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É o relatório, passo a fundamentar e decidir, art. 93, IX CF.

Preliminarmente, faz-se necessário


delimitar as defesas processuais, as quais não se relacionam ao mérito e se destinam a controlar a
regularidade formal do processo. Desse modo, faz-se oportuno tratar sobre o regime jurídico aplicável ao
rito procedimental, o que por consequência lógica influencia nas regras de competência.

A defesa sustenta pela aplicabilidade da lei 8429/92 com as alterações promovidas pela Lei 14230 de
2021 publicada em 26/10/21, data posterior ao fato do processo. Registra-se que a ação de improbidade
administrativa possui natureza civil, determinação constitucional do art. 37, §4º da CF, o que por essa
razão o sistema processual aplicável é o do CPC. Nessa toada, o art. 14 do CPC enuncia de forma
expressa que a legislação processual aplica-se imediatamente aos processos em curso, ressalvando os atos
já praticados. Adesão ao sistema de isolamento de atos processuais alinhado ao direito fundamental da
segurança jurídica em preservação ao ato jurídico perfeito, art. 5º XXXVI. Assim, sendo a competência
instituto de natureza processual que delimita a jurisdição, entendo pela aplicabilidade da nova lei, embora
ressalto conhecer do entendimento do STF e do STJ que será melhor explicado no decorrer da discussão
meritória sobre a irretroatividade da lei 14230 de 2021.

De fato, quanto a regra de competência a nova legislação não trouxe uma modificação substancial,
apenas afirmou de forma expressa o que já era entendimento pacificado. O art. 17, § 4-A da lei de
improbidade delimita a competência pelo local do dano ou da pessoa jurídica prejudicada.

O corrente processo foi instaurado no foro da Comarca de Cascavel no Estado do Paraná, município
onde o fato ocorreu. Como a ação de improbidade é uma espécie de ação civil pública capaz de tutelar
direito coletivo, aplicava-se pela teoria do diálogo das fontes a regra do foro do local do dano
estabelecido previamente no art. 2 da lei n. 7347/1985 como de competência funcional absoluta,
decorrência do microssistema coletivo. Assim, não merece acolhimento a preliminar de incompetência do
art. 337, II do CPC.

A defesa de JAGUNÇO MULAMBO suscita ainda de forma preliminar a nulidade da prova obtida
por captação ambiental, pois a nova redação da lei 9296 de 1996 no art. 8º-A, §4º prevê que " a captação
ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do
Ministério Público poderá ser utilizada em matéria de defesa, quando demonstrada a integralidade da
gravação".

Embora a doutrina não tenha acordado de forma pacifica o que se entenderia por captação, se
abrangeria ou não as diferentes espécies da interceptação ( terceiro grave sem conhecimento dos
interlocutores), escuta (terceiro grava com o conhecimento de um dos interlocutores) ou ainda gravação
(um dos interlocutores grava sem conhecimento dos demais). A redação da lei nova da interceptação
telefônica pretendeu abranger a captação como gênero, pois a lei ora fala em autorização judicial, ora
dispensa tal requisito para captação ou até mesmo fala em captação quando feita por um dos
interlocutores.

A interpretação da legislação não pode se dar em atenção única e exclusiva de um parágrafo feito de
forma isolada, exige-se uma leitura conjunta dos artigos, bem como da lei com o sistema jurídico como
um todo. O paragrafo que fala sobre o uso da captação ambiental como defesa apenas introduziu o
requisito que esse uso deve ser feito desde que demonstre a integralidade da gravação para evitar
possíveis fraudes, assegurando a veracidade. Em momento algum restringe o uso somente para a defesa,
não há o uso de advérbios exclusivos. Não cabe assim ao interprete restringir quando o legislador não o
faz, ademais quando tal restrição não seria razoável.

A constituição enuncia no art. 5, XII a inviolabilidade do sigilo das comunicações, mas, ao mesmo
tempo que confere a garantia, ressalva casos em que seja possível o acesso por meio de autorização
judicial ou casos da lei para investigação criminal ou instrução processual. O que de fato a constituição
visa é a proteção da intimidade, art. 5 X. Assim, não é razoável restringir o uso do acesso a comunicação
baseado unicamente pela diferenciação do uso pela defesa ou pela acusação, não estaria adequado ao
principio da paridade de armas, seria uma restrição desproporcional. Há no caso uma justificação do
sacrifício da intimidade em prol da finalidade da gravação ser usada para vítimas de crimes.

A jurisprudência sempre foi pacifica em admitir o uso dos diálogos pelos interlocutores pois à eles não
se pode opor o uso daquilo que lhe pertence. Podendo ser usado tanto para a defesa quando acusado de
um processo crime, tanto quanto pela vitima para a persecução penal do seu agressor. Ademais, seria
incongruente o sistema processual permitir que alguém possa testemunhas, mas ao mesmo impedir o uso
da gravação desse dialogo se acaso tenha.

Convém ressaltar ainda que no caso concreto sequer pode se vislumbrar uma violação a privacidade ou
intimidade, pois o fato foi dado em local aberto ao público, qualquer pessoa presente poderia presenciar a
situação, o que foi feito e gravado por Maria, esposa da vítima PEDRO, e usado pelo próprio interlocutor
como prova , fato este não abrangido pela proteção da inviolabilidade do sigilo. Rejeito a preliminar de
nulidade da prova.

Presente os pressupostos processuais e os requisitos de admissibilidade da demanda, passo ao exame


do mérito.

Trata-se a ação sobre improbidade administrativa proposta pelo parquet para condenar os réus
JAGUNÇO MULAMBO E RODRIGO PANCADA. Cinge-se a controvérsia sobre a norma jurídica
aplicável, diante da nova legislação um dia após o fato, o que ditará as consequências da condenação, ou
ainda se seria o rol do art. 11 taxativo, pautas em discussão. Bem como sobre quais seria os requisitos
para determinar a cautelar diante da novel legislação e seus parâmetros valorativos de indisponibilidade, e
de forma subsidiária a discussão sobre a proporcionalidade. Controvertido ainda o fato de aplicação ou
não do princípio da insignificância.

É fato incontroverso a ocorrência da situação fática descrita na denúncia, não há discussão quanto aos
fatos. A situação fática narrada de forma lógica e congruente foi corroborado com as gravações captadas,
não sendo sequer impugnada especificamente pelos réus, cuja manifestação limitou-se a questões
jurídicas. Uma vez que o parquet como autor comprovou o fato constitutivo, art. 373 CPC,
desincumbindo-se do ônus probatório, e a própria legislação processual enuncia que fatos não contestados
dispensam provas, art. 374, III CPC. Não há dúvidas quanto a veracidade dos fatos.

A ação de improbidade tem por objetivo penalizar o agente público que age com a finalidade contrária
a moralidade, ética e eficiência, princípios da administração pública protegidos constitucionalmente. O
ato improbo é uma ilicitude qualificada pela má-fé que mereceu maior atenção pelo ordenamento para
consecução de interesses públicos. Assim, tal mandamento constitucional de penalização de agentes por
ato de improbidades foi um avanço ao combate a corrupção, por tal razão é matéria de debate recente a
aplicação da nova lei a casos anteriores, devido a mudanças substanciais.

Não se desconhece da decisão do STF quanto a aplicação da lei de improbidade, cuja manifestação
acarretou a sedimentação sobre duas teses importantes. A uma estabeleceu que a lei 14230/2021 no que se
refere a abolição da culpa em atos de improbidade não teria aplicação retroativa a casos com trânsito em
julgado ou em processos em curso de execução, mas incidiria sobre casos sem transito em julgado,
embora praticados sob a vigência da lei anterior, pois a lei antiga não poderia ser ultrativa. Não poderia
conceber que a nova lei desconstituísse o transito em julgado em contradição com o art. 5, XXXVI da CF,
pois o direito administrativo sancionador não é o mesmo que direito penal, até porque conforme já falado
a ação de improbidade tem natureza civil. Mas a lei antiga não poderia punir fatos que com a nova lei não
teriam tipificação formal, seria incongruente processar alguém com a nova lei já vigente por fato que não
seria mais improbidade. Em segundo o STF afastou a aplicação dos novos prazos prescricionais para os
fatos ocorridos anteriormente a vigência da lei 14230, vez que não se aplica a regra de direito penal sobre
lei mais benéfica pois tem natureza civil, e ademais, a prescrição é uma sanção pela inércia, não se pode
falar que houve uma inércia quando se estava cumprindo um prazo dado pela lei anterior. Seria contrário
a própria proteção que a prescrição visa oferecer, que é a segurança jurídica e a previsibilidade.
Quanto aos demais aspectos da lei de improbidade, o STF não se manifestou ainda sobre, o que deve
ser analisado caso a caso. O STJ tem se manifestado de forma restritiva quanto a interpretação do julgado
pelo STF, entendendo que qualquer aspecto dado pela nova lei deve ser entendido como irretroativo.
Contudo, ressalta-se que há decisão monocrática do Ministro Gilmar Mendes pugnando pela aplicação da
nova lei de improbidade para afastar a tipificação da improbidade quando contrária a princípios
administrativos de forma genérica, atendendo a rol taxativo do art. 11.

Nesse sentido, quanto a tipicidade da conduta perpetrada pelo réu RODRIGO, não vislumbro
tipificação formal de ato ímprobo. O réu em data de 21/10/21 avistou o outro réu JAGUNÇO em
discussão com a vítima PEDRO sem sequer deter conhecimento sobre o diálogo, e nesse momento
incorreu em violência policial. O fato de atuar com truculência sem atuar em má-fé para a corrupção
perpetrada pelo outro colega policial não torna a sua conduta típica em ato de improbidade. Apesar do ato
ser ilegal, bem como imoral, deve ser responsabilizado nas demais searas, mas não é ato que visa
transgredir a moralidade protegida pela ação presente.

Com a nova taxatividade não basta o ferimento de princípios, deve ser conduta expressamente
prevista no art.11. A nova redação deve ser imposta para casos de fatos praticados na égide da lei anterior
ainda sem transito, pela mesma razão da abolição de condutas de improbidade na modalidade culposa.
Improcedente a condenação ao réu RODRIGO no ato de improbidade.

Ao RÉU JAGUNÇO, a tipicidade formal encontra-se delimitada no art. 9, inciso I da Lei


8429/92, pois em data de 25/10/21 solicitou o valor de R$ 100, 00, tendo recebido a quantia de R$ 50,00
para deixar de aplicar multa de transito em face da vítima Pedro. Ultrapassado a discussão quanto a
comprovação e veracidade do fato narrado, por oportuno delimito que a conduta perpetrada foi conduzida
com o requisito objetivo de dolo em enriquecer-se ilicitamente em razão do cargo, caracterizado a
conduta de corrupção.

A defesa pugna pela aplicação do principio da insignificância. A jurisprudência do STJ


anteriormente à novel legislação era majoritariamente contra à aplicação do princípio à atos de
improbidade, visto que o objetivo da lei é proteger a moralidade administrativa, e o fato da conduta
corresponder a captação de valor irrisório não afasta a efetiva lesão ocorrida ao bem jurídico protegido
que é justamente a moralidade.

O principio da insignificância se aplica incide na tipificação material da conduta, pois há casos que,
embora haja o total enquadramento do fato ao tipo legal, pode ocorrer de não se ocasionar lesão a bem
jurídico preservado. O que por essa razão a corte do STJ era contrária em casos de improbidade, pois
como o caso, por mais que o enriquecimento tenha sido de pouca monta, a moral administrativa já foi
corrompida. A administração precisa manter em seus postos, agentes públicos dotados de ética e moral
capaz de proporcionar transparência e confiança legitima à população, o uso de cargo para corromper é
frontalmente contrário ao bem jurídico protegido pela norma de improbidade.

Em paralelo, ainda que fosse possível falar em aplicação da insignificância pela aplicação da nova
lei, ressalta que não se amolda ao caso, o §4º do art. 11 que fala sobre lesividade, refere-se de forma
exclusiva aos casos de improbidade por lesão a princípios, e ao réu JAGUNÇO há persecução quanto a
fatos que decorrem enriquecimento do art. 9 da lei 8429/92. Rejeito aplicação ao princípio da
insignificância.

Quanto a sanção, cabível apenas ao réu JAGUNÇO pois conduta tipificada formal e materialmente
no art. 9, I da lei de improbidade, a defesa sustenta pela inaplicabilidade da sanção de perda de cargo
perante a nova lei, vez que o art. 12 § 5º anuncia que caso de menor ofensa aos bens jurídicos tutelados a
sanção limita-se a pena de multa, sem prejuízo do ressarcimento do dano e da perda dos valores obtidos,
quando for o caso.
Embora seja possível aplicar nova legislação para não processar fatos que sejam cometidos em
lei anterior, cuja atual legislação aboliu a tipicidade, não é possível afirmar o mesmo para os casos das
sanções que devem considerar às aplicáveis ao tipo da época cometida, conforme entendimento restritivo
do STJ. Visto que a ação de improbidade é de natureza civil, onde não tem aplicação a retroatividade de
lei mais benéfica, aplicação de tempus regit actum.

Aplica-se à JAGUNÇO MULAMBO, diante da prática do ato de corrupção art. 9, inciso I, as


sanções do art. 12, inciso I de perda do bem acrescido ao patrimônio de forma indevida, a perda da função
pública de policial rodoviário estadual, multa civil no triplo do valor de R$ 50, 00, bem como a suspensão
dos direitos políticos pelo prazo de 8 anos. A penalização tem como parâmetro a razoabilidade com a
conduta perpetrada, o réu merece maior grau de reprovabilidade diante da função ser integrante de órgão
da segurança pública, instituição para proteção da ordem pública e jurídica.

O agente policial que é investido de autoridade com vistas a proteger a própria ordem jurídica,
merece maior culpabilidade, pois espera-se dessa autoridade a proteção da norma, e não a transgressão
delas. Eles personificam a própria função do justo e da lei, não pode o agente corrupto representar a
ordem se ele mesmo contraria a ordem e dá mau exemplo a população. Razão pela qual merece maior
punição com a perda da função, ainda que por ora o enriquecimento tenha sido de pouca monta, pois a
conduta por si é extremamente grave. Ademais, não é cabível conceber que uma pessoa
comprovadamente corrupta possa a vir concorrer a uma função pública por meio do mandado eletivo.

Quanto a determinação da medida cautelar de indisponibilidade de bens, anteriormente à


modificação legal de 2021, o STJ dispensava a demonstração concreta do perigo ou risco ao resultado
útil, bastava indícios da prática de ato de improbidade que haveria uma presunção do perigo da demora. A
nova lei exige expressamente o perigo ou risco.

Ressalta-se que existe posicionamento doutrinário pugnando pela aplicação da nova lei na
determinação da cautelar, a uma que a natureza é processual e aplica-se o sistema de isolamento dos atos
do art. 14 do CPC, bem como pugna-se pela aplicação diante da ideia de que a medida cautelar vigora
pela clausula de que os requisitos devem permanecer presentes, havendo a alteração substancial dos
requisitos, devem ser modificados de modo a atender.

Contudo, diante da interferência da cautelar no próprio direito material, bem como a


jurisprudência do STJ tem aplicado a tese da irretroatividade da nova lei para todos os demais aspectos da
lei 8429, considero suficiente os requisitos lançados nos autos, o que agora em cognição exauriente
confirma a prática de improbidade.

Ressalta-se que merece revogação a cautelar determinada em face do réu RODRIGO diante da
ausência de tipificação formal da conduta perpetrada.

Ademais, considerando que a antiga lei de improbidade não estipulava valor para parâmetro da
indisponibilidade, era pacifico aplicação do valor da multa civil, o que ao caso concreto determinado ao
réu JAGUNÇO, o tecnicamente correto é a indisponibilidade tendo por base o valor do acréscimo
patrimonial, consentâneo ao art. 12, inciso I. Desse modo, reduzo o parâmetro para considerar o valor de
R$ 150,00, permanecendo a indisponibilidade de bens e valores apenas no valor referido, liberando do
gravame os demais bens e valores.

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido na forma do art. 487,


inciso I do CPC, para rejeitar o pedido em face do réu RODRIGO PANCADA dada a atipicidade da
conduta, acolher parcialmente para CONDENAR JAGUNÇO MULAMBO à perda de bens ou valores
acrescidos licitamente ao patrimônio com correção monetária e juros da data do fato (25/10/21), a perda
do cargo de policial rodoviário estadual, multa civil pelo triplo do valor acrescido totalizado em R$ 150,
00 acrescidos de juros e correção monetária contado da data do fato (25/10/21), bem como a suspensão
dos direitos políticos pelo prazo de 08 anos.
Determinar a imediata liberação dos valores indisponíveis em face do réu RODRIGO
PANCADA, revogação da cautelar. Bem como reduzir a cautelar anteriormente perpetrada em face de
JAGUNÇO MULAMBO para determinar a liberação de valores que ultrapassem R$ 150,00.

Incabível condenação em honorários advocatícios em favor do Ministério público, decorrência


principio da simetria, art. 18 da lei ACP. Condeno os demandados em despesas processuais, conforme o
STJ a isenção do artigo da ACP se refere exclusivamente ao autor.

Oficie o TER comunicando a suspensão dos direitos políticos, bem como CNJ para fins do
registro do cadastro nacional.

Publique-se. Registrem-se e Intimem-se. Dê ciência ao Ministério Público e ao Estado do


Paraná.

Juiz do direito.

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