickson viveu nos anos da realização da Assembleia de Westminster
e foi renomado professor de teologia na Universidade de Edimburgo, na Escócia.
A sua importância é porque o seu pensamento reflete o contexto de seus
contemporâneos. Ele mesmo foi um fiel docente dos Padrões de Westminster e os

31
John Calvin, Comentário sobre os Evangelhos Sinóticos, III:389.
32
John Knox, The History of the Reformation in Scotland (Edinburgh, The Banner of Truth, 2000), p. 277.
33
William Ames, The Marrow of Theology (Grand Rapids, Baker Books, 1997), pp. 183, 185.
16

usou como livro-texto de suas aulas, preservando uma subscrição estrita.


Em seu comentário da CFW, que recebeu o nome de Truth’s Victory Over
Error 34ele escreveu:
Questão 335
Aqueles modos de Deus revelar a sua vontade ao seu povo cessaram?
Sim.
Deste modo, então, não estariam os Entusiastas e os Quakers errados, ao afirmarem
que o Senhor não cessou de revelar a sua vontade, como ele o fez na antiguidade?
Sim.
Por quais razões eles devem ser rejeitados?
Porque Deus, que muitas vezes e de muitas maneiras, falou em tempos
passados aos pais, por meio dos profetas, nestes últimos tem nos falado por meio de
seu Filho (Hb 1:1-2). O apóstolo chamou o tempo do Novo Testamento de últimos
dias, porque sob o mesmo período nenhuma alteração deveria ser esperada, senão
que todas as coisas estavam completas e deveriam permanecer sem adição ou
mudança, como ensinadas e ordenadas por Cristo, até o último dia (veja também Jl
2:28; At 2:27). Os modos e maneiras da antiguidade eram: primeiro, pela inspiração
(2 Cr 15:1; Is 59:21; 2 Pe 1:21); segundo, por visões (Nm 12:6); terceiro, por sonhos
(Jó 33:14-16; Gn 40:8); quarto, pelo Urim e Tumim (Nm 27:21; 1 Sm 30:7-8);
quinto, por sinais (Gn 32:24-32; Êx 12:21); sexto, por voz audível (Êx 20:1; Gn
22:15). Todos findaram com a escrita (Êx 17:14), que é o mais seguro e infalível
modo do Senhor revelar a sua vontade ao seu povo.

VI. Johannes Wollebius (1586-1629)


Wollebius declara que
os dons de milagres e profecia foram extraordinários, dados para a confirmação do
evangelho, e eles passaram agora que o evangelho se espalhou pela pregação entre as
nações. Assim, os apóstolos não prometeram mais milagres, nem outras profecias,
pelo contrário, afirmaram que profecias e milagres seriam uma marca da “igreja”
anticristã (2 Ts 2:9 e Ap 13:13). E o próprio Cristo declarou que ele não os
reconheceria [como realizados os milagres e profecia] (Mt 7:22).36

Referindo-se aos ministros extraordinários esclarece que “I. As marcas do


ministro extraordinário eram os dons extraordinários. II. Estas eram os dons de profecia, línguas
e milagres. III. Estes dons extraordinários antigamente abundavam sempre que a vontade de
Deus, ou a necessidade da igreja exigia-os, e depois eram retirados, e o ministério ordinário
continua”.37

VII. John Owen (1616-1683)


.
O príncipe dos puritanos John Owen em seu estudo sobre os dons do

34
David Dickson, Truth’s Victory Over Error – A Commentary on the Westminster Confession of Truth (Edinburgh,
The Banner of Truth, 2007), pp. 3-4.
35
Nesta questão 3 David Dickson comenta apenas a CFW I.1.
36
Johannes Wollebius, Compendium Theologicae Christianae in: John W. Beardslee III, Reformed Dogmatics:
seventeenth-century Reformed Theology through the Writings of Wollebius, Voetius, and Turretin (Grand Rapids,
Baker Books, 1977), p. 141.
37
Johannes Wollebius, Compendium Theologicae Christianae, pp. 142-143.
17

Espírito declarou que


os dons que em sua própria natureza excedem a plenitude do poder de todas as
nossas faculdades, essa dispensação do Espírito há muito tempo cessou, e onde quer
que alguém hoje tenha a pretensão dos mesmos, tal pretensão justamente pode ser
considerada como suspeita de um engano farsante.38

Ele afirma explicitamente a cessação dos dons revelacionais. Ele esclarece


que “acerca da cessação dos dons extraordinários, que procedem de Deus, também
o dom de discernir espíritos cessou, e nos foi deixada somente a palavra para julgar
sobre qualquer um que pretender ser um deles”.39
Owen cria que a revelação estava completa. Ele afirma que “nada dessa
maneira nunca mais ocorrerá, Deus tendo finalmente revelado a sua mente a
respeito de sua adoração e nossa salvação, uma maldição foi denunciada ao
homem ou anjo que pretender qualquer revelação a fim de alterar ou mudar um
jota ou til do evangelho”.40
Os editores do manual de Teologia Bíblica acresceram um apêndice em que
Owen crítica o movimento dos fanáticos de seus dias.

VIII. Thomas Watson (1620-1686)


O puritano Thomas Watson contemporâneo da Assembleia de Westminster
afirmou “com plena certeza, há tanta necessidade de ordenação hoje, como nos
tempos de Cristo e dos apóstolos, ainda mais porque naqueles tempos haviam os
dons extraordinários na igreja, que agora cessaram”.41

IX. François Turrentini (1623-1687)


Declarando sobre a necessidade da Escritura afirma que o Espírito Santo
“não nos é dado a fim de introduzir novas revelações, mas para imprimir a Palavra
escrita em nosso coração, de modo que aqui a Palavra nunca deve separar-se do
Espírito (Is 59:21)”.42

X. Matthew Henry (1662-1714)


O conhecido comentarista bíblico e pastor presbiteriano Matthew Henry, em
13 de Julho de 1712, afirmou que
o dom de línguas foi um novo produto do espírito de profecia, e era outorgado por
uma razão particular, para que a barreira judaica fosse removida, e todas as nações
pudessem ser inclusas na igreja. Estes e outros dons de profecia sendo sinal, há muito
tempo cessaram e foram postos de lado; e não temos motivo algum para esperar que
revivam; senão que, pelo contrário, como nos ordena as Escrituras que é a palavra
profética mais segura, mais segura que as vozes do céu; e a elas é que nos exorta a

38
John Owen, The work of the Spirit in: The works of John Owen (Edinburgh, The Banner of Truth, 1995), vol. IV, p.
518.
39
John Owen, The work of the Spirit in: The works of John Owen, vol. III, p. 35.
40
John Owen, The work of the Spirit in: The works of John Owen, vol. XIII, p. 32.
41
Thomas Watson, The Beatitudes (Edinburgh, The Banner of Truth, 1971), p. 14.
42
François Turrentini, Compêndio de Teologia Apologética (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2011), vol. 1, p. 107.
18

estar atentos, a examinar e retê-las (2 Pe 1:19).43

Quanto aos dons sobrenaturais ao comentar 1 Co 12, Henry afirma que “o


que eram esses dons nos é largamente dito no corpo do capítulo, ou seja, ofícios e
poderes extraordinários, concedidos a ministros e cristãos nos primeiros séculos,
para a convicção dos descrentes, e propagação do evangelho.”44
Em relação do dom de línguas ele declara que este dom
foi um novo produto do espírito de profecia e dado por uma razão particular, retirar o
judeu e demonstrar que todas as nações podem ser conduzidas à igreja. Estes e outros
sinais da profecia, começaram como sinais, e há muito cessaram e foram deixados
para trás, e nós não temos nenhum incentivo para esperar um avivamento deles; mas,
pelo contrário, somos direcionados para o chamado das Escrituras a mais certa
palavra de profecia, mais certa que vozes dos céus, e ela nos orienta a tomar cuidado,
a busca-la e se firmar nela.45

XI. John Gill (1697-1771)


John Gill comentando 1 Co 12:29 e 30, reconhece que “esses dons foram
concedidos naqueles primeiros tempos comumente, pelo Espírito, aos apóstolos,
profetas e pastores, ou presbíteros da igreja: a cópia de Alexandria, e a versão
Latina da Vulgata, dizem, ‘por um só Espírito.’”46

XII. Jonathan Edwards (1703-1758)


Jonathan Edwards é conhecido por produzir uma sadia teologia em tempos
de avivamento nos Estados Unidos da América. Ele escreveu o exame das
experiências e supostas manifestações atribuídas ao Espírito Santo. 47 Entretanto, ao
contrário do que continuístas afirmam acerca do pensamento de Edwards sobre
avivamento “ele não pensava que um tempo de dons extraordinários do Espírito
Santo havia chegado, por isso negou (em contrário tanto a alguns radicais de seu
tempo quanto aos pentecostais que surgiriam depois) que sinais de êxtase eram a
melhor evidência de um verdadeiro derramamento do Espírito Santo”. 48 Hank
Hanegraaff denuncia vários líderes do movimento Counterfeit Revival que
propõem uma interpretação histórica revisionista do pensamento de Edwards, em
que eles atribuem a ele um continuísmo carismático.49 Entretanto, numa leitura
atenta aos textos de Edwards percebemos que ele, quanto aos dons revelacionais,
era um cessacionista.
Ele categoriza os dons como ordinários e extraordinários. Por
43
Matthew Henry, (), vol. 4, p. vii.
44
Matthew Henry, Comentário Completo, em referência a 1 Coríntios 12.
45
Matthew Henry, Prefácio ao Vol IV de sua Exposição do At e NT, vii.
46
Comentário de John Gill de 1 Coríntios 12:9.
47
Um pastor contemporâneo, em Junho de 1743, escreveu: “não sabemos de visões, transes, nem revelações; mas
de exortações fraternais, com a mais modesta e afetuosa do que é representada”. Joseph Tracy, The Great
Awekening (Edinburg, The Banner of Truth, 1976), p. 326.
48
George Marsden, A breve vida de Jonathan Edwards (São José dos Campos, Editora Fiel, 2015), p. 107.
49
Dentre eles James Ryle, John Arnott, Guy Chevreau, Gerald Coates, Patrick Dixon, William DeArteaga, Nick
Needham, Rand Clark. Veja em Hank Hanegraaff, Counterfeit Revival – Looking for God in all the wrong places
(Nashville, Word Publishing, 2001), pp. 95-115.
19

extraordinários ele diz


tais como o dom de línguas, de milagres, de profecia etc., são chamados
extraordinários porque, como tais, não são dados no curso ordinário da providência
divina. Não são outorgados do modo comum e providencial de Deus tratar com seus
filhos, mas só em ocasiões extraordinárias, como foram outorgados aos profetas e
apóstolos, tal como a capacidade de revelar a mente e vontade de Deus antes que o
cânon das Escrituras fossem completadas, e assim à igreja primitiva, para sua
fundação e estabelecimento no mundo. Mas, desde que o cânon das Escrituras se
completou e estas foram estabelecidas, estes dons extraordinários cessaram.50

Noutro sermão ele reitera que


no conhecimento que o apóstolo diz que se desvanecerá está implícito um dom
particularmente miraculoso que subsistia na igreja de Deus naqueles dias. Pois o
apóstolo, como já vimos, está aqui comparando a caridade com os dons miraculosos
do Espírito – aqueles dons extraordinários que eram comuns na igreja daqueles dias;
um desses dons era o dom de profecia, e outro, o dom de línguas, ou o poder de falar
em idiomas que nunca tinham sido aprendidos. Ambos esses dons são mencionados
no texto; e o apóstolo diz que acabariam e cessariam. [...] É este dom miraculoso que
o apóstolo afirma aqui que desapareceria, juntamente com os demais dons
miraculosos dos quais ele fala, tais como profecia e o dom de línguas etc. Todos
esses foram dons extraordinários outorgados por certo tempo para a introdução e
estabelecimento do cristianismo no mundo; e, quando se atingiu seu propósito, todos
eles desapareceram e cessaram.51

Edwards declara que não há mais revelações hoje.


Se em algum momento alguém uma impressão extraordinária causada em sua mente,
e crer que isso procede de Deus, a revelar-se algo que sucederá no futuro, isso, se
fosse real, provaria ser um dom extraordinário do Espírito Santo, a saber, o dom de
profecia; mas, à luz do que foi dito, é evidente que esse não seria um sinal seguro da
graça ou de algo salvífico; sim, se fosse real, repito – pois, na verdade, não temos
razão para considerar tais coisas, como se pretende em nossos dias, como sendo algo
mais além do que ilusão.52

Ele negava qualquer possibilidade de restauração dos dons extraordinários.


A doutrina da luz divina no pensamento de Edwards é, por vezes, mal
compreendida. Ela não pode ser confundida com o ensino dos entusiastas do
século XVI, nem com os Quackers no século XVII, em que se alegava uma
comunicava revelacional imediato à alma pelo Espírito Santo. Ele define a luz
divina como sendo “um verdadeiro sentido da excelência das coisas reveladas na
Palavra de Deus, e convicção da verdade e da realidade que delas então emana.” 53
Ele nega que esta luz tenha natureza independe da Escritura Sagrada, ou que seja
dada sem a sua mediação. Por isso, ele declara que
essa luz espiritual não é a sugestão de algumas novas verdades ou proposições não
50
Jonathan Edwards, Caridade e seus frutos – um estudo sobre o amor em 1 Coríntios 13 (São Paulo, Editora Fiel,
2015), pp. 50-51.
51
Jonathan Edwards, Caridade e seus frutos, pp. 342-343.
52
Jonathan Edwards, Caridade e seus frutos, pp. 65-66.
53
Jonathan Edwards, A busca do crescimento (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2010), p. 33.
20

contidas na Palavra de Deus. Essa sugestão de novas verdades ou doutrinas à mente,


independentemente de qualquer revelação anterior a essas proposições, seja em
palavra ou escrita, é inspiração; como os profetas e apóstolos tiveram, e como alguns
entusiastas pretendem ter. Mas essa luz espiritual da qual estou falando é coisa bem
diferente da inspiração. Ela não revela nova doutrina, não sugere nova proposição à
mente, não ensina coisa nova sobre Deus, ou Cristo, ou outro mundo, não ensinado
na Bíblia, mas apenas dá uma apresentação correta dessas coisas que são ensinadas
na Palavra de Deus.54

Apesar de Edwards aceitar, interpretando à luz das Escrituras, as experiências


sobrenaturais que ocorreram durante o Grande Despertamento, em nenhum
momento ele admitiu a presença dos dons revelacionais, ou a possibilidade de
novas revelações pelo Espírito Santo à igreja em seus dias.

XIII. George Whitefield (1714-1770)


George Whitefield em resposta ao bispo de Londres declarou que “nunca
pretendi ter estas operações extraordinárias de fazer milagres, nem falar em
línguas.”55
Em 1740, um amigo defendendo Whitefield das acusações de fanatismo,
escreveu “ele renunciou a todas as pretensões de poderes extraordinários e sinais
dos apóstolos – dons de cura, falar em línguas, a fé miraculosa, e coisas peculiares
ao período da inspiração, e extinto com estes”.56

XIV. James Buchanan (1791-1868)


James Buchanan, um dos principais líderes da Igreja Presbiteriana da
Escócia, escreveu um importante livro sobre o ofício e obra do Espírito Santo. Ele
afirmou que “os dons miraculosos do Espírito há muito tempo foram retirados.
Foram usados para cumprir com um propósito temporal. Foram usados como um
andaime que Deus usou para a construção de um templo espiritual”.57

XV. Robert Shaw (1795-1863)


Robert Shaw produziu um comentário da CFW que é referência para os
estudiosos do assunto. Acerca do capítulo I ele declara
Ele falou aos pais por meio dos profetas “várias vezes e de muitas maneiras” (Hb
1:1). A expressão “várias vezes” pode ser entendida “como se referindo ao conteúdo
da antiga revelação, dada em diferentes partes, e em diferentes tempos, assim
convém a ideia de um gradual desenvolvimento da verdade em diferentes épocas, e
por diferentes pessoas;” e o termo “diferentes modos” pode ser entendido “como
indicando os vários modos em que aquelas revelações foram comunicadas, isto é, por
meio de sonhos, visões, símbolos, Urim e Tumim, êxtases proféticos, e etc.. Durante

54
Jonathan Edwards, A busca do crescimento, p. 32.
55
George Whitefield, Works, vol. 4, p. 9.
56
D.M. Lloyd-Jones, Exposition of Romans 8:5-17 (Edinburg, The Banner of Truth, 1974), p. 332 citado por Victor
Budgen, The Charismatics and the Word of God – a biblical and historical perspective on the charismatic
movement, p. 163.
57
James Buchanan, The office and work of Holy Spirit (London, The Banner of Truth Trust, 1966), p. 34.
21

a nova dispensação, Deus completou toda a revelação de sua vontade em seu Filho, e
nenhuma nova revelação deveria ser esperada até o fim do mundo.58

XVI. William G.T. Shedd (1820-1894)


Escreve também, em 1888, que
os dons sobrenaturais de inspiração e milagres que os apóstolos possuíram não
continuaram com os seus sucessores ministeriais, posto que já não eram mais
necessários. Todas as doutrinas do Cristianismo haviam sido reveladas aos apóstolos
e entregue à Igreja de forma escrita. Não havia mais a necessidade de uma inspiração
infalível posterior. E as credenciais e autoridade conferidas aos primeiros pregadores
do Cristianismo através de atos milagrosos devidamente autenticados é suficiente
para estabelecer a origem divina do evangelho. Num tribunal humano não é
necessário uma serie indefinida de testemunhas. “Por boca de duas ou três
testemunhas” os fatos se estabelecem. O caso que foi decidido não será reaberto.59

XVII. Archibald A. Hodge (1823-1886)


A.A. Hodge teve por motivo escrever um comentário da CFW por causa do
seu interesse de treinar líderes. Ele relata que após visitar classe de estudo da CFW
na Igreja Presbiteriana da Rua do Estado, na cidade Albany, que objetiva “um
conhecimento mais elevado das coisas divinas e uma apreciação mais solícita e
inteligente das Doutrinas e dos Padrões Doutrinais da nossa própria denominação,
bem como para educar seus melhores elementos de cada época.”60
Limitando o nosso assunto, podemos citá-lo em seus comentários da CFW
I.1:
3. Que, consequentemente, aprouve a Deus, por sua soberana graça, de várias formas
e diferentes épocas, fazer de si mesmo e de seu propósito uma revelação supernatural
a uma porção escolhida da família humana.
4. E que, subsequentemente, aprouve a Deus fazer que essa revelação fosse escrita e
ser exclusivamente confinada nas Sagradas Escrituras.61

Noutro lugar ele interpreta o significado dos antigos modos da revelação:


4.3. Como matéria de fato, Deus fez tal revelação. Aliás, em certo período da história
ele se manteve sem testemunha. Suas comunicações ao gênero humano, ao longo dos
primeiros três milênios, foram feitas de “diversas maneiras” – por meio de teofanias
e de vozes audíveis, sonhos, visões, o urim e tumim e a inspiração profética; e os
resultados dessas comunicações se difundiram e se perpetuaram por meio da
tradição.62

A interpretação de A.A. Hodge da expressão “nada se acrescentará” da CFW


I.6, envolve que:
2. Nada, ao longo da presente dispensação, se deve acrescentar a esta perfeita regra
58
Robert Shaw, The Reformed Faith – an exposition of the Westminster Confession of Faith (Inverness, Christian
Focus Publications, 1974), p. 6.
59
William G.T. Shedd, Dogmatic Theology, p. 2, p. 369
60
A.A. Hodge, Confissão de Fé Westminster – Comentada (São Paulo, Editora Os Puritanos, 2ªed., 1999), p. 5.
61
A.A. Hodge, Confissão de Fé Westminster – Comentada, p. 50. Hodge repete o mesmo argumento desdobrando-
o em contraste com a insuficiência da revelação natural nas pp. 53-54.
62
A.A. Hodge, Confissão de Fé Westminster – Comentada, p. 54.
22

de fé, seja por novas revelações do Espírito, seja pelas tradições humanas.

Nenhuma nova revelação do Espírito se deve esperar agora:


2.1. Porque ele já nos deu uma regra completa e todo-suficiente.
2.2. Porque, enquanto o Velho Testamento prediz a nova dispensação, o Novo
Testamento não faz referência a alguma revelação adicional a ser esperada antes do
segundo advento de Cristo: eles sempre se referem à “vinda” ou “aparecimento” de
Cristo como o próximo evento supernatural a ser antecipado.
2.3. Como matéria de fato, nenhuma pretensa revelação do Espírito, desde os dias
dos apóstolos, tem levado as marcas ou sido acompanhada com os “sinais” de uma
revelação supernatural; ao contrário, todas se têm revelado – como as de Swedenborg
e dos mórmons – como inconsistentes com a verdade bíblica, diretamente opostas à
autoridade da Escritura e ensinam maus costumes; tais revelações particulares têm
sido professadas somente por entusiastas presunçosos, e são impossíveis de
averiguação.63

XVIII. Abraham Kuyper (1837-1920)


Quanto aos apóstolos Kuyper declara que
nós não podemos encerrar o assunto do apostolado sem dar uma última olhada no
círculo de seus membros. Esse é um círculo fechado, e todo esforço para reabri-lo
tende a obliterar uma característica da nova aliança. [...] A inutilidade de um apelo a
tais profetas para apoiar esse novo apostolado é evidente. Trata-se meramente de um
esforço para apoiar um apostolado insustentável por um profetismo igualmente
insustentável.64

XIX. Benjamin B. Warfield (1851-1921)


B.B. Warfield em sua obra de história da teologia constatou que as línguas e
profecia pertenceram exclusivamente ao período apostólico. Comentando a relação
dos dons em 1 Co 12 ele conclui que
a igreja apostólica foi marcada como sendo um dom de Deus, evidenciando a
possessão do Espírito e condicionada a obra do Espírito – milagres de curas e
milagres de poder, milagres de conhecimento, na forma de profecia ou de
discernimento de espíritos, milagres de discurso, em que o dom de línguas, ou a sua
interpretação. A igreja apostólica foi caracteristicamente uma igreja de operações de
milagres. Até quando perduraria este estado de coisas? Isto foi uma característica
peculiarmente da igreja apostólica, e deste modo, pertencente exclusivamente à era
apostólica – todavia, sem dúvida esta designação pode ser recebida com alguma
abertura.65

Afirmando a necessidade descansa na insuficiência da revelação natural e a


cessação da revelação supernatural.66

XX. Arthur W. Pink (1886-1952)


A.W. Pink que foi um reconhecido teólogo reformado escreveu que
63
A.A. Hodge, Confissão de Fé Westminster – Comentada, p. 65.
64
Abraham Kuyper, A obra do Espírito Santo (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2010), pp. 185-186.
65
Benjamin B. Warfield, Counterfeit miracles (Unicoi, The Trinity Foundation, 2007), pp. 26-27.
66
B.B. Warfield, The Westminster Assembly and Its Work in: The Works of B.B. Warfield, vol. 6, pp. 195-196.
23

assim como houve ofícios extraordinários (apóstolos e profetas) no começo de nossa


dispensação, também houve dons extraordinários; e como não houve sucessores
designados para estes ofícios extraordinários, também não houve intenção de que
continuasse esses dons extraordinários. Os dons dependiam dos ofícios. Não temos
mais os apóstolos conosco, e consequentemente muito menos os dons sobrenaturais,
a comunicação dos quais constituiu parte essencial dos sinais de um apóstolo agora
estão ausentes (2 Co 12:12).67

XXI. Derek Thomas


Derek Thomas num estudo sobre a concepção puritana das Escrituras
apresenta que a convicção deles era cessacionista.68 Ele comenta que
a afirmação de abertura contém uma negação da continuação de revelações da parte
de Deus. Tudo que precisamos saber foi escrito na Bíblia, e todas as assim chamadas
revelações privadas cessaram. Isto tem relevância para um problema contemporâneo:
o fenômeno do falar em línguas e a profecia. Se profecia e línguas são novas
revelações – como elas sem dúvida são no NT – elas são rejeitadas e não admitidas
até o ponto que concerne esta afirmação da confissão.69

Noutro lugar ele comentando a CFW I.6, afirma que


é uma mensagem dirigida contra Roma, mas ela pode ser igualmente aplicada às
tendências correntes no ensino evangélico. Como já notamos, clamores de que os
dons de profecia e línguas existem hoje, devem ser confrontados com o fato de que
estes dons eram formas de revelação, acompanhadas de toda autoridade de tais
revelações.70

XXII. W. Gary Crampton


W. Gary Crampton em seu livro, que é um comentário da CFW capítulo I,
interpreta o parágrafo 1 da seguinte forma
assim, quando os apóstolos morreram, ou “baixaram a sua pena”, a entrega da
revelação especial cessou. O texto de 2 Tm 3:16-17 atesta para este fato, onde eles
reivindicam que a Escritura está completa (os 66 livros da Bíblia) pela qual nos
equipa “para toda boa obra.” Por implicação, então, não há nem pode existir divina
revelação especial extrabíblica. O cânon do Escritura está fechado: “cessaram
aqueles antigos modos [milagres, línguas, profecias faladas, visões, teofanias,
sonhos, visitas angelicais] de Deus revelar a sua vontade ao seu povo.”71

XXIII. Wayne R. Spear


Wayne R. Spear afirma que
a Confissão também adverte contra “novas revelações do Espírito,” porque os que
apelam a elas, implica que a revelação de Deus na Escritura é menos do que
completa. A doutrina da suficiência da Escritura é resguardada contra o ensino
perturbador e não-bíblico de muitos que são chamados de “Terceira Onda” no
67
A.W. Pink, The Holy Spirit (1970), p. 179.
68
Os teólogos da Assembleia de Westminster eram puritanos.
69
Derek Thomas, A visão puritana das Escrituras – uma análise do capítulo de abertura da Confissão de Fé de
Westminster, pp. 14-15.
70
Derek Thomas, A visão puritana das Escrituras – uma análise do capítulo de abertura da Confissão de Fé de
Westminster, p. 27.
71
W. Gary Crampton, By Scripture Alone – the sufficiency of Scripture (Unicoi, The Trinity Foundation, 2002), p. 46.
24

Cristianismo atual.72

A IPB COMO HERDEIRA DA REFORMA

O propósito desta parte é apresentar que como herdeiros da Reforma


recebemos e preservamos o legado do princípio sola Scriptura. Este é o pilar
fundamental para todos os outros, e ao mesmo tempo norteador essencial da nossa
identidade reformada. O presbiterianismo possui o seu sistema doutrinário
centrado na Escritura Sagrada. Desde a Reforma do século XVI foi ensinada a
doutrina da sola Scriptura – ou seja, que a Escritura é a única fonte e regra de
autoridade. Isto significa que a base da nossa doutrina, forma de governo, culto e
práticas eclesiásticas não está no tradicionalismo, racionalismo, subjetivismo,
relativismo, pragmatismo, ou no pluralismo, mas extraída e fundamentada somente
na Escritura Sagrada, porque cremos que ela é a verdade absoluta revelando a
vontade de Deus.

I. O que é sola Scriptura?


O princípio da sola Scriptura não exclui outras referências de autoridade.
Isto significa que
só a Bíblia tem autoridade de obrigar a consciência dos crentes. Os protestantes
reconheciam outras formas de autoridade, como cargos da igreja, magistrados civis,
credos e confissões eclesiásticas. Mas viam essas autoridades como sendo derivadas
de e subordinadas à autoridade de Deus. Nenhuma dessas autoridades menores era
considerada absoluta, porque todas elas eram capazes de erro. Somente Deus é
infalível. Autoridades falíveis não podem constranger a consciência de modo
absoluto; este direito é reservado somente a Deus e à sua Palavra.73

A Escritura Sagrada é a autoridade suprema em que todas as questões doutrinárias


e eclesiásticas devem ser decididas (Dt 4:2). Esta doutrina é importantíssima para a
purificação da Igreja. Tudo o que nela não se lê, nem por ela se pode provar, não
deve ser exigido de pessoa alguma que seja crido como artigo de fé ou, julgado
como exigência ou, necessário para a salvação. Na Bíblia o homem encontra tudo
o que precisa saber, e tudo o que necessita fazer a fim de que seja salvo, e viva de
modo agradável a Deus, servindo e adorando-o (2 Tm 3:16-17; 1 Jo 4:1; Ap
22:18). Somente a Escritura Sagrada é autoridade absoluta para definir as nossas
convicções, porque apenas nela encontramos a verdadeira sabedoria do alto. Ela
rege as nossas decisões e molda o nosso comportamento, como também determina
a qualidade dos nossos relacionamentos.
72
Wayne R. Spear, Faith of our father – a commentary on the Westminster Confession of Faith (Pittsbrugh, Crown
& Covenant Publications, 2006), p. 15.
73
R.C. Sproul, O que é teologia reformada – seus fundamentos e pontos principais de sua soteriologia (São Paulo,
Editora Cultura Cristã, 2009), p. 35.
25

I. A reação sola Scriptura dos reformadores contra a Igreja Católica Romana


Os reformadores positivamente afirmavam a suficiência das Escrituras nas
matérias de fé e prática e negavam a veracidade das revelações, a legitimidade da
ICAR como reguladora de autoridade, bem como os meios apresentados pelos
papistas como instrumentos de graça ou de revelação da vontade de Deus.

UMA BREVE ANÁLISE


DA “PASTORAL DOS DONS DO ESPÍRITO SANTO”

O Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil criou uma Comissão


Permanente de Doutrina. Esta comissão funcionou provisoriamente e produziu
uma “Carta Pastoral endereçada aos Concílios e Ministros da Igreja Presbiteriana
do Brasil” com o título de “O Espírito Santo Hoje – Dons de Línguas e Profecia”,
este documento adota a posição Cessacionista Histórico-teológica e será analisado.
Atingindo o objetivo de nosso artigo, basta-nos citar que repetidas vezes a
Carta Pastoral declara que cessou o dom de línguas:
1. “segundo At 1:8, e pertenceram, assim, como sinal de cumprimento da
promessa do Espírito, àquele período específico da história da redenção”
[p.8].
2. “Podemos concluir que, como evidência do cumprimento das diferentes
etapas do Pentecostes, as línguas cessaram” [p. 11].
3. “Assim, podemos concluir que, sob o prisma de sinal do juízo de Deus, as
línguas cessaram” [p. 12].
4. “A História da Igreja registra que as línguas cessaram algum tempo após a
era apostólica. [...] Assim, através dos séculos, a Igreja vem servindo a
Deus, evangelizando o mundo e sendo edificada sem o pretenso auxílio das
mesmas” [p. 13].
5. “A Igreja não se sente compelida a aceitar como genuínas quaisquer
manifestações contemporâneas de ‘línguas’ que não se conformem ao
precedente estabelecido pelo Espírito Santo nas Sagradas Escrituras. Cabe
aos que acreditam e têm ensinado que Deus tem renovado esse dom na
Igreja Contemporânea, o ônus de fornecer evidências claras e inequívocas de
que estas coisas são assim. Afirmações ousadas nesta área, que não podem
ser substanciadas pelas Escrituras, e experiências pessoais cuja genuinidade
não pode ser comprovada, têm antes semeado confusão e discórdia do que
promovido a paz, a unidade e a edificação da Igreja” [p. 14].

O fechamento da Carta Pastoral é claro: aqueles que alegam possuir o dom


de línguas hoje, devem fornecer provas claras e inequívocas de sua legitimidade. O
“ônus da prova” é termo jurídico, e deve ser usado em seu sentido forense, que por
26

definição se refere ao “encargo, atribuído pela lei a cada uma das partes, de
demonstrar a ocorrência dos fatos de seu próprio interesse para as decisões a
serem proferidas no processo”.74 Não há irrefutável evidência de que existem
manifestações do dom de línguas nos dias de hoje. Este é o desafio dos que
reivindicam ter o dom de línguas, devem provar tê-lo, de modo claro e inequívoco,
segundo as Escrituras.

UMA RESPOSTA A ATUAL GLOSSOLALIA

Para que possamos responder aos argumentos mais comumente usados pelos
que alegam falar em línguas devemos recorrer ao ensino das Escrituras. Uma
análise nos textos de Atos e 1 Coríntios será indispensável para conferirmos se a
prática é compatível com o ensino da imutável Palavra de Deus.

VI.1. A manifestação de línguas no livro de Atos


Quanto à transitoriedade da manifestação das línguas no livro de Atos, Max
Turner observa que
Ele menciona o fenômeno somente com referência ao momento do recebimento do
Espírito, mas não há nenhuma evidência clara de que Lucas pensasse que as línguas
fossem normativas desse acontecimento; pelo contrário, concordando com o
judaísmo, Lucas parece crer que uma “evidência inicial” é dada principalmente
quando alguma forma de “legitimação” pública de recepção do Espírito é esperada,
por exemplo, para confirmar a concessão do Espírito não para meros judeus
piedosos, mas para samaritanos “estrangeiros” (8:17-18), para gentios (10:46) e para
os 12 “discípulos” efésios (19:6). Contudo, Lucas não se pronuncia sobre se a
maioria (ou algum) desses receptores continuou experimentando falar em línguas, e
que papel isso teve em sua vida, serviço e testemunho.75

Com o silêncio das Escrituras a melhor opção é calarmos.

VI.2. A manifestação de línguas no livro de 1 Coríntios

1. O dom de línguas de 1 Co eram idiomas. Usando o texto que diz “porque se eu


orar em língua, o meu espírito ora, sim, mas o meu entendimento fica infrutífero”
(1 Co 14:14), alega-se que este texto ensina que há uma expressão das profundezas
do espírito do crente, algo ininteligível, ou irracional, algo que não pode, ou não
precisa ser desenvolvido pelo entendimento; entretanto, parece que não é esta a
linha de pensamento de Paulo em sua argumentação.
Mesmo quando se usa o argumento de que as línguas eram ininteligíveis
apelando para a tradução da “Almeida Revista Corrigida” percebe-se pela
74
Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil (4ª Edição, 2009), vol. 3, p. 71.
75
Max Turner, “línguas” in: Novo Dicionário de Teologia Bíblica, T. Desmond Alexander & Brian S. Rosner, org. (São
Paulo, Editora Vida, 2009), p. 929.
27

comparação de outras versões que a ideia não se sustenta. A equipe de revisores da


ARC acrescentou o termo “estranhas” às línguas faladas na Igreja de Corinto, e
esta adição causa distorção para os leitores que desconhecem a língua original.
Vejamos o gráfico comparativo abaixo:

TEXTO NVI ARA ARC


1 Co 14.5 Gostaria que todos vocês Eu quisera que todos E eu quero que todos vós
falassem em línguas, mas vós falásseis em outras faleis línguas estranhas;
prefiro que profetizem. línguas; muito mais, mas muito mais que
Quem profetiza é maior do porém, que profetizeis, porque o que
que aquele que fala em profetizásseis; pois profetiza é maior do que
línguas, a não ser que as quem profetiza é o que fala em
interprete, para que a igreja superior ao que fala em línguas estranhas, a não
seja edificada. outras línguas, salvo se ser que também
as interpretar, para que interprete, para que a
a igreja receba igreja receba edificação.
edificação.
1 Co 14.6 Agora, irmãos, se eu for Agora, porém, irmãos, E, agora, irmãos, se eu
visitá-los e falar em línguas, se eu for ter convosco for ter convosco falando
em que lhes serei útil, a não falando em outras em línguas estranhas,
ser que lhes leve alguma línguas, em que vos que vos aproveitaria, se
revelação, ou conhecimento, aproveitarei, se vos não vos não falasse ou por
ou profecia, ou doutrina? falar por meio de meio da revelação, ou da
revelação, ou de ciência, ou da profecia,
ciência, ou de profecia, ou da doutrina?
ou de doutrina?
1 Co Assim, se toda a igreja se Se, pois, toda a igreja se Se, pois, toda a igreja se
14.23 reunir e todos falarem em reunir no mesmo lugar, congregar num lugar, e
línguas, e entrarem alguns e todos se puserem a todos falarem línguas
não instruídos ou descrentes falar em outras línguas, estranhas, e entrarem
não dirão que vocês estão no caso de entrarem indoutos ou infiéis, não
loucos? indoutos ou incrédulos, dirão, porventura, que
não dirão, porventura, estais loucos?
que estais loucos?

2. O dom de línguas de 1 Co eram revelacionais. A interpretação de que o dom de


línguas que ocorria na Igreja de Corinto era apenas a capacidade de falar o
evangelho conhecido em outro idioma, não reflete o argumento de Paulo. Estas
línguas eram revelacionais, indo além da mensagem conhecida até então. Devemos
lembrar que o cânon do Novo Testamento ainda estava em processo de escrita, e
que nem mesmo todas as igrejas de diferentes regiões possuíam os livros escritos
até aquele momento. Era necessário que o Espírito Santo comunicasse a vontade
de Deus guiando a Igreja. (1 Co 14:2 e 6).

3. O dom de línguas em 1 Co eram de uso público. A corrente opinião de que se


não houvesse interpretação o que falava em línguas deveria praticá-lo em
28

particular, não reflete o objetivo dos dons que visavam à edificação de toda a
igreja.

4. O dom de línguas era inteligível. O conteúdo das línguas (vs.6), o modo de sua
transmissão (vs. 7-9), bem como a recepção da mensagem (vs. 10-11) tinha o
propósito de ser compreensível aos ouvintes, de modo que, eles progredissem para
a edificação da igreja (vs. 12). Paulo nos instrui, em 1 Co 14:6-12, que o dom de
línguas tinha 1) um conteúdo inteligível - vs.6; 2) uma comunicação inteligível -
vs.7-9; e, 3) uma recepção inteligível - vs.10-12. Deveríamos estranhar quando
alguém supostamente "fala em línguas" emitindo sons desarticulados, extáticos e
ininteligíveis.

O QUE CONCLUIR DOS RELATOS DE EXPERIÊNCIAS?


Sinceros, mas errados
Podemos concordar com Abraham Kuyper
nós não negamos que alguns desses homens fizeram coisas maravilhosas, mas, em
primeiro lugar, os sinais realizados foram bem inferiores aos dos apóstolos; em
segundo lugar, que um homem, como o pastor Blumhardt, também realizou sinais
que merecem ser notados; terceiro, a Igreja Católica Romana algumas vezes oferece
sinais que não são simulados nem artificiais; por último, o Senhor nos advertiu que
estes seriam feitos por homens que não lhe pertencem.76

Mentirosos que querem dominar

Interpretando e praticando a Bíblia erroneamente

O perigo do compatibilismo demoníaco


Exegese 1 Rs 22
Exegese Mt 7
Exegese 2 Ts 2

O QUE É SER CHEIO DO ESPÍRITO SANTO?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste breve artigo a minha tese é de que a CFW é cessacionista quanto à


novas comunicações verbais procedentes de Deus, de modo que, somente a

76
Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, p. 186.
29

Escritura Sagrada é a Palavra, a revelação final. Entretanto, o nosso padrão


confessional também nega a continuidade das antigas modalidades revelacionais,
como por exemplo, o dom de línguas. Se nós subscrevemos a CFW em nossa
ordenação, então, devemos ser coerentes em negar que há contemporaneamente
manifestações das antigas modalidades revelacionais, como o dom de línguas e
profecias, porque o Espírito Santo nos fala seguramente somente pela sua inspirada
Palavra - a Escritura Sagrada. Não há qualquer evidência bíblica que o dom de
línguas seria usado a parte de seu uso revelacional.
Os teólogos da Assembleia de Westminster e seus contemporâneos embora
discordassem quanto a assuntos secundários em matéria de doutrina, eram
coerentes em aceitar a cessação dos dons extraordinários.
A tradição reformada sustenta majoritariamente que o dom de línguas cessou
definitivamente. Alguns teólogos foram citados, e muitos outros que se alinham
com a teologia reformada mantém a identidade cessacionista quantos ao dom de
línguas.
A Carta Pastoral deixa claro que apesar de haver a possibilidade de Deus
conceder eventualmente o dom de línguas hoje, por causa da sua soberania, não há
evidências de que isto tenha ocorrido desde o fim da era apostólica. Ainda caberia
o ônus da prova àqueles que defendem a contemporaneidade do dom de línguas. O
que a Carta Pastoral continuamente enfatiza é a cessação deste dom.
A IPB em seu Digesto – corpo de decisões do Supremo Concílio – rejeita em
termos conceitos, práticos, litúrgicos tanto do Pentecostalismo como do
Neopentecostalismo. Assim, qualquer movimento ou doutrina que tenha
nascedouro nestes terrenos já nascem reprovados.
Se a comunicação da revelação especial cessou, então, a crença e a sua
prática devem ser rejeitadas. Não somos uma denominação pentecostal, nem
carismática que discordam da cessação da revelação especial. Estamos alinhados
com a ortodoxia reformada, negamos a disponibilidade de novas revelações
imediatas de qualquer ordem, que não seja a Escritura Sagrada.

Algumas conclusões cessacionistas:


1. Deus revelou o seu ser, vontade e propósito na história da redenção, em
diversos períodos e de diferentes modos, sendo que estas modalidades
tiveram início, transição e cessação, até que atingissem a modalidade
completa e mais segura, que é a Escritura Sagrada (Êx 20:1-21; Dt 34:10;
Hb 1:1-4).
2. Deus não se revela pelos antigos modos, e torna a Escritura Sagrada a
preservação de toda a revelação como testemunho, história, mensagem e
manifestação de sua vontade para a sua Igreja até a vinda física de Cristo.
3. Os dons que são para o serviço de toda Igreja em todas as épocas, e seus
correspondentes descritos no Novo Testamento são ordinários e perpétuos.
Entretanto houve outros dons que por serem revelacionais eram
extraordinários e foram paulatinamente desaparecendo da vida da igreja a
30

partir do fim da era apostólica.


4. Estamos vivendo os últimos dias, e a revelação especial está completa, de
modo, que esta norteará de modo suficiente a Igreja de Cristo, em tudo que
se refere à fé e a prática, até o último dia.
5. Somente a Escritura Sagrada, em seus 66 livros, é a Palavra de Deus, e isto,
significa que, apenas ela é a nossa única regra de fé e prática. Nenhuma nova
mensagem vinda de Deus é concedida imediatamente, sem a iluminação da
Escritura. Deus fala com o seu povo somente pela sua inspirada Palavra, ou
seja, a Bíblia (Sl 119; 1 Tm 4:6-16; 2 Tm 2:15; 3:16-17).

A questão não é se o Cessacionismo aceita ou, rejeita a realidade da obra do


Espírito Santo na vida dos crentes. Levantar tal questão sugere uma premissa
errônea. A discussão é se há ainda hoje novas comunicações da revelação, ou seja,
se a Palavra de Deus continua sendo entregue à Igreja. Deus tem o propósito de
que aquelas antigas modalidades continuem, mesmo sem conteúdo revelacional,
como nos dias dos apóstolos? E ainda, Ele ressuscitou os profetas e apóstolos,
como agentes revelacionais? A nossa conclusão é um evidente não!

“Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram ensinados a despir-


se do velho homem, que se corrompe por desejos enganosos, a serem
renovados no modo de pensar e a revestir-se do novo homem, criado
para ser semelhante a Deus em justiça e em santidade proveniente da
verdade. Portanto, cada um de vocês deve abandonar a mentira e
falar a verdade ao seu próximo, pois todos somos membros de um
mesmo corpo.” (Ef 4:22-25, NVI – grifos meus)

APÊNDICES
APÊNDICE I
OS DONS REVELACIONAIS NOS PAIS DA IGREJA

I. Didaquê (70-120)
O compilador da Didaquê ao instruir sobre a vida comunitária, oferece
31

direcionamento para discernir acerca dos pregadores itinerantes. Apesar de chamá-


los de apóstolos e profetas, é possível, que esteja se referindo àqueles que desde os
dias do apóstolo Paulo, a si mesmos nomeavam com este ofício (2 Co 11).77

II. Justino, o mártir (100-165)


Justino em sua Apologia II, também conhecido como “Diálogo com Trifão,
argumenta sobre a caducidade da religião judaica, e a superioridade do
Cristianismo. Ele declara como parte de sua defesa que
entre nós, com efeito, até o presente existem os carismas proféticos. De onde, vós
mesmos deveis compreender que os de antes que existiam em vosso povo, passaram
para nós. Contudo, da mesma forma que entre os santos profetas que houve entre vós
se misturaram também falsos profetas, hoje também entre nós existem muitos falsos
mestres. Nosso Senhor já nos avisara de antemão que nos precavêssemos deles, de
modo que nada nos pegasse de surpresa, pois sabemos que ele previu o que havia de
nos acontecer depois de sua ressurreição dos mortos e subida ao céu. Com efeito, ele
disse que seríamos assassinados e odiados por causa do seu nome e que muitos falsos
profetas e falsos cristos apareceriam em seu nome e fariam muitos se extraviarem, o
que realmente acontece. Porque muitos, com marca falsa de verdade, ensinaram em
seu nome coisas ímpias, blasfemas e iniquas; ensinaram e continuam ensinando o
que o espírito impuro do diabo lhes inspirou em suas mentes. 78

III. Irineu de Lyon (120-?)


Irineu comentando At 2 diz
por esta razão disse o apóstolo: “falamos sabedoria entre os perfeitos” que receberam
o Espírito de Deus, e que por meio do Espírito de Deus falam em todas as línguas,
como ele era capaz de fazê-lo. Da mesma maneira ouvimos também a muitos irmãos
na igreja, que possuem dons proféticos, e que por meio do Espírito falam toda classe
de linguagem, e que trazem luz para benefício geral as coisas ocultas aos homens, e
declaram os mistérios de Deus, aos quais também o apóstolo denomina
“espirituais”.79

IV. Montano (155-)


Roque Frangiotti descreve Montano
convertido ao cristianismo, sentiu-se, num dado momento, não só o porta-voz, mas a
encarnação do Espírito Santo. Afirmava que o Parácleto prometido em Jo 14:16;
16:7, se encarnara em sua própria pessoa. Apresentava-se com a presença viva do
Parácleto. Com ele chegava a nova era, inaugurava a era do Espírito Santo, a
revelação perfeita: “vim, não como anjo ou mensageiro, mas como o próprio Deus
Pai”; “Sou o Pai, o Filho e o Espírito Santo”; “Vede, o homem é como lira, e eu sou
o arco; o homem dorme, e eu velo ...”, dizia constantemente.80

Barbara Aland descreve as principais doutrinas do Montanismo como


os traços mais característicos são, antes de tudo, a glossolalia e uma linguagem

77
Didaquê in: Padres Apostólicos (São Paulo, Editora Paulus, 1995), pp. 354-357.
78
Justino de Roma – I e II Apologias e Diálogo com Trifão (São Paulo, Editora Paulus, 1995), p. 238. Grifo meu.
79
Ireneu, Contra Heresias, V.6.
80
Roque Frangiotti, História das Heresias [Séculos I-VIII], (São Paulo, Editora Paulus, 5ª edição, 2007), p. 57.
32

espiritual tendente ao êxtase e ao entusiasmo. Tanto Montano quanto Priscila e


Maximila (mas nenhum outro) pretendem ser a voz de Cristo e do Espírito Santo.
Eles falam, por isto, com a autoridade deste Espírito e exigem fé incondicional e
absoluta obediência às suas ordens. Negam toda autoridade eclesiástica. Conteúdo de
sua profecia é o iminente fim do mundo, que Maximila prognostica para o tempo
imediatamente posterior à sua morte. As guerras estouradas sob Marco Aurélio são
interpretadas como sinais premonitórios. Como preparação para o fim são prescritos
uma moral rigorosamente ascética, com a proibição do matrimônio (em seguida,
apenas das segundas núpcias), jejuns severos, consistentes esmolas de toda espécie;
encoraja-se o martírio, é proibido subtrair-se às perseguições. Em referência a
Apocalipse 21,1.10, a Nova Jerusalém, descida do céu, deverá localizar-se em
Pepuza ou em Tymion (Frígia). Os crentes devem encontrar-se ali por ocasião da
chegada do Senhor. Nenhuma posição herética, porém, é tomada no plano
dogmático: permanecem no terreno da ortodoxia. Apenas mais tarde sustentou-se o
contrário. Que os montanistas professassem também a ressurreição da carne é
atestado explicitamente. O movimento é de restauração, até mesmo reacionário, não
interessado em questões teológicas, e mesmo ingênuo. Alimenta-se com as antigas
tradições proféticas e apocalípticas. A finalidade é reavivar e restaurar, com o
recurso à autoridade do Paráclito, a antiga situação da igreja: eficácia do Espírito,
falar em línguas, espera dos últimos tempos, ética rigorosa.81

V. Tertuliano (155-222)
Tertuliano se tornou montanista, e tece uma crítica a Marcião, a partir das
crenças da sua seita. Ele diz que
que Marcião exiba como dons de seu deus, alguns profetas, da classe que não falam
por sentido humano, senão que com o Espírito de Deus, como os que predisseram
coisas vindouras e que manifestaram os segredos dos corações; que eles produziram
um salmo, uma visão, uma oração; somente que fosse procedente do Espírito num
êxtase, isto é, num arrebatamento, quando lhe sobreveio uma interpretação de
línguas; ... assim, todos esses sinais estão presentes do meu lado.82

VI. Orígenes (185-254)


O testemunho de Celso, um inimigo pagão do Cristianismo, descreve a
prática da glossolalia dos discípulos de Montano. Ele diz
a estas promessas acrescentam palavras estranhas, fanáticas e totalmente
ininteligíveis, das quais nenhuma pessoa racional pode encontrar algum sentido,
porque são tão obscuras que carecem totalmente de significado; mas, dão ocasião a
qualquer tolo, ou impostor para aplica-las a fim de adequá-las a seus próprios
propósitos.83

Entretanto, a resposta de Orígenes a esta declaração é que “Celso não deve ser
crido quando diz que ouviu profetizar desses homens; porque nenhum profeta que
se pareça em absoluto aos antigos profetas apareceu nos tempos de Celso”.84
81
Barbara Aland, Montano e o Montanismo in: Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs (São Paulo, Editora
Vozes & Editora Paulinas, 2002), p. 960.
82
Tertualiano, Against Marcion in: The Ante-Nicene Fathers (Buffalo, Christian Literature Press, 1887), vol. 5, p. 8.
83
Orígenes, Against Celsus in: The Ante-Nicene Fathers (Buffalo, Christian Literature Press, 1887), vol. 7, p. 9.
84
Orígenes, Against Celsus in: The Ante-Nicene Fathers, vol. 7, p. 11.
33

VII. João Crisóstomo (344–407)


João Crisóstomo comentando 1 Co. 12:1-2, como introdução ao capítulo
inteiro, diz que
a passagem inteira é muito obscura, mas a obscuridade é produzida por nossa
ignorância dos fatos referidos e por sua cessação, fatos que ocorriam, mas agora não
tem mais lugar. E por que não ocorrem hoje? Vejam agora, a causa também da
obscuridade produziu em nós outra pergunta, ou seja, por que sucedia e agora não
ocorre mais?85

VIII. Agostinho (354-430)


O campeão da ortodoxia patrística Aurélio Agostinho testemunha que
nos tempos antigos o Espírito Santo veio sobre os crentes e eles falaram em línguas,
que não haviam aprendido, conforme o Espírito concedia que falassem. Estes foram
sinais adaptados ao tempo. Pois aquilo foi o sinal do Espírito Santo em todas as
línguas [idiomas] para mostrar que o Evangelho de Deus era para ser espalhado a
todas as línguas sobre a terra. Isto foi feito por um sinal, e o sinal findou.86

A.A. Hoekema conclui que


parece que para a época de Crisóstomo não há evidência de glossolalia na igreja
oriental, e que para o tempo de Agostinho não há rastro de falar em línguas na igreja
oriental. Uma pergunta que nos vemos obrigados a fazer neste ponto é: se a
glossolalia é um dom tão importante do Espírito como os atuais pentecostais e
neopentecostais nos dizem, por que Deus permitiu que simplesmente desaparecessem
da igreja?87

IX. Teodoreto de Ciro (393-466)


Em seu comentário à Primeira Epístola aos Coríntios, ele explica que
em tempos antigos, aqueles que aceitaram a divina pregação e que foram batizados
para a sua salvação, receberam sinais visíveis da graça do Espírito Santo trabalhando
neles. Alguns falaram em línguas que eles não sabiam e que ninguém lhes havia
ensinado, enquanto outros realizaram milagres ou profetizaram. Os coríntios também
fizeram essas coisas, mas não usaram os dons como deveriam ter usado. Eles
estavam mais interessados em se mostrar do que em usar os dons para a edificação da
igreja. Mesmo no nosso tempo a graça é dada para aqueles que são julgados dignos
do santo batismo, mas não pode assumir a mesma forma que possuía naqueles dias.88

O que dizer destes testemunhos?


E. Glenn Hinson, professor de história da igreja, oferece uma avaliação
digna de aceitação
a glossolalia não tem gozado de ampla difusão até tempos recentes. Os primeiros
dezesseis séculos de sua história foram certamente escassos. Ainda que encontremos
85
Crisóstomo, Homilies in First Corinthians in: The Nicene and Post-Nicene Fathers (Grand Rapids, Wm. Eerdmans
Publishers, 1956), vol. 12, p. 168.
86
Agostinho. Homilias sobre a Primeira Epístola de João, 6.10. Cf. Schaff, NPNF, First Series, 7:497-98.
87
A.A. Hoekema, What about tongue speaking? (Exeter, The Paternoster Press, 1972), p. 17-18.
88
Teodoreto de Ciro. Comentário sobra a primeira epístola aos Coríntios, 240, 43; em referência à 1Co 12:1,7.
Citado de 1-2 Coríntios, ACCS, 117.
34

várias referências nos Pais primitivos, nos deixam poucas dúvidas acerca da
evidência insignificativa das línguas em seus tempos. Alguns acadêmicos
contemporâneos ainda duvidam que os montanistas, inicialmente citados como
antigo protótipo dos pentecostais, praticassem realmente a glossolalia. Logo, se os
primeiros cinco séculos foram escassos, os seguintes foram anos de ausência para a
prática na cristandade ocidental, e duvidosos na cristandade oriental. As poucas e
esparsas referências são duvidosas por si mesmas, e feitas ainda mais duvidosas pela
credulidade característica da Idade Média. [...] Somente no século XX prosperou a
glossolalia.89

APÊNDICE II
ANÁLISE DA INTERPRETAÇÃO DE D.A. CARSON

APÊNDICE III
ANÁLISE DA INTERPRETAÇÃO DE JACK DEERE

APÊNDICE IV
ANÁLISE DA INTERPRETAÇÃO DE WAYNE GRUDEM

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