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DOI: 10.48011/sbse.v1i1.

2421

ESTIMAÇÃO DA VULNERABILIDADE ÀS PERDAS COMERCIAIS POR


SUBÁREA UTILIZANDO UMA REGRESSÃO ESPACIAL HIERÁRQUICA
Lucas de Oliveira Ventura*. Joel D. Melo**

*Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do ABC – UFABC, Av. dos Estados,
5001 - Bairro Santa Terezinha - Santo André (Tel: 55 11951250845; e-mail: lucas.ventura@aluno.ufabc.edu.br).

**Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do ABC – UFABC, Av. dos
Estados, 5001 - Bairro Santa Terezinha - Santo André (e-mail: joel.melo@ufabc.edu.br)

Abstract: Commercial or non-technical losses of electricity refer to theft and fraud of energy practiced by
end consumers. The inspection of this type of loss is carried out by the electric utilities through visiting
teams that perform inspections to the end consumers’ electrical installations. In most distributors, teams
have few members, and it is not possible to verify all installations within the concession zone. Thus, some
regions are prioritized for visits, and others are not inspected. In this paper, a model for the spatial
estimation of commercial losses in urban areas is presented. Such a model estimates the vulnerability of
each region of the city to have commercial losses. The quantification of vulnerability is given by a
probability value. Thus, the proposal can assist companies in overseeing and direct their inspection teams
to the regions with higher probability values to encounter commercial losses.
Resumo: As perdas comerciais ou não técnicas de energia elétrica referem-se aos furtos e fraudes de energia
praticados pelos consumidores finais. A fiscalização desse tipo de perdas é realizada pelas concessionárias
de energia por meio de equipes de visitas que realizam inspeções as instalações elétricas dos consumidores
finais. Na maioria das distribuidoras, as equipes contam com poucos integrantes, sendo não possível
verificar todas instalações dentro da zona de concessão. Assim, algumas regiões são priorizadas para visitas
e outras não são inspecionadas. Neste artigo, um modelo para a estimação espacial das perdas comerciais
em zonas urbanas é apresentado. Tal modelo estima a vulnerabilidade de cada região da cidade em ter
perdas comerciais. A quantificação da vulnerabilidade é dada por meio de um valor de probabilidade. Dessa
forma, a proposta pode auxiliar as empresas na fiscalização e direcionamento de suas equipes de inspeção
às regiões com maiores probabilidades de encontrar perdas comerciais.
Keywords: Non-technical losses; spatial analysis; commercial losses in power grids; electricity distribution
systems; power theft.
Palavras-chaves: Perdas não técnicas; análise espacial; perdas comerciais em redes elétricas; sistemas
de distribuição de energia elétrica; furto de energia.

como apresentado por (Instituto Acende Brasil, 2017) para o


1. INTRODUÇÃO
ano de 2015.
As perdas não técnicas nos sistemas de distribuição de energia
Atualmente, encontra-se um cenário que pode favorecer a
elétrica referem-se, majoritariamente, aos furtos e fraudes
prática das perdas não técnicas em diversos países por causa
praticados pelos consumidores finais. Tais perdas são
de fatores como recessão econômica, nível alto de
conhecidas como perdas comerciais, sendo associadas a: furtos
desemprego, alto preço da fatura de energia, alta taxa de
de energia, erros de medição, erros no processo de
natalidade, baixo índice de desenvolvimento humano, entre
faturamento, unidades consumidoras sem equipamento de
outros citados em (Smith, 2004). Desta forma, nas
medição, etc. (Cancian, Saldanha and Paulino, 2013). Estas
concessionárias de serviço elétrico desses países há uma
perdas representam um enorme prejuízo para as
grande preocupação no combate das perdas comerciais.
concessionárias de energia. No Brasil, as perdas não técnicas
corresponderam a 5% da energia injetada na rede, A fiscalização das perdas comerciais é realizada pelas
representando um prejuízo econômico de aproximadamente concessionárias de energia que periodicamente realizam
R$ 8 bilhões para as 59 principais distribuidoras elétricas, programas de visitas aos consumidores finais, conhecidas
como campanhas. Tais campanhas são coordenadas pelas
próprias empresas distribuidoras, que destinam grupos de informação geográfica (SIG). Tal sistema permite a
técnicos para fiscalizar as instalações dos consumidores. No visualização de padrões em áreas de estudo através de mapas,
entanto, muitas das distribuidoras no Brasil enfrentam incorporando diversas informações relacionadas às suas
dificuldades na fiscalização, as quais podem-se mencionar o características locais.
difícil acesso as regiões afastadas nas zonas urbanas, o alto
risco a que pode ser exposto a equipe de visita, o número Os SIG disponibilizam um conjunto de ferramentas para
reduzido de equipes disponíveis para visitar todos os realizar a análise espacial para caracterizar e modelar a
consumidores, entre outros, como os explicados em (Ferreira, influência de relações existentes entre as variáveis de estudo e
2015). Dessa forma, no contexto atual, algumas regiões não o espaço geográfico em que se encontram. Em geral, Druck et
são visitadas, contribuindo para a falta de informações sobre al. (2004) afirma que para a aplicação dessas ferramentas é
esses locais da cidade. Consequentemente, cria-se um necessário que as informações se encontrem em forma de
panorama de incerteza na caracterização do estado presente pontos geográficos, regiões ou subáreas ou superfícies, com a
das perdas não técnicas na zona de concessão da empresa descrição da variável.
distribuidora. Como definido em (de Smith, Goodchild and Longley, 2018),
Dadas as dificuldades das empresas em realizar inspeções a os pontos geográficos são as coordenadas geográficas do local
todos os consumidores, neste trabalho se apresenta um modelo onde se coletou uma determinada informação. As regiões ou
espacial para a estimação da vulnerabilidade de cada região da subáreas representam os setores que foram definidos para o
cidade em se ter perdas não técnicas. Tal vulnerabilidade é processamento de informações e coleta de dados. As
quantificada por um valor de probabilidade. O modelo superfícies, por suas vezes, mostram a continuidade das
proposto utiliza como informações de entrada os dados do informações pelas diversas regiões da zona de estudo.
censo demográfico e o histórico de inspeções realizadas na No caso da identificação das perdas não técnicas, pesquisas
zona de estudo. A proposta correlaciona essas informações por recentes (Faria, Melo and Padilha-Feltrin, 2016) mostram que
meio de uma regressão espacial hierárquica, a fim de estimar as unidades consumidoras (UC) que realizam tais perdas se
a distribuição da vulnerabilidade às perdas comerciais na zona encontram espalhadas em diversas regiões da zona urbana,
de estudo. Assim, a partir dessa distribuição é possível mas com um padrão de ocorrência que pode ser caracterizado
complementar informações faltantes nas regiões que não por informações socioeconômicas da região de estudo.
foram visitadas. O modelo proposto foi aplicado em uma Atualmente, as distribuidoras de energia elétrica são
cidade de médio porte do estado de São Paulo. Os resultados encarregadas de informar à Agência Nacional de Energia
do modelo proposto são mapas de calor que podem direcionar Elétrica – ANEEL as coordenadas geográficas de suas
as equipes de inspeção para os locais mais críticos da cidade, instalações elétricas, como os transformadores de energia
isto é, para aqueles com maiores probabilidades de se instalados dentro de sua zona de concessão (Agência Nacional
encontrarem perdas não técnicas. de Energia Elétrica, 2016). Assim, a partir dessas informações
geográficas é possível implementar modelos de análise
2. ANÁLISE ESPACIAL PARA AS PERDAS NÃO espacial.
TÉCNICAS
Neste trabalho, considera-se que cada transformador de
Técnicas de inteligência artificial como data mining utilizadas distribuição tem uma coordenada geográfica e agrega uma
por (Buzau et al. 2019; Monteiro and Maciel, 2018), big data quantidade de UC visitadas. Desse modo, ao invés de analisar
(Glauner et al. 2016; Sengupta et al. 2017) e machine learning cada UC no mapa, os transformadores é que são caracterizados
(Hartmann et al. 2015; Viegas et al. 2017) têm sido como pontos geográficos. Levando em conta isto, mapas
empregadas pelas distribuidoras, a fim de identificar os locais temáticos são criados a partir das coordenadas geográficas dos
e consumidores que cometem irregularidades. Embora sejam transformadores. A obtenção da quantidade de fraudes é
técnicas com altas taxas de acerto na identificação de fraudes, associada a cada transformador. Por exemplo, na Tabela 1
em zonas urbanas com uma distribuição heterogênea das apresenta-se uma base de dados espacial que se pode encontrar
perdas comercias, podem não ser as mais adequadas por não nas distribuidoras. Nessa tabela, observa-se que os
caracterizar particularidades regionais das perdas. Isso ocorre transformadores possuem um número de identificação (código
por conta da correlação existente entre os consumidores e as de transformador) e sua localização geográfica determinada
características socioeconômicas que dependem da posição por coordenadas. A partir deste código, pode-se detectar cada
geográfica em que as perdas se encontram, como se explica em UC conectada a um transformador, e assim determinar o
Faria (2016). número de UC irregulares por transformador utilizando a
Tabela 2.
A fim de diminuir os níveis de perdas comerciais, as empresas
realizam campanhas de inspeções aos consumidores finais. A partir das tabelas supracitadas pode-se criar dados
Para direcionar suas equipes, as empresas podem utilizar georreferenciados que podem ser visualizados em SIG.
mapas temáticos ou mapas de calor como os mostrados em
(Faria, Melo and Padilha-Feltrin, 2016). Esses mapas podem Após as campanhas de visitas às UC, as empresas classificam
ser criados por meio de análise espacial que utiliza técnicas de as UC como irregulares ou regulares. As UC irregulares são as
identificação de padrões a partir de dados georreferenciados. que cometem algum tipo de fraude e a identificação de seu
Analisar a distribuição espacial de dados ou informações de padrão espacial é de suma importância para as empresas
uma variável em estudo é possível por meio de um sistema de distribuidoras. Devido ao grande número de fraudes e do
prejuízo econômico que se tem, as empresas devem realizar censitário da região de estudo. Por outro, a variável dependente
um programa de visitas, procurando visitar os locais com ou resposta (Y) representa a taxa do número de perdas
maiores chances de encontrar perdas comerciais. comerciais por cada setor censitário. Entenda-se por essa taxa
a divisão entre o número total de fraudes encontrado pelo total
Tabela 1. Exemplo de Base de Dados de de visitas realizadas no setor. Define-se um setor censitário
Transformadores como uma unidade territorial na qual os dados de censo são
apresentados e coletados (IBGE, 2010).
Código de Código de
Coord. X Coord. Y
Transformador Alimentador Os SIG têm diversos modelos espaciais autorregressivos
108 A2 466554,86 7555363,86 (SAR). Tais modelos consideram coeficientes para representar
995 A7 464202,14 7551741,66 a dependência espacial da variável em estudo, considerando:
993 A7 464129,39 7550901,88 um conjunto de variáveis explicativas, a ponderação da
Tabela 2. Total de Fraudes por transformador influência de cada região vizinha no crescimento do valor da
variável e um erro que pode modelar as características
Código de Quantidade de Total de estocásticas do problema, explicados por (Grabowski, 2012).
Transformador UC Fraudes Um modelo SAR é representado pela seguinte expressão:
108 39 5
995 87 2 𝑌 = 𝜌𝑊𝑌 + 𝛽𝑋 + 𝜀 (1)
993 86 1
Em que ρ é o coeficiente espacial autorregressivo que
Dessa forma, a fim de identificar as regiões com maior determina o grau de dependência espacial da variável
vulnerabilidade às perdas não técnicas, as técnicas de análise dependente; W, uma matriz (n x n) de vizinhança (WY
espacial que correlacionam informações socioeconômicas e o expressa a dependência espacial); β, um vetor (j x 1) com os
histórico de inspeções podem ser utilizadas. O Instituto coeficientes de regressão; X, uma matriz (n x j) com j-1
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE disponibiliza variáveis explicativas; e ε, um vetor de erros aleatórios. Os
informações demográficas de forma espacial, podendo ser modelos SAR atribuem a autocorrelação espacial à variável Y,
encontradas em (IBGE, 2010). Por outro lado, tal sendo um modelo de regressão global que busca uma
vulnerabilidade é calculada por um valor de probabilidade por similaridade entre as regiões de estudo. Tal similaridade é
região da zona urbana da cidade. Essa probabilidade está em caracterizada em uma única equação para toda a zona de
função de fatores de proximidade entre regiões fraudulentas e estudo.
informações socioeconômicas (pobreza, baixo índice de
desenvolvimento humano, etc.). Na identificação da Dentre os modelos SAR, o modelo hierárquico autorregressivo
correlação das propriedades entre variáveis socioeconômicas, espacial – HSAR permite diminuir a influência das variáveis
utilizou-se de um modelo espacial que será explicado na explicativas na análise. No problema de perdas comerciais e
próxima seção. em muitos problemas dinâmicos é uma tarefa muito difícil
encontrar o conjunto de variáveis que caracterizam
3. MODELO PROPOSTO DE ESTIMAÇÃO ESPACIAL adequadamente o problema. Assim sendo, o modelo HSAR
DAS PERDAS COMERCIAIS pode apresentar uma melhor estimativa da distribuição
espacial.
As técnicas de regressão espacial podem ser empregadas para
analisar as relações espaciais que podem existir no 3.1 Regressão Espacial Hierárquica – HSAR para detecção de
desenvolvimento de um conjunto de variáveis dentro de uma perdas
zona de estudo. Assim, essas técnicas têm sido aplicadas em
diversas áreas do conhecimento, como: saúde, economia, O modelo HSAR incorpora variáveis espaciais (ρ, λ) na
ecologia, etc. Por exemplo, uma regressão espacial ponderada caracterização de eventos em estudo. Enquanto essas variáveis
geograficamente tem sido utilizada em Mejia et al. (2020) para forem iguais a 0, teremos um modelo de regressão clássico;
identificar os transformadores com maior carregamento de caso contrário, como é aplicado no modelo proposto, ρ e λ se
equipamentos com alto consumo de energia. Outro exemplo é caracterizam como variáveis espaciais, responsáveis pela
utilizar uma regressão espacial hierárquica para determinar os modelagem do caráter estocástico do desenvolvimento de
compradores de veículos elétricos em zonas urbanas, como perdas comerciais na zona de estudo.
feito por Rodrigues et al. (2019). A análise de regressão de
forma espacial incorpora a localização das variáveis, a fim de Na modelagem hierárquica é possível prever e explicar o
visualizar as relações entre as regiões das zonas de estudo e comportamento de uma variável no tempo e no espaço. Dados
identificar padrões de ocorrência de acordo com o grau de comportamentais e socioeconômicos normalmente apresentam
correlação entre estas. uma estrutura aninhada. Se observações repetidas são
apanhadas para uma população de pessoas e os dados
No caso das perdas não técnicas, os modelos de regressão coletados se diferem de indivíduo a indivíduo, tem-se que as
espacial relacionam dois conjuntos de variáveis: por um lado, diversas informações inferidas estão aninhadas com as
as variáveis independentes ou explicativas (X) são as respectivas pessoas. Do mesmo modo, pessoas podem estar
informações levantadas no censo demográfico em cada setor aninhadas com alguma organização (escola, partidos políticos,
religião, etc.). Essas organizações possuem pontos geográficos
que se referem as suas localizações que podem estar alocadas
desde em um bairro até em outras zonas da cidade. Cada
estrutura de dados representa um nível, formando diferentes
hierarquias (de dois ou mais níveis).

No modelo proposto, as unidades consumidoras são as


variáveis de mais baixo nível, cuja carga elétrica é determinada
por um transformador. O modelo HSAR utilizado neste
trabalho, assim como em (Dong and Harris, 2015), relaciona
as variáveis dos diferentes níveis da hierarquia, e tem a
seguinte estrutura:

𝑌 = 𝜌𝑊𝑌 + 𝛽𝑋 + 𝑍𝛾 + ∆𝜃 + 𝜖 (2), Fig. 1 Distribuição de transformadores na zona de estudo.

𝜃 =𝜆×𝑀×𝜃+𝜇 (3) A partir da utilização de um SIG é possível agregar as UC


espalhadas pelos setores censitários aos transformadores
Sendo Y o vetor (n x 1) de observações da variável (pontos no mapa), a fim de obter um valor total por setor. O
dependente; ρ e λ os coeficientes espaciais autorregressivos programa R tem algumas funcionalidades de SIG. Assim,
(ambos com valores maior que 0); W, a matriz (n x n) de neste trabalho o modelo desenvolvido foi implementado
vizinhança (WY expressa a dependência espacial); M, similar integralmente no R.
a W, uma matriz espacial (j x j) de peso de nível superior; X e
Z, matrizes (n x j) com j-1 variáveis explicativas; β e γ, vetores Na aplicação da proposta utilizou-se o banco de dados dos
(j x 1) com coeficientes de regressão; θ, vetor (n x j) de efeitos anos de 2010 e 2011 de inspeções da concessionária de energia
aleatórios de nível superior, que também segue um processo da cidade em estudo. As informações contidas nesse banco de
autorregressivo; Δ, matriz de caracterização dos efeitos dados incluem o nome do responsável da UC, o número de
aleatórios, que descreve como são agrupadas as unidades de identificação da UC e do transformador a qual está conectada,
nível inferior em cada unidade de nível superior, sendo as a data da visita, a descrição da equipe de inspeção quanto à
colunas da matriz cada unidade de nível superior; ε e μ, vetores situação da UC, se tem fraude ou não, entre outras. Para o ano
(n x 1) de erros aleatórios, ou resíduos, que se supõem seguir de 2010, por exemplo, a partir dessas informações, pôde-se
uma distribuição normal explicados em (Grabowski, 2012; criar mapas temáticos no R do número de visitas registradas e
McMillen, 2013). A inclusão dos vetores de erros ε e μ se deve do número total de fraudes registrados por subárea para o ano
ao fato de que as relações que se estudam geralmente não são em questão, como se mostra na Fig. 2.
perfeitas e apresentam uma taxa de erro.

A manipulação de Y pôde ser feita por meio de softwares


estatísticos, como o software R por meio do pacote SPDEP,
que facilita a implementação das matrizes necessárias. Por esse
pacote, é possível extrair as matrizes de dados espaciais
baseadas na distância ou na contiguidade dos pontos espaciais
(Fehske, Schneider and Weiße, 2008). O software R, como
sugere (Muenchow, Schratz and Brenning, 2017) pode ser
incorporado a qualquer SIG.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

O modelo descrito na seção anterior foi aplicado em um Fig. 2 Distribuição do número total de visitas para 2010.
município do estado de São Paulo, com pouco mais de 200 mil
habitantes. Para o processamento dos dados demográficos e da
Igualmente, pôde-se construir o mapa da distribuição espacial
caracterização da distribuição utilizou-se do banco de dados da
de fraudes como se mostra na Fig. 3. Tal distribuição é dado
concessionária de energia da cidade e do histórico de visitas
de entrada para a regressão espacial descrita na seção 3 deste
realizadas por suas equipes de inspeção. Nesse banco de dados
artigo. Adicionalmente, considerou-se três variáveis
contêm os dados de cada unidade consumidora e a informação
socioeconômicas para a execução do HSAR: Número de
se foi detectado fraude ou não. A partir desse resultado, pode-
fraudes por transformador, pessoas responsáveis com
se fazer a relação da quantidade de fraudes encontradas em
rendimento mensal de mais de 1/2 a 1 salário mínimo, e
uma região com seus dados socioeconômicos, coletados com
domicílios particulares permanentes do tipo casa. A primeira
base no banco de dados de censos demográficos do IBGE
foi obtida da planilha de visitas disponibilizada pela
(IBGE, 2010). Na Figura 1, mostra-se a distribuição espacial
concessionária de energia do município, enquanto as outras
dos transformadores na zona urbana em estudo.
duas foram obtidas do censo demográfico do IBGE (2010).
HSAR da distribuição das fraudes de 2011 é possível comparar
a porcentagem de UC em cada estado, com a porcentagem
obtida por (Faria, Melo and Padilha-Feltrin, 2016) do mapa de
previsão de probabilidade de perdas por subárea para o ano de
2012. A Tabela 3 mostra a comparação dessas porcentagens.

Tabela 3. Comparação da porcentagem de (Faria, Melo


and Padilha-Feltrin, 2016) com as obtidas pela proposta
Estado Porcentagens de Porcentagens
(Faria, Melo and do modelo
Padilha-Feltrin, proposto
2016)
Fig. 3 Total de fraudes no ano de 2010. Regular 87,71 74,09
Atenção 3,65 21,26
O principal objetivo do modelo proposto é realizar uma Crítico 1,67 4,65
extrapolação dos dados de fraudes para determinar a
probabilidade de locais não visitados apresentarem perdas não Na Tabela 3, observa-se que o somatório da porcentagem final
técnicas. da modelagem de (Faria, Melo and Padilha-Feltrin, 2016) não
contabiliza 100%. O valor faltante corresponde às 21 subáreas
A Fig. 4 representa a distribuição de fraudes no ano de 2011 que tinham dados faltantes para aplicação dessa modelagem,
como pontos espaciais, sobrepostas no resultado do modelo representando o 6,97%. Sendo assim, a metodologia de (Faria,
HSAR proposto, para o mesmo ano. Os locais no mapa com Melo and Padilha-Feltrin, 2016) classificou 87,71% das UC
tons de vermelho mais escuro são os que apresentam maior visitadas como regulares (com quase nenhuma probabilidade
probabilidade de ter perdas, enquanto os locais com tons mais de se encontrar furto ou fraude); 3,65% como estado de
claros são locais pouco vulneráveis a ter perdas comerciais. atenção (onde há uma probabilidade considerável de
emergência de fraudes); e 1,67% como estado crítico (que
devem exigir uma atenção maior das empresas e das equipes
de inspeção). Já, a metodologia proposta classificou todas as
subáreas, incrementando o número de subáreas nas faixas de
atenção e crítica. A partir da Figura 4, observa-se que pelo
menos uma perda comercial foi identificada nas subáreas com
probabilidade maior que 0,15 (subáreas com estado de atenção
e crítico).Tal identificação sugere que a proposta deste
trabalho está conseguindo detectar consumidores cometendo
fraude ou furto de energia. A partir dos resultados da proposta,
espera-se que a programação de visitas seja cada vez mais bem
elaborada, direcionando as equipes para os locais mais críticos.

Um possível desdobramento do modelo proposto é incorporar


Fig. 4 Distribuição do total de fraudes no ano de 2011, um modelo temporal para estimar o estado futuro da
sobreposta no modelo de regressão espacial hierárquico – vulnerabilidade às perdas comerciais. O uso somente de uma
HSAR para o mesmo ano. análise espacial pode não ser o mais adequado para direcionar
a programação de visitas anos após o ano base considerado na
Os mapas temáticos apresentados nesta seção mostram que a aplicação dessa análise. Adicionalmente, uma alternativa para
probabilidade mais alta se encontra na região central do complementar este trabalho e caracterizar a variação temporal
município e aumenta à medida que se desloca a oeste, que é a da vulnerabilidade poderia ser a utilização de técnicas de
região de maior crescimento da cidade, como foi também previsão. Modelos como Média Móvel Integrada
apresentado em (Faria, 2016). Uma contribuição ao trabalho Autorregressiva (ARIMA) e Caixa-Cinza (Grey-box) podem
de (Faria, Melo and Padilha-Feltrin, 2016) é utilizar o HSAR realizar previsões com uma base reduzida de dados de entrada
como uma técnica de melhoramento das taxas de e aproveitar o conhecimento prévio do comportamento da
probabilidade de perdas não técnicas obtidas para cada subárea variação temporal da vulnerabilidade. Igualmente, precisa-se
da cidade para o ano em que se deseja analisar. Neste trabalho, realizar uma melhor verificação dos resultados da metodologia
foram utilizados intervalos de probabilidade para classificar os proposta, considerando base de dados em outros horizontes de
estados das subáreas da cidade em: regular [0;0,15], atenção tempo, para quantificar melhor sua eficácia.
(0,15;0,35] e crítico (0,35;1]. Os limites superior e inferior
para cada intervalo são calibrados por meio de técnicas como 5. CONCLUSÕES
standard deviation, natural boundaries, quantiles, equal
intervals, entre outros, como explicados em (Bailey and Neste trabalho apresentou-se uma metodologia que pode
Gatrell, 1995), e são os mesmos limites utilizados por (Faria, auxiliar as concessionárias de energia no combate das perdas
Melo and Padilha-Feltrin, 2016). Dessa forma, com o mapa do não técnicas. A principal contribuição da metodologia é
quantificar a probabilidade de regiões pouco visitadas (ou que and Rangon, Y. (2016). Neighborhood features help detecting
não foram visitadas) apresentarem fraude de energia. Como non-technical losses in big data sets. In: IEEE/ACM 3rd
constatado, o HSAR pode ajudar a guiar as equipes de International Conference on Big Data Computing
inspeção para os locais que não foram visitados anteriormente. Applications and Technologies.
Desse modo, as vistorias poderão atingir os locais mais Grabowski, J. (2012) Spatial Regression. In: Li G., Baker S.
vulneráveis a ter perdas, aumentando assim a taxa de sucesso (eds) Injury Research. Springer, Boston, MA.
das visitas. Tal ação pode diminuir o número de fraudes nas
diversas regiões da zona urbana e diminuir o índice de perdas Hartmann, T., Moawad, A., Fouquet, F., Reckinger, Y.,
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