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03/01/2007 - 09h34m - Atualizado em 03/01/2007 - 09h35m

TRANSPLANTE DE MEDULA É FEITO SEM


TRANSFUSÃO DE SANGUE
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Uma equipe de hematologistas do Hospital São Camilo, em São Paulo, fez um transplante de medula
óssea usando uma técnica muito rara na literatura médica brasileira. Em respeito à religião da
paciente, uma adolescente de 14 anos com leucemia que é Testemunha de Jeová, não foi feita
transfusão de sangue nem durante nem depois do transplante.

Num procedimento desse tipo o risco de não receber sangue é enorme. A medula é justamente o
órgão que produz os componentes mais importantes do sangue, como glóbulos vermelhos e
plaquetas. Até a nova medula ter suas funções normalizadas depois do transplante, são necessários
pelo menos 15 dias. As transfusões são de plaquetas, que são responsáveis pela coagulação
sanguínea, e glóbulos vermelhos, que têm a função de transportar oxigênio no sangue. Sem os
componentes, a chance de o paciente ter sangramentos e anemia profunda é altíssima.

O caso de Patrícia foi parar nas mãos do hematologista Roberto Luiz da Silva, do São Camilo, há
cerca de um ano. Depois da aprovação da diretoria do hospital, foi decidido que a menina seria
transplantada, mas com uma condição: se corresse risco de vida, receberia sangue. “Ele foi o único
médico que se comprometeu a se esforçar ao máximo para nos atender”, diz Júlio Borba, pai da
paciente Patrícia.

Com crianças, o código de ética médica é claro. “A decisão médica sempre prevalece à vontade dos
pais da criança em caso de risco de vida”, explica Marco Antônio Becker, primeiro-secretário do
Conselho Federal de Medicina. Com adultos não há consenso. “Nosso código profissional diz que o
médico não deve usar tratamento que o adulto não queira, salvo em perigo de vida”, diz Becker. “O
paciente, por sua vez, não é obrigado a receber tratamento que não queira.”

Pré-Operatório

Patrícia passou por uma preparação especial no pré-operatório. “Ela tomou hormônios para elevar a
quantidade de componentes do sangue e entrar no transplante com níveis acima do normal”, conta
Luiz da Silva.

Para estimular os glóbulos vermelhos, foi dado eritropoietina. Para plaquetas, interleucina. E mais
doses altas de ferro e ácido fólico. Os remédios fizeram com que ela começasse o transplante com
214 mil plaquetas. Durante o procedimento, o número caiu para 33 mil. Ela recebeu alta, 35 dias
depois, com 72 mil plaquetas. “Em nenhum momento ela correu risco de vida. Mas fiquei
praticamente 15 dias sem dormir”, lembra o hematologista.

Uma pessoa saudável tem de 150 mil a 500 mil plaquetas. A transfusão é indicada quando a
quantidade de plaquetas fica abaixo de 20 mil, o que é muito comum em caso de transplantes de
medula. Na maioria dos casos o paciente recebe transfusão durante o transplante e nas duas semanas
seguintes.

“Essa técnica com remédios não é usada como rotina em nenhum centro de transplante do mundo”,
analisa Mair Pedro de Souza, hematologista do Hospital Amaral Carvalho, em Jaú, um dos maiores
centros de referências em transplantes do País. “Seria muito interessante que houvesse um protocolo
grande (pesquisa clínica) a partir de agora.”

Sangue Sagrado

O Brasil tem 1,6 milhão de Testemunhas de Jeová. Para eles o sangue é sagrado e, por isso, não pode
haver doação de terceiros. Componentes do sangue, como plaquetas e glóbulos, são proibidos. Já
com os derivados, como albumina, proteína usada em casos graves de desnutrição, a religião é mais
flexível.

Júlio Borba, o pai da paciente transplantada, procurou três equipes antes de encontrar a do São
Camilo. “Ele teve sorte. Temos 3 mil médicos em nosso cadastro nacional que concordam em pelo
menos estudar a possibilidade de não usar transfusão (70% deles do sistema privado)”, diz
Guilherme Rabello, da Comissão de Ligação com Hospitais (Colih), grupo formado por pessoas que
apóiam pacientes Testemunha de Jeová em tratamento. “Mas quanto mais complexo o caso, menor o
número de profissionais dispostos.”

No Brasil, são feitos cerca de 1,5 mil transplantes de medula óssea por ano. Desses, cerca de 150 são
os chamados não aparentados (quando o doador não é da família). O transplante de Patrícia foi
autólogo. Ou seja, a medula da própria paciente foi transplantada - antes do procedimento, retira-se a
medula para resguardá-la de doses altíssimas de quimioterapia. Pouco tempo depois, ela é
recolocada. Outro tipo é o alogênico, quando as células são doadas por terceiros sem parentesco. A
retirada de líquido da medula é feita por punções.

A leucemia, que é um câncer que afeta a velocidade de produção e a própria função dos glóbulos
brancos, é uma das principais indicações de transplante. Outra é a anemia aplástica, doença que se
caracteriza pela falta de produção de células do sangue na medula.

Sempre há chance de rejeição. Em transplantes autólogos o índice de mortalidade é de menos de 5%.


No alogênico, o índice fica entre 15% e 20%, quando as células da medula óssea do doador não
reconhecem os órgãos do receptor.

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