Você está na página 1de 6

Lei Euzebio de Queiroz

A lei n. 581, de 4 de setembro de 1850, conhecida como Lei Eusébio de Queirós, estabeleceu
medidas para a repressão do tráfico de africanos no Império. Sua promulgação é relacionada,
sobretudo, às pressões britânicas sobre o governo brasileiro para a extinção da escravidão no país.

Em 1807, o comércio de escravizados foi proibido pelo governo inglês, que, a partir daí, começou
uma campanha pela abolição do tráfico internacional, reunindo vários setores sociais do Império
Britânico. Esse movimento teve reflexos já nos primeiros tratados entre a Inglaterra e o governo
português, no contexto da transferência da corte lusitana para o Brasil, em 1807. Posteriormente,
em 1815 e 1817, foram assinados dois acordos entre Jorge III, rei da Inglaterra, e d. João VI, que
tratavam da proibição do tráfico de escravizados ao norte do Equador e da instituição de
comissões mistas com o objetivo de julgar as apreensões e libertar os africanos encontrados nos
navios apreendidos (MAMIGONIAN, 2009).
Em 1822, o Brasil tornou-se independente e os acordos perderam a validade, já que haviam sido
assinados entre os governos britânico e português. Entretanto, uma das exigências da Inglaterra
para o reconhecimento da independência brasileira foi a proibição da importação de escravizados
no Brasil. Assinado em 1826, o tratado proibiu o tráfico e manteve as comissões mistas, sendo
ratificado em 13 de março de 1827, e estabeleceu um prazo de três anos para as determinações
entrarem em vigor (MAMIGONIAN, 2009, p. 215-223).

Em 7 de novembro de 1831, foi promulgada no Brasil a lei que, após ser regulamentada pelo
decreto de 12 de abril de 1832, deu amplos poderes às autoridades judiciais para reprimirem a
entrada de africanos e declarou livre todos os escravizados que entrassem no território brasileiro.
Porém, o tráfico não cessou, pelo contrário, acabou crescendo, por conta da baixa do preço dos
escravizados na África e pela demanda da grande lavoura cafeeira, aliados à falta de uma
repressão efetiva por parte das autoridades. Desse modo, a lei de 1831 foi comumente conhecida
como “lei para inglês ver” (CONRAD, 1985).

A falta de uma ação efetiva para combater o tráfico de africanos e a recusa do governo brasileiro
em assinar um novo acordo com os termos exigidos pelos ingleses acabaram por estimular os
britânicos a tomarem medidas radicais em relação ao comércio ilegal de pessoas. Em 8 de agosto
de 1845, a Inglaterra instituiu a Bill Aberdeen, lei que deu amplos poderes às autoridades
britânicas para reprimir o tráfico de escravizados em navios brasileiros através da apreensão de
embarcações e do julgamento da tripulação, que seria acusada de pirataria. Essa medida colocou
em xeque o governo brasileiro, que, mesmo alegando que a atitude britânica feria a soberania
nacional, promulgou em 1850 a Lei Eusébio de Queirós.
De acordo com a legislação, as embarcações de bandeira brasileira localizadas em qualquer parte,
ou as estrangeiras encontradas em portos ou mares territoriais do Brasil, que tivessem
escravizados a bordo, seriam apreendidas pelas autoridades imperiais e consideradas
importadoras de escravizados. A partir desse momento, a importação de escravizados passava a
ser tratada como pirataria. A lei determinou a punição das pessoas envolvidas nesse crime e
estabeleceu que os escravizados apreendidos deveriam ser reexportados para os terminais de
origem ou para qualquer outro ponto fora do Império. Nos casos onde não fosse possível a
reexportação, os africanos seriam empregados em trabalho sob a tutela do governo, não sendo
em nenhum caso os seus serviços concedidos a particulares.

Com a extinção do tráfico, a solução encontrada para o problema da mão-de-obra foi o comércio
interprovincial, que abastecia o sudeste produtor de café, num momento em que as tradicionais
lavouras nordestinas encontravam-se em crise. Além disso, o governo passou a estimular a vinda
de imigrantes europeus para trabalhar nas plantações, ao mesmo tempo em que reorganizou a
política de acesso à terra, com a chamada Lei de Terras, de 1850. Mas a extinção da escravidão no
Brasil, apesar de continuar sofrendo críticas e oposições, ainda seria postergada através de
medidas graduais de manumissão, como a Lei do Ventre Livre (1871) e a dos Sexagenários, até a
promulgação da Lei Áurea, em 1888.

Lei do Ventre Livre

A lei n. 2.040, de 28 de setembro de 1871, conhecida como Lei do Ventre Livre ou Lei Rio Branco, é
considerada um marco no processo abolicionista brasileiro e, assim como a Lei Eusébio de
Queiroz (1850) e a Lei dos Sexagenários (1885), fez parte de um conjunto de medidas que
buscavam equacionar o problema da escravidão no Império, culminando na promulgação da Lei
Áurea em 1888.
Libertações graduais não foram um fenômeno restrito ao Brasil; leis de libertação do ventre
ocorreram em outros países latino-americanos, como Chile, onde foi promulgada em 1811, e
República da Antioquia, território da atual Colômbia, em 1812. Em 1821 foi a vez dos demais
territórios da Colômbia, além de Venezuela, Equador e Peru. No Uruguai, a lei é de 1825. Assim,
observa-se que o processo de transição regulada da mão-de-obra escrava para a livre foi uma
tendência geral nos países recém-independentes, apesar da influência do liberalismo, que
englobava as noções de cidadania e igualdade perante a lei. Esses princípios esbarravam na
questão da propriedade, e a solução para conciliar interesses diversos foi a libertação gradual feita
mediante a indenização dos proprietários. Além disso, temia-se que a extinção definitiva da
escravidão pudesse gerar a desordem social. (MATTOS, 2009; SECRETO, 2011).
As pressões internacionais para a abolição dos escravos datam do início do século XIX. Entretanto,
no Império brasileiro houve uma grande resistência à libertação dos cativos, o que postergava a
extinção definitiva da escravidão. Os debates sobre a liberdade dos ingênuos iniciaram-se no Brasil
em 1865, quando o imperador solicitou a José Antônio Pimenta Bueno a elaboração de propostas
de lei acerca da abolição dos escravos. No ano seguinte, o visconde de São Vicente apresentou um
projeto de libertação dos filhos das escravas ao Conselho de Estado, que acabou sendo
engavetado.
Ao longo da década de 1860, a questão abolicionista havia crescido no cenário internacional. O fim
da Guerra Civil Americana levou à extinção da escravidão nos Estados Unidos. As potências
europeias libertaram os cativos em suas colônias, e até a Espanha, que resistia à abolição,
determinou a liberdade do ventre em Cuba, em 1870, através da Lei Moret. Esses fatores
estimularam a retomada das discussões acerca do tema no Brasil, dando origem à lei de 28 de
setembro de 1871 (CHALHOUB, 2003, 139-141; SECRETO, 2011).

Em linhas gerais, a lei definiu que os filhos de mulher escrava que nascessem no Império a partir
da sua promulgação seriam considerados livres. As crianças, também chamadas de ingênuos,
ficariam em poder dos senhores de suas mães, que teriam a obrigação de criá-los e tratá-los até a
idade de oito anos. Após essa idade, o senhor teria a opção de entregar o menor ao governo e
receber uma indenização, ou utilizar seus serviços até os 21 anos. A prestação de trabalho poderia
ser suspensa se fosse reconhecido que os senhores empregavam aos menores castigos excessivos.

O governo poderia entregar a associações ou a pessoas, na ausência de estabelecimentos, os filhos


das escravas que fossem cedidos ou abandonados pelos senhores, ou tirados do poder destes no
caso de maus tratos. Essas associações teriam o direito de explorar o serviço do menor até 21
anos, mas eram obrigadas a criá-los e tratá-los, constituir um pecúlio para cada um e providenciar-
lhes colocação quando findo o tempo de serviço.

O governo também teria o direito de recolher os menores e utilizá-los em estabelecimentos


públicos. Em 1873, por exemplo, foi criado o Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara, na
província do Piauí, com o objetivo de ser uma escola agrícola para ingênuos e libertos. O
estabelecimento era diretamente subordinado à Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas, cuja Diretoria de Agricultura tornou-se responsável pela execução da
Lei do Ventre Livre a partir da reforma ministerial de 1873 (LIMA, 1988, p. 84).
Um outro aspecto importante da lei foi em relação às possibilidades de aforramento, através de
um fundo de emancipação destinado a alforrias anuais, que deveria existir em cada província do
Império, ou através da compra da liberdade pelo próprio escravo, agora autorizado a formar um
pecúlio que poderia vir de doações, legados, heranças ou, com o consentimento do senhor, do seu
trabalho e economias. Além disso, a legislação também proibiu a separação de cônjuges e dos
filhos menores de doze anos, no caso de venda, e tratou da libertação dos escravos pertencentes à
nação, dados em usufruto à Coroa, das heranças vagas e dos abandonados por seus senhores.

Por fim, a lei determinou a matrícula especial de todos os escravos existentes no Império, com
declaração de nome, sexo, estado, aptidão para o trabalho e filiação de cada um, se fosse
conhecida. Além disso, estabeleceu que, caso os escravos, por culpa ou omissão dos interessados,
não fossem matriculados até um ano depois da promulgação da lei, seriam considerados libertos.
No caso dos filhos de mulher escrava, a legislação definiu que estes deveriam ser matriculados em
livros distintos, e que os párocos seriam obrigados a ter livros especiais para registro de
nascimento e óbitos dos nascidos, desde a data da promulgação da lei. Caso os senhores ou os
párocos não cumprissem as determinações, seriam aplicadas multas ou mesmo a prisão simples de
até um mês. Em 1º de dezembro de 1871, pelo decreto n. 4.835, o governo aprovou o
regulamento para a matrícula especial dos escravos e dos filhos livres de mulher escrava. Com a lei
n. 3.270, de 28 de setembro de 1885, mais conhecida como Lei dos Sexagenários ou Saraiva-
Cotegipe, uma nova matrícula de cativos foi determinada.

Lei do ventre livre. Encontrado em http://mapa.an.gov.br/index.php/menu-de-categorias-2/286-


lei-do-ventre-livre. Visitado em 13 de junho de 2023.

Lei áurea

A lei n. 3.353, de 13 de maio de 1888, talvez seja o mais breve e famoso ato legal da história do
Brasil. Mais conhecida como Lei Áurea, possui apenas dois artigos:

“Art. 1º É declarada extinta, desde a data desta Lei, a escravidão no Brasil.


Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.”
Esses poucos artigos, porém, puseram fim a quase quatro séculos de escravidão no Brasil. Apesar
de as pressões para a extinção do trabalho cativo datarem do início do século XIX, o Império
brasileiro adiou a abolição do trabalho servil por quase 80 anos. Enquanto as nações estrangeiras,
sobretudo a Inglaterra, condenavam a escravidão e parte da elite nacional a considerava uma
instituição bárbara e atrasada, havia uma grande resistência à abolição por parte, sobretudo, da
classe senhorial e escravista.

As primeiras medidas tomadas para extinguir o trabalho escravo visavam uma abolição gradual e
datam de 1810, no contexto dos tratados de comércio com a Inglaterra. No entanto, em que
pesem as pressões externas e os sucessivos compromissos assinados, foi somente em 1850 que o
comércio internacional de escravos para o Brasil foi definitivamente abolido, através da Lei
Eusébio de Queiroz. Apesar desse ato e do estímulo à vinda de imigrantes europeus para trabalhar
nas lavouras, a escravidão permaneceu no Império por meio do comércio interprovincial ainda que
as pressões internacionais continuassem. Em 1871 foi aprovada a Lei do Ventre Livre, que
determinava a libertação dos nascituros, além de outras formas de manumissão de escravos. A lei
também determinou a matrícula de escravos e regulou alguns pontos das relações escravistas,
como a proibição de separar cônjuges e filhos menores.
O comércio interprovincial de escravos na segunda metade do século XIX foi responsável pela
transferência de mão-de-obra cativa das províncias do Norte para as do Sul. Ao final da década de
1870, a utilização do trabalho livre já era muito grande no Nordeste, visto que a região passou por
uma decadência de sua estrutura produtiva voltada para agroexportação, tornando-a menos
dependente do serviço escravo, o que estimulou a substituição do trabalho cativo pelo livre. Essa
prática acabou inspirando na região o desejo de extinção da escravidão, tanto entre os senhores
de terra como na população em geral. Já nas províncias do Sul, as opiniões divergiam. As áreas
mais urbanas se mostravam pró-abolição, enquanto as rurais mantinham-se escravocratas. A partir
de 1880, surge na capital do Império um grande movimento abolicionista, que propagava os ideais
de liberdade e pressionava os políticos para a extinção definitiva do trabalho servil (CONRAD,
1975).

Em 1884 a escravidão foi abolida na província do Ceará. Nesse mesmo ano, iniciou-se na Câmara
dos Deputados a discussão em torno de um projeto de lei com o objetivo de regular os
procedimentos de alforria, destacando a libertação dos escravos a partir dos 60 anos. Depois de
muita polêmica, principalmente porque, de acordo com a proposta original, a libertação não seria
dada perante indenização, o texto foi reformulado e transformou-se na lei n. 3.270, de 28 de
setembro de 1885, também conhecida como Saraiva-Cotegipe ou Lei dos Sexagenários, que
determinou a libertação dos escravos com mais de 60 anos mediante a prestação de serviços
como forma de indenização. Além disso, a lei estabeleceu diversos aspectos relativos à
manumissão de cativos, definiu uma nova matrícula e novas regulamentações para o fundo de
emancipação, acrescentando algumas determinações à Lei do Ventre Livre, de 1871.
Apesar de a Lei dos Sexagenários ter freado o movimento abolicionista num primeiro momento,
não tardou para que as críticas retornassem. Os debates na imprensa voltaram a se acirrar,
sobretudo após as eleições de 1886, com a vitória expressiva de conservadores ligados ao barão
de Cotegipe e contrários à abolição.

A resistência escrava também foi um fator de forte influência para o processo de extinção do
trabalho compulsório no Império. Em São Paulo, o primeiro semestre de 1887 foi marcado por
fugas em massa das fazendas, gerando uma grande crise na província. O governo imperial chegou
a enviar soldados para a captura dos cativos, mas a repressão não resolveu a situação e muitos
senhores decidiram libertar os escravos firmando contratos de trabalho. Decisão semelhante já
havia sido tomada por proprietários no Rio Grande do Sul (CONRAD, 1975).

Cada vez mais as pressões aumentavam e, em 1888, com substituição do gabinete de Cotegipe
pelo de João Alfredo Correia de Oliveira, mais favorável ao fim da escravidão, o assunto entrou
novamente em pauta. Em 3 de maio iniciaram-se os trabalhos da Assembleia Geral, com a
presença da princesa Isabel, então regente do Império, e o conselheiro Antônio Prado ofereceu
um projeto de abolição mediante indenização dos proprietários, obrigando os libertos a prestarem
serviços por três meses, para garantir a colheita de café, e também proibindo a mudança de
província por seis anos. A regente rejeitou o projeto, assim como a maioria dos liberais. Foi
submetida então outra proposta, inspirada em um projeto de André Rebouças, anteriormente
apresentado a João Alfredo, que libertava incondicionalmente os escravos. Desse modo, foi
aprovada no Senado a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888 (Idem).

Lei Áurea. Encontrado em http://mapa.an.gov.br/index.php/menu-de-categorias-2/276-lei-aurea.


Visitado em 13 de junho de 2023.

Você também pode gostar