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História da Educação dos surdos

Andréa de Souza Pereira

Resumo

A história da educação de surdos vem se moldando com o passar dos anos, juntamente
com as políticas públicas, por meio de instituições de ensino especializadas para pessoas
surdas que resguardam histórias de vida e memórias, muitas das quais ainda estão
silenciadas e solidificadas na linha do tempo e que se tecem com base nos embates
linguísticos, teóricos, metodológicos, filosóficos, políticos e ideológicos e vem se
alicerçando nos discursos médicos, religiosos, pedagógicos e jurídicos.

Palavras-chave: educação de surdos; políticas públicas;surdez; história dos surdos.

Introdução

A história dos surdos na Antiguidade ainda é pouco conhecida, contudo, tem-se


conhecimento que na Roma Antiga, a predominância da língua oral no cotidiano da vida
pública, nos espaços de participação dos sujeitos, nos comícios, festejos, nos diversos
tipos de transações, bem como, pela importância da fala na formação de um cidadão,
levam a crer que à grande parte dos surdos restava um pequeno espaço de participação.

Nessa época, tinha-se a ideia de que os indivíduos deficientes eram incapazes de viver
em sociedade devido suas limitações físicas, que os distanciava dos ditos normais.
Chegavam-se a afirmar que se o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, e, a
pessoa que nascia deficiente era “imperfeita”, por isso, não poderia dispor de alma,
portanto, não seria digna do Reino dos Céus; afirmam, inclusive, que tal pessoa,
provavelmente, teria algum pacto com entes malignos.

Desenvolvimento e Discussão

Os primeiros registros da existência de surdos datam de 1500 a.C, na Palestina, no


Período do Bronze Recente. Naquela época, foram escritos os mandamentos da Lei
Moisés dirigidos ao povo hebreu. Encontramos no livro do Levítico (Capítulo 19,
versículo 44), que não devemos amaldiçoar ao surdo, nem por tropeço diante do cego.
Notamos que nesse tempo, já ocorria a exclusão do sujeito surdo, entretanto, a maneira
de interpretar o que se faz presente em Levítico é que há um apelo pela não exclusão
social. Contudo, já se observa daí que o problema da exclusão não é de hoje, mas muito
mais antigo do que se pensa e isso se arrasta de geração a geração. Percebe-se, no
entanto, que o surdo recebeu dos hebreus, através de um decreto, o seu reconhecimento
como sujeito humano e, consequentemente, a sua permanência no interior desse povo.
Logo, não podemos negar que, para essa sociedade, pelo menos no aspecto da lei, os
surdos recebiam um tratamento como pessoas. Sabe-se, ainda, que, no período de 2.000 a
1.500 a.C., não somente pelos hebreus, mas também pelos egípcios, os surdos eram
protegidos por leis, mas até hoje, não foram encontrados quaisquer registros nesse
período sobre a sua educação.

No início do século XVI, começou-se a admitir a educação para surdos através de


metodologia que permitisse desenvolver pensamento através do ensino da fala e da
compreensão da língua falada. Pensava-se que a habilidade de falar com a voz estava
intrinsecamente associada à inteligência. Entretanto, esse ensino era restrito aos filhos de
nobres, por isso, pouquíssimos surdos tinham acesso a ele.

Não davam tratamento digno aos surdos, colocavam-os em uma imensa fogueira. Os
surdos eram sujeitos estranhos e objetos de curiosidades da sociedade. Aos surdos era
proibido receberem a comunhão porque eram incapazes de confessar seus pecados,
também haviam decretos bíblicos contra o casamento de duas pessoas surdas só sendo
permitido aqueles que recebiam favor do Papa. Também existiam leis que proibiam os
surdos de receberem heranças, de votar e enfim, de todos os direitos como cidadãos.

Os monges beneditinos, na Itália, empregavam uma forma de sinais para comunicar entre
eles, a fim de não violar o rígido votos de silêncio.O monge beneditino Pedro Ponce de
Leon (1510-1584), na Espanha, estabeleceu a primeira escola para surdos em um
monastério de Valladolid, inicialmente ensinava latim, grego e italiano, conceitos de
física e astronomia aos dois irmãos surdos, Francisco e Pedro Velasco, membros de uma
importante família de aristocratas espanhóis; Francisco conquistou o direito de receber a
herança como marquês de Berlanger e Pedro se tornou padre com a permissão do Papa.
Ponce de Leon usava como metodologia a datilologia, escrita e oralização. Mais tarde ele
criou uma escola para professores de alunos surdos. Porém ele não publicou nada em sua
vida e depois de sua morte o seu método caiu no esquecimento porque a tradição na
época era de guardar segredos sobre os métodos de educação de surdos. Nesta época, só
os surdos que conseguiam falar tinham direito à herança.

L’Epée dedicou-se à salvação dos surdos e, em meados na década de 1750, fundou um


abrigo que ele próprio sustentava. Em consequência das teorias filosóficas que
emergiram na época, ele acreditava que os surdos eram capazes de possuir linguagem,
concluindo assim que poderiam receber os sacramentos e evitar ir para o Inferno. Então,
paralelamente, começou a desenvolver um sistema de instrução da língua francesa e
religião. Nos primeiros anos da década de 1760, o seu abrigo tornou-se a primeira Escola
Pública de Paris para Jovens e Adultos Surdos, no mundo, aberta ao público. No
convívio com os surdos, L’Épée percebeu que os gestos cumpriam as mesmas funções
das línguas faladas e, portanto, permitiam uma comunicação efetiva entre eles. Assim
iniciava-se o processo de reconhecimento da Língua de Sinais, não apenas em discursos,
mas em práticas metodológicas oficiais desenvolvidas por ele na escola da capital
francesa, culminando em uma revolução social para a época, tratando-se do primeiro
passo rumo à inclusão dos surdos (SKLIAR, 1997).

De 1760 a 1880 é tida como época de ouro da educação dos surdos, com registro de
história de três homens, desconhecidos entre si, em que fundam escolas para surdos em
diferentes países da Europa.Além disso, nesse período, as crianças surdas passam a ser
escolarizadas e a educação formal tem seu início com três princípios e propostas
diferentes, sendo elas:
Charles-Michel de L’Epée (França)-Fundador da primeira escola para surdos no mundo.
Privilegiava a LSF que havia aprendido com os Surdos nas ruas de Paris. Teve o mérito
de reconhecê-la como língua, divulgá-la e valorizá-la. Mostrou que, mesmo sem falar, os
surdos eram humanos. Estendeu a educação de surdos para todas as classes sociais. Seus
alunos tornaram-se multiplicadores.

Thomas Braidwood (Inglaterra) -Usava a escrita e o alfabeto manual. Ensinava primeiro


por meio da escrita, depois articulando as letras do alfabeto, depois a pronúncia de
palavras inteiras.
Samuel Heinicke (Alemanha) - Acreditava que a única ferramenta a ser usada na
educação de surdos deveria ser a palavra falada. Para ele a língua de sinais inibiria o
progresso da fala. Surge uma nova corrente: “a escola alemã”. Somente aprendendo a
fala articulada a pessoa surda conseguiria uma posição na sociedade ouvinte.

Dos métodos utilizados na educação de surdos estão o Método visual, que baseia-se no
uso dos gestos, dos sinais, do alfabeto manual e da escrita - L’Epée; Método oral ou
oral-aural: baseia-se no acesso à língua falada por meio da leitura labial (ou leitura
orofacial) e da amplificação do som na expressão por meio da fala – Heinicke.

O Oralismo, que defende que a comunicação com e pelos surdos se dê exclusivamente


pela fala, sendo os sinais e o alfabeto manual proibido. No século XIX foi dominando as
escolas para surdos. Acredita que, sendo a surdez medicamente incurável, as pessoas
surdas devem falar a fim de se tornarem “normais”.A preferência pelo oralismo foi
reconhecida no II Congresso Internacional de Educação do Surdo, em Milão, Itália
(1880), onde os professores surdos foram destituídos de seu papel de educadores e a
língua de sinais foi proibida.

Apesar do nome, o Congresso de Milão foi na verdade a primeira conferência


internacional de educadores de surdos. Mais de 160 educadores e especialistas
reuniram-se entre 6 e 11 de setembro de 1880 para discutir os rumos da educação das
pessoas surdas. Esse grupo de pessoas era na maioria ouvinte. Era uma época onde
acreditava-se na superioridade da língua falada, considerando as línguas gestuais um
retrocesso na evolução da linguagem.

Durante o congresso foram ouvidos doze especialistas no assunto. Apenas três se


manifestaram a favor do uso das línguas gestuais como a melhor forma de educar e
inserir as pessoas surdas na sociedade: Edward Gallaudet (fundador da Gallaudet
University), Thomas Gallaudet e Richard Elliot (um professor inglês).

Os impactos do Congresso de Milão foram terríveis na comunidade surda em todo o


mundo. Estima-se que já na primeira década após o Congresso de Milão o ensino das
línguas de sinais já estava quase completamente erradicado das escolas. Privadas das
línguas de sinais, crianças surdas no mundo inteiro deixavam as escolas com
qualificações e comunicação inferiores.
Apenas 100 anos depois iniciou-se o árduo processo de rejeição das resoluções do
Congresso de Milão e a reestruturação da educação das pessoas surdas. Somente em
julho de 2010, no 21º Congresso Internacional de Educação de Surdos (sediado em
Vancouver, Canadá) houve uma votação formal e todas as oito resoluções do Congresso
de Milão foram rejeitadas.

Na década de anos 60, brotou a língua dos sinais associada com a oralização, surgindo o
modelo misto denominado de Comunicação Total que trouxe o reconhecimento e
valorização de língua de sinais que foi muito oprimida e marginalizada por mais de 100
anos.

A Comunicação Total utiliza todos os modos linguísticos: gestos criados pelas crianças,
língua de sinais, fala, leitura oral, alfabeto manual leitura e escrita. A Comunicação Total
incorpora o desenvolvimento de quaisquer restos de audição para a melhoria das
habilidades de fala ou de leitura orofacial, através de uso constante, por um longo
período de tempo, de aparelhos auditivos individuais para amplificação do som.

A Comunicação Total foi desenvolvida em meados de 1960, após o fracasso do Oralismo


puro em muitos sujeitos surdos, então educadores começaram a utilizar o oralismo com a
língua de sinais simultaneamente como uma alternativa de comunicação.

A atual fundamentação da educação dos surdos na legislação teve uma caminhada longa
e suas possibilidades enunciativas foram mudando ao longo dos anos. À medida que se
descobria a cultura surda e por esta a língua de sinais a legislação foi-se ampliando. A
importância da educação de surdos foi sentida antes de 1961, um ano depois que Stokoe
com sua pesquisa defendeu a língua de sinais com status de língua. Neste ano, a primeira
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional já estava legislando a respeito de dois
artigos (88 e 89) referentes à educação dos excepcionais, garantindo, desta forma, o
direito à educação. Esta lei, no artigo 89, registra que o governo vai se comprometer em
ajudar as ONGS - organizações não-governamentais a prestarem serviços educacionais
aos deficientes e entre eles os surdos.

Na Constituição brasileira de 1967 há alguns artigos assegurando aos surdos o direito de


receber educação. Do mesmo modo, a atual Constituição datada de 1988 abre espaço a
nossos direitos à educação diferenciada uma vez que assegura nosso direito à diferença
cultural. O texto da constituição datada de 1998 tem em um de seus artigos referência
sobre a cultura. A cultura aí está como que para garantir nosso lugar como diferença e
fundamentar nossa educação. Ela emerge como constituidora dos fundamentos da
educação no que têm de interferência nas contradições de outras culturas na educação
dos surdos.

No Brasil, a língua de sinais é oficial como língua de uso dos surdos. É garantida pela lei
10.436, de 24 de abril de 2002 e é interessante notar também que quase todos os Estados
brasileiros já têm em seu quadro a lei que defende a língua de sinais e a torna de uso
oficial nestes Estados.

Sobre a oficialização da língua de sinais em nível nacional, ela já era garantida pelo
Congresso Nacional em 1996 pela Lei nº 9394.

Mais adiante segue o Projeto de Lei do Senado nº 180, DE 2004 que altera a Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, fazendo o enquadramento no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da oferta da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS - em todas as etapas e
modalidades da educação básica.

Com essa lei a presença da língua de sinais se tornou fundamental na educação de


surdos. Estes fundamentos foram solidificados com o decreto governamental 5.626 de 22
de dezembro de 2005 que intensifica estas afirmações e as regulamenta, inclusive
tornando obrigatório o uso de língua de sinais não somente aos surdos mas também aos
professores que os atendem bem como motivando a presença de intérpretes.

É importante notar que não somente em educação mas em outros campos e entre eles na
comunicação a lei se mostra presente para garantir o direito. Na lei 10.098, de 19 de
dezembro de 2000 garante acessibilidade aos surdos no que se refere aos meios
essenciais de participação social e da qual nos pode beneficiar.

O Artigo 17 desta lei explica que o Poder Público deverá promover a eliminação de
barreiras na comunicação e estabelecer mecanismos e alternativas técnicas que tornem
acessíveis os sistemas de comunicação para garantir o direito de acesso à informação, à
comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer.
E também para acessibilidade, no que refere aos surdos: O art. 18 desta lei cita que o
poder público deverá implementar a formação de profissionais intérpretes de língua de
sinais para facilitar qualquer tipo de comunicação direta ao surdo.

Considerações finais

Um dos principais obstáculos para a inclusão efetiva dos alunos surdos é a falta de

professores capazes de se comunicar em Libras. Apesar do estudo da Língua Brasileira

de Sinais ser obrigatória nas Licenciaturas desde 2005, são poucos os professores (e as

pessoas no geral) que aprendem e colocam em prática. Assim, os estudantes surdos

dependem de um profissional especializado para se comunicar com professores e colegas

ouvintes, o que dificulta a inclusão social.

A verdade é que existem iniciativas inspiradoras de escolas e professores, porém na

prática a educação inclusiva ainda precisa avançar bastante para proporcionar o

aprendizado dos alunos com necessidade especiais. Para falarmos efetivamente na

inclusão destas pessoas na sociedade, vejo que estamos muito distantes de uma situação

satisfatória. Porém, garantir o direito à Educação é um começo fundamental.

Referências

https://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/fundamentosDa
EducacaoDeSurdos/scos/cap10124/3.html

Artigo do MEC/SECADI, “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da


Educação Inclusiva”

Artigo da Cristina Lacerda, “Um pouco da história das diferentes abordagens na


educação dos surdos”

https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2022/05/26/politicas-educacionais-inclusivas-
nao-estao-funcionando-para-os-surdos
LEANDRO AUGUSTO. O Congresso de Milão - 1880. Disponível em:
<https://prezi.com/pjsuhr_dhsac/o-congresso-de-milao-1880/>. Acesso em: 28 Ago.
2022.

UFSC. Historicismo: o Conflito no Congresso de Milão 1880. Disponível em:


<http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/historiaDaEduc
acaoDeSurdos/scos/cap14131/1.html>. Acesso em: 01 set. 2022

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