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De Perto e de dentro : notas para uma

etnografia urbana (2002)


José Guilherme Cantor Magnani
Erika Kubo | Leda Watanabe | Luísa Damato | Martin Schein | Paula Ron | Vivian Maia
- Abordagens sobre as cidades

- O olhar etnográfico : de perto e de dentro

- A proposta de uma etnografia urbana


- O pressuposto da totalidade
Estrutura do texto - A família das categorias
- pedaço
- mancha
- trajeto
- pórticos
- circuito

- Conclusão | Reflexões
Sobre o autor

José Guilherme Cantor Magnani (1944 - )

Professor Titular do Departamento de Antropologia da FFLCH da USP


Pesquisador nível 1-B (CNPQ): atualmente envolvido na etnografia urbana
Mestre em Sociologia pela Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales
(FLACSO/Chile)
Doutor em Ciências Humanas (Antropologia Social) pela USP
Coordenador do Laboratório do Núcleo de Antropologia Urbana da USP

9 livros publicados
Orientação de 34 dissertações de mestrado e 17 de doutorado
66 trabalhos de Orientação científica.
Linha do tempo do autor Primeira vez que o termo
“de perto e de dentro”
1978 - 1982: 1987: início a aparece nos títulos das
Doutorado em ciência carreira como publicações
social (Antropologia Professor da USP
Social) - USP na pós-graduação 2002: Publicação do
texto lido
1960 1970 1978 1981 1987 1990 2001

1966 - 1969: 1970 - 1972: 1981 - 1983: Professor na UNICAMP A partir da


Graduação em Mestrado em na graduação década de 90:
ciências sociais Escuela Produção
(UFPR) Latinoamericana 1983: Professor na USP na bibliográfica
de Ciencias graduação bastante voltada
Sociales (Chile) para o estudo da
1983: início da linha de pesquisa: metrópole
- Grupos sociais, processos
culturais e dinâmicas espaciais no
contexto urbano
- Cidades, espaços, mobilidades
Abordagens sobre as cidades : estudos urbanos macro (de longe e de fora)

Duas abordagens :
● Análises e diagnósticos que enfatizam aspectos desagregadores do processo de urbanização (colapso do sistema
de transporte, as deficiências do saneamento básico, a falta de moradia, a concentração e desigual distribuição dos
equipamentos, o aumento dos índices de poluição, da violência), com base em variáveis e indicadores sociais,
econômicos e demográficos .
Fatores desordenados do crescimento produzem o caos urbano

● Projeção de cenários marcados por uma feérica sucessão de imagens, resultado da superposição e conflitos de
signos, simulacros, não-lugares, redes e pontos de encontro virtuais. Com base a análise de alguns semiólogos,
arquitetos, críticos pós-modernos, identificada como o protótipo da sociedade pós-industrial.

Ruptura em consequência de saltos tecnológicos que produzem um caos semiológico


Dois termos :
● Cidade mundial (Jordi Borja, geógrafo urbanista e político espanhol)
● Cidade global (Saskia Sassen, socióloga, economista, professora, escritora e urbanista holandesa)

Uso desses termos :

Descrever as semelhanças entre cidades situadas em regiões desenvolvidas e outras situadas em regiões subdesenvolvidas,
que têm uma economia interdependente

Um tipo de cidade que, com características específicas, vai enfrentar o mesmo tipo de problemáticas

Saskia Sassen :
Fez análises em fenômenos de globalização e migração urbana.
Além da globalização, ela fala da “digitalização”, para caracterizar o processo que produziu as cidades globais.
Planejamento estratégico :

- Nova forma de planejamento urbano.


- Prevê parcerias entre o poder público e o setor privado com vistas a projetos de renovação urbana.
- Uma das estratégias recorrentes é revitalização de espaços degradados e a recuperação, vinculado
com a gentrificação.

Gentrificação :

A estratégia de revitalização e de recuperação é feita com prédios ou equipamentos históricos ou


vernaculares para atrair novos moradores ou usuários.
Esse modelo traz um novo modo de consumo cultural, o consumo do lugar.
Críticas :

- Othília Arantes
Termo “mundialização do capital” que torna valores locais em mercadorias a serem igualmente consumidas e
recicladas na mesma velocidade em que se move o capital

- Carlos Vainer
Leitura mais técnica do planejamento estratégico
Para ele, esse planejamento, é parecido ao planejamento das empresas, porque enfrentam os mesmos desafios que as
cidades no respeito da competitividade.

- Ermínia Maricato
Crítica os termos “cidade mundial”, “cidade global” e “planejamento estratégico” como modismos
Avaliando o urbanismo moderno, ela fica em favor dum urbanismo socialmente includente e democrático, propondo
uma junção entre “plano de ação” e “orçamento participativo”

- Ana Cristina Fernandes


Para ter uma valorização do plano local, as novas políticas urbanas devem considerar três agentes: organismos
multilaterais juntamente com instituições de consultoria internacional, corporações transnacionais e elites locais
O olhar etnográfico : de perto e de dentro
Ausência de certo tipo de ator social e papel determinante de outros

“Tem-se a cidade como uma entidade à parte de seus moradores : pensada como resultado de forças
econômicas transnacionais, das elites locais, de lobbies políticos, variáveis demográficas,
interesse imobiliário e outros fatores de ordem macro”

Falta de visibilidade das ações, atividades, pontos de encontro, múltiplas redes de sociabilidade, estilos de vida,
conflitos…
Ex: dos migrantes, visitantes, moradores temporários e de minorias, ativistas; de segmentos diferenciados com relação à orientação
sexual, identificação étnica, preferências culturais e crenças, grupos articulados em torno de opções políticas, de segmentos marcados pela
exclusão...etc

A etnografia permite a incorporação desses atores e suas práticas nos estudos, introduzindo outros pontos de
vista sobre a dinâmica da cidade
Etnografia : método de coleta de dados e observações onde a ferramenta de pesquisa é o próprio pesquisador, utilizado na antropologia

Antropologia :

“mais do que uma disciplina voltada para o estudo dos povos primitivos ela é, como
afirma Merleau-Ponty, “a maneira de pensar quando o objeto é ‘outro’ e que exige
nossa própria transformação.” (1984) p.16

IDEIA DO AUTOR :

“A natureza da especificidade do conhecimento proporcionado pelo modo de operar da


etnografia permite captar determinados aspectos da dinâmica urbana que passariam
despercebidos, se enquadrados exclusivamente pelo enfoque das visões macro e dos
grandes números”
Revisão de algumas teorias sobre a especificidade da etnografia
Significado recorrentes :
- exterioridade por parte do pesquisador em relação ao objeto
- pôr se no lugar do nativo

Goldman (2001) em relação ao estudo de sociedades complexas

“Manter um foco tradicional da disciplina nas instituições centrais da sociedade


estudada e buscar através, de uma espécie de “desvio etnográfico” um ponto de vista
descentrado”

Exemplo da política : entender as representações nativas sobre os processos políticos dominantes, e utilizá las como guias para a análise.

Geertz (1983) “experience-near vs experience-distant”

→ capacidade do pesquisador em descrever o significado do arranjo do nativo com seus próprios termos
Claude Lévi-Strauss (1971) : Pesquisador e nativos participam ambos dos “fenômenos fundamentais da
vida do espírito”
→ Ambos são dotados dos mesmos processos cognitivos que lhes permitem, numa instância mais profunda, uma
comunhão para além das diferenças culturais.

→ Olhar de perto e de dentro


_a proposta de uma etnografia urbana _o pressuposto da totalidade
“Em meio à multidão, o indivíduo está só. (...) Essas “(...) qual seria, na estratégia proposta, a unidade de
análise? (...)” p.18
pessoas vivem no mesmo meio, mas não convivem. A
_ proposta etnográfica 1
mesma metrópole produz as massas e isola os atores sociais individualizados e desfragmentados no cenário
impessoal da metrópole
indivíduos (...).” p.17
_ de longe e de fora: ignora uma complexa e rica rede social dos _ proposta etnográfica 2
indivíduos imersão do investigador na cena retratada (experiência para melhor
descrição e entendimento do princípio explicativo)
_ etnografia urbana “prática cultural assignada à este ou àquele grupo de atores em
etnografia de passagem + de perto e de dentro, mas focando nos particular” p.20
arranjos dos próprios atores sociais
cidade não apenas como cenário, mas parte construtiva do recorte _ proposta da etnografia urbana
de análise equilíbrio: nem tão de perto (individualista) nem tão de longe
(indecifrável, sem sentido)
“há planos intermediários onde se pode distinguir a presença de
padrões, regularidades” p.20
famílias de categorias
_a família de categorias
as categorias são resultado do trabalho etnográfico - surgem a partir do reconhecimento de sua presença empírica e constituem um modelo capaz de se aplicado a
contextos distintos

_a noção de pedaço
_origem
essa categoria surgiu de uma pesquisa sobre lazer na periferia de são paulo - mostrava a relevância do lazer no
cotidiano dos trabalhadores
as regras que presidem o uso do tempo livre estão ligadas as regras de reconhecimento e lealdade
que garantem uma rede básica de sociabilidade

ponto de partida - espaço onde eram praticadas as modalidades de lazer


divisão das formas de lazer em: em casa fora de casa
em casa = ritos que celebram as mudanças significativas e tinham como referência a família - festas de batizado,
aniversário, casamento, etc.
fora de casa na vizinhança - locais de encontro sujeitos a uma forma de controle exercida por gente que se conhece
fora da vizinhança

ela inclui= referência espacial + membros com presença regular + código de reconhecimento e comunicação entre eles
quando o espaço torna-se ponto de referência para distinguir determinado grupo de frequentadores como pertencentes a uma rede de relações
é o espaço intermediário entre o privado (laços familiares) e o público (relações formais e individualizadas)
_a família de categorias
_o pedaço é o lugar dos chegados - todos sabem quem são, de onde vêm, do que gostam, e o que se pode ou não fazer

_aplicação em outros contextos


até então o contexto era o bairro na periferia de são paulo
reconhecimento de pedaços em áreas centrais da cidade
residenciais - mesma lógica da vizinhança - vínculos construídos no dia a dia do bairro
de encontro e lazer - havia uma diferença = os frequentadores não se conheciam mas se reconheciam como portadores dos mesmos
símbolos que remetem a gostos e modos de vida semelhantes a categoria pedaço revelou-se útil para descrever uma forma de
sociabilidade em outro contexto que não o de sua origem.

_a noção de mancha
áreas contíguas do espaço urbano dotadas de equipamentos que marcam seus limites e viabilizam uma atividade ou prática dominante.

exemplos:
mancha de lazer - dotadas de equipamentos como: bares, restaurantes, cinemas, teatros;
mancha de atividades de saúde - geralmente em torno de um hospital agrupando farmácias, clínicas particulares, serviços radiológicos,
laboratórios etc
_a família de categorias
pedaço mancha

mais instável - o fator determinante são as relações estabelecidas entre os mais estável - sempre aglutinada em torno de um ou mais estabelecimentos,
seus membros - o espaço como ponto de referência é restrito apresenta uma implantação mais estável tanto na paisagem quanto no
imaginário
'' (...) com facilidade muda-se de ponto quando, então se leva junto o pedaços. " é um ponto de referência físico, visível e público para um número mais amplo de
p.23 usuários

cruzamentos previstos - o indivíduo se dirige em busca dos iguais, que cruzamentos inesperados - sabe-se que tipo de serviços vai se encontrar mas
compartilham os mesmos códigos não quais pessoas, e é esta a motivação para seus frequentadores

'' (...) a noção de pedaço evoca laços de pertencimento e estabelecimento de fronteiras, mas pode estar inserida em alguma mancha, de maior
consolidação e visibilidade na paisagem; '' p.25
_a família de categorias
_o trajeto
aplica-se a fluxos recorrentes no espaço mais abrangente da cidade e no interior das manchas urbanas

_aplicações
para além da mancha: na paisagem mais ampla e diversificada da cidade, trajetos ligam equipamentos, pontos,
manchas, complementares ou alternativos.

por dentro da mancha: de curta extensão, na escala do andar; representam escolhas ou recortes no interior daquela
mancha, entendida como uma área contígua

possibilidade de escolhas no interior das manchas como a abertura dessas manchas e pedaços
em direção a outros pontos no espaço urbano

_o pórtico
espaços, marcos e vazios na paisagem urbana que configuram passagens

Lugares que já não pertencem à mancha de cá, mas ainda não se situam na de lá; “Terras de ninguém”
_a família de categorias
_o circuito
exercício de uma prática ou a oferta de determinado serviço por meio de estabelecimentos, equipamentos e espaços que não mantêm entre si uma relação
de contigüidade espacial,

_características
reconhecimento em seu conjunto pelos usuários habituais
uso do espaço e de equipamentos urbanos
o exercício da sociabilidade
um princípio de classificação
distinguir um circuito principal que engloba outros, mais específicos
comporta vários níveis de abrangência e a ampliação ou redução do recorte depende das perguntas colocadas pelo pesquisador.

_exemplos
Povo-de-santo: o circuito pode incluir apenas casas africanas, ou incluir terreiros de umbanda, capoeira, afoxé, casas de samba,
exposições de arte africana, etc..
Cultura nordestina na cidade de São Paulo: o circuito inclui além das casas do Norte, e forró tradicional, pequenas cidades no interior da
Bahia para festas juninas.
Vegetarianismo: a prática faz parte de dois circuitos muito distintos e por motivos distintos, Hare Krishna e o segmento straight edge dos
punk hardcore.
_a família de categorias:
esquema ilustrativo trajeto

mancha
pórtico

circuito

pedaço
Conclusão

- Importância de uma escala micro nas cidades -> sair da visão dominante de cidade como sinônimo
de “fluxos de capital” e “solidão”
- cidade = heterogeneidade + multiplicidade
- uso de exemplos concretos baseados em seus estudos

A meta é partir de um olhar etnográfico de perto e de dentro em busca de uma lógica mais geral
em direção a uma antropologia da cidade
Debate - Pandemia

- Como a pandemia pode ser entendida de longe e de fora? E de perto e de


dentro?
- Como a pandemia afetou as CATEGORIAS?
Bibliografia

GOLDMAN, Márcio. “Os tambores dos mortos e os tambores dos vivos. Etnografia, antropologia e política e, Ilheús, Bahia”.
Revista de Antropologia, v.46, N.2, São Paulo 2003.

MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. Revista brasileira de ciências
sociais, v. 17, n. 49, p. 11-29, 2002.

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