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1 - INTRODUÇÃO
A formação da sociedade mineira se deu de uma forma bem peculiar em relação ao
resto da colônia portuguesa nas Américas. Em Minas, a ocupação do antigo Sertão dos
Cataguases ocorreu por iniciativa particular, formando os primeiros aglomerados
populacionais junto aos cursos d'água, e só aproximadamente depois de duas décadas
começou a se instalar um aparato jurídico-administrativo representado pelas Casas de
Câmara, Cadeias e agentes responsáveis pela ordem, como os Juízes Ordinários e os Juízes de
Vintena.
Vale dizer que a implantação de um poder regulador nas Minas por parte da Coroa
portuguesa acarretou, entre outras coisas, uma tentativa de regularização dos conflitos entre os
poderes instituídos, que na maioria das vezes se davam de forma violenta. Carla M. J.
Anastasia e Flávio M. da Silva elaboram o conceito de formas acomodativas para entender
relações entre dominante (metrópole) e dominado (colônia). Segundo eles:
- Devassas Cíveis
Ao analisarmos a etimologia da palavra devassa podemos perceber que, pelo menos
desde o século XVIII, o seu significado assume um aspecto estritamente jurídico e sua função
é a de inquirir testemunhas ou suspeitos sobre um determinado crime. Em consulta ao
dicionário Bluteauv, encontramos a seguinte definição:
Na prática, encontramos certo padrão na elaboração das devassas, que são formadas
por quatro partes principais. A abertura, onde há um texto inicial com informações que se
referem ao crime, como data, horário e local, motivo, a vítima bem como informações sobre
os responsáveis pela abertura do processo, como magistrado, geralmente o Juiz Ordinário,
tabelião e escrivão. Sobre o assunto que nos interessa, os relatos sobre os corpos e os
cuidados corporais, as devassas, cujo motivo refere-se a alguma lesão corporal, trazem na
abertura alguns dados interessantes sobre os ferimentos e lesões corporais da vítima que são
melhor descritos no auto de corpo de delito. Na segunda parte há o auto de corpo de delito, o
qual será pormenorizado mais adiante neste texto. Na terceira parte há os relatos das pessoas
inquiridas a testemunhar sobre o crime averiguado.
A inquirição, em termos de época, consistia em uma introdução chamada asentada, na
qual eram descritas data, lugar do interrogatório, geralmente a casa do Juiz Ordinário, e os
nomes de outros funcionários envolvidos na feitura do processo, como escrivão, alcaide ou,
ainda, o Juiz de Vintena. Além disso, os depoimentos das testemunhas.
Desde o início do auto, a cada novo dia de inquirição era aberta uma nova asentada
para, posteriormente, iniciar o registro de cada depoente. Os depoimentos, por sua vez, eram
constituídos de uma espécie de cabeçalho em que constavam informações sobre o inquirido,
como nome, cor da pele, lugar de residência, ofício, idade e o registro do juramento, em que
prometem dizer a verdade. Em seguida, era transcrito o testemunho da pessoa a respeito do
crime averiguado e anunciado nas primeiras folhas da devassa e havia a assinatura do
depoente.
Por fim, há a Conclusão, na qual o Juiz Ordinário, baseado nos relatos das
testemunhas, faz a pronúncia obrigando o acusado a prisão, ou não, e apresenta os gastos com
a feitura do processo.
- Processos Crimes
Os processos crimes constituem um Fundo do AHCSM que contém vários tipos
documentais. Além das devassas, existem outros processos, abrangendo diversas formas de
apelação existentes no sistema judiciário da época. Abaixo estão as principais tipologias
documentais encontradas:
Tabela 1: Tipologia documental onde mais freqüentemente são encontrados relatos sobre o corpo nos
processos crimes existentes no AHCSM no século XVIII ix
Tipologia Descriçãox
Assim, o termo auto nos indica uma idéia de verificação, de dar fé na ação a ser
registrada, significado concernente com a função desses documentos nos processos apontados
acima. O dicionário De Plácito (1984) mostra um significado de auto de corpo de delito bem
próximo ao uso do termo no século XVIII:
O registro sobre a existência do crime, com todas as suas circunstâncias tornando-
se por essa forma, a base para o procedimento penal. É por isso, por ser prova
material do crime, que se fixa nele, para conservá-lo sempre em evidência, torna-se
peça substancial do processo.
i
O presente texto apresenta algumas considerações da pesquisa “Saberes e práticas dos cirurgiões: um estudo
sobre os cuidados corporais na comarca de Vila Rica” financiada pela FAPEMIG no programa de iniciação
científica PROBIC, em vigor desde fevereiro de 2006, e que tem como principal objetivo compreender cuidados
corporais exercidos na comarca de Vila Rica mediante a atuação dos cirurgiões.
ii
Aluno do curso de História, bolsista de iniciação científica, programa PROBIC/ FAPEMIG.
iii
Professora do Departamento de Educação Física, orientadora do projeto de pesquisa.
iv ANASTASIA, Carla Maria Junho; SILVA, Flávio Marcus da. Levantamento Setecentistas Mineiros, Violência
Coletiva e Acomodação. In FURTADO, Júnia Ferreira. Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as novas
abordagens para uma história do império Ultramarino português. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. p. 310.
v BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Portuguez & Latino, áulico, anatômico, architetonico [...]. Lisboa: Officina
de Paschoal Silva, 1716. (versão eletrônica).
vi SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
vii
Vale destacar que as devassas cíveis compreendem, além das devassas estudadas neste artigo, as devassas
denominadas Janeirinhas ou Gerais, realizadas sempre no mês de janeiro. Há, também, as devassas eclesiásticas
produzidas pela Igreja, mas que não são objeto deste estudo.
viii Ordenações Filipinas. Reprodução fac-simile da edição feita por Candido Mendes de Almeida no Rio de
Janeiro em 1870. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1985. Livro 1, Título LXV parágrafos 31.
ix Existem outros tipos documentais nesse Fundo que não foram colocados na tabela por aparecerem poucas
vezes ou devido o assunto abordado não ser concernente ao objeto de estudo deste trabalho.
x Segundo consulta ao dicionário Jurídico De Placito (1984).
xi Os resultados expostos são decorrentes dos processos já trabalhados até o momento atual da pesquisa,
totalizando 23 autos de corpo de delito.
xii AHMI 1º ofício, códice 449, auto 9458.
xiii AHMI 1º ofício, códice 444, auto 9314.
xiv AHMI 1º ofício, códice 449, auto 9453.
xv AHMI 1º ofício, códice 446, auto 9377.
xvi AHMI 1º ofício, códice 447, auto 9402.
xvii AHMI 1º ofício, códice 450, auto 9496.
xviii AHMI 1º ofício, códice 177, auto 3187.
xix AHMI 1º ofício, códice 438, auto 9082.
xx AHMI 1º ofício, códice 466, auto 9388.
xxi
AHMI 1º ofício, códice 449, auto 9453.
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