1) Uma decisão recente de um tribunal em São Paulo rejeitou a jurisdição brasileira em um caso, citando o princípio da efetividade.
2) No entanto, os argumentos sobre o princípio da efetividade para contornar as regras de competência no CPC são difíceis de aceitar.
3) O uso do princípio da efetividade para restringir a jurisdição brasileira, como feito na decisão, é inadequado e contraria a jurisprudência do STJ.
1) Uma decisão recente de um tribunal em São Paulo rejeitou a jurisdição brasileira em um caso, citando o princípio da efetividade.
2) No entanto, os argumentos sobre o princípio da efetividade para contornar as regras de competência no CPC são difíceis de aceitar.
3) O uso do princípio da efetividade para restringir a jurisdição brasileira, como feito na decisão, é inadequado e contraria a jurisprudência do STJ.
1) Uma decisão recente de um tribunal em São Paulo rejeitou a jurisdição brasileira em um caso, citando o princípio da efetividade.
2) No entanto, os argumentos sobre o princípio da efetividade para contornar as regras de competência no CPC são difíceis de aceitar.
3) O uso do princípio da efetividade para restringir a jurisdição brasileira, como feito na decisão, é inadequado e contraria a jurisprudência do STJ.
São difíceis de aceitar os argumentos do emprego do princípio da efetividade em recente decisão do TJSP
• JOSÉ AUGUSTO FONTOURA COSTA
20/03/2023 05:25 comentários
Crédito: Unsplash
Em recente decisão de primeira instância na Justiça do Estado de São
Paulo houve o afastamento da jurisdição brasileira. Até aí, não há quaisquer problemas, até porque, conforme argumentação apresentada na sentença, não haveria incidência de nenhuma das hipóteses determinantes da extensão do poder brasileiro de julgar previstas no CPC, com ênfase para a do inciso II do Artigo 21. Porém, os argumentos adicionais, a respeito do emprego do princípio da efetividade, são bem difíceis de aceitar. Conforme o relatório da causa envolvendo a Recepta Biopharma e a Agenus, a autora iniciou a ação em São Paulo com fundamento nas normas de competência concorrente do CPC, particularmente o Artigo 21, II, referente à existência de obrigação a ser cumprida no Brasil. A ré contestou no sentido de negar a jurisdição brasileira. Deste modo, ausente cláusula de eleição de jurisdição ou foro e presente a oposição do réu na contestação, fica clara a ausência de incidência da hipótese do Artigo 22, III, a qual garante a extensão da jurisdição brasileira em razão do concerto, expresso ou tácito, da vontade das partes.
Para determinar o afastamento da jurisdição, então, o julgador afirma que
“à luz dos elementos existentes nos autos, conclui-se que as principais obrigações debatidas não têm o Brasil como local de cumprimento”. Assim, estando ausente elemento capaz de provocar a cobertura jurisdicional brasileira sobre o caso, a decisão correta não poderia ser outra senão a de declinar da competência.
Ao que parece, portanto, o resultado está correto. A análise é bastante
simples: considerando não se verificar a incidência de qualquer das hipóteses dos Artigos 21 a 23 do CPC e ausentes elementos suficientes para afirmar uma extensão excepcional da jurisdição brasileira com fundamento no Artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, o correto é que o juízo declare a falta de jurisdição, encerrando o feito.
Mas a sentença não se deteve nesse ponto. E os argumentos se tornam
menos sólidos a partir da análise ad argumentandum tantum de outras potenciais razões do afastamento da jurisdição brasileira. É quando se inicia a “análise da conveniência para as partes envolvidas” em termos de facilidade para a produção de provas e efetividade da sentença. A ideia seria empregar o princípio da eficiência para afastar as hipóteses taxativas do CPC em razão da conveniência. É aí que a própria escolha da linguagem denuncia, em seus meandros, uma aplicação ao caso da doutrina do common law denominada forum non conveniens.
Trata-se, em síntese, de doutrina referente à avaliação pelo juiz da
conveniência em decidir uma determinada causa a partir de critérios passíveis de indicar se o foro seria adequado. Não se trata de saber qual o melhor foro, ou de regra tendente a extinguir a existência de competências concorrentes, mas de fundamento discricionário de avaliação de pressupostos de eficiência mínima. Os países de tradição romano-germânica, como o Brasil, são bastante avessos a tal doutrina, optando por hipóteses claras e rígidas tanto na distribuição interna de competências, quanto no estabelecimento dos limites da jurisdição internacional. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeita, de modo sólido e inequívoco, a inadequação do emprego da doutrina do forum non conveniens no Brasil. É o caso do REsp 1633275/SC (2016), relatado pelo ministro Villas Bôas Cuevas, no qual se afirma não haver “no ordenamento jurídico brasileiro norma específica capaz de permitir tal prática”. No mesmo diapasão, na MC 15398/RJ (2009), relatada pela ministra Nancy Andrighi, recorda-se que “apesar de sua coerente formulação em países estrangeiros, não encontra respaldo nas regras processuais brasileiras”.
Evidencia-se, dessarte, uma forte limitação ao uso de considerações a
respeito da efetividade para driblar as regras postas no CPC a impropriedade do uso de elementos como a avaliação das dificuldades de produção da prova ou da executoriedade da sentença. Mais concretamente, aliás, se a parte autora optou pelo juízo brasileiro, não lhe resultaria este conveniente? Não seria essa a parte interessada na efetividade?
Igualmente equivocada a interpretação extensiva da cláusula de escolha
da lei aplicável – do estado de Nova York – como indício da conveniência do foro. É comum, muito comum, encontrar contratos em que o local escolhido para a solução das controvérsias é diverso do da lei aplicável e, decerto, são assuntos diferentes e não permitem, na prática internacional, qualquer tipo de ilação: assim como indicar o foro não implica, per se, na indicação da lei aplicável ao contrato, tampouco a escolha da lei autoriza percurso inverso.
Para terminar causando ainda maior estranhamento, a decisão esposa a
ideia de que o Judiciário brasileiro tem poderes para determinar a competência dos magistrados estrangeiros. Por isso, ordena a sentença: “a lide ser decidida pelo Poder Judiciário dos Estados Unidos, mais precisamente pela Corte de Massachussets”. Resta saber se isso foi previamente combinado com o juiz americano. Aliás, não deixa de ser irônico que uma sentença pretensamente fundada no princípio da efetividade contenha, em seu dispositivo, determinações de eficácia natimorta, pois é evidente a ausência de qualquer submissão do juiz estrangeiro a essa sentença brasileira.
Não custa lembrar: o Direito Internacional Público não dispõe de um
regime geral de distribuição internacional da jurisdição dos tribunais dos quase duzentos Estados. Há, com limitações territoriais e materiais, acordos sobre este assunto, como, por exemplo, o Regulamento 1.251/2012 da União Europeia. Na imensa maioria das situações há sobreposição das várias jurisdições estatais, sendo bastante raros os conflitos negativos de jurisdição. Aliás, o próprio CPC, em seu artigo 24, deixa claro ser o Brasil avesso a noções como a litispendência ou a prevenção internacional, regra que decorre da ausência de coordenação internacional para eliminar conflitos de competência.
O princípio da efetividade, decerto, é um importante guia para o
legislador, que deve acautelar-se contra a eventual extensão da jurisdição para áreas em nas quais a tutela do Estado brasileiro possa produzir seus efeitos. Boa parte das hipóteses do CPC seguem essa diretriz: domicílio do réu, lugar da obrigação e vínculos econômicos do réu em ações de alimentos. Outras hipóteses tratam da conveniência do curso do feito, sobretudo a de se basear a ação em ato ou fato no Brasil, facilitando a instrução probatória. Pode, ainda, favorecer vulneráveis, como o autor da ação de alimentos ou o consumidor domiciliado no Brasil. Por fim, estabelece a possibilidade de estender a jurisdição em razão da vontade das partes – e nem nesse aspecto particular faculta o uso da doutrina do forum non convenines pelo juiz do feito. Assim, o próprio uso de um princípio de efetividade é temperado e mitigado pelo legislador em favor da conveniência da instrução, da proteção de vulneráveis e da autonomia privada; isso sem contar a complexa hermenêutica do Artigo 5º, XXXV da Constituição Federal.
Não é que a observação ao princípio da efetividade, em óbvio cotejamento
com os demais princípios presentes no Ordenamento brasileiro, esteja vedada ao juiz, seja a qual instância este pertença. Entretanto, para aqueles casos em que a incidência das hipóteses legais para a delimitação da jurisdição internacional brasileira ocorre, não lhe é dado o condão de restringir a prestação da proteção judicial estatal. Fazer isso é tentar forçar a entrada no Direito brasileiro, por via jurisprudencial, da doutrina anglo-americana do forum non conveniens. Há, porém, boas razões para não o fazer, inclusive a linha adotada pelo legislador e confirmada nas cortes superiores
O feito em tela, porém, não terá prosseguimento e, portanto, não se terá
decisão colegiada a respeito do tema. Não obstante, a bem da segurança jurídica e do respeito à letra da lei, seria importante cuidar de não reforçar os argumentos em torno de uma aplicação de princípio da eficiência capaz de reduzir o alcance das normas jurisdicionais brasileiras.
JOSÉ AUGUSTO FONTOURA COSTA – Professor de Direito do Comércio
Internacional da Faculdade de Direito da USP, professor da UniCEUMA (São Luís) e da Faculdade de Direito de Sorocaba. Bolsista produtividade CNPq. Advogado. Consultor em Barral, Parente e Pinheiro Advogados.
Da não violação ao princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/88) em face da execução provisória da pena após condenação em segunda instância