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UNIDADE II
Outra questão importante a ser apresentada é que, apesar de o Egito estar locali-
zado no continente africano, não temos fontes que nos permitem denir qual a
etnia da população. Cardoso (1984a) aponta que alguns pesquisadores dizem que
a população era de brancos vindos dos desertos; outros que foram negros vindos
do interior da África; e outros, ainda, que possuíam etnia semelhante à popu-
lação do Oriente Próximo. No entanto, é provável que dicilmente consigamos
ndar essa discussão, o que signica que devemos focar no fato de a sociedade
egípcia ter sido muito complexa, independentemente da etnia de sua população.
Podemos armar, então, que tanto a fontes de origem egípcia quanto as
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estrangeiras nos legaram muitas informações sobre a sociedade egípcia, dentre
as quais que o Egito era “um formigueiro humano”. No período de dominação
romana, estima-se que a população atingia sete milhões de habitantes. Todavia,
é preciso deixar claro que os números para a antiguidade não são possíveis de
serem provados nem ao menos são conáveis, e apresento esta estatística para
iluminar seu conhecimento a respeito dos dados da população.
De acordo com Funari e Gralha (2010), o que sabemos com clareza é que a
sociedade egípcia pode ser representada de forma piramidal:
O EGITO ANTIGO
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vulgares; o inspetor dos profetas; os organizadores de objetos; os selecionado-
res de animais para sacrifício; o intérprete de sonhos; e os sacerdotes-horários,
que observavam os astros. As categoriais eram independentes umas das outras
e poderiam abrigar diferentes funções, por exemplo: as mais altas eram respon-
sáveis por abrir a sala escura do deus, banhar, vestir, alimentar e orar para os
deuses, e as mais baixas desempenhavam funções corriqueiras da manutenção
dos templos, por exemplo, acendendo e apagando as tochas.
Os sacerdotes poderiam levar a vida de um egípcio comum, usando ves-
tes normais, com cabelos e alimentação como os demais, ou deveriam assumir
postura diferente e séria, tendo vida mais restrita, com vestes especícas, com
o corpo todo depilado e limpo, fazendo alimentação limitada e pura. Pernigotti
(1994) apresenta que nem sempre os sacerdotes possuíam tal função exclusiva-
mente – as fontes nos permitem saber que estes homens poderiam acumular
cargos civis, por exemplo, um profeta poderia ser um vizir.
No estamento social de funcionários de baixa categoria estavam os artesãos.
Não havia diferença entre artista e artesão, somente os que eram mais especia-
lizados no trabalho manual e outros que produziam materiais mais grosseiros.
Valbelle (1994) arma que alguns poderiam estar em uma categoria acima, pois
muitos sacerdotes que transcreviam os encantamentos nos sepulcros ou nos
templos poderiam ser considerados artesãos, porém a maioria era composta
por funcionários menos especializados. O artesão poderia ser um camponês que
fabricava os instrumentos de trabalho, as roupas e os utensílios enquanto a cheia
do Nilo estivesse sobre a terra, um construtor de embarcações ou, os mais espe-
cializados, que confeccionavam estátuas, joias ou exerciam a função de escriba.
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Recebendo uma miséria pelo seu trabalho, nunca possuía os meios, nem
lhe era dada a oportunidade, para melhorar a situação, para encontrar
processos melhores de ganhar o pão quotidiano e alterar a sua humilde
posição. Viver sem a menor esperança de dias mais propícios, inexora-
velmente acorrentado ao degrau mais baixo da escala social, agrilhoado
durante toda a vida: assim decorria a sua martirizada existência. Todavia,
aperceber-se-ia ele desse fato: Tendo nascido camponês, estava marcado,
e marcado cava até o m dos seus dias – era camponês, humilde escravo
meio morto de fome, sem vontade própria, sujeito às ordens, empurrado
de um lado para o outro, espancado. Desprezado por todos, ninguém se
compadecia dele (CAMINOS, 1994, p. 36).
Isso signica que a principal força produtiva egípcia provinha dos camponeses
e, mesmo assim, suas chances de mudança de condição eram quase inexistentes.
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Trabalhavam muito e pagavam altos impostos, o que ocasionava no mínimo de
alimento para a sobrevivência. Se não cumprissem suas funções, eram castiga-
dos e poderiam ser mortos, mas nenhum homem de nenhuma categoria social
se sensibilizava com tal condição precária.
Caminos (1994) aponta que os camponeses tinham consciência de sua condi-
ção difícil e não estavam felizes com isso, mas a sociedade egípcia era envolta pela
crença de que cada indivíduo detinha seu lugar na sociedade e, caso questionassem
ou fugissem do Egito, eram excluídos do culto egípcio e, consequentemente, não
atingiriam o “paraíso agrário”.
Caro(a) aluno(a), você ainda deve questionar-se sobre os motivos dessa manu-
tenção de condição de vida. Perceba: a crença egípcia pregava a vida eterna da alma
– mesmo para os camponeses –, e estes, ao morrerem, teriam as mesmas funções
que tiveram em vida, mas, ao contrário do mundo material, o paraíso agrário era
um local em que nunca haveria fome, isto é, todos possuiriam cerveja e pão rena-
dos à vontade, os trabalhos não seriam excessivos e os castigos seriam extintos. No
entanto, somente os egípcios que cumprissem as funções estipuladas divinamente,
por meio dos faraós, tinham o direito de gozar do paraíso. A fuga da função excluía a
chance da vida eterna e simbolizava a morte eterna do sujeito; o medo de perder todas
essas regalias funcionava como o incentivo para manter a difícil condição em vida.
Os escravos não tinham a chance de serem incluídos neste culto estatal,
visto que todos eram vistos como estrangeiros – inclusive os camponeses que
tivessem perdido sua liberdade –, o que explica que, apesar de possuírem con-
dições de sobrevivência melhores do que os camponeses livres, encontravam-se
no estamento inferior, pois não tinham o direito de entrarem no paraíso agrário.
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egípcio antigo era pré-losóco e mítico. Isso não signica que o pensamento
era pré-lógico, mas que as reexões abstratas não eram o centro do pensamento.
A mentalidade egípcia era baseada na acumulação de experiências, assim como
em exemplos práticos e concretos. Em consonância, Gralha (2009) arma que a
materialidade das práticas mágico-religiosas se dava por meio da iconograa, da
arquitetura e da escrita hieroglíca, o que explica a durabilidade dos materiais em
que os templos, as tumbas e as estátuas dos deuses eram confeccionadas. Além
disso, a magia no Egito era vista como implícita às coisas: as boas palavras e ações,
assim como as más, atraíam acontecimentos dessas naturezas e cada objeto, ou ser
vivo, detinham magia. Assim, os indivíduos levavam a vida com muito cuidado.
Além disso, essa forma de pensar estava engajada em preservar o estado das estru-
turas, isto é, era um pensamento conservador e conformista, e, para isso, faziam-se
necessários rituais, preces, orações e receitas funcionais, que mantinham o estado
das coisas e, consequentemente, afastava o caos e aproximava a prosperidade:
[o pensamento] Estava, outrossim, engajado no esforço de preservar
a estrutura político-social vigente e a ordem cósmica, através de uma
ética e de observâncias rituais adequadas; ou em fornecer, pragmatica-
mente, regras, receitas funcionais às diversas atividades. O mito expli-
cava o mundo descrevendo, em cada caso, como algum fato suposta-
mente se dera pela primeira vez num longínquo passado (CARDOSO,
1984a, p. 83, adaptação da autora).
No Egito, a palavra tinha poder criador, quase mágico. Bem como tudo o que
era visto e imaginado era associado aos deuses e às suas ações. Nesse sentido,
cada indivíduo na sociedade tinha suas obrigações e suas responsabilidades para
manter o mundo em harmonia. De acordo com Gralha (2009), essa crença con-
tribuía para a manutenção do Estado Egípcio:
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ças funerárias foram primordiais para a religião egípcia e para manter a sociedade
com suas características originais. Os mortos eram imaginados como renascendo
em suas tumbas e, por este motivo, deveriam receber comida e bebida. A sobre-
vivência no mundo dos mortos só era atingida depois que a alma passasse pelo
tribunal de Osíris – onde seu coração era pesado em uma balança e deveria ser
mais leve do que a pluma da deusa da justiça Maat –, isso era alcançado tendo
exercido bem suas funções em vida e com a ajuda dos encantamentos realiza-
dos pelos sacerdotes. Caso o coração não fosse puro, ele era atirado ao monstro
e devorado, o que implicava na morte eterna do sujeito. A seguir, é possível ver
uma cena completa do Tribunal de Osíris, no qual o falecido faz suas conssões;
no fundo da imagem, há suas preces transcritas e o seu coração é pesado com a
pluma de Maat. Muitas divindades assistem o episódio:
Figura 11 – Papiro contendo a cena do Tribunal de Osíris, Museu Egípcio de Turim – Itália
Fonte: Phil Noreet (2011, on-line)¹.
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A alma por si só não bastava. Para que o morto continuasse a viver por toda a
eternidade, seu corpo e seus pertences deveriam ser mantidos e protegidos. De
acordo com Câmara (2014), isso explica a existência de sepulcros resistentes, que
comportaram por milhares de anos os corpos e as riquezas dos indivíduos, da
mesma forma que as técnicas de mumicação se desenvolveram e diversos cor-
pos de reis ou de homens muitos ricos do Egito existem até hoje. Essas crenças
e técnicas foram essencialmente egípcias, visto que homens gregos e romanos
muito poderosos – como Alexandre, o magno, e Augusto – provavelmente tive-
ram seus corpos reduzidos a pó com a ação do tempo.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Em resumo:
Os egípcios, em geral, acreditavam na vida eterna, que poderia ser
garantida pela piedade tida pelos deuses, pela preservação do corpo
por meio da mumicação e pela manutenção de um enxoval funerário
(FUNARI E GRALHA, 2010, p. 31).
Todas essas crenças estavam vinculadas à religião. Esta não surgiu com as caracte-
rísticas prontas, mas foi resultado da superposição e da organização das divindades
dos nomos. Esse início religioso espelhou toda a religião egípcia, pois do perí-
odo Protodinástico até o Período de Dominação Romana, cada nomo possuiu
sua divindade titular. O faraó era o responsável por manter longe a ira dos deu-
ses e seu poder era legitimado pela crença em sua detenção do poder divino.
O que dizemos até aqui não é uma defesa de que a religião e a cultura fúne-
bre foram os únicos propósitos que mantiveram e legitimaram a unicação e a
manutenção da unidade do Reino Egípcio, mas que esses elementos foram pri-
mordiais e coexistiram com demais fatores, isto é, não eram meros elementos
decorativos e chamativos.
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Considerações Finais