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GESTÃO DO

CONHECIMENTO
Universidade
corporativa
Gilson Aparecido Castadelli

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Identificar as funcionalidades da universidade corporativa.


>> Contextualizar a universidade corporativa na gestão do conhecimento.
>> Criticar as práticas utilizadas nos modelos de universidade corporativa.

Introdução
Como você sabe, a Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) possibili-
tou grandes avanços na interação entre as pessoas. Em decorrência disso,
a aprendizagem ultrapassou as fronteiras das universidades tradicionais, o que
estimulou iniciativas inovadoras em ambientes corporativos. Muitas dessas ini-
ciativas buscam favorecer a aprendizagem de colaboradores ao longo de sua
vida. Assim, a informação passou a se transformar em conhecimento nos locais
chamados “universidades corporativas”.
Neste capítulo, você vai conhecer as funcionalidades da universidade cor-
porativa, bem como o conceito de educação corporativa. Você também vai ver
como a universidade corporativa se relaciona à gestão do conhecimento. Por
fim, vai conhecer algumas práticas utilizadas nos modelos de universidade
corporativa.
2 Universidade corporativa

A universidade corporativa e
a educação corporativa
É muito comum que artigos científicos e textos afins definam a educação
como um processo de formação e desenvolvimento contínuo dos indivíduos.
Tal processo costuma ser relacionado à necessidade de enfrentar problemas
ao longo da vida. Além disso, ele envolve a transformação dos indivíduos à
medida que suas competências são lapidadas, levando em conta os conteúdos
conceituais que assimilam, as novas habilidades que adquirem e as atitudes
necessárias para lidar com o ineditismo dos encontros trazidos pela vida.
Todos esses aspectos também estão presentes em ambientes corporativos,
e é responsabilidade dos gestores ampliar e consolidar o constante movimento
de aprendizagem entre seus colaboradores.
Freire e Lima (2007) comentam que, para a criação de um novo perfil
profissional nas organizações, as empresas precisam implantar programas
educacionais que privilegiem o desenvolvimento de atitudes, posturas e
habilidades, e não apenas a aquisição de conhecimentos técnicos e instru-
mentais. Nesse sentido, Eboli (2004, p. 36) apresenta uma reflexão sobre a
importância da aprendizagem continuada nas organizações:

[...] novos modelos de gestão mostram a produção fundamentada na flexibilida-


de, diversificação e autonomia, no uso da tecnologia com automação flexível e
no perfil do trabalhador gestor. O surgimento de um novo ambiente empresarial
caracterizado por profundas e frequentes mudanças, pela necessidade de res-
postas cada vez mais ágeis para garantir a sobrevivência da organização, gera
um impacto significativo no perfil de gestores e colaboradores que as empresas
esperam formar nesses novos tempos. Exige-se cada vez mais das pessoas, em
todos os níveis hierárquicos, uma postura voltada ao autodesenvolvimento e à
aprendizagem contínua.

De acordo com o autor, a educação corporativa deve contemplar novas


formas de aprender e novas formas de se relacionar com o conhecimento.
Nesse contexto, fica claro que a aprendizagem não acontece só dentro da sala
de aula, mas também em diferentes espaços propícios à fomentação do saber.
Ou seja, a aprendizagem ocorre de múltiplas formas e em todos os ambientes
da organização, em momentos formais e informais (FREIRE; LIMA, 2007).
Meister (1999) compara a universidade corporativa a um guarda-chuva
estratégico que contempla o desenvolvimento e a educação de funcionários,
clientes e fornecedores com o objetivo de atender às estratégias empresariais
de uma organização. Desse modo, a universidade corporativa busca oferecer
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soluções que estimulem a aprendizagem dos colaboradores e que estejam


alinhadas aos cargos existentes no âmbito empresarial.
É interessante observar que o mundo passa por uma transição que en-
volve o uso da tecnologia e um alinhamento mais específico da competência
almejada para os colaboradores de uma empresa. O engenheiro e econo-
mista alemão Klaus Martin Schwab, em seu livro sobre a Quarta Revolução
Industrial, afirma que esse fenômeno não é focado apenas numa mudança
de base tecnológica. Ele defende que é difícil, senão impossível, colaborar
com investimentos, políticas e ações coletivas que afetem positivamente o
futuro se não se compreende como as pessoas e as tecnologias interagem
(SCHWAB, 2016).

Klaus Martin Schwab fundou, em 1971, o European Symposium of


Management, organizado em Davos, na Suíça. Em 1987, esse evento
se tornou o Fórum Econômico Mundial.

Meister (1999) lista algumas competências relativas ao processo de apren-


dizagem exigidas em ambientes de negócios. A seguir, veja quais são essas
competências.

1. Aprendizado relativo ao próprio aprendizado: de certa forma, é o desen-


volvimento da capacidade de observar como o indivíduo lida com seu
processo de aprendizado e o aperfeiçoa ante os novos desafios vividos.
2. Comunicação e colaboração: essas habilidades vão além de ouvir e
comunicar-se com os colegas. É necessário saber trabalhar em grupo,
colaborar com os membros da equipe e compartilhar abertamente as
melhores práticas com toda a organização, além de relacionar-se com
os diferentes atores que circulam no seu entorno.
3. Raciocínio criativo e resolução de problemas: é preciso pensar cria-
tivamente, desenvolver habilidades de resolução de problemas, ser
capaz de analisar situações, fazer perguntas, procurar esclarecer o
que não compreendeu e sugerir melhorias. Esse é o perfil de pessoas
preparadas para criar soluções inovadoras para problemas inesperados.
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4. Conhecimento tecnológico: essa capacidade não consiste apenas em


conhecer programas e equipamentos de última geração; ela consiste
essencialmente em conectar pessoas de todo o mundo. A ideia é com-
partilhar as melhores práticas e recomendar melhorias nos processos
de trabalho.
5. Conhecimento de negócios globais: desenvolver uma visão sistêmica
sobre a área de atuação é o foco dessa competência. Os negócios e
os constantes desafios propostos exigem agilidade para compreender
como as partes se conectam a um todo maior.
6. Desenvolvimento de liderança: não basta apenas qualificação na ge-
rência de processos; é preciso saber liderar. Na organização do século
XXI, a liderança inspiradora encoraja os colaboradores a serem agentes
ativos em vez de receptores passivos de instruções.
7. Autogerenciamento da carreira: a capacidade de gerenciar a própria
vida profissional é considerada uma competência adquirida. Ela é
necessária para o desenvolvimento de todas as outras competências
exigidas nas diferentes áreas de atuação profissional.

As empresas esperam que seus colaboradores tenham determinadas


competências para que possam participar ativamente da resolução dos
diferentes desafios do mundo corporativo. Para isso, deve haver uma mu-
dança significativa no processo de aprendizagem, que deve ser redesenhado:
o departamento de treinamento deve dar lugar à aprendizagem baseada no
desempenho dos colaboradores.
No Quadro 1, a seguir, veja como se dá esse processo de mudança e quais
são os componentes envolvidos na transição.

Quadro 1. Principais componentes da mudança em direção à aprendizagem


baseada no desempenho

Departamento de Universidade
Componente
treinamento corporativa

Foco Reativo Proativo

Organização Fragmentada e descentralizada Coesa e centralizada

Alcance Tático Estratégico

(Continua)
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(Continuação)

Departamento de Universidade
Componente
treinamento corporativa

Endosso/res- Pouco/nenhum Administração e


ponsabilidade funcionários

Apresentação Instrutor Experiência com várias


tecnologias

Responsável Diretor de treinamento Gerentes de unidades de


negócio

Audiência Público-alvo amplo/ Currículo personalizado


profundidade limitada por família de cargos

Inscrições Inscrições abertas Aprendizagem no


momento certo

Resultado Aumento das qualificações Aumento no desempenho


profissionais do trabalho

Fonte: Adaptado de Meister (1999).

Existem objetivos que fundamentam as universidades corporativas e que,


de certa forma, constituem um mosaico das funcionalidades de uma instituição
preocupada com o aprendizado contínuo de seus integrantes.
Meister (1999) destaca os objetivos que constituem a base do poder das
universidades corporativas para mobilizar os seus colaboradores a fim de
que formem uma força de trabalho de alto desempenho e qualidade ímpar
para operar junto ao mercado global. A seguir, veja quais são esses objetivos.

1. Oferecer oportunidades de aprendizagem que deem sustentação às


questões empresariais mais importantes da organização: de certa ma-
neira, o modelo de universidade é baseado em competências e vincula
a aprendizagem às necessidades estratégicas da empresa. Nos modelos
aplicados a contextos empresariais, o que se nota é a preocupação das
organizações em investir em seus colaboradores para maximizar as
competências que eles possuem. Além disso, as organizações buscam
oferecer cada vez mais oportunidades de desenvolvimento de carreira
dentro do seu próprio ambiente.
2. Considerar o modelo da universidade corporativa um processo, e não
um espaço físico destinado à aprendizagem: como o propósito de uma
universidade corporativa é aumentar a aptidão do colaborador para a
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aprendizagem, é importante promover uma mudança paradigmática


na empresa. Em vez de um espaço de treinamento tradicional, ela
deve ser um local que estimula o aprendizado de modo constante e
transformador.
3. Elaborar um currículo que incorpore os 3 Cs (cidadania corporativa,
estrutura contextual e competências básicas): no ambiente de uma
universidade corporativa, é comum desenvolver uma capacitação
formal que envolva colaboradores de todos os níveis da organização
e enfatize os valores, as crenças e a cultura do contexto vivenciado.
De certa forma, os cursos são elaborados com o propósito de incutir em
todos, desde o auxiliar de escritório até o alto executivo, os valores e a
cultura que diferenciam a organização e a tornam especial. Além disso,
busca-se definir comportamentos que possibilitam aos funcionários
vivenciar esses valores.
4. Treinar a cadeia de valores: aqui, a ideia é levar em conta parceiros,
inclusive clientes, distribuidores, fornecedores de produtos terceiriza-
dos, assim como universidades que possam fornecer os trabalhadores
de amanhã. O destaque nesse ponto é a percepção da importância dos
stakeholders da organização. Além disso, está em jogo a noção de que
o bom andamento dos relacionamentos potencializa a qualidade dos
produtos e serviços da empresa, principalmente quando ela investe
em capacitação.
5. Substituir o treinamento conduzido pelo instrutor por vários formatos
de aprendizagem: as empresas devem ir além da criação de oportu-
nidades na sala de aula ou até mesmo no computador. Elas precisam
estar de fato comprometidas com a aprendizagem, ajudando indivíduos
e equipes de colaboradores a desenvolver a capacidade de aprender
a aprender. Em outras palavras, é preciso superar o estágio de apre-
sentar programas de treinamento conduzidos por um instrutor dentro
de uma sala de aula e promover o aprendizado individualizado. Para
isso, deve-se usar métodos extremamente avançados, de modo que o
colaborador avance e tenha progresso em sua carreira. São recomenta-
das metodologias de aprendizagem ativa e recursos tecnológicos que
possam maximizar as potencialidades de aprendizagem do público-
-alvo envolvido.
6. Encorajar e facilitar o envolvimento dos líderes com o aprendizado:
aqui, o objetivo é evitar o que David Ulrich, consultor e professor da
Escola de Negócios da Universidade de Michigan, chama de “professor
Gaivota”. O professor Gaivota é um tipo de profissional envolvido com
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o treinamento tradicional que, em linhas gerais, apresenta casos e


conceitos em sala de aula para os funcionários internos e, após de-
monstrar sua “sabedoria”, vai embora. Esse tipo de profissional fez com
que se acendesse um sinal amarelo nas universidades corporativas.
Uma solução é substituir especialistas externos por líderes internos,
como gerentes mais experientes, ou seja, com maior nível de tirocínio.
7. Passar do modelo de financiamento corporativo por alocação para o
“autofinanciamento” pelas unidades de negócios: a linha de raciocínio
de grandes gestores quanto à implementação de uma universidade
corporativa aponta para a adoção de um modelo que tenha sua própria
fonte de recursos oriunda dos clientes que a usufruem. Desse modo,
espera-se mais organização e participação de todos os envolvidos no
processo de ensino e aprendizagem, no sentido de maximizar a utili-
zação dos recursos disponíveis e de otimizar a agenda para a formação
das competências propostas. Nota-se, então, a composição de um
programa de cursos mais enxutos e direcionados aos problemas que
realmente fazem sentido no contexto da organização. Fica claro que
a adoção de um modelo que capta recursos por meio de taxas pagas
pelos clientes busca criar uma parceria que vai direto ao ponto em
termos de objetivos educacionais.
8. Assumir um foco global no desenvolvimento de soluções de aprendi-
zagem: a ideia é focar a disseminação de uma perspectiva global entre
os gerentes por meio da realização e da condução de workshops para
troca de experiências. Isso funciona como termômetro para perceber
os clientes em diferentes locais do mundo.
9. Criar um sistema de avaliação dos resultados e dos investimentos:
a mensuração de resultados vai além da contabilização de dias ou horas
que cada aluno estudou ou rendeu. Na verdade, sugere-se mensurar os
resultados da capacitação dos colaboradores por meio dos resultados
obtidos à medida que os processos são realizados numa organização.
O que se busca é checar pelo menos três tipos de impactos que po-
dem ser provocados: (1) o impacto no capital humano em termos de
manutenção, satisfação e inovação dos funcionários; (2) o impacto
nos clientes, internos e externos, em termos de manutenção e metas
empresariais atingidas; e (3) o impacto nas estratégias e metas empre-
sariais atingidas. Para realizar esse tipo de avaliação, o reitor de uma
universidade corporativa deve se pautar por levantamentos periódicos
de informações que acompanham o desempenho de seus colaborado-
res de modo direcionado (ou seja, por colaborador) durante até cinco
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anos. Desse modo, ele será capaz de entender qual foi a contribuição
de dado colaborador para a empresa. Assim, a meta é entendida como
a avaliação do resultado da experiência de aprendizagem.
10. Utilizar a universidade corporativa para obter vantagem competitiva e
entrar em novos mercados: é interessante observar como as empresas
estão aplicando os princípios consagrados da universidade corporativa
para criar um sistema de aprendizagem contínua em toda a organização
e estimular a geração de novos processos e novas soluções. Assim,
para adentrar em novos mercados e participar mais da cadeia de valor
daquilo que ofertam como produto ou serviço, as empresas envolvem
seus colaboradores e os transformam em consultores que passam
a aconselhar seus clientes em diferentes áreas, abrangendo desde
qualidade e educação de funcionários até produtividade e inovação.

Embora as universidades corporativas sejam diferentes em muitos as-


pectos superficiais, os objetivos e princípios apresentados convergem para
que todas promovam o aprendizado de modo permanente.

Para saber mais sobre a avaliação de resultados, leia o artigo “Modelo


para a mensuração do capital intelectual: uma abordagem funda-
mentada em recursos”, de Malavski, Lima e Costa (2010). Esse artigo apresenta,
entre outros pontos importantes, o navegador Skandia, considerado um modelo
de referência na literatura sobre capital intelectual. O texto está disponível
on-line; para encontrá-lo, utilize o seu site de buscas favorito.

A universidade corporativa e
a gestão do conhecimento
O universo corporativo desafia cada vez mais os novos entrantes que recebe-
ram a outorga de instituições de ensino superior para atuar nesse contexto
complexo e mutável. Esse ambiente exige de seus intrépidos participantes
a capacidade de passar pelo “teste da inteligência diferenciada”. De acordo
com Fitzgerald (apud TAKEUCHI; NONAKA, 2008, p. 17), tal teste consiste na
“[...] capacidade de manter duas ideias opostas em mente, ao mesmo tempo,
e ainda manter a capacidade de funcionar [...]”.
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A convivência com cenários que exigem constantes tomadas de decisões


dos colaboradores é recorrente no mundo corporativo. Com a Quarta Revo-
lução Industrial, isso foi potencializado. Basta observar algumas situações
que mudaram drasticamente o modelo de negócios das empresas:

„„ uma empresa de transporte pessoal que não necessita de uma frota


de veículos próprios;
„„ uma empresa de hospedagem em escala global que não possui prédios
próprios;
„„ uma empresa que aluga filmes de modo totalmente disruptivo, sem
a necessidade de um produto físico, como uma fita de vídeo ou um
disco blu-ray.

Esses são alguns dos exemplos encontrados no cenário enfrentado pelos


profissionais recém-chegados e também pelos que já estão há muito tempo
no mercado.
De acordo com Schwab (2016), a Quarta Revolução Industrial é um con-
junto de transformações em curso nos sistemas contemporâneos. Embora
as pessoas se adaptem rapidamente às novidades nesses sistemas, a Quarta
Revolução Industrial não consiste numa pequena mudança, mas num novo
capítulo do desenvolvimento humano, do mesmo nível das Revoluções Indus-
triais anteriores. Assim como as revoluções que a precederam, ela é causada
pelas crescentes disponibilidade e interação de um conjunto de tecnologias
extraordinárias.
O autor ainda ressalta que, na Quarta Revolução Industrial, a tecnologia
não é apenas uma simples ferramenta ou uma força inevitável. Ela oferece
a muitas pessoas a capacidade de impactar positivamente sua família, sua
organização e sua comunidade, influenciando e orientando os sistemas que
rodeiam e moldam a vida social.
Nesse sentido, é possível notar uma grande mudança na relação das pes-
soas com o trabalho. Basta lembrar que a divisão de um processo em pequenas
partes ou módulos era a chave do sucesso para a sociedade industrial. Isso
é muito diferente do que acontece na sociedade do conhecimento. Segundo
Takeuchi e Nonaka (2008), a sociedade do conhecimento foi responsável por
elevar o paradoxo até então predominante. Tal paradoxo deixou de ser algo
a ser eliminado e evitado e se tornou algo aceito e cultivado. Veja o que os
autores afirmam:
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As contradições, as inconsistências, os dilemas, as dualidades, as polaridades,


as dicotomias e as oposições não são alheias ao conhecimento, pois o conhe-
cimento em si é formado por dois componentes dicotômicos e aparentemente
opostos — isto é, o Conhecimento Tácito e o Conhecimento Explícito (TAKEUCHI ;
NONAKA, 2008, p. 19).

É necessário discorrer um pouco mais sobre o conhecimento tácito e o


conhecimento explícito, dois conceitos importantes abordados por Takeuchi
e Nonaka (2008). O conhecimento tácito não é facilmente visível e explicável.
Pelo contrário, é altamente pessoal e difícil de formalizar, de modo que a sua
comunicação e o seu compartilhamento são dificultosos. O conhecimento
tácito está profundamente enraizado nas ações e na experiência corporal
do indivíduo, assim como nos ideais, valores e emoções que ele incorpora.
Já o conhecimento explícito pode ser expresso em palavras, números
ou sons. Ele também pode ser compartilhado na forma de dados, fórmulas
científicas, recursos visuais, arquivos de áudio, especificações de produtos
ou manuais. O conhecimento explícito pode ser rapidamente transmitido
aos indivíduos, formal e sistematicamente. Em síntese, o conhecimento tá-
cito é o conhecimento incorporado, enquanto o conhecimento explícito é o
conhecimento documentado.
Agora faz todo o sentido apresentar a espiral do conhecimento, tam-
bém conhecida como espiral de Socialização, Externalização, Combinação
e Internalização (Seci). Ela foi formulada na literatura da administração e é
apresentada por Takeuchi e Nonaka (2008). Veja na Figura 1 a seguir.

Figura 1. Espiral do conhecimento.


Fonte: Adaptada de Takeuchi e Nonaka (2008).
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O ciclo apresentado na Figura 1 também é conhecido como “modelo Seci” e


“processo Seci”. Ele está no núcleo do processo de criação do conhecimento.
De acordo com Takeuchi e Nonaka (2008), o conhecimento se inicia com a
socialização e é amplificado ao passar por quatro conversões, formando
uma espiral. Veja a seguir.

„„ Socialização: implica compartilhar e criar conhecimento tácito por


meio da experiência direta.
„„ Externalização: implica articular conhecimento tácito por meio do
diálogo e da reflexão.
„„ Combinação: implica sistematizar e aplicar o conhecimento explícito
e a informação.
„„ Internalização: implica aprender e adquirir novo conhecimento tácito
na prática.

A seguir, observe como cada modo do processo Seci envolve uma combi-
nação diferente das entidades de criação do conhecimento.

„„ Socialização: de indivíduo para indivíduo.


„„ Externalização: do indivíduo para o grupo.
„„ Combinação: do grupo para a organização.
„„ Internalização: da organização para o indivíduo.

A gestão do conhecimento em um ambiente corporativo acontece quando


o conhecimento é compartilhado pelos diferentes atores que compõem o
quadro de colaboradores da organização.
De acordo com Terra (2001), o modelo de gestão do conhecimento é pautado
por sete dimensões. A seguir, veja quais são elas.

1. Fatores estratégicos e o papel da alta administração: o foco é o nível


estratégico de uma empresa, e o papel desempenhado nessa instância é
indispensável à clarificação da estratégia empresarial e à definição das
metas que serão seguidas por todos os colaboradores da organização.
2. Cultura e valores organizacionais: sem perder o contato com suas raízes
e principalmente com os valores que a fundamentam, a organização
deve desenvolver uma cultura voltada à inovação, à experimentação
e ao aprendizado contínuo, comprometida com resultados de longo
prazo e com a otimização de todas as suas áreas.
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3. Estrutura organizacional: essa dimensão diz respeito ao nível de flexi-


bilização necessário para que as equipes multidisciplinares com alto
grau de autonomia deem conta das demandas internas, acompanhando
as exigências de um ambiente externo repleto de desafios e decisões
a serem tomadas.
4. Administração de recursos humanos (gestão de pessoas): o foco aqui
é a melhoria contínua da capacidade das organizações de atrair e reter
profissionais com competências adequadas (conhecimento, habilidades
e atitudes). A ideia é que as organizações estimulem comportamentos
alinhados aos requisitos dos processos individual e coletivo de apren-
dizagem. Além disso, elas devem adotar políticas de remuneração
associadas à aquisição de competências individuais e ao desempenho
da equipe e da organização.
5. Sistemas de informação: o foco está na atualização tecnológica da
organização, pautada em processos de geração, difusão e armazena-
mento de conhecimento, em um ambiente de confiança, transparência
e colaboração.
6. Mensuração de resultados: a ideia é avaliar várias dimensões do capital
intelectual no âmbito da organização com o propósito de maximizar
principalmente ativos intangíveis, como: marca, patentes, imagem
da empresa, cultura, habilidades, atitudes e relação com os clientes.
Obviamente, não se deve menosprezar a importância de zelar pela
manutenção e pelo crescimento dos ativos físicos da empresa.
7. Aprendizado com o ambiente: aqui, está em jogo a importância do
aprendizado no ambiente empresarial. A implementação de iniciativas
educacionais como as universidades corporativas deve levar em conta
alianças com outras organizações e o estreitamento do relacionamento
com clientes.

Você consegue perceber qual é a real conexão entre a gestão do conhe-


cimento e a universidade corporativa? O interesse de uma universidade cor-
porativa é a formação de líderes capazes de tomar decisões em diferentes
cenários. Nesse contexto, é fundamental considerar o clima organizacional,
que deve ser construído e administrado por uma liderança que preza pelo
bom andamento da organização em termos do desempenho de seus cola-
boradores e, principalmente, pela alegria com que eles se relacionam no
ambiente de trabalho.
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É possível perceber o empoderamento dos colaboradores de empresas


que adotam um perfil mais dinâmico e que buscam diminuir ao máximo as
barreiras burocráticas com o objetivo de ganhar mais mobilidade na tomada
de decisões em um mercado cada vez mais competitivo.
Percebendo esse movimento, as empresas que buscam vantagens com-
petitivas sólidas e duradouras investem em ativos intangíveis por meio da
implantação das universidades corporativas. Elas procuram valorizar o conhe-
cimento tácito oriundo das experiências vivenciadas, percebidas e adquiridas
por seus colaboradores, incentivando constantemente a aprendizagem.

Universidade corporativa:
algumas reflexões
Em 2016, um estudo do Fórum Econômico Mundial apontou que até 2020
mais de um terço do conjunto de competências essenciais requeridas para
a maioria das profissões relevantes seria composto por competências ainda
não existentes ou que ainda não tinham sido desenvolvidas (MAGALDI; SALIBI
NETO, 2018). Além disso, o estudo fazia previsões alarmantes sobre a redução
do ciclo de validade das competências. Como pontuam Magaldi e Salibi Neto
(2018, p. 140), “A velocidade de depreciação do conhecimento é tão grande
que esse mesmo estudo aponta fontes que mostram que cerca de 50% do
conteúdo adquirido no 1º ano de um curso regular em uma universidade
torna-se obsoleto no 4º ano [...]”.
Nesse sentido, Meister (1999) reflete sobre os desafios que as universi-
dades tradicionais enfrentam ao buscarem novos caminhos, deixando para
trás um modelo de educação baseado no campus universitário e centrado
no professor. No lugar desse modelo, é adotado um modelo centrado no
aluno, cujo foco é a disponibilização de ferramentas e recursos para que os
aprendizes se responsabilizem pela própria aprendizagem.
Basta observar a grande procura por cursos on-line abertos e massivos
(Massive Open Online Courses — MOOCs). Esse tipo de curso adota a modalidade
a distância como parâmetro de referência, mas apresenta como característica
principal o fato de ser aberto, ou seja, estar disponível para ser acessado
por qualquer pessoa no mundo que se interesse pelo assunto tratado e que
tenha um mínimo de estrutura computacional para se conectar à internet.
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Yuan e Powell (2013) informam que a expressão “Massive Open Online


Courses” foi utilizada pela primeira vez em 2008, por Dave Cormier, em refe-
rência a um curso sobre conectivismo ministrado totalmente on-line. Esse
curso teve uma taxa paga por 25 estudantes (para custear a certificação)
e pôde ser acessado abertamente por qualquer pessoa registrada via web.
Uma pesquisa realizada por profissionais da Duke University mostrou que
as motivações dos alunos para participarem de MOOCs geralmente se enqua-
dram em uma das quatro categorias a seguir (BELANGER; THORNTON, 2013):

„„ apoio à aprendizagem ao longo da vida ou obtenção de uma compre-


ensão do assunto, sem expectativas particulares de conclusão ou
conquista;
„„ diversão, entretenimento, experiência social e estímulo intelectual;
„„ conveniência, geralmente em conjunto com barreiras às opções de
educação tradicional;
„„ experimentação ou exploração da educação on-line.

Quando essas informações são traduzidas em números percentuais apu-


rados, o que se percebe é a busca de certa atualização de conhecimentos que
podem ser utilizados nas mais diversas situações profissionais e acadêmicas.
Isso ocorre mesmo que inicialmente a procura por esses espaços tenha certo
apelo de desbravamento e envolva o simples desejo de conhecer o que é
oferecido no curso.
De acordo com Magaldi e Salibi Neto (2018), uma das formas mais rele-
vantes de buscar conhecimento novo, multifacetado, líquido e informal é o
fomento às conexões pessoais. Os autores afirmam que, quando um indivíduo
precisa acessar um conhecimento explícito, ele deve ser estimulado a buscar
as informações em manuais, sites, vídeos na web e repositórios formais. Eles
defendem que, quando se precisa de conhecimento tácito, para socializar
saberes, ele é encontrado na mente das pessoas, daí a necessidade de esti-
mular que os indivíduos “acessem” uns aos outros.
Magaldi e Salibi Neto (2018) concluem então que projetos de educação para
ambientes empresariais devem promover a formação de redes de relaciona-
mento informais e estruturadas para incentivar a conexão entre pares. Vale
mencionar como exemplo o McDonald's, com a Universidade do Hambúrguer.
Ao se deparar com a demanda por aprendizagem permanente, a empresa
buscou caminhos para conhecer a proposta dos educadores empresariais e
também identificar os seus clientes no contexto educacional.
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Fundada em 1961, em Oak Brook, Estados Unidos, a Universidade do Ham-


búrguer tem muitas filiais em diferentes localidades do globo. Em 2011, houve
a definição de reitoria e equipe subordinada exclusiva para desenvolver as
diversas atividades pertinentes a uma universidade corporativa.
Em 2015, a Universidade do Hambúrguer de São Paulo passou por uma
reestruturação que gerou uma nova forma de atuação, baseada em:

„„ consultoria de aprendizagem, com foco em currículo, corpo docente


e alianças educacionais;
„„ consultoria de tecnologia de aprendizagem, voltada para tecnologia
educativa, inovação e tendências;
„„ consultoria de entrega de aprendizagem, focada em logística, finan-
ciamento e infraestrutura, com suporte aos centros de formação
acadêmica.

Os cursos oferecidos são parte do conjunto de atividades que viabilizam


a formação e a especialização do corpo de gerentes. O crescimento desses
colaboradores é atrelado ao plano de carreira estabelecido pela empresa.
Assim, há um estímulo para a aprendizagem contínua dos participantes.
Universidades corporativas, consórcios, universidades virtuais e empresas
de educação com fins lucrativos desenvolvem projetos para atender ao seg-
mento de mercado do adulto profissional. Essas organizações elaboram de
modo proativo experiências, ferramentas e serviços de apoio à aprendizagem
para atender a essa demanda.
É exatamente nesse ponto que cabe uma reflexão sobre possibilidades de
aprendizagem em universidades corporativas e universidades tradicionais:
os espaços corporativos focados no desenvolvimento de seus colaboradores
realmente criam possibilidades de discussões francas sobre problemáticas
que vão além da produtividade maximizada pela eficiência de seus processos?
Veja o que Iida (2005, p. 5) comenta:

Eficiência é a consequência de um bom planejamento e organização do trabalho,


que proporcione saúde, segurança e satisfação ao trabalhador. Ela deve ser colo-
cada dentro de certos limites, pois o aumento indiscriminado da eficiência pode
implicar em prejuízos à saúde e segurança.
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O autor menciona como exemplo um ambiente de produção industrial.


Nesse ambiente, é necessário redobrar a atenção quando se busca a maxi-
mização da eficiência. Afinal, tal busca pode aumentar a probabilidade de
acidentes. Assim, é imprescindível investir em tecnologia, organização do
trabalho e treinamento dos trabalhadores para eliminar riscos.
A própria Revolução Industrial se insere em uma lógica de mercado que visa
à maximização da eficiência: de um lado, a produção amplia as possibilidades
de negócios das organizações; de outro, atende a uma demanda de pessoas
que buscam consumir os bens oriundos das indústrias ofertados no mercado.
Obviamente, o que você leu até aqui aponta para uma universidade corpo-
rativa alinhada ao pensamento capitalista. Isto é, a universidade corporativa
visa à obtenção de resultados por parte seus colaboradores e, principalmente,
à otimização das ações desses sujeitos. Seria uma ingenuidade achar que uma
organização que administra uma universidade corporativa faria tal investi-
mento em capacitação profissional sem esperar de seus colaboradores um
retorno capaz de afetar positivamente o crescimento da empresa, mesmo
que a longo prazo.
Barley (2002) afirma que a existência de uma boa estrutura para universida-
des corporativas está ligada ao fato de essas universidades serem condizentes
com as iniciativas e influências internas da organização, espelhando a sua
cultura. Esse fato se baseia em três grandes eixos: alinhamento corporativo,
organização do conteúdo e estrutura interna.
Barley (2002) enfatiza que o processo de organização do conteúdo deve
se ajustar à estrutura e à cultura da organização. Veja:

O currículo básico é um programa de aprendizagem que envolve competências,


habilidades ou áreas de conhecimento que todos os empregados, independen-
temente do nível hierárquico, precisam saber para manter a empregabilidade
dentro da organização. As áreas típicas do currículo básico geralmente incluem
temas como missão e cultura, filosofia de atendimento ao cliente, e temas mais
específicos relacionados à linha de atuação da organização (BARLEY, 2002, p. 278).

São colocações como essas que motivam questionamentos sobre a inser-


ção das ciências humanas na formação dos gestores, ou seja, sobre a existência
de uma matriz curricular que contemple e estimule o pensamento crítico.
Haveria de fato a possibilidade de realizar discussões francas em contextos
organizacionais, nas quais o pragmatismo e o utilitarismo não servissem
apenas para justificar a busca de resultados econômicos cada vez melhores?
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Essas são apenas provocações. Refletir sobre elas permite identificar


possibilidades complementares: de um lado, a excelência do que pode ser
ofertado em uma universidade tradicional; de outro, a versatilidade inovadora
e alinhada ao nicho do negócio de uma universidade corporativa. Collins e
Porras (1994, p. 45) cunharam a expressão “[...] genialidade do E [...]”, que se
refere à capacidade de envolver dois opostos, isto é, de descobrir uma forma
de ter tanto a situação A quanto a situação B ao mesmo tempo em momentos
difíceis de decisão empresarial.
Por fim, vale frisar a importância do aprendizado contínuo que busca
desenvolver mentes capazes de assumir riscos ao inovar e de, ao mesmo
tempo, valorizar conhecimentos pautados em atitudes éticas e na convivência
em sociedade.

Referências
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ALLEN, M. (org.). The corporate university handbook. New York: AMACOM, 2002.
BELANGER, V., THORNTON, J. Bioelectricity: a quantitative approach. Durham: Duke
University, 2013.
COLLINS, J. C.; PORRAS, J. I. Built to last: successful habits of visionary companies. New
York: Harper, 1994.
EBOLI, M. Educação corporativa: mitos e verdades. São Paulo: Gente, 2004.
FREIRE, A. C.; LIMA, T. A utilização de comunidades de prática no processo da educação
Corporativa. In: RICARDO, E. J. (org.). Gestão da educação corporativa: cases, reflexões
e ações em educação a distância. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.
IIDA, I. Ergonomia: projeto e produção. 2. ed. São Paulo: Blucher, 2005.
MAGALDI, S.; SALIBI NETO, J. Gestão do amanhã: tudo o que você precisa saber sobre
gestão, inovação e liderança para vencer na 4ª revolução industrial. São Paulo: Gente,
2018;
MEISTER, J. C. Educação corporativa: a gestão do capital intelectual através das uni-
versidades corporativas. São Paulo: Makron Books, 1999.
SCHWAB, K. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016.
TAKEUCHI, H.; NONAKA, I. Gestão do conhecimento. Porto Alegre: Bookman, 2008.
TERRA, J. C. C. Gestão do conhecimento: o grande desafio empresarial. São Paulo:
Negócio, 2001.
YUAN, L.; POWELL, S. MOOCs and open education: implications for higher education. Bol-
ton: CETIS, 2013. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/265297666.
Acesso em: 1 dez. 2020.
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Leituras recomendadas
HAMBURGER UNIVERSITY. [Site]. [S. l.]: McDonald's Brasil, [2020]. Disponível em: https://
www.mcdonaldsuniversity.com.br/. Acesso em: 1 dez. 2020.
MALAVSKI, O. S.; LIMA, E. P.; COSTA, S. E. G. Modelo para a mensuração do capital
intelectual: uma abordagem fundamentada em recursos. Production, São Paulo,
v. 20, n. 3, p. 439–454, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0103-65132010000300012&lng=en&nrm=iso. Accesso em: 1 dez. 2020.

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