Você está na página 1de 67

DIREITO PENAL

INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL

Princípio da insignificância

1. Introdução

Caro(a) leitor(a), nesta unidade de aprendizagem estudaremos uma das


principais e mais relevantes categorias dogmáticas dentro da teoria do fato
punível. O princípio da insignificância − ou princípio da bagatela, para parcela
da doutrina – será nosso objeto de interesse a partir de agora. Conforme
veremos, parcela da doutrina tende a ver esse princípio no instituto da uma
norma de regra e não como uma norma de princípio. Essa postura teórica é
relevante, apesar de pouco repetida na maioria dos manuais e dos textos para
concursos públicos, tendo em vista que a adoção de uma ou outra natureza
(princípio ou regra) no âmbito da insignificância – ou somente bagatela –
produzirá efeitos sensíveis na teoria do fato punível, notadamente no que toca
à possibilidade ou à impossibilidade de se ponderar os direitos fundamentais
de liberdade de locomoção (liberdade frente ao poder punitivo) com o
interesse do Estado de punir. 

Curso Ênfase © 2022 1


Parte da doutrina tende a realizar uma distinção conceitual entre princípio da
insignificância/princípio da bagatela e princípio da irrelevância penal do
fato, geralmente trabalhando os efeitos do primeiro no âmbito da tipicidade
material na teoria do fato punível, tendo por decorrência a chamada
insignificância própria (e, consequentemente, como um critério restritivo de
interpretação e aplicação do tipo penal). Os efeitos do segundo, por outro
lado, são trabalhados no âmbito da culpabilidade e/ou da punibilidade, como
uma causa de desnecessidade ou irracionalidade da pena, tendo por
decorrência a chamada insignificância imprópria. 

Conforme será visto, a insignificância é um tema complexo e interdisciplinar,


que dialogará com inúmeras categorias da parte geral do direito penal. Para
compreendê-la adequadamente, portanto, serão necessários os estudos
conglobados de diversas categorias do fato punível (tipicidade,
antijuridicidade, culpabilidade, punibilidade, imputação objetiva do resultado,
conduta e outros), além de inúmeros tópicos de outras searas do direito
(como o princípio da dignidade humana no direito constitucional, os princípios
parciais do princípio da proporcionalidade, as categorias do desvalor do ato e
do desvalor do resultado, a possibilidade ou não de realizar ponderação (no
sentido mais técnico possível do conflito, entre entes jurídicos, não passível
de solução pelos critérios das antinomias das regras) entre o poder punitivo e
os direitos fundamentais por ele atingidos, inúmeras particularidades da parte
especial e de muitos precedentes jurisprudenciais das Cortes Superiores,
como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal
Federal (STF).

Estudaremos, assim, os fundamentos da insignificância, as diversas


possibilidades de sua alocação dentro da parte geral do direito penal, as
pontes entre algumas categorias e os debates doutrinários mais relevantes.

Tendo em vista a enorme complexidade do tema, será evitado aqui o


detalhamento extensivo de temas que circundam apenas lateralmente a
insignificância, embora sejam importantes para a sua compreensão. Dessa
forma, para garantir um estudo completamente coerente, recomenda-se

Curso Ênfase © 2022 2


também a consulta aos materiais de estudo que versem sobre os seguintes
tópicos:

• Tipicidade: formal, material e conglobante (ZAFFARONI; BATISTA, 2010, p. 212 e segs.).


• Teorias da conduta e seus elementos (ROCHA, 2016; PRADO,
2018).
• Nexo de causalidade.
• Imputação objetiva do resultado (GRECO, 2013).
• Antijuridicidade, sobretudo os tópicos relativos à distinção entre antijuridicidade formal e
material (SANTOS, 2018, p. 74).
• Culpabilidade, sobretudo os tópicos relativos aos critérios limitadores negativos desse
instituto, na perspectiva tratada, por Juarez Tavares (2018,
p. 437 e segs.), e sobretudo os tópicos relativos às teorias sobre culpabilidade pela
personalidade do autor (STOCO, 2014) e sobre culpabilidade e medida da pena (STOCO,
2019), bem como as notas principais e mais importantes sobre os conceitos político-criminais
do chamado direito penal de autor (ZAFFARONI et al., 2017, p. 131 e segs.).
• Teoria da pena, sobretudo os tópicos relativos aos fundamentos dos modelos legitimadores da
pena (ZAFFARONI et al., 2017, p. 114 e segs.), especificamente no que toca
às teorias preventivas – com ênfase especial − e às teorias retributivas).

Como o tema é objeto recorrente de debates jurisprudenciais, também


analisaremos aqui os julgados mais relevantes de ambos os Tribunais
Superiores (STJ e STF) que discutem nosso objeto de estudo, apontando as
devidas críticas doutrinárias e a correção ou incorreção dos precedentes.

2. Fundamentos

Conceituar a insignificância não é tarefa fácil. Inexiste, por exemplo,


qualquer previsão legal de sua existência ou de como, efetivamente,
deve funcionar na teoria do fato punível. Esta é uma das principais críticas
dirigidas ao princípio da bagatela por aqueles que não se sentem confortáveis
em trabalhar com essa categoria jurídica. Não obstante, cabe mencionar,
a título de crítica doutrinária, que parcela relevante da literatura tomará essa
posição despida de cabimento, já que, pela sua própria natureza – a
verificação empírica de ocorrência de um resultado abarcado pelo âmbito de
proibição da norma –, a insignificância não poderia estar prevista em diploma
normativo.  Para provas objetivas que não exijam do candidato uma postura
mais aprofundada, fiquemos com a possibilidade de apontar a falta de

Curso Ênfase © 2022 3


previsão expressa como um possível problema, ao qual a doutrina, entretanto,
tende a não aderir. Assim, estabelece-se dissenso.

Um ordenamento jurídico-penal que pretendesse resolver o


problema da criminalidade de bagatela já no âmbito do direito
substantivo deveria, para isso, incluir na parte geral (conforme a
regulação do Código Penal da República Democrática Alemã)
os critérios do conceito material de delito e o conceito de adequação
social e, com isto, converter aqueles ou este em um filtro geral para
cada ato típico (ZIPF, 1979, p. 106).

Vale mencionar, porém, que o texto inicial do Projeto


de Lei nº 236/2012, em trâmite no Senado Federal, optou por incluir
expressamente a insignificância na parte geral. Afirma o § 1º do art. 28 do
citado projeto que “Também não haverá fato criminoso quando
cumulativamente se verificarem as seguintes condições: a) mínima
ofensividade da conduta do agente; b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade
do comportamento; c) inexpressividade da lesão jurídica provocada”. O
próprio Claus Roxin (2002, p. 47), a quem se atribui a origem próxima das
formulações teóricas relativas ao princípio da insignificância, não a
conceituou inicialmente, limitando-se a explicá-la por exemplos.

Existe controvérsia séria a respeito da origem própria da insignificância. A


maioria dos autores tende a repetir uma origem remota no direito romano,
fundamentada no brocardo latino minima non curat praetor (o pretor
– juiz – não se ocupa de ninharias). Essa observação pode ser levada para as
provas, já que a maioria esmagadora das bancas examinadoras dos mais
diversos certames tende a também adotar essa linha de pensamento. Deve-
se ter em mente, entretanto, que algumas pesquisas sérias demonstram que
não há no direito romano qualquer evidência da relação desse brocardo com
a atividade dos juízes (SILVA, 2004, p. 87). Em uma prova subjetiva na qual
haja espaço para demonstrar conhecimento, enriquecer a resposta com essa
informação poderá fazer a diferença na pontuação final do candidato, sem,
entretanto, que se descuide da já citada posição doutrinária
quantitativamente majoritária.

Roxin (2002, p. 47) ensinava que:

Curso Ênfase © 2022 4


o princípio da insignificância (...) permite excluir logo de plano
lesões de bagatela da maioria dos tipos: maus-tratos são uma lesão
grave ao bem-estar corporal, e não qualquer lesão; da mesma
forma, é libidinosa no sentido do Código Penal só uma ação sexual
de alguma relevância; e só uma violenta lesão à pretensão de
respeito social será criminalmente injuriosa. Por violência não se
pode entender uma agressão mínima, mas somente a de certa
intensidade, assim como uma ameaça deve ser sensível, para
adentrar no marco da criminalidade.

De toda forma, o núcleo dessa formulação teórica consiste em excluir do


âmbito de incidência do direito penal toda conduta que, por sua lesividade
ínfima, não culmine em lesão relevante à estrutura ou à estabilidade de um
bem jurídico protegido pela norma incriminadora; ou, ainda, toda conduta que,
nada obstante causadora de uma grave ofensa a um bem jurídico, por
minimamente violadora de um dever jurídico objetivo de cuidado (conduta
culposa levíssima), não legitime, pelo princípio da proporcionalidade, a
punição criminal de seu autor/agente ativo. 

Os fundamentos dessa postura teórica já estavam presentes em autores


como Cesare Beccaria (1997), como a noção de que, para incidir pena, é
preciso lesividade relevante:

A exata medida dos delitos é o dano causado à sociedade. Eis aí


uma dessas verdades que, embora evidentes para o espírito menos
perspicaz, mas ocultas por um concurso singular de circunstâncias,
só serão conhecidas de um pequeno número de pensadores em
todos os países e em todos os séculos.

Essa noção também é identificada em Jean Paul Marat, “É equitativo que as


penas sejam sempre proporcionais aos delitos” (2000, p. 78), em
Giandomenico Romagnosi e Anselm von Feuerbach, que afirmam: “Quanto
maior for a perigosidade da ação, para a situação jurídica, maior será a
punibilidade” (1989, p. 113-114). O próprio Beccaria também menciona
diretamente a necessidade de haver “uma proporção entre os delitos e as
penas”, dizendo ainda que “a única e verdadeira medida dos delitos é o dano
provocado à nação” (1997, p. 50-52; 54).

Curso Ênfase © 2022 5


Podemos, na sistematização seguinte, conferir as principais fundamentações
do princípio da insignificância que, apontadas pela doutrina especializada,
costumam ser cobradas nos mais diversos certames:

• Decorrência do princípio da isonomia.

• Decorrência do princípio da reserva legal/


lesividade.
Fundamentos do princípio da
insignificância • Decorrência do princípio da intervenção
mínima.

• Decorrência do princípio da humanidade/


da proporcionalidade/da razoabilidade.

Atenção!

Embora não haja previsão expressa do princípio da insignificância


na Constituição Federal, é possível perceber que ele decorre
diretamente de vários outros princípios constitucionais, como a
isonomia. Dessa forma, é possível dizer que, implicitamente/
tacitamente, o princípio da insignificância guarda um fundamento
constitucional indireto.

2.1. Decorrência do princípio da isonomia

Como decorrência do princípio da isonomia, a insignificância atua como um


corretor de irracionalidades e um promotor de igualdade material. A
igualdade formal é garantida pela norma (e pelo brocardo “todos aqueles que
praticarem a conduta proibida estarão sujeitos às suas penas”), cedendo
espaço à igualdade material (pelo brocardo “os diferentes serão tratados à
medida de suas diferenças”). 

Curso Ênfase © 2022 6


Dessa forma, o princípio da igualdade (visto sob o viés da isonomia) atua,
portanto, no sentido de distinguir situações concretas que, embora recebam
o mesmo tratamento legal, não são efetivamente idênticas (FAGUNDES,
2019, p. 45). É aqui, assim, que tem aplicabilidade o princípio da
insignificância como um corretor de irracionalidades.

Imaginemos os seguintes exemplos a partir do delito de furto simples, que


encontra tipificação no art. 155 do Código Penal (CP):

Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena − reclusão, de um a quatro anos, e multa.

PRIMEIRA HIPÓTESE SEGUNDA HIPÓTESE

João subtrai, para si, coisa alheia Paulo subtrai, para si, coisa alheia
móvel de Pedro. O objeto da móvel de Bruno. O objeto da
subtração possuía valor econômico subtração possuía valor econômico
aproximado de R$2,00. aproximado de R$12.000,00.

Percebamos que, do ponto de vista formal/legal, a criminalização pelo furto


incidirá indistintamente sobre João e Paulo, posto que ambos realizaram a
mesma conduta típica. Materialmente, entretanto, as situações são
completamente desiguais. No primeiro caso, a lesão causada ao bem jurídico
protegido foi praticamente nula, quando comparada com a agressão
ocasionada no segundo exemplo.

2.2. Decorrência do princípio da reserva legal/da lesividade

O princípio da lesividade, como se sabe, tem por mérito a introdução do


conceito de bem jurídico no direito penal, que redundará no chamado
princípio da alteridade e na necessidade de “considerar o outro” no direito
penal, sob pena de construir um sistema de direito penal de autor e não
de ato/fato. Esse desvio seria incompatível com qualquer Estado
Democrático de Direito que pretenda garantir liberdades públicas e direitos
fundamentais. Esse postulado, em suma, proíbe a incriminação e a imposição

Curso Ênfase © 2022 7


de penas a condutas que gerem lesão irrelevante ao bem jurídico tutelado
pela norma penal.

A lesividade, que pode ser analisada sob duas vertentes específicas,


fundamentará o princípio da insignificância. A primeira vertente, de natureza
qualitativa, diz respeito à natureza do bem jurídico tutelado; a segunda, de
natureza quantitativa, diz respeito à extensão da lesão suportada pelo bem
jurídico tutelado. 

• Natureza qualitativa: relaciona-se com a


qualidade especial de um determinado
bem jurídico, independentemente da
graduação da lesão concreta.
Vertentes de análise da lesividade
• Natureza quantitativa: relaciona-se com
a graduação da lesão concreta do bem
jurídico, independentemente da natureza
especial do ente.

Atenção!

De maneira geral, a insignificância é a expressão de uma não


afetação à vertente quantitativa do princípio de lesividade. A
natureza qualitativa também produzirá efeitos nesse tema: quando
da análise da jurisprudência, perceber-se-á, por exemplo, que, em
razão da qualidade de certos bens jurídicos (como os decorrentes
da tutela direta do interesse público), independentemente da
extensão da lesão que sofram, não será admitida a insignificância
na visão dos tribunais superiores.

Note-se o fato de que, não sem uma forte crítica doutrinária, na jurisprudência
dos tribunais superiores, se admite que a análise sobre o cabimento ou a
falta de cabimento da insignificância diga respeito não somente à
graduação concreta de uma lesão ao bem jurídico (por exemplo, o nível de

Curso Ênfase © 2022 8


afetação econômica de um patrimônio após a prática do furto, que poderá
variar de acordo com cada fato praticado), mas também à natureza de
certos bens (por exemplo, os bens jurídicos que se relacionem direta ou
indiretamente com a tutela da probidade administrativa). Essa é a postura que
deve ser levada para a grande maioria das provas, sobretudo as objetivas,
que não costumam realizar uma problematização substancial desse tópico.
Em provas discursivas e/ou orais, entretanto, para demonstrar conhecimento
e buscar o máximo de pontuação possível, o candidato poderá se destacar ao
mencionar ponderações da literatura.

Interessa-nos aqui que:

do ponto de vista quantitativo (extensão da lesão do bem jurídico), o


princípio da lesividade exclui a criminalização primária ou
secundária de lesões irrelevantes de bens jurídicos. Nessa medida,
o princípio da lesividade é a expressão positiva do princípio da
insignificância em Direito Penal: lesões insignificantes de bens
jurídicos protegidos, como a integridade ou saúde corporal, a
honra, a liberdade, a propriedade, a sexualidade etc., não
constituem crime (SANTOS, 2018, p. 27-28 − grifos nossos).

2.3. Decorrência do princípio da intervenção mínima

O princípio da intervenção mínima, característica de um sistema de direito


penal de um Estado Democrático de Direito, em linhas gerais, reconhece no
exercício do poder punitivo a expressão mais gravosa e mais violenta de
uma agressão, legitimada ou não legitimada, aos direitos fundamentais
individuais, fruto do exercício da soberania estatal frente ao soberano. Essa
postura teórica permite dizer, portanto, como Karl Binding, que “a legislação
penal não encerra um sistema exaustivo de proteção de bens jurídicos, mas
um sistema descontínuo de ilícitos” (LUISI, 2003, p. 40). A intervenção
mínima, assim, integra a própria noção político-criminal de um sistema de
repressão penal; tanto mais fortalecido e dogmaticamente estruturado seja
com base nesse princípio, mais compatível estará com os pressupostos
políticos do Estado Democrático de Direito (BATISTA, 2011, p. 85).

Curso Ênfase © 2022 9


A intervenção mínima, dessa forma, estatui o postulado da necessidade no
direito penal e fundamenta o princípio da insignificância como expressão de
desnecessidade de intervenção. 

Essa perspectiva, conforme se verá, é reconhecida expressamente pela


parcela majoritária da jurisprudência dos Tribunais Superiores. 

2.4. Decorrência do princípio da humanidade/da proporcionalidade/da


razoabilidade

Partindo da premissa segundo a qual “a criminalização alcança um limite de


irracionalidade intolerável quando o conflito sobre cuja base opera é de
lesividade ínfima, ou quando, não o sendo, a afetação de direitos nele
envolvida é grosseiramente desproporcional à magnitude da lesividade do
conflito” (ZAFFARONI, 2002, p. 494), também será possível afirmar que o
princípio da insignificância decorre do princípio constitucional da
proporcionalidade.

Essa análise deverá recair, apropriadamente, no âmbito do terceiro princípio


parcial da proporcionalidade (proporcionalidade em sentido estrito), por
meio do qual será realizado, para além do juízo de adequação (primeiro
princípio parcial da proporcionalidade) e da necessidade (segundo princípio
parcial), um juízo de sopesamento entre a gravidade da conduta praticada e a
severidade da reação que o ordenamento jurídico imporá ao autor do fato
punível.

Vejamos na seguinte sistematização como se dará a localização da


insignificância no âmbito do princípio da proporcionalidade:

Curso Ênfase © 2022 10


Princípio parcial da adequação: a
criminalização de uma conduta é
idônea para a tutela do bem
jurídico? Nesse primeiro ponto de
análise, ganha destaque a aferição
da idoneidade ou da inidoneidade
da criminalização para atingir os
fins propostos. Cuida-se de uma
materialização do princípio da
idoneidade, não se relacionando,
portanto, com um fundamento do
princípio da insignificância.

Princípio parcial da necessidade:


a criminalização de uma conduta é
necessária para a tutela do bem
jurídico? Nesse segundo ponto de
análise, ganha destaque a aferição
da existência ou inexistência de
meios menos gravosos de
solução de conflito igualmente
aptos (idôneos) a atingir os fins
Princípio da proporcionalidade propostos. Cuida-se de uma
materialização do princípio da
intervenção mínima, não se
relacionando, portanto, com um
fundamento do princípio da
insignificância.

Curso Ênfase © 2022 11


Princípio parcial da
proporcionalidade em sentido
estrito: justifica-se a criminalização
de uma conduta, além de ser a)
idônea e b) necessária à tutela de
um bem jurídico, concretamente,
tendo em vista a gravidade da
sanção criminal que recairá sobre o
agente? Nesse terceiro ponto de
análise, ganha destaque a aferição
da existência ou inexistência de
uma proporcionalidade entre o
fato punível e a pena que incide
sobre o seu autor. Cuida-se,
portanto, do fundamento do
princípio da insignificância.

2.5. Infração bagatelar própria e infração bagatelar imprópria

Para parcela da literatura, será necessário distinguir a infração bagatelar


própria da infração bagatelar imprópria. 

Atenção!

A distinção já foi cobrada diversas vezes em inúmeros certames das


carreiras jurídicas, tanto em provas objetivas quanto em provas
subjetivas – discursivas e/ou orais −, merecendo atenção. 

A infração bagatelar própria, fruto do princípio da insignificância tal como


estudamos até agora, teria, resumidamente, a seguinte característica:

• Atuará no âmbito da tipicidade material; consequentemente, impede a configuração do


delito.

Curso Ênfase © 2022 12


Já a infração bagatelar imprópria, fruto do assim chamado princípio da
irrelevância penal do fato, teria, resumidamente, a seguinte característica:

• Atuará no âmbito da punibilidade; consequentemente, não impede a configuração do


delito. O fato é típico, antijurídico e culpável, e sobre ele paira punibilidade. A
irrelevância penal do fato, assim, circunscreve-se a uma circunstância posterior à ocorrência
do crime como uma cláusula de dispensa de pena. Por exemplo, citamos o perdão judicial
(art. 107, IX, CP) e a extinção de punibilidade decorrente da reparação do dano antes da
sentença penal irrecorrível no peculato culposo (art. 312, § 3º, CP). 

INFRAÇÃO DE BAGATELA INFRAÇÃO DE BAGATELA


PRÓPRIA IMPRÓPRIA

Prejudicará o estabelecimento da
punibilidade, atuando, geralmente,
Prejudicará o estabelecimento da
como uma causa de dispensa/
tipicidade material, atuando como
desnecessidade da pena.
uma causa de exclusão
Consequentemente, haverá o
supralegal, impedindo,
estabelecimento e a configuração
consequentemente, o
de um fato punível, somente não
estabelecimento e a configuração
incidindo sobre seu autor a sanção
de um fato punível.
criminal prevista em lei, porquanto
desnecessária ou irracional.

Essa distinção, divulgada na doutrina brasileira por meio de um texto datado


de 2001 e publicado no boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais −
IBCCRIM (GOMES, 2001, p. 2), parte da premissa de que o princípio da
irrelevância penal do fato, que dará origem à infração bagatelar imprópria,
soma ao requisito objetivo da insignificância um de ordem subjetiva, relativa a
um “baixo desvalor da culpabilidade”, apto a eliminar o caráter preventivo da
pena e, por isso, a ocasionar a exclusão da punibilidade. 

Curso Ênfase © 2022 13


INFRAÇÃO DE BAGATELA
INFRAÇÃO DE BAGATELA PRÓPRIA
IMPRÓPRIA

Há, além de um baixo desvalor do


Há um baixo desvalor do resultado
resultado produzido, um “baixo
produzido.
desvalor da culpabilidade”.

Atenção!

Já mencionamos no início do tópico que a distinção apresentada


entre bagatela própria e bagatela imprópria deve ser estudada e
memorizada pelo candidato, porque tende a ser objeto de interesse
de inúmeras bancas examinadoras. Em provas objetivas, portanto,
não se discute que uma questão que cobre esses delineamentos,
da forma como expusemos no texto, deve ser entendida por
correta.

Entretanto, com vistas também às provas subjetivas, vale aprofundar


ligeiramente o estudo com uma crítica doutrinária apontada por alguns setores
da literatura nacional e internacional. Sugerimos que a crítica apresentada
seja utilizada como forma de construir o raciocínio jurídico e fortalecer as
bases do pensamento, mas reiteramos a recomendação para que, em provas
objetivas, seja utilizada a possibilidade de se falar em infração bagatelar
própria e infração bagatelar imprópria da maneira como trabalhamos, posto
muito difundida entre a maioria das bancas examinadoras.

Curso Ênfase © 2022 14


Com relação à cobrança dessa distinção em algumas provas de concurso, a
despeito de sua repetição acrítica por grande parte da doutrina bem como do
respeito devido ao divulgador dessa maneira de ver na literatura jurídica
brasileira, essa formulação teórica se mostraria completamente incompatível
com as formulações tradicionais do princípio da insignificância, pois assim se
misturariam diversos aspectos de diversas categorias da parte geral, como a
tipicidade, a culpabilidade, a punibilidade, a teoria preventiva da pena e
outras. Norteia essa concepção a ideia de funcionalização da culpabilidade
pela prevenção, que gerará, na obra de Claus Roxin, a categoria da
“responsabilidade”.

Além disso, como estudaremos a seguir, a jurisprudência do STF já adiciona,


mesmo na insignificância própria (aquela a atuar no âmbito da exclusão da
tipicidade material do fato punível), inúmeros requisitos subjetivos, como a
“periculosidade social da ação”, a possibilidade de negar aplicação à
insignificância em casos de réu multirreincidente, com alta “reprovabilidade
social” etc. Assim, é possível dizer que, diferentemente do que apresentou a
doutrina idealizadora da insignificância imprópria, a adição de
considerações de ordem não objetiva não é uma característica exclusiva
(menos ainda utilizável como um critério distintivo) da infração de bagatela
imprópria.

Por fim, registre-se que, na formulação original (JUSTUS, 1976 apud DEU,
1991, p. 23), a distinção entre insignificância própria e imprópria não
guardava relação com o que hoje se repete na literatura. Lá, a
insignificância própria seria configurada no âmbito da criminalização
primária, quando fossem criminalizadas condutas que, abstratamente, já se
consubstanciariam em pequenas e irrelevantes violações a bens jurídicos –
no Brasil, nessa lógica, seriam insignificâncias próprias as contravenções
penais. A insignificância imprópria, a seu turno, seria representada pelo que
hoje se conhece por insignificância própria, no âmbito, portanto, da
criminalização secundária, ou seja, a imposição de uma pena em sentido
concreto frente a um fato punível determinado, levado a conhecimento e
julgado pelo magistrado com competência criminal. A afetação concretamente
irrelevante de um bem jurídico é abstratamente tutelada pela norma penal.

Curso Ênfase © 2022 15


2.6. Norma de regra ou norma de princípio?

Debate pouco trabalhado pela literatura brasileira, mas relevante e


interessante, é o a natureza da norma jurídica de insignificância. A postura
teórica quase unânime é no sentido de que a insignificância se consubstancia
em uma norma de princípio. Isso é facilmente verificado pela leitura de
qualquer manual ou livro jurídico mais completo, bem como é igualmente
verificável na maioria dos debates acadêmicos.

Atenção!

Dessa forma, é essa a posição que deve ser levada para as provas,
sobretudo no âmbito das avaliações objetivas. O aprofundamento
do tema – e o questionamento e eventual apontamento sobre a
natureza de uma norma-de-regra da insignificância – deve ficar
restrito à demonstração de conhecimentos, quando for possível, a
fim de tentar pontuar o máximo possível e de se destacar de outros
candidatos no âmbito das provas subjetivas, discursivas e orais.

É possível, entretanto, questionar se, de fato, a insignificância seria uma


norma de princípio ou uma norma de regra decorrente de princípios. O debate
será relevante, por exemplo, para discutirmos se será válida a decisão judicial
que deixa de aplicar a insignificância por ter realizado ponderação entre os
direitos fundamentais do réu e outros entes jurídicos, como o interesse do
Estado na persecução penal, um pretenso direito da coletividade a ver seu
direito penal aplicado, um pretenso direito subjetivo coletivo à punição etc.

Tradicionalmente, a ponderação se configura como uma técnica de resolução


de antinomias normativas de princípio, e pode envolver direitos fundamentais
ex ante igualmente válidos, mas que, concretamente, cedem espaço um ao
outro mutuamente. A norma da insignificância não parece se encaixar nesse
modelo, mas em uma estrutura mais próxima das estruturas de normas de
regras, que, tradicionalmente, não se ponderam.

A discussão, que ainda não foi objeto de cobrança em concursos


públicos, merece reflexão e diálogo interdisciplinar com o direito
constitucional e a metodologia jurídica. Em nível jurisprudencial, não se

Curso Ênfase © 2022 16


vislumbram precedentes relevantes que tenham abordado a questão
textualmente, embora materialmente os julgados divirjam. Muitos precedentes
tendem a trabalhar a insignificância como uma pura aferição objetiva de lesão
ao bem jurídico tutelado pela norma penal. Outros, entretanto, realizam
sopesamento dessa objetividade com diversas categorias de interesses
jurídicos em jogo.

3. Posição sistemática dentro da teoria do fato punível

Ao longo da história dogmática do princípio da insignificância, distintas foram


as suas inserções dentro da teoria do delito. Poderemos, tranquilamente,
dizer que ela já foi extraída, direta ou indiretamente, de todas as
categorias do crime. Atualmente, entretanto, como se sabe e como se
esmiuçará mais adiante, a posição amplamente dominante na doutrina e na
jurisprudência é de situá-la no âmbito da tipicidade material do fato.

Vejamos a sistematização sucinta feita a seguir, que nos traz as diversas


possibilidades teóricas de trabalhar a insignificância:

Curso Ênfase © 2022 17


1 – Insignificância como excludente
de tipicidade (majoritária e atual):

Possibilidades: 

a) Causa de exclusão supralegal de


tipicidade material.

b) Causa de adequação social da


conduta.

c) Critério de imputação objetiva.

2 – Insignificância como excludente


de ilicitude:

Possibilidade: uma causa de


inexistência de antijuridicidade
material.

História da insignificância dentro da


teoria do delito

Curso Ênfase © 2022 18


3 – Insignificância como critério
limitador da culpabilidade:

Possibilidade: utilização de um
baixo desvalor do resultado para
limitar a graduação da culpabilidade
e, por via de consequência, reduzir
a pena.

3.1. Insignificância como excludente de tipicidade material

É a postura praticamente unânime, tanto na doutrina quanto na


jurisprudência atuais, no Brasil e no exterior, devendo ser privilegiada tanto
no estudo quanto na realização das provas dos mais diversos certames.

Curso Ênfase © 2022 19


Trabalhada a insignificância como decorrência dos princípios já citados,
sobretudo da lesividade, é pertinente a alocação da categoria na tipicidade
material, tendo em vista que aqui é, de regra, o estrato da teoria do fato
punível em que se realizará o juízo de afetação do bem jurídico e do
âmbito das ações (formal e materialmente) proibidas pelo ordenamento.

a) Insignificância e adequação social

Embora essas duas categorias jurídicas, quando tratadas no âmbito da


exclusão da tipicidade, possam se assemelhar em muitos aspectos, elas não
devem ser confundidas. A adequação social incidirá sobre hipóteses nas quais
a conduta praticada pelo sujeito, embora possa se adequar à tipicidade formal
e, eventualmente, até gerar lesão relevante a um bem jurídico protegido pela
norma penal. A adequação será considerada materialmente atípica por ser
inerente ao convívio social, podendo, inclusive, se traduzir em conduta
aceitável ou fomentada. A insignificância, entretanto, guarda correlação com a
inexpressividade de uma lesão a bem jurídico, independentemente da
aceitabilidade social da ação.

Enquanto, assim, a adequação social decorre da aceitabilidade ou do


fomento da conduta, a insignificância decorre da falta de justificativa para
se recorrer ao exercício do poder punitivo, posto desproporcional ao caso
concreto, embora o fato não seja socialmente fomentado nem faça parte do
convívio ordinário da sociedade.

Poderemos, então, sistematizar essas ideias da seguinte forma:

Curso Ênfase © 2022 20


PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

• Fundamenta-se no baixo desvalor da • Fundamenta-se no baixo desvalor do


ação. resultado.

• Cuida-se de uma categoria incidente


• Cuida-se de uma categoria incidente sobre uma conduta que não é inerente
sobre uma conduta inerente ao convício ao convívio social, mas causa tão pouco
social. dano que não merece a reação do poder
punitivo.

• Fundamento nos princípios da


intervenção mínima, da
• Fundamento na tolerância social de
proporcionalidade, da dignidade da
uma conduta.
pessoa humana, da desnecessidade da
pena, entre outros.

Vejamos os seguintes exemplos:

• Exemplo 01: uma mãe perfura as orelhas de sua bebê recém-nascida para colocar brincos,
independentemente de seu consentimento expresso. Cuida-se de uma conduta com baixo
desvalor de ação, inerente ao convívio social e com alta tolerância social. Assim, será
abrangida pelo princípio da adequação social, não sendo legítima a incriminação pelo delito
de lesão corporal (art. 129 do CP).
• Exemplo 02: um determinado sujeito, maior e capaz, subtrai de um terceiro uma folha de
caderno em branco, objeto sem qualquer conversibilidade econômica. A
subtração tem um baixo desvalor do resultado (pois a lesão ao patrimônio alheio foi mínima,
irrisória, írrita, nenhuma, irrelevante, insignificante), porém, não é inerente ao convívio
social e tampouco é produto de uma tolerância social. Entretanto, em razão da manifesta
desproporcionalidade entre o fato e a pena a ser aplicada, e tendo em vista o princípio
da intervenção mínima do direito penal, não será legítima a incriminação pelo delito de
furto (art. 155 do CP), sendo abrangido o fato pelo princípio da insignificância e não da
adequação social.

Curso Ênfase © 2022 21


3.2. Insignificância como critério de imputação objetiva

Essa perspectiva, apesar de adotada por alguns autores, não é majoritária,


embora esteja correta. Na ampla maioria das provas será cobrada a
insignificância como um critério de exclusão supralegal da tipicidade
material. Situá-la no campo da imputação objetiva, embora dogmaticamente
não cause problemas, deve ficar restrito ao âmbito das provas discursivas e/
ou orais, nas quais seja possível demonstrar um maior conhecimento acerca
da teoria aprofundada do direito penal, para alcançar a maior pontuação
possível e, eventualmente, destacar-se frente a outros candidatos para a
banca examinadora.

Pode também ser incluída no âmbito da ausência de criação ou


de aumento de risco a insignificância da lesão jurídica, a qual
deriva do que se convencionou chamar de princípio da
insignificância. A aplicação do princípio da insignificância acerca
da contribuição causal. O que se convencionou chamar de
princípio da insignificância constitui uma forma de interpretação da
norma proibitiva que visa a excluir do âmbito da tipicidade, mais
precisamente, do processo de imputação, aquelas condutas que
produzem resultados inestimáveis para a lesão ou o perigo de lesão
do bem jurídico. Nessa modalidade de conduta, a contribuição
causal para o fato não é apreciada empiricamente, mas em
conjugação com um juízo acerca da alteração sensível da realidade,
traduzida como afetação do bem jurídico, portanto, também ex post
(TAVARES, 2018, p. 238 − grifos nossos).

3.3. Insignificância como excludente de antijuridicidade

Trata-se de postura doutrinária praticamente desconhecida no Brasil e,


portanto, minoritária no âmbito da literatura e da jurisprudência,
raramente cobrada nas provas de concursos. Conta com alguns poucos
adeptos ao longo do tempo e estatui que o princípio da insignificância
somente atuará no âmbito da tipicidade material quando não seja vislumbrada
nenhuma afetação ao bem jurídico tutelado, por menor que seja. Assim, aqui
e somente aqui a insignificância estaria fundamentada no princípio da

Curso Ênfase © 2022 22


lesividade. Em casos nos quais seja possível vislumbrar alguma lesão ao bem
jurídico, ainda que irrelevante, a insignificância atuará no âmbito da
antijuridicidade, excluindo-a. Não será fundamentada na lesividade
(resguardada para os casos de nenhuma afetação), mas, na verdade, no
baixo desvalor da contradição entre a conduta típica e o ordenamento jurídico
(DALBORA, 1996, p. 76).

Nessa maneira de ver, portanto, teríamos:

INSIGNIFICÂNCIA COMO UM INSIGNIFICÂNCIA COMO UM


CRITÉRIO DE EXCLUSÃO DE CRITÉRIO DE EXCLUSÃO DA
TIPICIDADE MATERIAL ANTIJURIDICIDADE MATERIAL

Existência de uma baixa e


irrelevante – mas, ainda assim,
Inexistência de afetação ao bem existente – afetação ao bem
jurídico. Fundamento no princípio jurídico. Fundamento no baixo
da lesividade. desvalor da contradição entre a
conduta típica e o ordenamento
jurídico. 

Não é uma postura teórica compatível com o atual esquadro do direito


penal brasileiro, pois se fundamenta numa concepção de antijuridicidade
material (de pura lesividade intrínseca do injusto penal) versus
antijuridicidade formal (tributária do princípio da legalidade e do respeito legal
ao âmbito das proibições), premissa adotada por autores causalistas e
destoantes do direito penal democrático.

Atenção!

Para além disso, essa formulação se mostra violadora do princípio


da segurança jurídica, pois não traz quaisquer critérios seguros para
distinguir fortemente a inexistência de uma lesão ao bem jurídico
tutelado de uma lesão existente, porém irrelevante. 

Curso Ênfase © 2022 23


Imaginemos o seguinte exemplo: X, mendigo, subtrai de Z,
milionário, uma nota de R$2,00. Ele incorre, portanto, na tipicidade
formal do delito de furto (art. 155, CP). 

Vale questionar: essa subtração a) não causa nenhuma lesão ao


patrimônio de Z, ou b) causa uma lesão irrelevante? Você pode
responder de maneira distinta a essas questões, com ambas
perspectivas sendo admissíveis. Tendo em vista que o direito penal
deve ser pautado, entretanto, por critérios de maximização da
segurança jurídica, a adoção de fronteiras tão tênues deve ficar
alheia aos processos de criminalização.

3.4. Insignificância como possível critério na culpabilidade

Alguns autores modernos buscam, no trato sobre a culpabilidade, trabalhar os


seus critérios limitadores. Nessa perspectiva, há tentativas de realizar uma
valoração da extensão do dano imposto ao bem jurídico para, ao fim, excluir a
culpabilidade do sujeito. Não se trata, especificamente, de uma aplicação do
princípio da insignificância, embora materialmente o juízo seja muito próximo.

Não se trata da posição dominante na doutrina e na jurisprudência, conforme


já tivemos a oportunidade de mencionar.

Nesse sentido, a medida da culpabilidade deve levar em conta não


apenas o que resulte de um juízo de valor sobre a capacidade do
agente, mas ainda o que ficou assentado na afirmação do fato típico
e antijurídico, consoante a intensidade da lesão do bem jurídico.
Há que se vincular, assim, a culpabilidade ao princípio da
proporcionalidade que é inerente à relação entre conduta e
resultado. A partir da consideração da grandeza do resultado
, pode-se fazer uma análise da proporção entre o dano causado e
sua avaliação jurídica. Pequenos danos que geram pequenas
lesões de bem jurídico, ainda que não se incluam no princípio da
insignificância e, assim, eliminem o próprio injusto, podem gerar a
eliminação ou atenuação da culpabilidade, que lhe será
correspondente (TAVARES, 2018, p. 442 − grifos nossos).

Curso Ênfase © 2022 24


4. A jurisprudência e sua crítica

A partir daqui, iniciaremos a exposição de alguns dos principais julgados dos


Tribunais Superiores sobre o princípio da insignificância e os seus aspectos
substanciais. Um aviso se faz necessário: os julgados expostos configuram a
posição predominante no âmbito do STF e do STJ. Não obstante, a doutrina
aponta, na maioria deles, uma plêiade enorme de argumentos pelos quais
estes estariam doutrinariamente incorretos.

Dessa forma, recomendamos que, nas provas, seja considerada a posição


dos Tribunais Superiores , independentemente da crítica
doutrinária, cuja exposição nesta unidade busca aprimorar o seu raciocínio
técnico-jurídico e dar substrato para, em eventual prova subjetiva e/ou oral,
demonstrar conhecimentos adicionais à resposta-padrão.

4.1. Insignificância como causa supralegal de exclusão da tipicidade material

(...) Furto. Caixas de Bombom avaliadas em R$ 96,00. Princípio da


insignificância. Incidência. Causa supralegal de exclusão da tipicidade
material. Observância, na espécie, dos vetores que caracterizam o fato
insignificante (RTJ 192/963-964, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.). Doutrina.
Precedentes. Alegada habitualidade delitiva. Existência de procedimentos
penais contra o paciente, arquivados ou em curso, nos quais ainda não se
registrou condenação penal com trânsito em julgado. Situação que não basta,
só por si, para afastar o reconhecimento, no caso, do “delito de bagatela”.
Incidência, em tal hipótese, da presunção constitucional de inocência (CF, art.
5º, LVII). Precedentes. “Habeas Corpus” deferido (...). (STF, HC nº 145.406,
rel. Min. Celso de Mello, DJ 31.08.2017, DJe 04.09.2017, grifos nossos).

Percebe-se que, no precedente citado, o relator, Min. Celso de Mello, adotou


a perspectiva segundo a qual a insignificância pode ser trabalhada como uma
causa supralegal de exclusão da tipicidade material. Com relação ao
amparo jurisprudencial e doutrinário relativamente majoritário nesse aspecto,
parece, no mais dos casos, desnecessária a ideia de tratar a inexistência de
lesão relevante a bem jurídico (no caso, uma lesão irrelevante ao patrimônio
do ofendido) como uma “causa supralegal”, já que essa análise não
necessariamente está “acima da lei”. Na verdade, esse é um problema que
está fora do âmbito de incidência da lei. A verificação da lesão relevante ao

Curso Ênfase © 2022 25


bem jurídico é um problema a ser aferido sempre no caso concreto e nunca
“previsto” ex ante em um diploma legislativo.

4.2. Insignificância como atipicidade material e não como impunibilidade em


sentido estrito

No Habeas Corpus nº 98.152/MG, o STF estabelece, em conformidade com a


doutrina, que a absolvição do imputado pelo princípio da insignificância atua,
de fato, no âmbito da tipicidade material, e não no da punibilidade. Vejamos
um trecho do voto do Min. Celso de Mello, relator do writ mencionado (fls. 14
do voto do relator) nesse sentido:

Como anteriormente referido, “(...) o princípio da insignificância – que deve ser


analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da
intervenção mínima do Estado em matéria penal − tem o sentido de excluir ou
de afastar a própria tipicidade penal, examinada esta na perspectiva de seu
caráter material (...)”, razão pela qual, como bem sustentou a Defensoria
Pública da União, a concessão da ordem de “habeas corpus”, pelo E.
Superior Tribunal de Justiça, deveria ter conduzido, necessariamente, “(...)
à absolvição do acusado em razão da ausência de crime e não à mera
extinção da punibilidade dos fatos praticados” (STJ – HC nº 98.152-6/MG,
rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. 19.05.2009).

No precedente anterior, percebe-se ainda que o mesmo relator, Min. Celso de


Mello, menciona a insignificância como causa de atipicidade material, sem,
entretanto, se referir a uma “causa supralegal”, como fez no julgado citado
anteriormente. 

A práxis jurisprudencial mostra ser vacilante (no sentido de volátil) o apego a


uma ou outra postura. Deve-se ter em mente que, em nível prático, há pouca
relevância nesse detalhe, tendo em vista que uma ou outra perspectiva
teórica (atipicidade supralegal ou atipicidade independentemente da
disciplina legal) acabará redundando no mesmo resultado: absolvição por
atipicidade da conduta, e não na inexistência de punibilidade (impunibilidade
em sentido estrito), como bem se menciona no precedente citado.

Curso Ênfase © 2022 26


4.3. Vetores jurisprudenciais de aplicação da insignificância no âmbito da
tipicidade material

(...) O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO


FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. –
O princípio da insignificância − que deve ser analisado em conexão com os
postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em
matéria penal − tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade
penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal
postulado − que considera necessária, na aferição do relevo material da
tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima
ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da
ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a
inexpressividade da lesão jurídica provocada − apoiou-se, em seu processo
de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do
sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele
visados, a intervenção mínima do Poder Público. (...) (STF, HC nº 94.809, rel.
Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 12.08.2008, DJe 24.10.2008).

O precedente anterior traz os famosos vetores ou critérios de aplicação


utilizados pela jurisprudência dos Tribunais Superiores. Em uma primeira
leitura, percebe-se que os critérios são, até certo ponto, tautológicos; cada um
deles diz substancialmente a mesma coisa já dita pelo anterior. Essa crítica é,
inclusive, repetida por grande parte da literatura (QUEIROZ, 2014, p. 89).

Para além disso, entretanto – e somente a título de desenvolver a aptidão do


raciocínio técnico-jurídico, sem, entretanto, deixar de considerar a posição
amplamente dominante no âmbito da jurisprudência como válido para as
provas dos mais diversos certames das carreiras jurídicas –, é necessário
aprofundar os estudos quanto à natureza jurídica desses vetores e
transcender o mero discurso dos tribunais (MACHADO, 2019). 

Atenção!

Os vetores mencionados estão absolutamente pacificados no


âmbito da jurisprudência dos Tribunais Superiores no Brasil.
A sua cobrança nas provas é corriqueira; seu questionamento
doutrinário, no âmbito da maioria esmagadora dos concursos, é

Curso Ênfase © 2022 27


muito pequeno. Dessa forma, orienta-se de maneira veemente que,
salvo nas avaliações em que for demandado do candidato um
raciocínio crítico aprofundado (ou, obviamente, nas provas
subjetivas em que seja possível demonstrar uma gama maior de
conhecimentos), estes sejam privilegiados e tidos como válidos.

Quanto ao primeiro vetor (mínima ofensividade da conduta do agente), não


há maiores críticas a serem feitas. De fato, para trabalhar a insignificância no
âmbito da tipicidade material, a análise da lesividade, da afetação relevante
ou irrelevante a um bem jurídico, é um critério adequado, pois é relativo à
tipicidade material, à tipicidade conglobante ou, ainda, à imputação objetiva
do resultado, na perspectiva de uma contribuição causal irrelevante para o
resultado típico.

Quanto ao segundo vetor (nenhuma periculosidade social da ação),


entretanto, é preciso incluir alguns questionamentos. O termo
periculosidade social da ação denota duas coisas possíveis: a) uma
transcendência difusa do injusto penal – que é necessariamente individual −,
para fazer crer que atinge, além daquele que efetivamente foi ofendido, a toda
a coletividade; trata-se de perspectiva completamente contradogmática, já
que o injusto é um todo global e unitário; b) uma mistura de critérios da
culpabilidade pela personalidade do autor (uma das principais características
de um direito penal autoritário) com a tipicidade. Assim, fica extremamente
confuso e sem lugar o segundo vetor jurisprudencial.

Não raramente há aqueles que afirmam, em doutrina, que o Estado seria


sempre ofendido na prática de qualquer crime. Haveria, assim, para todo e
qualquer fato punível, dois sujeitos passivos: a) sujeito passivo material,
imediato ou direto, o ofendido; b) sujeito passivo formal, mediato ou indireto, o
Estado. Essa postura teórica parte do princípio de que, uma vez infringida a
norma penal, existe uma infração em desfavor do Estado. Apesar de
retumbado acriticamente por muitos manuais e diversos textos, essa postura
não pode ser admitida. A ideia de que o Estado é titular de todos os bens
jurídicos, indistintamente (ainda que em nível indireto), remonta
necessariamente a sistemas políticos absolutistas de poder ilimitado do
soberano, completamente incompatível com um direito penal de caráter

Curso Ênfase © 2022 28


liberal, tal como o desenhado pela Constituição Federal de 1988 (CF/1988).
Há ainda problemas enormes de ordem dogmática para conceber o delito
como lesão a direito do Estado. Pergunta-se: que direito? De onde vem a
fundamentação para um direito punitivo do Estado, que transcenda a ideia de
um poder de matriz sociológica, expressão da soberania do ente político?
Para maior aprofundamento do tema, sugerimos a leitura de Batista (2011, p.
103 e segs.).

Quanto ao terceiro vetor (reduzidíssimo grau de reprovabilidade do


comportamento), este é igualmente problemático. A reprovabilidade é, desde
sempre, uma característica intrínseca ao juízo de culpabilidade como um juízo
pessoal de censura que incide sobre o agente que, podendo, não atuou
conforme a norma posta (BATISTA; NASCIMENTO, 2011). O problema aqui
reside, sobretudo, na ideia de se construir um critério subjetivo para aplicar ou
não a insignificância. Se é verdade que os Tribunais Superiores tendem a
tomar a bagatela como uma causa de atipicidade material, então todos os
vetores devem estar no âmbito de incidência da tipicidade material; essa
categoria é puramente objetiva. Não se vislumbra nesse léxico a presença de
critérios subjetivos. Assim, é dogmaticamente incorreta a menção
jurisprudencial a esse vetor.

Quanto ao quarto vetor (inexpressividade da lesão jurídica provocada),


retomam-se integralmente, porquanto igualmente pertinentes, os comentários
feitos sobre o primeiro vetor jurisprudencial.

4.4. Insignificância como critério de viabilização de uma política criminal de


direito penal mínimo e como concretização do princípio da intervenção mínima

(...) O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que


a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se
justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das
pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam
essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente
tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de
significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas
que produzam resultado cujo desvalor − por não importar em lesão
significativa a bens jurídicos relevantes − não represente, por isso
mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja

Curso Ênfase © 2022 29


à integridade da própria ordem social (...). (STF, HC nº 84.687, rel. Min.
Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 26.10.2004, DJe 27.10.2006, grifos
nossos).

Percebe-se, no precedente citado, que o STF tende a conceber o princípio


da insignificância como uma ponte entre a dogmática penal e um ideal
de política criminal de direito penal mínimo, como já fez, por exemplo,
Claus Roxin, no contexto de seu funcionalismo teleológico, dualista ou
racional, viabilizando essa conexão por meio do princípio da intervenção
mínima em suas diversas formulações.

Aqui, ao adotar uma perspectiva norteada pela teoria preventiva da pena (o


que, no âmbito da doutrina – sobretudo abolicionista e deslegitimadora do
poder punitivo –, poderá se tornar objeto de críticas severas, ainda será
minoritária no âmbito das bancas examinadoras), acerta o STF.

4.5. Insignificância como critério de individualização da pena

(...) 1. Inexistindo pronunciamento colegiado do Superior Tribunal de Justiça,


não compete ao Supremo Tribunal Federal (STF) examinar a questão de
direito discutida na impetração. 2. Em se tratando de crime de furto, a
aplicação do princípio da insignificância deve ser casuística, incumbindo ao
Juízo de origem avaliar, no caso concreto, a melhor forma de assegurar a
aplicação do princípio constitucional da individualização da pena,
examinando a possibilidade da incidência do privilégio previsto no art. 155, §
2º, do Código Penal, ou do reconhecimento da atipicidade da conduta, com
fundamento no princípio da bagatela (HCs nºs 123.734, 123.533 e 123.108,
Rel. Min. Luís Roberto Barroso). (...) (STF, HC nº 119.844 AgR, rel. Min.
Roberto Barroso, Primeira Turma, DJ 29.06.2018, DJe 06.08.2018 − grifos
nossos).

No precedente citado, percebe-se como, além de utilizar do princípio da


insignificância como uma ponte entre a dogmática penal e uma política
criminal pautada pelo princípio da intervenção mínima, o STF, através do
relator mencionado, Barroso, também se utiliza da categoria para realizar
uma ponte entre a teoria do fato punível e a teoria da pena, estabelecendo
a bagatela como um possível critério de individualização da sanção penal.

Curso Ênfase © 2022 30


Essa posição vem ganhando muito espaço no âmbito da jurisprudência, e
repetidamente tem sido objeto de cobrança nos concursos.

Atenção!

Não obstante essa posição consolidada no âmbito da jurisprudência


– que, por conta disso, merece ser privilegiada nos estudos e nas
avaliações –, para parcela da doutrina, essa postura é
dogmaticamente incorreta. A insignificância, como visto, trabalha no
âmbito da tipicidade material e, portanto, no âmbito da constituição
do injusto penal (como junção das categorias da tipicidade e da
antijuridicidade). A individualização da pena, a seu turno, não diz
respeito à teoria do fato punível, mas à teoria da pena, à teoria da
punição, e, portanto, à punibilidade, um predicado externo ao injusto
penal e externo à própria configuração do crime. Como já visto,
atipicidade e impunibilidade em sentido estrito (ausência de
punibilidade) são categorias que não se confundem, havendo
precedente do STF nesse sentido. Se uma conduta é insignificante,
então é atípica, e a ela não se deve dirigir qualquer penalidade.

4.6. Insignificância como critério de fixação de regime de cumprimento de


pena

(...) 2. Por maioria, foram também acolhidas as seguintes teses: (i) a


reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a
insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii)
na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a
aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal
enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá
ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a
incidência do art. 33, § 2º, “c”, do CP no caso concreto, com base no princípio
da proporcionalidade. (...) (STF, HC nº 123.108/MG, rel. Min. Luís Roberto
Barroso, Primeira Turma, julgado em 01.07.2014, Dje-148 01.08.2014).

Curso Ênfase © 2022 31


Mais uma vez mostra-se, na jurisprudência do STF, uma ligação entre a
teoria do fato punível e a teoria da pena. É uma posição também
estabelecida no âmbito jurisprudencial, merecendo destaque e destaque. Nas
provas, ela tenderá a prevalecer.

Para a parcela minoritária da doutrina, entretanto – tal como mencionamos no


tópico imediatamente anterior a este –, esse é mais um equívoco da Suprema
Corte, tendo em vista que ou uma conduta é insignificante
(consequentemente, sobre o seu autor não incidirá nenhuma pena, já que não
se trata de crime) ou não. É dogmaticamente incorreta a transposição do
princípio da insignificância de dentro da tipicidade para a punibilidade, embora
haja precedente nesse sentido.

4.7. Insignificância como critério de reconhecimento do privilégio do art. 155, §


2º, do Código Penal (CP)

Assim dispõe o art. 155, § 2º, CP: “Subtrair, para si ou para outrem, coisa
alheia móvel: (...) § 2º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa
furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la
de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. (...)”.

(...) 1. Inexistindo pronunciamento colegiado do Superior Tribunal de Justiça,


não compete ao Supremo Tribunal Federal (STF) examinar a questão de
direito discutida na impetração. 2. Em se tratando de crime de furto, a
aplicação do princípio da insignificância deve ser casuística, incumbindo ao
Juízo de origem avaliar, no caso concreto, a melhor forma de assegurar a
aplicação do princípio constitucional da individualização da pena,
examinando a possibilidade da incidência do privilégio previsto no art. 155, §
2º, do Código Penal, ou do reconhecimento da atipicidade da conduta, com
fundamento no princípio da bagatela (HCs 123.734, 123.533 e 123.108, Rel.
Min. Luís Roberto Barroso). (...) (STF, HC nº 119.844 AgR, rel. Min. Roberto
Barroso, Primeira Turma, DJ 29.06.2018, DJe 06.08.2018 − grifos nossos).

Cabe aqui também aqui uma crítica pontual, relembrando sempre que os
julgados apontados, independentemente das críticas feitas, consubstanciam
as posições mais estabelecidas no âmbito dos Tribunais Superiores e, por
conta disso, devem ser privilegiadas no estudo e nas avaliações. Se um fato é
insignificante, então ele é atípico e não configura crime. Dessa forma, não é

Curso Ênfase © 2022 32


passível de nenhuma punição, tendo em vista que o predicado da punibilidade
somente incide em um injusto penal (tipicidade + antijuridicidade) praticado
por sujeito culpável. Dessa forma, o furto insignificante não se confunde com
o furto de coisa de pequeno valor; o STF, no precedente ora citado, parece
ignorar essa diferença. Frise-se: o furto de coisa de pequeno valor, apto a
gerar a tipicidade do referido privilégio, não pode ser insignificante, senão
será atípico. Ele deve, necessariamente, transcender as fronteiras rígidas do
princípio da insignificância, aqui entendido como expressão do princípio da
intervenção mínima do direito penal.

4.8. Insignificância e reincidência

(...) 1. A jurisprudência desta Quinta Turma reconhece que o princípio da


insignificância não tem aplicabilidade em casos de reiteração da
conduta delitiva, salvo excepcionalmente, quando as instâncias ordinárias
entenderem ser tal medida recomendável diante das circunstâncias concretas
do caso, o que não se infere na hipótese em apreço, máxime por se tratar de
réu reincidente específico e ainda responder por diversos outros processos
criminais. Precedentes. 2. O simples fato de o bem haver sido restituído à
vítima, não constitui, por si só, razão suficiente para a aplicação do princípio
da insignificância. 3. Agravo regimental não provido (STJ, AgRg no AREsp. nº
1.553.855/RS, rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJ 19.11.2019, DJe
26.11.2019 − grifos nossos).

O precedente anterior representa a tendência dos Tribunais Superiores de


não afirmar abstratamente e peremptoriamente que a reincidência impede a
insignificância e que devem ser feitas as análises de casos concretos. O que
se percebe das pesquisas jurisprudenciais é que, geralmente, os seguintes
fatores contribuem nesse debate: a) a quantidade de antecedentes; b) a
existência de condenações transitadas em julgado ou somente a existência de
processos penais e/ou investigações em curso; c) a reincidência genérica ou
específica.

Para além da tese firmada pelos Tribunais, uma crítica específica também se
mostra mandatória: a existência ou inexistência de “habitualidade delitiva”,
reincidências, ou o que quer que diga respeito à vida pregressa do acusado
não pode, dogmaticamente, ser trabalhado no âmbito do princípio da
insignificância. Esses dados dizem respeito a) à punibilidade de delitos

Curso Ênfase © 2022 33


pretéritos; b) a análises subjetivas do autor do fato. Como já tivemos a
oportunidade de mencionar, no sentido mais técnico possível, a insignificância
nada tem a ver, enquanto expressão de tipicidade material, com a punibilidade
(nem de delitos atuais, nem de delitos pretéritos) ou com juízos subjetivos
sobre a vida do agente.

Confira-se, ainda, na esteira da jurisprudência firmada pelos Tribunais


Superiores, o que se segue:

(...) Reincidência do Recorrente assentada nas instâncias antecedentes. O


criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta,
não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado
condutas irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando
analisados isoladamente, mas relevantes quando em conjunto, seriam
transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida. 3. O princípio da
insignificância não pode ser acolhido para resguardar e legitimar constantes
condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de conduta ínfimos,
isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso
concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes,
quando constantes, devido à sua reprovabilidade, perdem a característica da
bagatela e devem se submeter ao direito penal (...) (STF, HC nº 116.373/MG,
Segunda Turma, rel. Min. Carmen Lúcia, j. 25.06.2013 − grifos nossos).

Como exemplo de aplicação do princípio da insignificância a despeito de


maus antecedentes do acusado, consta Do Informativo nº 966 do STF o
seguinte trecho:

A Primeira Turma, por maioria, deu provimento a recurso ordinário em habeas


corpus para absolver, com base no princípio da insignificância, paciente, que
possui antecedentes criminais por crimes patrimoniais, da acusação de furto
de um carrinho de mão avaliado em R$ 20,00 (vinte reais) (RHC nº 174.784/
MS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgamento em 11.02.2020 – Informativo nº 966). 

4.9. Insignificância e ato infracional análogo a crime

Habeas corpus. 2. Ato infracional análogo ao crime de furto tentado.


Bem de pequeno valor (R$ 80,00). Mínimo grau de lesividade da conduta.
3. Aplicação do princípio da insignificância. Possibilidade. Precedentes.

Curso Ênfase © 2022 34


4. Reincidência. Irrelevância de considerações de ordem subjetiva. 5. Ordem
concedida (STF, HC nº 112.400, rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ
22.05.2012, DJe 08.08.2012 − grifos nossos).

É mandatória a possibilidade de aplicação da insignificância aos atos


infracionais análogos a crime praticados com proibição fundamentada na Lei
nº 8.069/1990. Cuida-se da pura aplicação do princípio da
proporcionalidade, de matriz constitucional. Se, para as infrações mais
graves ao ordenamento jurídico – os fatos puníveis em sentido estrito, os
delitos –, se admite a atipicidade da conduta pela irrelevância da lesão ao
bem jurídico, com muito mais razão se dá a admissão nos atos infracionais.
Caso contrário, teríamos uma verdadeira ruptura de coerência dogmática
interna. Mostrar-se-ia completamente fora de lógica punir com menos
severidade uma infração mais grave do que uma menos relevante ao
ordenamento. 

Atenção!

É claro que, aqui, parcela da doutrina poderia se levantar e afirmar


que a natureza jurídica das medidas socioeducativas não é de
punição, mas, sim, de pedagogia, e, consequentemente, seria
desejável sempre impor a condenação com a mera prática da
conduta, independentemente da aferição de lesão relevante ao bem
jurídico. A título meramente formal, essa afirmativa não é despida de
sentido; entretanto, deve-se ter em mente que, materialmente, as
medidas socioeducativas acabam por submeter o infrator a uma
situação substancialmente idêntica à pena, motivo pelo qual todas
as garantias relativas ao direito penal devem ser importadas.

O mesmo ocorre, por exemplo, com: o respeito ao princípio da


legalidade para que se criem atos infracionais análogos a crimes e/
ou as respectivas sanções; com a possibilidade de serem atingidas
as sanções pela prescrição; pela impossibilidade de execução
provisória da medida socioeducativa antes do trânsito em julgado da
sentença condenatória. Entretanto, como é relativamente recente o
julgamento, pelo STF, das ADC nºs 43, 44 e 54, que terminaram por
firmar a necessidade do trânsito em julgado para se executar
forçadamente a pena, ainda se encontram alguns precedentes,

Curso Ênfase © 2022 35


embora poucos, que atestam a viabilidade jurídica dessa
antecipação do cumprimento da medida socioeducativa.

4.10. Insignificância e reconhecimento após o trânsito em julgado

(...) Habeas corpus. Penal. Decisão transitada em julgado. Possibilidade de


impetração de habeas corpus. Precedentes. Crime de descaminho. Princípio
da insignificância. Possibilidade. Precedentes. Ordem concedida. 1. A
jurisprudência desta Suprema Corte consolidou-se no sentido de que “a coisa
julgada estabelecida no processo condenatório não é empecilho, por si só, à
concessão de habeas corpus por órgão jurisdicional de gradação superior, de
modo a desconstituir a decisão coberta pela preclusão máxima” (RHC nº
82.045/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 25.10.2002). 2.
Nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal, o princípio da
insignificância deve ser aplicado no delito de descaminho quando o valor
sonegado for inferior ao montante mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais)
legalmente previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/2002, com a redação dada
pela Lei nº 11.033/2004. 3. Ordem concedida (STF, HC nº 95.570, rel. Min.
Dias Toffoli, Primeira Turma, DJ 01.06.2010, DJe 27.08.2010).

No caso, o STF atestou a possibilidade de reconhecer o princípio da


insignificância mesmo após o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória; no caso, rescindiu a coisa julgada já estabelecida em desfavor
do réu para, adequando a prestação jurisdicional à jurisprudência superior
firmada, reformar a condenação imposta. Um ponto interessante, discutido
quando do julgamento do precedente, é que a desconstituição da coisa
julgada não foi feita mediante revisão criminal, o que é a regra no processo
penal, mas sim em habeas corpus. Essa possibilidade excepcional é
atestada pela jurisprudência de ambos os Tribunais Superiores, STJ e STF,
sobretudo em caso de nulidades absolutas e flagrante ilegalidade em
condenação penal transitada em julgado. Em casos tênues, ou que
necessitem dilação probatória, o instrumento juridicamente adequado será a
revisão criminal, com fundamento nos arts. 621 e segs. do Código de
Processo Penal (CPP).

Curso Ênfase © 2022 36


4.11. Insignificância e delitos de drogas

Nesse aspecto, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tende a ser


relativamente inconstante, e o candidato deve estar atento a alguns
precedentes, bem como às particularidades do caso concreto. Numa análise
quantitativa, embora não seja possível apontar com segurança extrema
qual postura deve ser levada para as provas, devido à divergência
jurisprudencial que veremos adiante, parece prevalecer o entendimento de
que, nesses delitos, em razão da qualidade do bem jurídico supostamente
tutelado (a saúde pública), não será admissível a aplicação da bagatela. Para
o tráfico de drogas (art. 33, Lei nº 11.343/2006), a jurisprudência tende a ser
firme, no sentido de não ser aplicável o referido princípio. Por todos, confira-
se: STJ, HC nº 318.936/SP.

Para os delitos de posse para consumo pessoal (art. 28, Lei nº 11.343/2006),
entretanto, há divergência. O STJ possui precedentes no sentido da
impossibilidade de aplicação (veja-se: STJ, RHC nº 35.920); o STF,
entretanto, já decidiu ser aplicável, em razão de particularidades do caso sob
exame (STF, HC nº 110.475 e HC nº 202.883 AgR). 

Vale ressaltar que se encontra em discussão no âmbito do STF o tema nº


506, que trata sobre a (in)constitucionalidade do delito de porte para uso
pessoal de drogas. É válido acompanhar este julgamento e observar como
será tratada a questão da insignificância pela Suprema Corte.

No âmbito militar, a Corte Suprema tem precedentes negando a aplicação da


insignificância em casos que envolvem militares e posse de quantidade ínfima
de drogas (STF, HC nº 94.809/RS). Os precedentes negam a aplicação do
princípio da insignificância com base no princípio da especialidade, aplicando
o art. 290 do Código Penal Militar (CPM), e não a Lei nº 11.343/2006 (STF,
HC nº 103.684; STF, HC nº 114.194).

COM, art. 290. Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que
gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso
próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo
substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica,
em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar: (...).

Curso Ênfase © 2022 37


Não obstante, em um caso específico, o STF aplicou o princípio da
insignificância, afastando o princípio da especialidade com base nas
circunstâncias do caso concreto:

HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA


ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO NO
ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1. Paciente,
militar, preso em flagrante dentro da unidade militar, quando fumava um
cigarro de maconha e tinha consigo outros três. 2. Condenação por posse e
uso de entorpecentes. Não-aplicação do princípio da insignificância, em prol
da saúde, disciplina e hierarquia militares. 3. A mínima ofensividade da
conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de
reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica
constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação do
princípio da insignificância. 4. A Lei n. 11.343/2006 –  nova Lei de Drogas –
veda a prisão do usuário. Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo
circunstanciado. Preocupação, do Estado, em mudar a visão que se tem em
relação aos usuários de drogas. 5. Punição severa e exemplar deve ser
reservada aos traficantes, não alcançando os usuários. A estes devem ser
oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-los do vício. 6. O Superior
Tribunal Militar não cogitou da aplicação da Lei n. 11.343/2006. Não obstante,
cabe a esta Corte fazê-lo, incumbindo-lhe confrontar o princípio da
especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação da nova Lei de Drogas,
com o princípio da dignidade humana, arrolado na Constituição do Brasil de
modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio fundamental (art. 1º, III). 7.
Paciente jovem, sem antecedentes criminais, com futuro comprometido por
condenação penal militar quando há lei que, em vez de apenar – Lei n.
11.343/2006 – possibilita a recuperação do civil que praticou a mesma
conduta. 8. Exclusão das fileiras do Exército: punição suficiente para que
restem preservadas a disciplina e hierarquia militares, indispensáveis ao
regular funcionamento de qualquer instituição militar. 9. A aplicação do
princípio da insignificância no caso se impõe, a uma, porque presentes
seus requisitos, de natureza objetiva; a duas, em virtude da dignidade da
pessoa humana. Ordem concedida (HC nº 92.961, rel. Eros Grau, Segunda
Turma, julgado em 11.12.2007, DJe 22.02.2008 – grifos nossos).

Curso Ênfase © 2022 38


4.12. Insignificância e crimes militares em geral

A tendência jurisprudencial é pela não aplicação, salvo pontuais exceções.


Confira o seguinte precedente relativo ao delito de deserção:

(...) HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. PACIENTE CONDENADO PELO


CRIME DE DESERÇÃO. ABSOLVIÇÃO. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RAZOÁVEL GRAU DE
REPROVABILIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. I – A aplicação do
princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige, além da
pequena expressão econômica dos bens que foram objeto de subtração, um
reduzido grau de reprovabilidade da conduta do agente. II – É relevante e
reprovável a conduta de um militar que abandona o serviço militar, apesar do
dever de cumpri-lo até seu desligamento na forma legalmente estabelecida, o
que demonstra desrespeito às leis e às instituições castrenses de seu País. III
– O crime de deserção ofende aos princípios da hierarquia e da disciplina,
preceitos constitucionais sobre os quais se fundam as Forças Armadas,
constituindo a ausência injustificada de militares ilícito penal, na medida em
que a ofensa ao bem jurídico tem impacto direto sobre o efetivo militar e as
bases de organização das Forças Armadas. IV – A aplicação do referido
instituto, na espécie, poderia representar um verdadeiro estímulo à prática
deste delito, já bastante comum na Justiça Militar, o que contribuiria para
frustrar o interesse da instituição castrense em contar com o efetivo previsto
em lei. V – Ordem denegada (STF, HC nº 118.255, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, Segunda Turma, DJ 19.11.2013, DJe 03.12.2013).

4.13. Insignificância e delitos ambientais

A tendência jurisprudencial é no sentido da admissão do reconhecimento da


insignificância, desde que vislumbrados, em concreto, os requisitos e os
fundamentos. Confira, por exemplo, o arquétipo de precedentes a seguir:

(...) AÇÃO PENAL. Crime ambiental. Pescador flagrado com doze


camarões e rede de pesca, em desacordo com a Portaria nº 84/02, do
IBAMA. Art. 34, parágrafo único, II, da Lei nº 9.605/98. Rei furtivae de
valor insignificante. Periculosidade não considerável do agente. Crime de
bagatela. Caracterização. Aplicação do princípio da insignificância.
Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse

Curso Ênfase © 2022 39


fim. Voto vencido. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido
por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou
habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento (STF,
HC nº 112.563, rel. Min. Ricardo Lewandovski, rel. Acórdão Min. Cezar
Peluso, Segunda Turma, DJ 21.08.2012, DJe 10.12.2012 − grifos nossos).

O STJ segue pelo mesmo caminho. Confira:

(...) PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ART. 34 DA


LEI Nº 9.605/1988. PESCA EM PERÍODO DE DEFESO. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE.

I − Aplicável, no caso, o princípio bagatelar, uma vez que este STJ entende
pela possibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos delitos
ambientais quando demonstrada a ínfima ofensividade ao bem ambiental
tutelado.

II − No caso, conforme consta do v. acórdão recorrido, não foi apreendida


nenhuma quantidade de qualquer espécie animal, nem há notícia de
reincidência por parte do ora agravado.

Agravo regimental desprovido (STJ, AgRg no REsp. nº 1.558.312/ES, rel. Min.


Félix Fischer, Quinta Turma, DJ 02.02.2016, DJe 22.02.2016).

Finalmente:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM


RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL. ATIPICIDADE. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA MATÉRIA EMINENTEMENTE
FÁTICA. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. 1. Predomina nesta Corte
entendimento no sentido da possibilidade de aplicação do princípio da
insignificância aos crimes ambientais, devendo ser analisadas as
circunstâncias específicas do caso concreto para se verificar a atipicidade da
conduta em exame. 2. O Tribunal local, soberano na reanálise do conjunto
fático-probatório, concluiu pela não aplicação do referido princípio por
entender que houve efetivo e substancial dano ao meio ambiente no ato de
incendiar área de floresta. 3. Desconstituir o julgado demandaria,
invariavelmente, a incursão no conjunto fático-probatório, providência
incabível em sede de recurso especial ante o óbice contido na Súmula n. 7/

Curso Ênfase © 2022 40


STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento (STJ, AgRg no AREsp.
nº 654.321/SC, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJ
09.06.2015, DJe 17.06.2015).

Alguns casos particulares merecem apontamento: 

a) O STF tem precedente de que o princípio da insignificância, caso possa ser


aplicado a diversos crimes ambientais, não incidirá no fato previsto no art. 34,
caput c/c o parágrafo único, II, da Lei de Crimes Ambientais, Lei nº
9.605/1998 (STF, HC nº 122.560, rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJ
08.05.2018, DJe 21.05.2018).

b) Em circunstâncias nas quais for flagrada pessoa sem nenhum peixe, mas
portando consigo equipamentos de pesca em local onde a atividade era
proibida, há divergência. Já se decidiu pela aplicação do princípio da
insignificância (STF, Inq. nº 3.788/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda
Turma, DJ 01.03.2016, DJe 14.06.2016), e este já foi considerado incabível
(STF, RHC nº 125.566, rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJ 26.10.2016,
DJe 28.11.2016).

Frise-se, por fim, que existem debate e divergência na doutrina e na


jurisprudência sobre a possibilidade de se reconhecer a insignificância nos
chamados delitos de dano cumulativo (ou delitos de dano cumulado ou
delitos acumulativos) no âmbito dos crimes contra o meio ambiente. Esse
tema é complexo e envolverá necessariamente um estudo aprofundado de
alguns pontos relativos à teoria da imputação objetiva do resultado.

4.14. Insignificância e delitos cometidos por prefeitos

É temerário afirmar a inaplicabilidade completa e absoluta ex ante, devendo


a análise ser feita a depender do caso concreto. Há decisões conflitantes dos
Tribunais Superiores. O STF assim decidiu:

(...) Ex-prefeito condenado pela prática do crime previsto no art. 1º, II, do
Decreto-Lei nº 201/1967, por ter utilizado máquinas e caminhões de
propriedade da Prefeitura para efetuar terraplanagem no terreno de sua
residência. 3. Aplicação do princípio da insignificância. Possibilidade. 4.
Ordem concedida (STF, HC nº 104.286/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda
Turma, DJ 03.05.2011, DJe 20.05.2011 − grifos nossos).

Curso Ênfase © 2022 41


Em sentido oposto, entretanto, assim pronunciou-se o STJ sobre a
insignificância:

(...) Entende essa Corte que não se pode aplicar o princípio bagatelar a casos
análogos ao da presente hipótese, dada a condição do paciente – ocupante
do cargo de Prefeito Municipal – e a relevância dos bens juridicamente
tutelados pelo tipo penal infringido, quais sejam, a probidade administrativa e
a moralidade pública. (...) (STJ, HC nº 248.440, rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta
Turma, DJ 09.08.2016, DJe 23.08.2016).

A título de crítica doutrinária, não se deve afastar do plano a inaplicabilidade


da insignificância somente pela natureza do bem jurídico tutelado pela norma
penal, tampouco pelo cargo titularizado pelo agente. É certo que, com a
titularidade de cargos políticos eletivos, vem a necessidade de conduta ilibada
e de inelutável respeito ao princípio da probidade. Todavia, o princípio da
insignificância não é uma benesse política, e sim uma causa de atipicidade
material por inexistência de afetação relevante a um bem jurídico. Assim, o
critério deve ser a conflituosidade objetiva do fato. Portanto, é correta a
decisão do STF.

É claro, entretanto, que a divergência doutrinária apresentada diz respeito,


sobretudo, aos crimes de responsabilidade cometidos pelos prefeitos (ou
seja, os fatos puníveis que guardem correlação funcional entre a conduta e o
exercício do cargo, bem como estejam tipificados no Decreto-Lei nº
201/1967). Por exemplo, temos também crimes cometidos contra a
Administração pública, bem como outras espécies nas quais se evidencie o
nexo funcional. Nos fatos puníveis que não guardem qualquer tipo de
correlação com o exercício da função política, a possibilidade ou
impossibilidade de aplicação da insignificância será regida pelas mesmas
regras aplicáveis a quaisquer hipóteses e quaisquer sujeitos.

4.15. Insignificância e crimes eleitorais

Embora haja poucos julgados que abordem o tema, há precedentes


estabelecendo a impossibilidade de aplicar a insignificância. Confiram-se os
seguintes:

Curso Ênfase © 2022 42


(...) A divulgação de propaganda criminosa dentro da cabine de votação e ao
lado da urna eletrônica não pode ser considerada insignificante, pois viola a
liberdade de escolha do eleitor no momento sigiloso de confirmação do voto.
2. Inaplicável o princípio da insignificância ao crime previsto no art. 39, § 5º,
inciso III, da Lei nº 9.504/1997, porque o bem jurídico tutelado é a liberdade
de exercício do voto. Precedentes. 3. Recurso especial eleitoral provido para
restaurar a condenação imposta em sentença (TSE, RESPE nº 6672/GO, rel.
Min. Gilmar Mendes, DJ 21.02.2017, DJe 20.03.2017).

O mesmo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em outra oportunidade, decidiu da


seguinte maneira sobre o tema:

(...) É inaplicável o princípio da insignificância à doação de pessoa física que


excede parâmetro previsto em lei para campanhas eleitorais, porquanto o
ilícito se perfaz com mero extrapolamento do valor doado, sendo irrelevante a
quantia em excesso. Precedentes. (...) (TSE, RESPE nº 2.007/SP, rel. Min,
Jorge Mussi, DJ 04.05.2017, DJe 10.05.2017) (TSE − RESPE:
00000200720156260398 SÃO PAULO − SP, rel. Min. Antonio Herman de
Vasconcellos e Benjamin, Data de Julgamento: 27.09./2016, Data de
Publicação: DJe, Data 20.09.2016, p. 8).

Essa é a postura majoritária no âmbito da jurisprudência, embora, mais uma


vez, seja mandatório afirmarmos que a literatura – tanto nacional quanto
internacional – manejará severas críticas a essa maioria, firmando-se, por
exemplo, na premissa de que não se deve limitar a aplicabilidade da
insignificância a um fato em razão apenas da qualidade do bem jurídico,
mas, em verdade, em razão da quantidade de dano sofrido. Mais uma vez,
estamos falando de corrente minoritária.

Curso Ênfase © 2022 43


4.16. Insignificância e delitos relativos a armas de fogo e munições

Com relação aos delitos de posse e porte de arma de fogo, previstos,


respectivamente, nos arts. 12, 14 e 16 da Lei nº 10.826/2003, a tendência
jurisprudencial amplamente dominante no âmbito do STF e do STJ é, em
razão da qualidade do bem jurídico tutelado pelos crimes da Lei de Armas,
pela não aplicação. Essa postura teórica se dá principalmente em razão de
esses fatos puníveis serem fatos de perigo abstrato (na sua maioria), e não
fatos de resultado. 

Analisando a questão sob uma perspectiva crítica, essa característica deveria,


entretanto, ser absolutamente irrelevante para o debate sobre o cabimento ou
o descabimento da insignificância. A lesividade da conduta nesses fatos
não será aferida sob o prisma da ocorrência do resultado naturalístico
de maior ou menor densidade, mas da ocorrência de um risco de
resultado de maior ou menor densidade. Em condutas que, ainda que
abstratamente, não seja possível vislumbrar um perigo de dano minimamente
relevante ao bem jurídico tutelado, deve ser mandatório o reconhecimento da
insignificância. Caso contrário, estaremos a um passo de criar injustos penais
sem qualquer potencialidade lesiva, em total desrespeito ao princípio da
ofensividade, o que não se admite no atual desenho constitucional. De toda
forma, cabe verificar os precedentes.

Afastando a insignificância sob o fundamento da natureza de perigo abstrato


desses fatos puníveis:

(...) é pacífico nesta Corte Superior o entendimento no sentido de que é


inaplicável o princípio da insignificância aos crimes de posse e de porte de
arma de fogo e ou munição, ante a natureza de crimes de perigo abstrato,
independentemente da quantidade de munição ou armas apreendidas. (...)
(STJ, AgRg no AREsp. nº 1.098.040/ES, rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, Sexta Turma, DJ 15.08.2017, DJe 24.08.2017 − grifos nossos).

Afastando a insignificância sob o fundamento de uma “lesividade presumida”


ou “lesividade imediata”, vejamos:

(...) A teor dos precedentes desta Corte, o porte ilegal de munição, ainda que
não associado a arma de fogo de calibre compatível, é lesivo à segurança
pública e compromete a paz social. Por tal razão, em princípio, é incabível a

Curso Ênfase © 2022 44


aplicação do princípio da insignificância ao crime previsto no art. 12 da Lei n.
10.826/2003. 2. A sentença descreve a apreensão em poder do acusado de
seis munições de uso permitido, em desacordo com a determinação legal ou
regulamentar, o que é suficiente para caracterizar a tipicidade material da
conduta, pois a natureza dos projéteis não estava descaracterizada mediante
utilização em obra de arte, para confecção de chaveiro etc. (...) (STJ, AgRg no
REsp. nº 1.621.389/RS, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJ
27.06.2017, DJe 01.08.2017).

Atenção!

Há, entretanto, alguns precedentes isolados dos Tribunais


Superiores que – corretamente, diga-se de passagem −, em virtude
de manifesta falta de lesividade nos casos concretos, afastaram a
tipicidade material e aplicaram o princípio da insignificância. A
necessidade de analisar individualmente a situação fática, portanto,
se mostrará evidente para o deslinde adequado da questão:

(...) não é possível vislumbrar, nas circunstâncias, situação que


exponha o corpo social a perigo, uma vez que a única munição
apreendida, na espécie em exame – é preciso novamente frisar –,
guardada na residência do acusado e desacompanhada de arma de
fogo, por si só, é incapaz de provocar qualquer lesão ao bem
jurídico tutelado (a incolumidade pública) (...) (STF, RHC nº
143.449/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJ
26.09.2017, DJe 09.10.2017).

Confira também o seguinte precedente:

(...) HABEAS CORPUS. DELITO DO ART. 16, CAPUT, DA LEI Nº


10.826/2003. PACIENTE PORTANDO MUNIÇÃO. ATIPICIDADE
MATERIAL DA CONDUTA. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A análise dos
documentos pelos quais se instrui pedido e dos demais argumentos
articulados na inicial demonstra a presença dos requisitos
essenciais à incidência do princípio da insignificância e a
excepcionalidade do caso a justificar a flexibilização da
jurisprudência deste Supremo Tribunal segundo a qual o delito

Curso Ênfase © 2022 45


de porte de munição de uso restrito, tipificado no art. 16 da Lei
nº 10.826/2003, é crime de mera conduta. 2. A conduta do
Paciente não resultou em dano ou perigo concreto relevante
para a sociedade, de modo a lesionar ou colocar em perigo
bem jurídico na intensidade reclamada pelo princípio da
ofensividade. Não se há subestimar a natureza subsidiária,
fragmentária do direito penal, que somente deve ser acionado
quando os outros ramos do direito não forem suficientes para a
proteção dos bens jurídicos envolvidos. 3. Ordem concedida (STF,
HC nº 133.984, rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJ
17.05.2016, DJe 02.06.2016 − grifos nossos).

Há também precedentes que afastam a tipicidade material, por


insignificância, de porte e/ou posse de arma de fogo em contexto
absolutamente não criminoso, como no famoso caso do sujeito
que portava, como pingente de cordão, uma munição isolada de
arma de fogo, despida, portanto, de qualquer potencialidade lesiva
(HC nº 133.984, rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, julgado
em 17.05.2016, DJe 02.06.2016).

4.17. Insignificância e delitos contra a fé pública

No crime de moeda falsa, art. 289, caput, CP (“Falsificar, fabricando-a ou


alterando-a, moeda metálica ou papel-moeda de curso legal no país ou no
estrangeiro:”), tem-se jurisprudência relativamente pacífica no sentido da
inaplicabilidade da insignificância. Todas as considerações feitas à
natureza jurídica dos crimes de armas de fogo e munição são aplicáveis, bem
como as considerações relativas à natureza do bem jurídico tutelado.
Leiamos, nesse sentido, a íntegra do voto proferido pelo Min. Marco Aurélio,
do STF, no HC nº 126.285, que discutia a matéria no âmbito da Suprema
Corte:

(...) O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR)  2. Ao contrário


do afirmado pela Defensoria Pública da União, em se tratando de moeda
falsa, os pronunciamentos do Supremo são no sentido de atentar, seja qual
for o valor, para o dano ao bem protegido – a regular circulação, a fé pública
nas cédulas. Confiram com os seguintes precedentes: Habeas Corpus nº

Curso Ênfase © 2022 46


105.638/GO, da relatoria da ministra Rosa Weber, julgado pela Primeira
Turma em 22 de maio de 2012, e nº 112.708/MA, da relatoria do ministro
Ricardo Lewandowski, apreciado pela Segunda Turma em 26 de junho de
2012. Pretende-se o reconhecimento da atipicidade material da conduta, ante
o tipo introdução de moeda falsa em circulação. No que diz respeito a moeda
falsa, os pronunciamentos do Supremo são no sentido de considerar, seja
qual for o valor, o dano ao bem protegido – a regular circulação, a fé pública
nas cédulas. Indefiro a ordem. É como voto (...) (STF HC nº 126.285, rel. Min.
Marco Aurélio, Primeira Turma, DJ 13.09.2016, DJe 27.09.2016).

Já houve, entretanto, precedente isolado do STF que reconheceu


insignificância no delito ora em estudo:

HABEAS CORPUS. PENAL. MOEDA FALSA. FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA.


PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CONDUTA ATÍPICA. ORDEM
CONCEDIDA. (...) 3. A apreensão de nota falsa com valor de cinco reais, em
meio a outras notas verdadeiras, nas circunstâncias fáticas da presente
impetração, não cria lesão considerável ao bem jurídico tutelado, de maneira
que a conduta do paciente é atípica. 4. Habeas corpus deferido, para trancar
a ação penal em que o paciente figura como réu (STF, HC nº 83.526/CE, rel.
Min. Joaquim Barbosa, Primeira Turma, DJ 16.03.2004, DJe 07.05.2004).

O STJ, também de forma excepcional, já aplicou o princípio com base nas


peculiaridades do caso:

PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM


RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A FÉ
PÚBLICA. ART. 304 DO CÓDIGO PENAL ? CP. USO DE DOCUMENTO
FALSO (ATESTADO MÉDICO). APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA
BAGATELA. EXCEPCIONALIDADE VERIFICADA. MÍNIMA OFENSIVIDADE
DA CONDUTA E INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA. SUFICIÊNCIA
DAS SANÇÕES PREVISTAS NA LEI TRABALHISTA.
PRECEDENTES.

AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.


1. A decisão agravada está pautada na excepcionalidade ao entendimento
desta Corte no sentido da impossibilidade de aplicação do princípio da
bagatela aos crimes contra a fé pública.

Curso Ênfase © 2022 47


2. No caso, o dolo da recorrente, em apresentar atestado médico falso para
afastamento do trabalho por 8 dias, revela, de plano, “a mínima ofensividade
da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o
reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a
inexpressividade da lesão jurídica provocada”, a demonstrar a atipicidade
material da conduta e afastar a incidência do direito penal, sendo suficientes
as sanções previstas na Lei trabalhista. Precedentes.
3. Agravo regimental desprovido
(AgRg no AREsp. nº 1.816.993/BA, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma,
julgado em 16.11.2021, DJe 19.11.2021).

4.18. Insignificância e delitos contra a Previdência Social

A tendência jurisprudencial relativamente pacífica aqui é pela não aplicação,


devendo ser amplamente privilegiada nos seus estudos. Diversos
julgados, inclusive, tendem a fazer uma aplicação objetiva e ampliativa da
ratio firmada na Súmula nº 599 do STJ ( “O princípio da insignificância é
inaplicável aos crimes contra a Administração Pública”). Nesse sentido, já se
negou o reconhecimento da bagatela em casos de apropriação indébita
previdenciária (STF, HC nº 102.550; STF, RHC nº 132.706).

CP, art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições


recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à


previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a
segurados, a terceiros ou arrecadada do público;

II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado


despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação
de serviços;

III − pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou


valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.

Curso Ênfase © 2022 48


§ 2º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa
e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as
informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou
regulamento, antes do início da ação fiscal.

§ 3º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa


se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:

I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a


denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive
acessórios; ou

II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou


inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente,
como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. 

§ 4º A faculdade prevista no § 3º deste artigo não se aplica aos casos de


parcelamento de contribuições cujo valor, inclusive dos acessórios, seja
superior àquele estabelecido, administrativamente, como sendo o mínimo
para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

Há, entretanto, raros precedentes do STJ que admitiram, para esse fato
punível, a exclusão da tipicidade material pela insignificância, como o STJ,
AgRg no REsp. nº 1.241.697 e STJ, RHC nº 59.839. No último, embora não o
princípio não tenha sido aplicado no caso concreto, em face de peculiaridades
relativas ao quantum de dano econômico provocado pela conduta – acima
de R$10.000,00 –, atestou-se, em abstrato e em tese, a possibilidade de
incidência da respectiva excludente de tipicidade material nessa categoria de
delitos.

Atenção!

Em suma, o entendimento vai no sentido de que, quando o bem


jurídico tutelado tiver relação com o interesse público e sua
tutela, será descabida a insignificância, conclusão teórica que
tende a ser repetida sem grandes questionamentos pela maioria
esmagadora da jurisprudência dos tribunais de justiça dos estados e
dos tribunais regionais federais, bem como por parcela expressiva
da literatura jurídica, sobretudo aquela especializada em concursos

Curso Ênfase © 2022 49


públicos. Como já mencionado, essa postura agarra-se a somente
uma das vertentes do princípio da lesividade, qual seja, a vertente
qualitativa (que diz respeito à natureza do bem jurídico),
esquecendo-se, entretanto, que esse princípio, que fundamenta a
insignificância, deve também ser integrado por uma vertente
quantitativa (que dirá respeito à extensão da lesão sofrida pelo
bem jurídico protegido pela norma penal).

De toda forma, representativo da postura jurisprudencial, vejamos o


seguinte precedente do STF:

(...) ESTELIONATO – SEGURO-DESEMPREGO –


INSIGNIFICÂNCIA. Descabe, em se tratando de bem protegido a
partir do interesse público, como é o seguro-desemprego, cogitar
da insignificância da prática delituosa presente o valor envolvido
(STF, HC nº 108.352, rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJ
10.11.2015, DJe 25.11.2015 − grifos nossos).

Também existe uma tendência de negar a insignificância em casos de


estelionato em desfavor do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS):

CP, art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo
alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou
qualquer outro meio fraudulento:

(...)

§ 3º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de


entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência
social ou beneficência. (...)

4.19. Insignificância e descaminho

Previsto no art. 334 do CP, o delito de descaminho admite, pela jurisprudência


dos Tribunais Superiores, a aplicação da insignificância. Geralmente, a
admissão da atipicidade material do fato diz respeito a casos nos quais, nessa

Curso Ênfase © 2022 50


espécie de crime tributário, uma eventual instauração de procedimento ou
processo de execução fiscal sequer será compensada no momento da
satisfação do crédito, devido ao baixo valor objeto do descaminho.

CP, art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto


devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.

Pena − reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem:

I − pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;

II − pratica fato assimilado, em lei especial, a descaminho;

III − vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma,


utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou
industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu
clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser
produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação
fraudulenta por parte de outrem;

IV − adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de


atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira,
desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos
que sabe serem falsos.

§ 2º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo,


qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias
estrangeiras, inclusive o exercido em residências.

§ 3º A pena aplica-se em dobro se o crime de descaminho é praticado em


transporte aéreo, marítimo ou fluvial.

Para balizar objetivamente esse patamar de irrelevância, o STF, com


fundamento no texto das Portarias nºs 75/2012 e 120/2012 do Ministério da
Fazenda, fixava o valor de R$20.000,00 para reconhecer a insignificância no
descaminho:

Curso Ênfase © 2022 51


(...) I − Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da
insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor
sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei nº 10.522/2002, com as
atualizações feitas pelas Portarias nº 75 e 130, ambas do Ministério da
Fazenda. Precedentes. II – Mesmo que o suposto delito tenha sido praticado
antes das referidas Portarias, conforme assenta a doutrina e jurisprudência,
norma posterior mais benéfica retroage em favor do acusado. III – Ordem
concedida para trancar a ação penal (STF, HC nº 139.393, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, Segunda Turma, DJ 18.04.2017, DJe 02.05.2017).

Houve, entretanto, dissenso jurisprudencial; o STJ, seguindo lógica própria,


trabalhava com o valor de R$10.000,00 (e não de R$20.000,00, como fazia o
STF) para reconhecer a incidência da insignificância:

(...) A jurisprudência consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, no REsp


nº 1.112.748/TO, representativo de controvérsia, é no sentido da
impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao crime de
descaminho, quando o montante do tributo indevidamente apropriado for
superior a R$ 10.000,00 (art. 20 da Lei n. 10.522/2002), o que se observa no
caso dos autos. 

2. Aludida compreensão foi reafirmada, mesmo após o advento da Portaria


MF nº 75/2012, no julgamento do Recurso Especial nº 1.393.317/PR, pela
Terceira Seção desta Corte Superior na sessão de 12.11.2014. (...) (STJ,
AgRg no AgRg no AREsp. nº 355.705, rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma,
DJ 05.10.2017, DJe 11.10.2017).

Com o julgamento dos REsp. nºs 1.709.029 e 1.688.878, entretanto, a


Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça passou
a rever seu posicionamento, filiando-se ao entendimento do STF; alinhou-
se, então, à jurisprudência da Corte Maior para também fixar o patamar de
R$20.000,00 como valor máximo para reconhecer a insignificância no crime
de descaminho.

Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de


descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de
R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei nº
10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias nº 75 e 130,

Curso Ênfase © 2022 52


ambas do Ministério da Fazenda (STJ − Tese Firmada no Tema Repetitivo nº
157).

Deve-se, entretanto, ficar atento às seguintes observações, também fixadas


pela jurisprudência das Cortes Superiores:

Curso Ênfase © 2022 53


Para verificar a insignificância da
conduta, deve-se levar em
consideração o valor do crédito
tributário apurado originalmente no
procedimento de lançamento.
Dessa forma, os juros, a correção
PRIMEIRA OBSERVAÇÃO monetária e eventuais multas de
ofício que incidem sobre o crédito
tributário quando ele é cobrado em
execução fiscal não devem ser
considerados para fins de cálculo
do princípio da insignificância (STJ,
RHC nº 74.756).

Para o STF, o patamar de


R$20.000,00 fixado nos
precedentes mencionados
anteriormente pode ser aplicado de
forma retroativa para fatos puníveis
SEGUNDA OBSERVAÇÃO
eventualmente praticados
anteriormente à edição das ditas
portarias, tendo em vista se
tratarem de normas mais benéficas
ao réu (STF, HC nº 122.213).

Curso Ênfase © 2022 54


Para o STJ, esse parâmetro
econômico tem aplicabilidade, a
princípio, restrita a tributos federais,
tendo em vista que a ele se chegou
tendo por base o art. 20 da Lei nº
10.522/2002, que trata de exações
dessa esfera da Federação. Dessa
forma, havendo eventual prática de
descaminho envolvendo tributos
estaduais ou municipais, deve-se
analisar se há lei estadual ou
municipal em sentido semelhante;
em seguida, o parâmetro lá balizado
será o adotado para a
insignificância:

(...) 4. Para a aplicação do referido


entendimento aos tributos que não
sejam da competência da União,
seria necessária a existência de lei
estadual no mesmo sentido, até
porque à arrecadação da Fazenda
Nacional não se equipara a das
Fazendas estaduais. Precedentes e
TERCEIRA OBSERVAÇÃO doutrina. 5. Inviável a aplicação do
referido entendimento ao caso em
análise, no qual o paciente foi
denunciado por, em tese, suprimir o
valor de R$ 819,00 (oitocentos e
dezenove reais) de Imposto sobre a
Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS), de competência
dos estados, de acordo com o art.
155, II, da Constituição Federal. 6.
Um dos requisitos indispensáveis à
aplicação do princípio da
insignificância é a inexpressividade
da lesão jurídica provocada, que
Curso Ênfase © 2022 55
pode se alterar de acordo com o
4.20. Insignificância e contrabando

Diferentemente do que se vislumbra no crime de descaminho, no crime de


contrabando a jurisprudência dos Tribunais Superiores tende a não admitir a
exclusão da tipicidade material pela insignificância, havendo, aqui, uma
tendência amplamente dominante no âmbito do STJ e do STF.

CP, art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:

Pena − reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem:

I − pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando;

II − importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro,


análise ou autorização de órgão público competente;

III − reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à


exportação;

IV − vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma,


utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou
industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira;

V − adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de


atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira.

§ 2º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo,


qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias
estrangeiras, inclusive o exercido em residências.

§ 3º A pena aplica-se em dobro se o crime de contrabando é praticado em


transporte aéreo, marítimo ou fluvial.

Confira a posição tranquila do STJ no que toca à temática:

Curso Ênfase © 2022 56


Em sede de contrabando, ou seja, importação ou exportação de mercadoria
proibida, em que, para além da sonegação tributária há lesão à moral,
higiene, segurança e saúde pública, não há como excluir a tipicidade material
tão-somente à vista do valor da evasão fiscal, ainda que eventualmente
possível, em tese, a exclusão do crime, mas em face da mínima lesão
provocada ao bem jurídico ali tutelado, gize-se, a moral, saúde, higiene e
segurança pública. (...) (STJ, AgRg no REsp. nº 1.418.011, rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJ 03.12.2013, DJe 13.12.2013).

Em sentido muito semelhante, já se pronunciou o STF. O princípio da


insignificância não incide na hipótese de contrabando de cigarros, tendo em
vista que “(...) Não é o valor material que se considera na espécie, mas os
valores ético-jurídicos que o sistema normativo-penal resguarda. (...)” (STF,
HC nº 118.359, rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJ 05.11.2013, DJe
11.11.2013).

Atenção!

Registre-se, entretanto, precedente bastante raro do STJ em que se


aplica a insignificância ao delito de contrabando na hipótese em que
a importação de pequena quantidade de medicamento destinado a
uso próprio denota mínima ofensividade da conduta do agente,
ausência de periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de
reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão
jurídica provocada (STJ, Edcl no AgRg no REsp. nº 1.708.371).

4.21. Insignificância e crimes contra a administração pública

Nesse tema, prevalece, de maneira pacífica, a negativa de aplicação, tendo


em vista o enunciado da Súmula nº 599 do STJ (“O princípio da insignificância
é inaplicável aos crimes contra a Administração Pública”). Existem raríssimos
precedentes do STF, entretanto, que tendem a mitigar o rigor da súmula,
atestando que, em casos de manifesta desproporcionalidade e falta de
razoabilidade, pode ser aplicada a insignificância.

Não obstante a forte e consolidada jurisprudência dos Tribunais Superiores no


sentido da inaplicabilidade da insignificância nesses casos, é preciso fazer

Curso Ênfase © 2022 57


importante crítica doutrinária, que poderá ser articulada pelo candidato nas
provas discursivas e/ou orais a fim de demonstrar maior conhecimento na
teoria do fato punível e, assim, se destacar.

Para parcela da literatura jurídica, é perfeitamente possível, ao menos em


tese, a aplicação da insignificância a todo e qualquer delito contra a
Administração pública: vimos que a bagatela se relaciona com a
conflitividade. Se isso é verdade, é errada a Súmula nº 599 do STJ, porque
não se pode prever abstratamente e ex ante que sempre haverá conflito
quando tal ou qual bem jurídico estiver envolvido em uma relação. Haveria
um bem jurídico “Administração pública”, ou temos aqui mera função de
Estado, alçada em nível de discurso ao patamar de bem jurídico para
promover uma noção de autoproteção retroalimentada de uma política
exclusivista e retroalimentadora de si própria?. O conflito penalmente
relevante se verifica (ex post factum) e não se prevê (ex ante facto),
salvo em desenhos geralmente caracterizados pela concepção de um Estado
como um ente sui generis independente dos sujeitos que o integram, como
parece ter sugerido, em certa medida, algum setor do pensamento penal
liberal atraído pelas noções de defesa social.

Assim, a relevância penal de um pragma típico deve ser aferida sempre


após a sua ocorrência, e nunca antes desta, menos ainda através de
enunciados jurisprudenciais cuja validade democrática é questionável. Caso
contrário, os tribunais se filiarão a uma teoria de causalidade naturalística
acriticamente justificada pela presença de elementos nomológicos – relação
de necessidade sequencial entre objetos ligados por um juízo de causa e
consequência –, reduzindo um sujeito de direitos ao status de coisa
causadora e considerando apenas os elementos empíricos do injusto em
relação de total exclusão com os elementos pessoais do injusto. Isso
ignoraria que, há muito, o juízo positivo do causar físico tornou-se o juízo
negativo do imputar normativo, semelhante ao juízo da antijuridicidade,
ideia à qual se chega, mantendo a coerência, pela consideração do injusto
como barreira de contenção do poder punitivo. 

Em síntese: não interessa somente saber se determinado sujeito deu causa a


certo resultado, mas, na verdade, se o resultado foi grosseiramente
conflituoso, nos termos da formulação que vimos defendendo da
insignificância enquanto ausência de conflitividade (ou como contribuição

Curso Ênfase © 2022 58


irrelevante no processo causal de imputação objetiva, ou, ainda, como parte
de um juízo de proporcionalidade entre os desvalores de ação e de resultado
no âmbito da responsabilidade); ou, finalmente, se há pertinência entre a
causação e a zona de risco intolerável, para aqueles que enxergam a
insignificância como um problema exclusivo de imputação objetiva, sem retirá-
la da tipicidade.

Como se não fosse o bastante, o respectivo enunciado sumular padece de um


vício metodológico, tendo em vista que, de 13 precedentes que serviram de
base para a edição da súmula, 11 diziam respeito a delitos de peculato ou de
peculato militar, não havendo razão para a edição de um precedente de tal
jaez que diga respeito a todos os crimes contra a Administração pública.

4.21. Insignificância e violência doméstica: a Súmula nº 589 do STJ

Pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, esta é incabível, havendo,


inclusive, ditame na Súmula nº 589 do STJ: “É inaplicável o princípio da
insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher
no âmbito das relações domésticas”. Esse entendimento pode ser aplicável
tanto à chamada bagatela própria quanto à chamada bagatela imprópria.

Quanto à própria: 

(...) Na espécie vertente, não se pode aplicar ao Recorrente o princípio pela


prática de crime com violência contra a mulher. 3. O princípio da
insignificância não foi estruturado para resguardar e legitimar condutas
desvirtuadas, mas para impedir que desvios de conduta ínfimos, isolados,
sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. 4.
Comportamentos contrários à lei penal, notadamente quando exercidos com
violência contra a mulher, devido à expressiva ofensividade, periculosidade
social, reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica causada, perdem a
característica da bagatela e devem submeter-se ao direito penal (STF, HC nº
133.043/MT, rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, julgado em 10.05.2016,
Processo Eletrônico DJe-105 DIVULG 20.05.2016 PUBLIC 23.05.2016).

Quanto à imprópria: 

(...) A jurisprudência desta Corte Superior está consolidada no sentido de não


admitir a aplicação dos princípios da insignificância e da bagatela imprópria

Curso Ênfase © 2022 59


aos crimes e contravenções praticados com violência ou grave ameaça contra
mulher, no âmbito das relações domésticas, dada a relevância penal da
conduta, não implicando a reconciliação do casal atipicidade material da
conduta ou desnecessidade de pena. Precedentes. (...) (STJ, HC nº 333.195/
MS, rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJ 12.04.2016, DJe 26.04.2016).

4.22. Insignificância e casos de transmissão clandestina de sinal de internet


via radiofrequência: a Súmula nº 606 do STJ

Inicialmente, deve-se ter em mente que, no âmbito do STJ, existe


jurisprudência pacífica no sentido de que a conduta de transmitir sinal de
Internet, via rádio, tal qual provedores de internet, sem autorização da
Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), amolda-se, em tese, ao
art. 183 da Lei nº 9.472/1997 (STJ, AgRg no AREsp. nº 1.077.499/SP; STJ,
AgRg no AREsp. nº 971.115/PA). No âmbito do STF, ressalvados
entendimentos isolados (exemplo: STF, HC nº 127.978), tende-se a adotar a
mesma perspectiva (STF, HC nº 152.118).

Lei nº 9.472/1997, art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de


telecomunicação:

Pena − detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver


dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente,


concorrer para o crime.

Nesse fato punível, a jurisprudência firmou-se no sentido de ser inaplicável a


insignificância: “Súmula nº 606, STJ: Não se aplica o princípio da
insignificância a casos de transmissão clandestina de sinal de internet via
radiofrequência, que caracteriza o fato típico previsto no art. 183 da Lei n.
9.472/1997”. O mesmo entendimento se vislumbra na jurisprudência do STF
(STF, HC nº 118.400).

4.23. Insignificância e alguns detalhes em casos de crime contra o patrimônio

a) Furto qualificado

Curso Ênfase © 2022 60


Os tribunais tendem a negar a insignificância quando presentes qualificadores
de crime de furto (art. 155, CP). Porém, ainda se mostra possível sua
aplicação quando a análise conjunta das circunstâncias puder demonstrar o
atendimento aos requisitos e vetores da bagatela:

(...) Na hipótese analisada, verifica-se que os fatos autorizam a incidência


excepcional do princípio da insignificância, haja vista as circunstâncias em
que o delito ocorreu. Muito embora esteja presente uma circunstância
qualificadora − o concurso de agentes − os demais elementos descritos
nos autos permitem concluir que, neste caso, a conduta perpetrada não
apresenta grau de lesividade suficiente para atrair a incidência da norma
penal, considerando a natureza dos bens subtraídos (gêneros alimentícios) e
seu valor reduzido (...). (STJ, HC nº 553.872, rel. Min. Reynaldo Soares da
Fonseca, Quinta Turma, DJ 11.02.2020, DJe 17.02.2020 − grifos nossos.)

Recentemente, entretanto, o STF negou aplicabilidade à insignificância em


caso de furto qualificado pelo rompimento de obstáculos:

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. FURTO QUALIFICADO. ÍNFIMO


VALOR DA RES FURTIVA. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. A pertinência do princípio da
insignificância deve ser avaliada, em casos de pequenos furtos,
considerando não só o valor do bem subtraído, mas igualmente outros
aspectos relevantes da conduta imputada. 2. Não tem pertinência o
princípio da insignificância em crime de furto qualificado cometido mediante
rompimento de obstáculo. Precedentes. 3. Ordem denegada (STF, HC nº
121.760, rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJ 14.10.2014, DJe
03.11.2014 − grifos nossos).

O STJ decidiu em sentido análogo: 

(...) Ademais, “a jurisprudência pacífica desta Corte é no sentido de que a


prática do delito de furto qualificado por escalada, arrombamento ou
rompimento de obstáculo ou concurso de agentes, caso dos autos, indica
a especial reprovabilidade do comportamento e afasta a aplicação do princípio
da insignificância” (...) Habeas corpus não conhecido. (...) (STJ, HC nº
414.199/SP, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJ
21.09.2017, DJe 27.09.2017 − grifos nossos.)

Curso Ênfase © 2022 61


Cabe mencionar, finalmente, a existência de posturas doutrinárias e
jurisprudenciais no sentido de que, nos delitos de furto, certos critérios
específicos devem ser somados para que se analise o cabimento da
insignificância, notadamente a) as condições econômicas da vítima; b) a
utilidade econômica – e não o mero valor em abstrato – do bem ou da coisa
para o seu titular; c) eventual valor sentimental do bem ou da coisa para a
vítima.

b) Roubo (art. 157, CP)

Não se admite a aplicação da insignificância, tendo em vista a presença de


afetação de bens jurídicos que transcendem o mero patrimônio do ofendido.
Percebe-se uma consideração estritamente qualitativa do princípio da
lesividade nessa postura, visto que, independentemente da mensuração da
extensão da lesão do bem jurídico, se presume sempre a lesividade. Essa é a
postura majoritária da doutrina e dos Tribunais Superiores (por exemplo: STF,
RHC nº 111.433). 

A título de crítica doutrinária, deve-se ter em mente que 

(...) como depreende-se de sua leitura, essas decisões não


apresentam nenhum fundamento jurídico que possa justificar o não
reconhecimento da insignificância nos delitos complexos, em
especial no crime de roubo. Em primeiro lugar, o simples
fato de tratar-se de crime complexo não é motivo para afastar a
aplicação da insignificância. (...) Só o fato de ser um crime que
afeta dois bens jurídicos não torna dispensável a verificação da
lesividade da conduta praticada pelo agente. Muito pelo contrário,
nos crimes complexos, essa exigência é redobrada, pois é
preciso constatar a afetação simultânea de ambos os bens
jurídicos (FAGUNDES, 2019, p. 220 − grifos nossos).

c) Violação de direito autoral (art. 184, CP)

Tende-se, na jurisprudência majoritária, a não aplicar a insignificância.

(...) AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DE


DIREITOS AUTORAIS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E DA
ADEQUAÇÃO SOCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. 1. Não se

Curso Ênfase © 2022 62


aplica o princípio da adequação social, bem como o princípio da
insignificância, ao crime de violação de direito autoral. 2. Em que pese a
aceitação popular à pirataria de CDs e DVDs, com certa tolerância das
autoridades públicas em relação à tal prática, a conduta, que causa sérios
prejuízos à indústria fonográfica brasileira, aos comerciantes legalmente
instituídos e ao Fisco, não escapa à sanção penal, mostrando-se formal e
materialmente típica. 3. Agravo regimental a que se nega provimento (STJ,
AgRg no REsp. nº 1.380.149/RS, rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, DJ
27.08.2013, DJe 13.09.2013 − grifos nossos).

d) Valor

Segundo já decidiu o STJ, o princípio da insignificância, nos crimes


patrimoniais, teria como patamar o salário mínimo – ou seja, somente seria
aplicável o princípio da insignificância se o valor do bem fosse menor do que
10% do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos:

Esta Corte Superior de Justiça tem entendido que a lesão jurídica provocada
não pode ser considerada insignificante quando o valor dos bens subtraídos
perfaz mais de 10% do salário mínimo vigente à época dos fatos e as
características do fato demonstrem uma maior gravidade da conduta (AgRg
no REsp. nº 1.558.547/MG, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta
Turma, julgado em 19.11.2015, DJe 03.12.2015).

Para ambas as Turmas criminais desta Corte Superior, não se admite, como
regra e à luz das peculiaridades do caso concreto, a aplicação do princípio da
insignificância quando o valor da res furtiva, apesar de pequena monta, não
for irrisório – ínfimo – e superar o percentual de 10% (dez por cento) do
salário mínimo vigente à época dos fatos
(STJ, AgRg-REsp. nº 1.780.618/MG; Sexta Turma; rel. Min. Laurita Vaz; Julg.
17.10.2019; DJE 28.10.2019).

Quanto ao furto privilegiado (art. 155, § 2º, do CP), já decidiu a Corte que o
valor limite seria igual ao salário mínimo:

Em relação à figura do furto privilegiado, o art. 155, § 2º, do Código Penal


impõe a aplicação do benefício penal na hipótese de adimplemento dos
requisitos legais da primariedade e do pequeno valor do bem furtado, assim
considerado aquele inferior ao salário mínimo ao tempo do fato (HC nº

Curso Ênfase © 2022 63


583.023/SC, rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 04.08.2020,
DJe 10.08.2020).

Para o reconhecimento do crime de furto privilegiado – direito subjetivo do réu


–, a norma penal exige a conjugação de dois requisitos objetivos,
consubstanciados na primariedade e no pequeno valor da coisa furtada que,
na linha do entendimento pacificado neste Superior Tribunal de Justiça, não
deve ultrapassar o valor do salário-mínimo vigente à época dos fatos (AgRg
no REsp. nº 1.785.985/SP, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma,
julgado em 03.09.2019, DJe 09.09.2019).

4.24. Insignificância e crimes contra a honra

Embora haja poucos precedentes jurisprudenciais tratando exclusivamente


sobre o tema, a aplicação da insignificância se mostra absolutamente
pertinente aos delitos contra a honra, notadamente aqueles previstos nos arts.
138 e seguintes do CP.

Imagine, por exemplo, que um determinado sujeito, com vontade consciente


de injuriar outro (praticando, assim, o fato de injúria), dirige contra ele ofensa
completamente irrelevante ou de potencial de lesividade ínfimo, como “Bobo”,
“chato”, “feio”. Mesmo com o dolo de injuriar, a lesão tenderá a ser
irrelevante, e, assim, será cabível a exclusão da tipicidade material pela
insignificância. Como todas as outras hipóteses, entretanto, é necessário
analisar o caso concreto para que se investigue a magnitude da lesão
causada.

5. Insignificância e crimes culposos

Discute-se ainda na doutrina a possibilidade de aplicar o princípio da


insignificância aos fatos culposos, ou seja, aqueles cometidos por uma
conduta que, ante a maneira descuidada como se leva a cabo (por
imprudência, negligência ou imperícia), viola um dever jurídico de cuidado e
ocasiona um resultado típico não querido, embora objetivamente previsível e
relativamente evitável. Apesar de o tema ser pouco frequente nos debates,
mostra-se absolutamente relevante.

Deve-se ter em mente que, a priori, duas situações são possíveis:

Curso Ênfase © 2022 64


a) Determinado sujeito comete uma violação intolerável do dever objetivo de
cuidado, mas dessa violação advém um resultado típico irrelevante ou de
muito pouca significância, em termos de afetação da estrutura ou da
estabilidade, por lesão ou perigo de lesão, do bem jurídico tutelado pela
norma penal.

b) Determinado sujeito comete uma violação baixíssima do dever objetivo de


cuidado, mas dessa violação advém um resultado típico de alta monta, que
afeta gravemente a estrutura ou a estabilidade, por lesão ou perigo de lesão,
do bem jurídico tutelado pela norma penal.

Em ambas as circunstâncias, o princípio da insignificância se mostrará


aplicável. 

Na primeira, sua fundamentação estará em um baixíssimo desvalor do


resultado. Embora a doutrina tradicionalmente tenda a relacionar o princípio
da insignificância – e geralmente o faz mesmo pelo baixo desvalor do
resultado – com os fatos comissivos, nada impede que a irrelevância da lesão
advenha de uma conduta culposa. Aqui, a insignificância decorrerá mais
propriamente dita do princípio da lesividade, tendo em vista que a afetação do
bem jurídico tutelado não justifica a intervenção mais drástica possível do
Estado no âmbito das liberdades individuais de um sujeito determinado.

Na segunda, embora o tema não seja pacífico, sua fundamentação ocorrerá


em um baixíssimo desvalor da ação. Aqui, a insignificância decorrerá mais
propriamente dita do princípio da proporcionalidade, que será realizado em
um juízo de sopesamento entre a violação do dever e o resultado não querido.

Curso Ênfase © 2022 65


6. A análise da insignificância pelo delegado de polícia

Embora não haja uma gama de precedentes jurisprudenciais consolidados


nesse sentido, atualmente, este é justificadamente possível. Nesse sentido,
por exemplo, argumentam autores como Salah Khaled Jr. e Alexandre Morais
da Rosa (2014). Se, conforme já vimos, a insignificância se traduz em um
poderoso filtro de contenção do poder punitivo, blindando as liberdades
públicas do braço penal do Estado quando os danos a bem jurídico forem
inexistentes ou irrelevantes, então deve ser dada ampla abrangência a esse
instituto.

A lavratura de prisões em flagrante ou instauração de inquéritos policiais e/ou


outros procedimentos investigativos preliminares já se consubstancia, por si
só, em agressão grave à dignidade humana (obviamente, essa agressão
estará legitimada nas hipóteses constitucionalmente autorizativas) e, assim,
se desde logo puder ser aferida a irrelevância do pragma típico com grau de
certeza satisfatório, inexiste motivo juridicamente válido para limitar a atuação
do delegado de polícia, desde que sua decisão esteja devidamente
fundamentada e amparada em elementos de informação pertinentes
justificativos da medida. É possível, ainda, ao Ministério Público, ser
responsável constitucional pelo controle externo da atividade policial e o
controle da correção/incorreção jurídica dessa postura.

Reitere-se que a insignificância afeta a tipicidade material de um fato,


obstando que se configure o crime. Se isso é verdade, então a lavratura de
auto de prisão em flagrante, por exemplo, de fato insignificante e será
sinônima de prisão sem crime, o que possivelmente consubstanciará ato de
abuso de autoridade.

Atenção!

A possibilidade de aplicação da insignificância pelo Delegado de


Polícia ganha espaço relevante nas discussões atuais, com uma
forte tendência a ser considerada como válida e correta nos mais
diversos certames. Não obstante, ainda se trata de tema polêmico e
sem definição pela jurisprudência.

Curso Ênfase © 2022 66


“Obra coletiva do Curso Ênfase produzida a partir da análise estatística de
incidência dos temas em provas de concursos públicos. A autoria dos e-
books não se atribui aos professores de videoaulas e podcasts. Todos os
direitos reservados.”

Obra coletiva do Curso Ênfase produzida a partir da análise estatística de incidência dos temas
em provas de concursos públicos.
A autoria dos e-books não se atribui aos professores de videoaulas e podcasts.
Todos os direitos reservados.

Curso Ênfase © 2022 67

Você também pode gostar