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A escolha de regras da “UNCITRAL”

para reger o procedimento arbitral:


quais as implicações?*
Lino Diamvutu**

I – Introdução
É prática corrente a designação de regras de arbitragem da CNUDCI1
ou “UNCITRAL2 Arbitration Rules”, nas cláusulas compromissórias de
contratos de caráter internacional, negociados por juristas de empresas,
advogados e alguns operadores económicos angolanos, como regras
processuais para reger o procedimento arbitral em casos de litígios
resultantes de tais contratos. Se, nalgumas situações, essas regras são
propositadamente escolhidas pelas partes ou pelos seus advogados, nou-
tras, a sua indicação resulta de um simples fenómeno de “copy-paste”
(copiar-colar), fazendo com que algumas cláusulas constantes de modelos
contratuais oriundos de outros países sejam automaticamente repercutidas
nos contratos negociados e celebrados em Angola.
No já célebre caso SOFOMIL, Lda vs. ABAMAT-UEE, que constitui
a primeira arbitragem em Angola de que resultou uma sentença sobre
o mérito da causa, publicada na Revista da Ordem dos Advogados de

*  Comunicação apresentada à III Conferência Internacional de Arbitragem de Luanda,


realizada no Palácio de Justiça, no dia 20 de novembro de 2014.
**  Docente da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto.
1  CNUDCI: Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional.
2  UNCITRAL: United Nations Committee on International Trade Law.
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Angola3, a cláusula compromissória4 inserta no contrato de compra


e venda internacional de caixas de velocidade automáticas de marca
VOITH, celebrado em 1991, previa que: “Esgotadas que sejam todas
as possibilidades de acordo com os contratantes, dentro de um espírito
de amizade, colaboração e respeito mútuos, fica acordado que todos os
litígios que possam surgir serão resolvidos de forma definitiva segundo
o Regulamento de Arbitragem da Comissão Internacional de Genève
(UNCITRAL Arbitration Rules).”
As partes remeteram a solução dos litígios decorrentes da execução
do contrato para o Regulamento de Arbitragem da “Comissão Interna-
cional de Genève”. Mas, de que Comissão Internacional de Genève se
trata? As UNCITRAL Arbitration Rules não foram elaboradas por uma
Comissão Internacional de Genève. No entanto, o tribunal arbitral “ad
hoc” constituído para dirimir o litígio surgido na execução do referido
contrato de compra e venda, interpretou a vontade das partes, dando um
efeito útil à sua declaração negocial. Assim, a cláusula foi interpretada
no sentido da aplicação das Regras de arbitragem da UNCITRAL, igno-
rando a referência confusa e errónea ao “Regulamento de Arbitragem da
Comissão Internacional de Genève”. Este único exemplo tende a ilustrar o
desconhecimento que se nota em relação às ditas regras da UNCITRAL.
Qual a natureza das regras da UNCITRAL? Quais as implicações
decorrentes da escolha dessas regras? Eis duas perguntas a que pre-
tendemos responder no âmbito desta comunicação, cingindo a nossa
reflexão em torno da problemática da designação e recusa de árbitros
na constituição do tribunal arbitral, do direito aplicável à convenção de
arbitragem, nomeadamente à arbitrabilidade dos litígios, dos efeitos e
da impugnação das sentenças interlocutórias e sobre o fundo da causa
proferidas em tais arbitragens, bem como da “nacionalidade” da sentença
arbitral sobre o mérito da causa quando foram aplicadas as referidas
regras ao procedimento arbitral.

II – Breve referência histórica


A Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacio-
nal (Comissão) aprovou o seu primeiro “Regulamento de Arbitragem”,

3 In Revista da Ordem dos Advogados de Angola, Ano I, n.º 1, Centro de Documen-

tação e Informação da OAA, 1998, p. 283.


4  Cláusula 13.ª do contrato.
A ESCOLHA DE REGRAS DA “UNCITRAL”
PARA REGER O PROCEDIMENTO ARBITRAL: QUAIS AS IMPLICAÇÕES? 313

em 28 de abril de 1976, o qual foi adotado pela Assembleia Geral das


Nações Unidas em 15 de dezembro de 1976. Na Resolução de adoção, a
Assembleia Geral recomendou a aplicação desse texto “para a resolução
de litígios resultantes de relações comerciais internacionais, em particular,
através da sua menção nos contratos comerciais”5.
Trinta e quatro anos depois, a mesma Assembleia, sob proposta da
Comissão, adotou um novo Regulamento de Arbitragem, que entrou em
vigor no 6 de dezembro de 20106.

III – Natureza jurídica


Apesar de ter sido elaborado sob os auspícios da ONU, o Regulamento
de Arbitragem da CNUDCI tem valor puramente contratual7, vigorando
apenas para as partes que convencionaram a sua aplicação. O Regula-
mento prevê a possibilidade de as partes acordarem certas modificações
das suas disposições, podendo este instrumento processual ser, de alguma
forma, amputada (art. 1.º, n.º 1, in fine).
O Regulamento da CNUDCI visa essencialmente a Arbitragem “ad
hoc”, embora sejam várias as instituições de arbitragem que aproveitaram
o seu modelo para a elaboração dos respetivos Regulamentos. Com a sua
elaboração, a Comissão procurou contribuir para o desenvolvimento das
relações económicas internacionais8.
A expressão “Regulamento de Arbitragem” deve ser aqui entendida
numa aceção material e não formal9. Trata-se de um conjunto de regras
que têm por objetivo organizar um mecanismo coerente de resolução
arbitral, devendo cobrir todos os aspetos da instância, desde a notificação
da arbitragem até à prolação da sentença arbitral.

5  Veja-se: PHILIPPE, Fouchard, “Les travaux de la CNUDCI: le reglèment


d’arbitrage”, in Écrits – Droit de l’arbitrage, Droit du commerce international, Comité
Français de l’Arbitrage, 2007, p. 267.
6  Presume-se que as partes a uma convenção de arbitragem, celebrada depois de

15 de agosto de 2010, quisessem referir-se ao Regulamento em vigor na data de início


do procedimento arbitral, a não ser que tenham acordado a aplicação de uma versão
diferente do Regulamento.
7  POUDRET/BESSON, Droit comparé de l’arbitrage international, Bruylant Bru-

xelles, LGDJ, Schulthess, 2002, p. 73, n.º 98.


8  KEUTGEN/DAL, L’arbitrage en droit belge et international, Tome II – Le droit

international, 2e édition revue et augmentée, Bruylant, 2012, p. 686.


9  SYLVIE BEBOHI, Les Avantages comparatifs des Reglèments d’Arbitrage CIRDI-

-CNUDCI-CCJA, in http://www.acicol.com/__temp/Mlle.pdf.
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O Regulamento de Arbitragem da UNCITRAL é uma “lei proces-


sual”, da mesma forma que o é a LAV angolana (Lei sobre a Arbitragem
Voluntária, Lei n.º 16/03, de 25 de julho).
Por exemplo, enquanto a LAV, nos seus artigos 3.º, n.º  1, e 4.º,
condiciona a realização da arbitragem à existência de uma convenção
de arbitragem escrita, sancionando a falta do requisito formal com a
nulidade desta, o Regulamento da UNCITRAL (de 2010) reconhece a
validade da convenção de arbitragem verbal, aplicando-se desde que as
partes tenham acordado sobre a sua utilização.
Enquanto a LAV prevê no seu artigo 19.º, em matéria de representação
das partes, que as mesmas possam ser representadas ou assistidas por
advogados, o que implica que as partes possam representar-se a si próprias
ou fazer-se representar por advogados, o Regulamento da UNCITRAL
prevê que as partes podem fazer-se assistir por pessoas de sua escolha.
O Regulamento da CNUDCI prevê regras próprias em diversas maté-
rias, como a recusa dos árbitros (art. 21.º RAC 1976; 23.º RAC 2010),
as provas, as audiências, etc.
Apesar dessas diferenças, o Regulamento da UNCITRAL não procura
o afastamento por completo das legislações nacionais sobre a arbitragem.
Aliás, ele prevê expressamente que “rege a arbitragem, contudo, havendo
um conflito entre uma das suas disposições e uma disposição da lei
aplicável à arbitragem que as partes não possam derrogar, é esta última
que prevalece” (art. 1.º, n.º 2, RAC 1976; art. 1.º, n.º 3, RAC 2010).
A ideia central é de que a arbitragem ao abrigo do Regulamento da
UNCITRAL sujeita-se, em primeiro lugar, à lei estadual, no mínimo
às suas disposições imperativas, e, só em segundo lugar, à vontade das
partes. Coloca-se aqui duas questões essenciais: a questão da determina-
ção da lei de arbitragem aplicável (a lei designada pelas partes, a lei do
lugar-sede da arbitragem ou da lei aplicável ao contrato?), e a de saber
quais as disposições dessa lei devem ser consideradas imperativas. Nem
sempre, as regras imperativas ou de ordem pública comportam uma
etiqueta que as identificam10.
Por exemplo, o Regulamento (art. 32.º, n.º 3, RAC 1976, 34.º, n.º 3,
RAC 2010) permite às partes dispensar o árbitro de motivar a sua sen-
tença quando a maioria de legislações estaduais impõem a motivação da
sentença como norma de ordem pública. Neste caso, os árbitros têm a

10  PHILIPPE, Fouchard, “Les travaux de la CNUDCI: le reglèment d’arbitrage”...,

pp. 272-273.
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PARA REGER O PROCEDIMENTO ARBITRAL: QUAIS AS IMPLICAÇÕES? 315

obrigação de depois de identificada a lei da arbitragem aplicável e o seu


conteúdo, afastar a aplicação desta disposição do Regulamento.
Com a inserção do n.º  2 do art. 1.º RAC 1976, n.º  3 RAC 2010, a
autoridade do Regulamento da UNCITRAL fica limitada à sua confor-
midade às disposições imperativas da lei de arbitragem aplicável.
A arbitragem ao abrigo do Regulamento da UNCITRAL é uma
arbitragem semiorganizada, a meio caminho entre uma arbitragem ins-
titucional e uma arbitragem “ad hoc”. Tendo as partes a maior liberdade
na constituição do tribunal arbitral, na fixação do lugar da arbitragem e
das regras processuais, o sistema implementado pela CNUDCI aparenta
ser uma arbitragem “ad hoc”; por outro, como numa arbitragem institu-
cional, as partes, através de uma cláusula compromissória, limitam-se a
adotar um Regulamento.

IV – Caso de aplicação
Se uma das partes contestar, v. g., a arbitrabilidade do litígio, o tribunal
aprecia a questão tendo em conta a lei de arbitragem aplicável. De acordo
com o Regulamento, a sentença interlocutória sobre a competência do
Tribunal arbitral é final e vinculativa. O Regulamento prevê que todas as
sentenças (incluindo as parciais ou interlocutórias) são finais e vinculativas.
As partes obrigam-se a executar qualquer sentença sem demora (art. 32.º,
n.º 2, in fine, RAC 1976; art. 34.º RAC 2010). A finalidade da sentença
tem um duplo sentido. Por um lado, a sentença é final quando esgota a
competência do tribunal arbitral, e, por outro, ela é final quando já não é
suscetível de recurso perante os tribunais judiciais, isto é, quando transitou
em julgado11. O sentido dado pelo Grupo de Trabalhos encarregue da
redação do Regulamento é mais restritivo, isto é, todas as sentenças são
finais quando chegam ao conhecimento das partes, não carecendo mais
de interpretação ou retificação12. Se a Lei da Arbitragem aplicável é a
Lei angolana, a impugnação dessa decisão interlocutória só é possível nos
termos do artigo 31.º, n.º 3: “A decisão do Tribunal Arbitral através da
qual se declare competente para decidir a questão só pode ser apreciada

11  CARON, David/CAPLAN, Lee M., The Uncitral Arbitration Rules – A commen-
tary, Second Edition, Oxford, 2013, pp. 738-739.
12  CARON, David/CAPLAN, Lee M., The Uncitral Arbitration Rules – A commen-

tary..., pp. 738-739.
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pelo Tribunal Judicial depois de proferida a decisão arbitral, sem sede


de impugnação ou por via de oposição à execução [...].”
Questionar a arbitrabilidade do litígio leva à determinação da lei ou do
direito aplicável à convenção de arbitragem. Uma coisa é a determinação
do direito aplicável ao fundo da causa, outra coisa é a determinação do
direito aplicável à convenção de arbitragem. Estando à arbitragem ao
abrigo do Regulamento da UNCITRAL subordinada à lei da arbitragem
aplicável, é o critério da arbitrabilidade definida por esta lei que se aplica.

V – O regime da designação e recusa de árbitros nos Regulamentos


de 1976 e 2010
Numa arbitragem interna sujeita a uma lei de arbitragem estadual, as
questões referentes à recusa de árbitros são apreciadas, em primeira linha,
pelo próprio tribunal arbitral. Só em sede de recurso é que as mesmas
serão resolvidas pelo tribunal judicial.
Tendo sido o Regulamento de Arbitragem da CNUDCI concebido para
as arbitragens “ad hoc”, e não existindo uma “jurisdição internacional
de direito privado”, ou um “juiz de apoio internacional” para exercer
as funções de assistência desempenhada pelo juiz estadual nas ordens
jurídicas internas, uma das questões que mais preocupa tem a ver com
o risco de paralisia da arbitragem na fase de constituição do tribunal, se,
eventualmente, se verificarem manobras dilatórias de uma das partes.
Para acautelar essa situação, o Regulamento prevê a indicação pelas
partes de uma Autoridade de Nomeação para dar assistência às mesmas
e aos árbitros, no que respeita à nomeação, recusa e substituição desses
mesmos árbitros.
A Autoridade de Nomeação é um terceiro previamente escolhido para
exercer esse papel. Pode tratar-se de uma instituição ou de uma pessoa
física [art. 6.º, n.º 1, al. b)]. Se, por exemplo, as partes escolhem o Presi-
dente do Tribunal Provincial de Luanda como Autoridade de Nomeação,
este não exercerá em relação a tal arbitragem funções jurisdicionais. Irá
exercer o mesmo papel e terá a mesma qualidade que teria qualquer
outra pessoa singular chamada a desempenhar a função de Autoridade
de Nomeação. Por conseguinte, não se concebe que uma pessoa singu-
lar indicada como Autoridade de Nomeação suspenda o funcionamento
de um Tribunal Arbitral. Não poderá também o Presidente do Tribunal
Provincial de Luanda exercer tal poder de suspensão.
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PARA REGER O PROCEDIMENTO ARBITRAL: QUAIS AS IMPLICAÇÕES? 317

1.º O Regulamento de Arbitragem da UNCITRAL de 1976


Em princípio, as partes são responsáveis pela escolha dos árbitros.
Quando o tribunal arbitral deva ser composto por 3 árbitros, cada parte
nomeia um árbitro e os dois árbitros escolhidos escolhem o terceiro que
irá exercer as funções de árbitro-presidente do tribunal (art. 7.º, n.º 1).
Quando as partes não chegam a acordo sobre a designação de um
árbitro ou uma das partes não nomeia o árbitro que lhe cabe nomear, as
partes devem recorrer à Autoridade de Nomeação para que indique o
árbitro em falta. Se não haviam indicado previamente qual a Autoridade
de Nomeação podem fazê-lo oportunamente.
Nas situações em que o árbitro nomeado por uma das partes é recusado
pela outra parte, e se o árbitro recusado não se escusar, a Autoridade
de Nomeação irá decidir sobre a recusa do dito árbitro (art. 12.º). Um
árbitro só pode ser recusado se existirem circunstâncias que possam
levantar dúvidas sérias sobre a sua imparcialidade ou independência
(art. 10.º, n.º 1).
Surgindo, pois, uma situação de recusa de um dos árbitros que não
seja o árbitro-presidente, as partes deverão acordar oportunamente,
por escrito, sobre quem deverá daí em diante exercer tais funções, de
acordo com os arts. 12.º, n.º 1, al. c), e 6.º do Regulamento de Arbitra-
gem da CNUDCI de 1976. No sistema autónomo da UNCITRAL, não
havendo acordo das partes sobre o terceiro a indicar como Autoridade
de Nomeação, cada uma delas poderá solicitar ao Secretário Geral da
Corte Permanente de Arbitragem de Haia que designe a Autoridade de
Nomeação (art. 6.º, n.º 2).
De acordo com o art. 11.º do Regulamento de Arbitragem da UNCI-
TRAL, de 1976, a recusa de árbitro opera-se como segue:
a) A parte que deseje recusar um árbitro deve notificar a sua decisão
dentro de 15 dias, a contar da data em que a nomeação deste árbitro
lhe for notificada ou dentro de 15 dias, a contar da data em que
teve conhecimento das circunstâncias visadas pelos arts. 9.º e 10.º
b) A recusa é notificada à outra parte, ao árbitro recusado e aos
outros membros do tribunal de arbitragem. A notificação faz-se
por escrito e deve ser fundamentada.
c) Quando um árbitro for recusado por uma das partes, a outra parte
pode aceitar a recusa; o árbitro recusado pode igualmente renun-
ciar a exercer a função de árbitro. Esta renúncia não implica o
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reconhecimento dos motivos da recusa. A parte cujo árbitro foi


recusado pode ainda nomear outro. Se não o fizer, a outra parte
pode recorrer à Autoridade de Nomeação.

2.º O Regulamento de Arbitragem da UNCITRAL de 2010


A nova versão do Regulamento toma em consideração a possibilidade
de arbitragens multipartes, reforça o papel da Autoridade de Nomeação
nas suas funções de assistência no desenrolar do procedimento arbitral
e aumenta as garantias processuais.
Os artigos 11.º a 13.º tratam das declarações dos árbitros e da recusa
de árbitros. A Autoridade de Nomeação intervém em todos os casos em
que as partes não chegam a acordo quanto à designação ou recusa de
árbitros.
No Regulamento de Arbitragem da UNCITRAL de 2010, o regime
de impugnação de árbitros consta do art. 11.º, e não difere substancial-
mente do regime do Regulamento de 1976. Os seus traços relevantes
são os seguintes:
a) A recusa de árbitros fundamenta-se na existência de circunstâncias
de natureza a suscitar legítimas dúvidas sobre a sua imparcialidade
ou independência;
b) Nas situações de falta, impossibilidade de facto ou de direito para
desempenhar o seu cargo ou recusa de árbitro, aplica-se o proce-
dimento previsto no art. 13.º:
–– A parte que deseje recusar um árbitro notifica a sua decisão no
prazo de 15 dias a contar da data em que a indicação desse árbitro
lhe foi notificada, ou no prazo de 15 dias, a contar da data em
que teve conhecimento de circunstâncias de natureza a suscitar
legítimas dúvidas sobre a sua independência ou imparcialidade.
–– A notificação da recusa é comunicada a todas as demais par-
tes, ao árbitro recusado e aos demais árbitros. Deve expor os
motivos da recusa.
–– Todas as partes envolvidas na arbitragem podem aceitar a recusa.
O árbitro recusado pode escusar-se. Tal escusa não significa que
reconhece a validade dos motivos da recusa.
–– Se, no prazo de 15 dias a contar da data da notificação de recusa,
todas as partes não aceitarem a recusa ou o árbitro recusado
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não se escusar, a parte recusante pode requerer à Autoridade de


Nomeação a tomada de uma decisão. Tal recurso deve ocorrer
no prazo de 30 dias a contar da data da notificação de recusa.

Quando o n.º 3 do art. 13.º do Regulamento de Arbitragem refere que


“todas as partes envolvidas na arbitragem podem aceitar a recusa…”, tem
em conta a realidade das arbitragens multipartes13. O Regulamento de
1976, o art. 11.º, n.º 3, estatui que “a outra parte pode aceitar a recusa…”.

3.º Apreciação
A Autoridade de Nomeação deve verificar se o procedimento esta-
belecido pelo Regulamento da UNCITRAL foi respeitado, para intervir
validamente no processo visando a recusa do árbitro. Conforme refere
VAN DEN HOUT14, mesmo o Secretário Geral da Corte Permanente
de Arbitragem de Haia procede à verificação, com a ajuda dos juristas
do Bureau Internacional, que “[…] o procedimento previsto pelo Regu-
lamento de Arbitragem foi respeitado”, antes de proceder à designação
da Autoridade de Nomeação a pedido de uma das partes à arbitragem.
Uma parte na arbitragem não pode recorrer diretamente à Autoridade
de Nomeação sem que notifique a outra parte, ao árbitro recusado e aos
demais membros do tribunal sobre a recusa que pretende apresentar (art.
11.º). A Autoridade de Nomeação, que pratica atos tendentes a responder
à petição da parte recusante, quando não observar o procedimento previsto
no art. 11.º do Regulamento de Arbitragem viola as suas disposições e os
atos por ela praticados são ineficazes por terem sido praticados de forma
prematura e, por conseguinte, sem poderes para o efeito. Coloca-se aqui o
problema da prematuridade da intervenção da Autoridade de Nomeação.
No sistema das Regras da UNCITRAL de 1976 e de 2010, não se
atribui ao Tribunal Arbitral um poder de apreciação dos motivos em que
se baseia a recusa de árbitro pela parte recusante. Todos os árbitros são,
no entanto, notificados da decisão de recusa tomada pela parte recusante.
A partir daquele momento, a parte contrária pode aceitar a recusa ou
o árbitro recusado escusar-se. Se estes não o fizerem dentro do prazo

13  Veja-se JAN PAULSSON & GEORGIOS PETROCHILOS, Revision of the


UNCITRAL Arbitration Rules, in www.uncitral.org
14  TJACO T. VAN DEN HOUT, Le Reglèment d’ Arbitrage de la CNUDCI, in

http://www.cedroma.usj.edu.lb/pdf/conf1/Pdf/Vandenhout.pdf.
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estabelecido, a parte recusante recorre à Autoridade de Nomeação. Con-


tudo, parece-nos que o não cumprimento desse procedimento pela parte
recusante impede a Autoridade de Nomeação de decidir validamente.
Se a parte recusante nada fizer dentro do prazo que tem para reagir
recorrendo à Autoridade de Nomeação, nos casos de indicação de um
árbitro pela parte contrária contra quem tenha razões sérias ou legítimas
de recusa, do conhecimento de factos de natureza a suscitar na sua pessoa
motivos para recusa ou ainda da não aceitação da recusa do árbitro pela
parte contrária ou pelos árbitros, opera-se a caducidade do seu direito
em relação aos factos (anteriores) que eram suscetíveis de fundamentar
o pedido de recusa ou que justificaram a recusa do árbitro em causa
perante a parte contrária e os árbitros.

VI – Conclusões
O Regulamento da UNCITRAL tem caráter facultativo, isto é, só se
aplica quando as partes assim acordaram, e sujeita-se às regras impera-
tivas do direito estadual aplicável.
Tendo as partes escolhido a aplicação de Regras da UNCITRAL,
essas regras são diferentes ou distintas em relação às regras da LAV
quanto ao afastamento dos árbitros. O tribunal arbitral não tem poder
para prosseguir a arbitragem contra a vontade de uma das partes que
recuse um árbitro. Não havendo acordo da outra parte ou dos árbitros
em relação à recusa proposta pela parte recusante, esta deverá recorrer
à Autoridade de Nomeação.
A determinação do direito aplicável à arbitrabilidade dos litígios
releva do direito aplicável à convenção de arbitragem. A lei aplicável
à convenção de arbitragem será a lei da arbitragem aplicável, tal como
poderá resultar da vontade das partes ou da sua determinação pelo Tri-
bunal arbitral.
A impugnação de sentenças parciais ou interlocutórias proferidas no
âmbito de uma arbitragem realizada com base nas regras da UNCITRAL,
junto dos tribunais estaduais, sujeita às disposições da Lei da arbitragem
aplicável. Por conseguinte, só é possível depois de proferida a decisão
arbitral sendo a LAV aplicável.
A ESCOLHA DE REGRAS DA “UNCITRAL”
PARA REGER O PROCEDIMENTO ARBITRAL: QUAIS AS IMPLICAÇÕES? 321

É permitido às Partes, segundo a expressão utilizada pelo jurista fran-


cês BERTHOLD GOLDMAN, “la liberté d’inventer une procédure”15.
As Partes podem designar regras processuais da lei de um país mesmo
estrangeiro, fazer a combinação de diferentes leis de forma a obter um
sistema totalmente original ou fazer referência a um regulamento de arbi-
tragem. No caso de as partes designarem o Regulamento da UNCITRAL
para se aplicar ao processo, uma vez que se subordina à LAV, a sentença
resultante dessa arbitragem é nacional e não estrangeira.
Pode uma parte requerer ao Tribunal judicial, mormente ao Tribunal
Supremo, como medida cautelar, a suspensão de um tribunal arbitral por
se ter pronunciado competente para decidir sobre determinado litígio
considerado inarbitrável por ela? Se a lei da arbitragem aplicável for a
lei angolana, tal procedimento cautelar é impossível tendo em conta o
disposto no já referido art. 31.º, n.º 3, da LAV.
Uma ação de anulação da decisão interlocutória sobre a competência
do Tribunal arbitral é possível com o fundamento da inarbitrabilidade
do litígio? Não é possível antes da prolação da sentença sobre o mérito
da causa (art. 31.º, n.º 3, da LAV).

15  Veja-se NOUGEIN, Henri-Jacques/REINHARD, Yves/ANCEL, Pascal/RIVIER,


Marie-Claire/BOYER, André/GENIN, Philippe, Guide Pratique de l’Arbitrage et de la
Médiation Commerciale…, pp. 131-132; GOLDMAN, Berthold, La Volonté des Parties
et le rôle de l’Arbitre dans l’Arbitrage International, Rev. Arb. 1981, pp. 469 e ss.

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