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O sujeito poético tem medo do envelhecimento e da morte, angustiando-se, profundamente, perante

a transitoriedade, a precariedade da existência humana, que é regida pelas leis implacáveis do tempo e do
destino e flui irreversivelmente para a morte, simbolizada pelas metáforas da «noite», do «fim da estrada» ou
do «mar muito longe». Assim, a consciência lúcida dos limites da condição humana e da impotência do homem
para lutar contra a ação da passagem do tempo levam o «eu» lírico a adotar uma arte de viver estoico-
epicurista, assente na sabedoria dos gregos antigos. Esta caracteriza-se:
a. pela aceitação altiva e digna das fatalidades do destino e da relatividade e fugacidade de todas as
coisas, já que de nada vale contrariar o facto de nada sermos, nada termos e nada fazermos que dure;
b. pelo controlo racional e disciplinado das emoções, vivendo com moderação os sentimentos agradáveis
ou dolorosos, evitando os excessos das paixões, causadores de angústia e sofrimento, em busca da
serenidade e da ataraxia epicurista, de modo a garantir para si uma margem de felicidade relativa;
c. pela renúncia às conquistas e disputas que movem os outros humanos, regidos por valores materiais,
sociais ou patrióticos, os quais requerem esforço, entrega a causas e busca constante da superação,
procurando, com esta atitude estoica, chegar ao fim da vida de mãos e coração vazios, ou seja,
desapegado de bens materiais e de afetos comprometedores;
d. pela fruição da natureza e dos prazeres naturais simples, efémeros e belos, como as flores, à maneira
epicurista, e pelo distanciamento dos outros e do espaço da cidade, como o Mestre (Caeiro);
e. por uma atitude contemplativa própria de quem se assume espetador da vida — «Girassóis
sempre/Fitando o Sol» — e se abstém de interferir no mundo exterior e no curso da vida, por ser inútil;
f. pela rejeição do passado inexistente e do futuro incógnito, contentando-se com a vivência moderada
do instante presente, o agora, na linha do carpe diem horaciano, tentando eliminar ou iludir a
consciência da passagem do tempo, "durar" sem medir a vida, aceitar passiva e voluntariamente o
destino involuntário, sem nada pedir ou exigir, na ilusão de que dispõe de alguma liberdade e pode
construir o seu próprio destino;
g. pela certeza de que o fluir do tempo converte todos os instantes em passado irreversível e nos
confronta com o drama de assistirmos à transformação de quem éramos, quem somos e quem seremos
em nada;
h. pela crença nos deuses pagãos (neopaganismo), vistos como exemplo de dignidade, elevação, quietude,
altivez e perfeição para os homens, o ideal a seguir, e pelo recurso a símbolos clássicos como o rio;
i. pela visão da vida como encenação/preparação da morte ou hora fatal, como "não-vida”: negação de
desejos, sentimentos excessivos e compromissos para não sofrer e não se desiludir e despojamento de
bens materiais e valores sociais;

 Recurso a linguagem erudita e a latinismos;


 Adoção de tom moralista e sentencioso – recurso ao imperativo, ao conjuntivo com valor de imperativo,
à primeira pessoa do plural e à segunda pessoa do singular;
 Uso do hipérbato;
 Referências mitológicas;
 Apóstrofes, metáforas, antíteses, eufemismos, comparações e personificações;
 Disciplina ou regularidade estrófica;
 Disciplina ou regularidade métrica – entre outras medidas, destaca-se verso decassílabo e hexassílabo,
por vezes, alternado;
 Versos soltos ou brancos.

a. Sem conseguir esquecer a sua presença metafísica na vida, o poeta, em muitos poemas, assume-se um
«eu sujeito» consciente que se vê ser, que pensa, que sai de si, desdobrando-se, para ver existir o seu
«eu objeto»; vê sempre o outro lado de todas as coisas — «Sempre uma coisa defronte da outra»
("Tabacaria") e isso reduz tudo a pulsões inúteis, acentuando a angústia existencial, o desalento, o
vazio, a abulia, o sentido do absurdo da vida e a experiência dolorosa do fracasso. Poemas ilustrativos:
«Cruzou por mim», «O que há em mim é sobretudo cansaço», «Vilegiatura», «Esta velha angústia» e
«Tabacaria».
b. O desajustamento ou desencontro entre o «eu», os formatos sociais e os outros é outro tópico
temático recorrente: no poema "Datilografia", a vida «falsa», a da «convivência com outros», das
convenções sociais, regras, deveres, conveniências e aparências provoca náuseas ao poeta, oprime-o a
ponto de se evadir para o passado, mas é obrigado a reentrar na vida real e a suportar o tédio do
quotidiano, as rotinas e o mundo de aparências em que se movem os outros; no poema "Lisbon
revisited" (1923), rejeita o conhecimento, a ciência, a filosofia, a base da estruturação mental e social
em que assenta a sociedade, bem como os padrões de vida pessoal que lhe querem impor, reclamando
o direito intransigente à sua individualidade, a ser sozinho e a demarcar-se dos outros.
c. No poema "Datilografia", a fuga afigura-se como a única saída para o aprisionamento ao quotidiano
insuportável, regido por regras artificiais e compromissos sociais: primeiro para o tempo mítico da
infância, depois para a meditação, a reflexão sobre a vida real, falsa, sem cor, opressora e finita, em
contraste com a vida verdadeira da infância, colorida, na qual sonho, felicidade, irrealidade e infinito
se confundem (vv.17-30).
d. No presente, a felicidade está fora do «eu», por isso, no poema "Lisbon revisited (1923)", o sujeito
poético deseja reencontrar os lugares que lhe poderão devolver o «eu» completo e feliz do passado,
mas da Lisboa da infância só reconhece, imutáveis, «o céu azul» e o «Tejo», nada restando do «eu» que
ali viveu. Daí que no poema “Lisbon revisited (1926)" se considere o «Transeunte» de si, o
«Estrangeiro», aquele que está irremediavelmente afastado de si e dos lugares de onde partiu e
busque, em vão, a identidade perdida.
e. Ao olhar para dentro de si, o poeta, lúcido, descobre um «eu» infeliz no presente, em contraste com o
«eu» supostamente feliz do passado, como no poema "Aniversário"; noutros poemas, antevê que o
presente se converta em passado menos infeliz no futuro, quando chegar o tempo de todas as
amarguras, dores e solidão e o prenúncio da partida definitiva no comboio da vida.
f. No poema "Aniversário", o sujeito poético não consegue libertar-se do sentimento de perda
irremediável do passado, regressando muitas vezes ao tempo mítico, à vida verdadeira da infância,
quando vivia com a despreocupação da sua inconsciência infantil e da sua inocência, ignorante dos
saberes e das convenções dos adultos e não se confrontava com a incapacidade de transformar os
sonhos possíveis em realidade porque só os outros tinham expectativas por si.
g. No poema "Acaso", o tempo implacável transforma em passado morto todas as memórias, reduz o
presente e o real a uma sucessão de instantes fortuitos e confronta o poeta com o desconhecimento de
si, não havendo coincidência entre quem foi no passado, quem é no agora e quem será no amanhã.
Também o caráter trágico da nossa condição ou o tema da finitude da vida figuram em poemas como
"Tabacaria" ou "Lisbon revisited (1923)";
h. Outros temas:
o a relação de semelhança e/ou de contraste entre o estado de espírito do sujeito poético e as
condições meteorológicas exteriores;
o a insónia e a solidão: no silêncio da noite, o poeta, debruça-se sobre o parapeito da janela «para
o infinito e, um pouco» para si, evocando a infância irremediavelmente perdida.

Estilo que evidencia: o desejo de uma nova poética, assente em novos pressupostos estéticos (fase
futurista); uma escrita que cede ao impulso do sentimento e da emoção.
 Verso geralmente longo, em estilo torrencial;
 Enumerações, exclamações, interjeições;
 Desvios sintáticos;
 Recurso à metáfora invulgar (que descreve estados de alma) e à ironia (construindo autodescrições
pessimistas/ suportando a critica social).

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