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08/02/2020 DIREITO PENAL I

Capítulo 5: Parte 1

Capítulo 5

Teoria do delito

Teoria do delito
5.1 – O caráter fragmentário do Direito Penal

Uma das principais características do direito penal reside em sua fragmentariedade. Apesar da

multiplicidade de atos ilícitos existentes, apenas uma pequena parcela interessa a esse ramo do

direito; tal parcela compreende os atos que ofendem de modo mais grave os bens jurídicos

considerados essenciais para o convívio em sociedade.

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Capítulo 5: Parte 1

As infrações penais, portanto, correspondem a um


pequeno fragmento extraído da vasta gama de
atos ilícitos.

LEITURA

Para entender a teoria do delito, é importante estudar a sua evolução ao longo dos anos. Se for o

seu primeiro contato com o assunto, recomendamos a leitura do capítulo 5 da obra Manual de

Direito Penal: Parte Geral, Gustavo Junqueira e Patricia Vanzolini ou, para um estudo mais

aprofundado, a partir do capítulo 12 da obra Tratado de Direito Penal, volume 1, de Cezar Roberto

Bitencourt.

5.2 – Conceito de crime

Nossa legislação não apresenta, atualmente, um conceito de crime, como ocorria nos Códigos

anteriores (1830 e 1890). Há tempos o legislador se deu conta de que a tarefa de definir esse

importante instituto jurídico cabe à doutrina.

Os penalistas, então, na tentativa de cumprir essa árdua missão, apresentam uma série de

conceitos, ora enfatizando o aspecto puramente legislativo (conceitos formais), ora

procurando investigar a essência do instituto (conceitos materiais), ora verificando os

elementos constitutivos do crime (conceitos analíticos).

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Capítulo 5: Parte 1
Tradicionalmente, os conceitos analíticos têm sido o foco central da preocupação dos juristas

brasileiros.

5.2.1 – Conceito material e formal

Do ponto de vista material, crime pode ser definido como toda ação ou omissão consciente,

voluntária e dirigida a uma finalidade, que cria um risco juridicamente proibido e relevante a bens

considerados essenciais para a paz e o convívio em sociedade.

Formalmente, crime é a conduta proibida por lei, com ameaça de pena criminal (prisão, pena

alternativa ou multa).

5.2.2 – Conceito analítico

Como se antecipou acima, boa parte de nossa doutrina tem sublinhado a importância do conceito

analítico. Sob o pretexto de investigar quais os elementos constitutivos do crime, duas grandes

teorias despontam no Brasil, a primeira defendendo que crime é o fato típico, antijurídico (ou ilícito)

e culpável (teoria tripartida); a outra sustentando ser tal ilícito o fato típico e antijurídico (ou ilícito)

(teoria bipartida).

ATENÇÃO

Não se pode ignorar a existência de autores asseverando que crime é o fato típico, antijurídico,

culpável e punível. Essa visão, contudo, tem pouco prestígio na doutrina, porquanto se assenta em

uma premissa frágil: a punibilidade não pode ser considerada elemento do crime, já que lhe é algo

exterior. Note que por punibilidade entende-se a possibilidade jurídica de aplicação da sanção penal.

É possível, diante disso, que um crime tenha ocorrido, mas, por fatores alheios à conduta delitiva,

não se possa aplicar a correspondente sanção.

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Capítulo
Assim, se5:
umParte 1 cometido há muito tempo, provavelmente o seu responsável não
crime foi

mais possa ser punido porque o fato terá sido atingido pela prescrição (causa extintiva da

punibilidade — art. 107, IV, do CP). O crime, entretanto, subsiste, apesar da extinção da

punibilidade.

Para melhor compreender, acompanhe este exemplo:

EXEMPLO

Indivíduo A mata o indivíduo B em 1980, mas a autoria desse delito só vem a ser descoberta em

2005. O homicídio prescreve em 20 anos (CP, art. 109, I); logo, essa descoberta tardia impedirá a

punição do culpado (A). A prescrição obsta a aplicação da pena, na medida em que extingue a

punibilidade, mas não apaga o crime, que inegavelmente ocorreu (ou será possível afirmar que, com

a prescrição, o homicídio deixou de existir, ressuscitando a vítima!).

Resta, agora, considerar as duas teorias mais aceitas no Brasil. Antes, porém, cabe uma advertência.

Costuma-se designar como:

“Clássico” o autor que diz ser o crime fato típico, ilícito e culpável, e;

“Finalista” aquele que afirma ser fato típico e ilícito.

Embora tais designações sejam correntes, não são precisas. A aceitação da teoria finalista da ação

(que revolucionou o direito penal da metade do século passado) não implica necessariamente a

conclusão de que o crime é fato típico e antijurídico.

Há, nesse sentido, diversos “finalistas” que defendem ser o crime fato típico, antijurídico e culpável;

dentre eles, Hans Welzel, o precursor da teoria citada.

Por esse motivo, devem-se reservar as qualificações “clássicos” e “finalistas” para se referir aos

adeptos, respectivamente, da teoria causal ou naturalista da ação (e psicológica da culpabilidade) e

da teoria finalista da ação (e normativa pura da culpabilidade), que serão estudadas abaixo.

CURIOSIDADE

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Capítulo 5: Parte
No Brasil, seguindo 1
o caminho inicialmente trilhado por René Ariel Dotti e Damásio de Jesus, há

vários juristas, como Julio Fabbrini Mirabete, Luiz Flávio Gomes e Fernando Capez, que se filiam

ao entendimento segundo o qual crime é o fato típico e antijurídico.

Outros, porém, como Heleno Cláudio Fragoso, Cezar Roberto Bitencourt e Francisco de Assis

Toledo, estão entre os adeptos da tese segundo a qual crime é fato típico, antijurídico e

culpável.

O conceito tripartido, elaborado da seguinte forma: fato típico, antijurídico e culpável, é o

predominante na doutrina, apesar de haver vários adeptos da corrente bipartida no Brasil. Quase a

totalidade absoluta dos manuais de Direito penal adota esse sistema.

Importante notar que os efeitos da opção pelo


conceito tripartido ou bipartido são muito mais
teóricos do que práticos; pois para ambas as
correntes se não houver a culpabilidade não
haverá a imposição de pena.

REFLEXÃO

Você adota a corrente que defende a teoria bipartida ou a teoria tripartida?

5.3 – Sistemas penais e os elementos constitutivos do crime

A expressão “sistemas penais” é pouco utilizada pela doutrina brasileira. Muitos preferem referir-se

a “teorias penais”. Assim, por exemplo, diz-se com mais frequência “teoria clássica” do que “sistema

clássico”. A terminologia “sistema”, entretanto, afigura-se mais adequada.

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Capítulo 5: Parte 1
Na definição de Kant, sistema é a “unidade dos múltiplos conhecimentos sobre uma ideia”

ou “uma totalidade de conhecimentos ordenada sob princípios”.

Sistema penal, portanto, indica um conjunto de teorias intrinsecamente relacionadas,

desenvolvidas durante determinado período da evolução da dogmática penal.

Atualmente, apontam-se os seguintes sistemas penais:

a b c d

Sistema funcionalista (teleológico-racional), que se divide em: funcionalismo sistêmico (Jakobs)

e teleológico (Roxin), dentro dos quais se desenvolveu a (moderna) teoria da imputação objetiva.

5.4 – O sistema clássico (ou sistema “Liszt/Beling/Radbruch”)

No final do século XIX, inicialmente com Franz von Liszt, depois com Beling e Radbruch, surgiu o

sistema clássico. Graças às suas teorias, grandes avanços foram conquistados. Um dos mais

marcantes foi afastar de vez a responsabilidade penal objetiva, já que esses penalistas erigiram o

dolo e a culpa a elementos essenciais do crime, sem os quais ele não existe.

Essa doutrina teve grande influência do positivismo científico, na medida em que buscava examinar

o crime sob um enfoque puramente jurídico, desprovido de qualquer interferência de outras

ciências, como a sociologia, a filosofia ou a psicologia.

No dizer de Roxin,

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Capítulo 5: Parte 1

“ o conceito clássico de delito (...) estava influenciado de modo decisivo pelo

naturalismo do final do séc. XIX, que desejava submeter as ciências humanas ao

ideal de exatidão das ciências naturais, alicerçando, em razão disso, o sistema

jurídico-penal em dados da realidade mensuráveis e empiricamente

comprováveis.

— (Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal, p. 201).

O sistema em questão resultou da conjugação de duas importantes teorias:

1ª) Teoria causal ou naturalista da ação;

2ª) Teoria psicológica da culpabilidade.

A primeira vê a ação como a inervação muscular, A segunda entende que a culpabilidade é o


produzida por energias de um impulso cerebral, vínculo psicológico que une o autor ao fato
que provoca modificações no mundo exterior (von praticado, por meio do dolo ou da culpa.
Liszt).

Os penalistas clássicos subdividiam o crime em dois aspectos:

1º) Aspecto objetivo: fato típico e antijuridicidade;

2º) Aspecto subjetivo: culpabilidade.

O fato típico, para os clássicos, era composto de: ação; tipicidade (ou seja, adequação perfeita entre

o fato humano e o modelo legal abstrato — Beling); resultado (visto como modificação causal no

mundo exterior provocada pela conduta); e nexo de causalidade (vínculo que une a conduta ao

resultado).

ATENÇÃO

Composição do Fato Típico para os clássicos:

Ação;
Tipicidade;
Resultado;
Nexo causal.

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Capítulo 5: Parte 1
A ilicitude ou antijuridicidade era consequência inerente à tipicidade (todo fato típico

presume-se ilícito); aquela, contudo, não ocorria quando o fato típico fosse cometido sob o

amparo de alguma causa excludente de ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade,

estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de um direito).

Além disso, entendia-se que tais excludentes, por serem exclusivamente objetivas, dispensavam,

para sua constatação, a presença de elementos subjetivos, vale dizer, agia em legítima defesa

mesmo aquele que desconhecesse totalmente a existência de uma agressão injusta contra si ou

terceiro.

EXEMPLO

Por exemplo: Indivíduo A mata o indivíduo B por vingança, justamente no momento em que este se

encontrava prestes a matar C, fato desconhecido pelo homicida A; embora objetivamente A tenha

salvado a vida de C, não matou por ciência, mas por pura vingança; para os clássicos, A teria agido

em legítima defesa de terceiro, porquanto é irrelevante para tais fins verificar sua intenção.

A culpabilidade era vista como o vínculo psicológico que une o autor ao fato, por meio do dolo ou da

culpa. Tinha como pressuposto a imputabilidade, entendida à época como capacidade de ser

culpável (ou seja, de reunir maturidade intelectual suficiente para agir dolosa ou culposamente). Era

o liame subjetivo que justificava a punição do autor.

A limitação da culpabilidade à constatação de dolo


ou culpa deixava sem resposta inúmeras situações
em que a pena não se justi cava, apesar de o
agente ter cometido o fato dolosa ou
culposamente.

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ATENÇÃO
Capítulo 5: Parte 1

5.4.1 – Críticas ao sistema clássico

Muitas das ideias elaboradas pelos clássicos ainda são defendidas nos dias de hoje, dentre elas a

negação da responsabilidade penal objetiva.

Outras, no entanto, foram alvo de críticas e acabaram sendo aperfeiçoadas. Vejamos:

A B C D E F

Os autores clássicos entendiam que a ação, em sentido amplo, subdividia-se em ação em sentido

estrito (ex., um fazer) e omissão (não fazer). Ambas eram consideradas causais (teoria causal ou

naturalista da ação), ou seja, tanto a ação propriamente dita (fazer) quanto a omissão (não fazer)

geravam relações de causa e efeito. A omissão, contudo, não dá ensejo a relações de

causalidade. Trata-se de um nada, e do nada, nada vem (ex nihilo, nihil). Não se pode dizer que o

não agir é causa real e efetiva de algum evento. Quem não age, quando muito, deixa de interferir

numa relação de causalidade preexistente, mas não cria uma por si só. A pessoa que assiste a

um homicídio praticado por desconhecido e nada faz, seja por medo, seja por indiferença, não

pode ser considerada responsável pela morte da vítima, a não ser que possua algum dever

jurídico de impedir esse resultado (como o policial). Essa pessoa não cria a relação de

causalidade que leva ao óbito, embora possa nela intervir de algum modo (ex.: gritando por

socorro, empurrando o atirador para que erre o alvo etc.). Ao policial, entretanto, será imputada

a responsabilidade criminal pela morte no momento de sua omissão. O que diferencia a pessoa

comum do policial nessa situação não é o comportamento, pois ambos podiam agir e se

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omitiram, mas o fato de o agente da lei, diferentemente das demais pessoas, ter o dever jurídico
Capítulo 5: Parte 1
de agir e de evitar o resultado. A omissão penalmente relevante, portanto, não é causal, mas

normativa, é dizer, funda-se na existência de um dever jurídico (ou normativo) de agir visando

afastar o resultado.

5.4.2 – Resumo dos elementos do crime para os “clássicos”

SISTEMA CLÁSSICO

Aspecto

Aspecto objetivo do crime subjetivo do

crime

Culpabilidade
Fato típico (elementos que o Ilicitude ou
(pressuposto:
compõem) antijuridicidade
imputabilidade)

Estará sempre presente,

1) Conduta (ação) salvo quando o fato típico Subdivide-se em

2) Resultado for praticado sob o abrigo duas espécies:

3) Nexo de causalidade de alguma excludente de a) dolo, ou b)

4) Tipicidade ilicitude (legítima defesa, culpa

estado de necessidade etc.)

5.5 – Sistema neoclássico (Frank/Mezger)

Muitos dos equívocos acima destacados foram desde logo percebidos pela doutrina alemã, que

procurou reelaborar alguns conceitos com vistas a aperfeiçoar a teoria do crime. Nesse sentido,

Reinhard Frank reformulou a noção de culpabilidade, visando melhor adequá-la aos problemas

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concretos, notadamente às situações de coação moral irresistível e obediência hierárquica. Esse


Capítulo 5: Parte 1
autor vinculou a culpabilidade à ideia de reprovabilidade, defendendo que só se pode considerar

culpável a conduta reprovável socialmente, ou seja, digna de censura.

A pessoa que falsifica um documento sob ameaça de morte exercida com emprego de arma

de fogo, embora cometa um crime e aja dolosamente (de modo consciente e voluntário),

não tem escolha na situação concreta, pois, se não agir dessa forma, morrerá.

Em função disso, não se pode exigir do agente comportamento distinto.

Como poderíamos condenar alguém que agiu


exatamente como qualquer um agiria em
determinada situação?

Não podemos exigir do réu um comportamento diferente (ou seja, que não cometa crime), quando,

na situação em que ele se encontrava, teríamos agido do mesmo modo. Nessas situações

excepcionais, o réu deve ser absolvido, entendendo-se que sua conduta não foi censurável.

LEITURA

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Capítulo 5: Parte
Edmund mezger 1
e o Direito Penal de seu tempo, de Francisco Muñoz Conde. A obra trata da

relação de Mezger com a questão político-criminal nacional-socialista.

ATENÇÃO

Elementos da Culpabilidade no sistema neoclássico:

Imputabilidade;
Dolo ou culpa;
Exigibilidade de conduta diversa.

Estruturalmente, a teoria desenvolvida por Frank resultou na compreensão de que a culpabilidade

deveria ser composta por um novo elemento: a exigibilidade de conduta diversa (só age

culpavelmente quem, na situação concreta, poderia ter-se comportado de outro modo).

Ao lado do novo elemento, havia outros dois conhecidos: dolo ou culpa e imputabilidade (antes vista

como pressuposto da culpabilidade, passa agora a ser considerada seu elemento).

COMENTÁRIO

Em resumo, de acordo com a teoria de Frank, denominada “psicológico-normativa da culpabilidade”

ou “normativa da culpabilidade”, uma das bases do sistema neoclássico, a culpabilidade tem os

seguintes elementos:

a) Imputabilidade;

b) Dolo ou culpa;

c) Exigibilidade de conduta diversa.

Note-se que o sistema neoclássico tem como pilares, além da nova teoria da culpabilidade citada, a

teoria causal ou naturalista da ação (oriunda do sistema clássico, até então inalterada).

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Capítulo
Com 5: Parte
isso percebe-se que1Frank solucionou apenas um dos problemas encontrados no sistema

clássico, justamente a necessidade de explicar lógica e juridicamente a absolvição nos casos de

coação moral irresistível e obediência hierárquica; as demais críticas, no entanto, subsistiam.

Procurou-se, ainda, resolver a questão do erro de proibição (o qual ocorre quando uma pessoa

pratica um ato desconhecendo totalmente que a lei o proíbe;

EXEMPLO

Por exemplo, alguém se apodera de um relógio perdido na rua acreditando ter o direito de se

apropriar do bem, com base no dito popular “achado não é roubado”, desconhecendo que a lei pune

esse ato, que configura o crime de apropriação de coisa achada — art. 169, parágrafo único, II, do

CP).

No sistema anterior não havia solução satisfatória para tal situação. Com o escopo de dar uma

resposta a esse problema, alguns autores integrantes do sistema neoclássico “ressuscitaram” a

teoria do dolus malus e, com uma roupagem atualizada para a época, criaram o chamado “dolo

híbrido ou normativo”. Trata-se do dolo que exige a presença de três elementos: consciência,

vontade e consciência da ilicitude do comportamento. Assim, aquele que age sem ter consciência da

ilicitude de sua conduta não age dolosamente. No exemplo acima proposto, o agente seria absolvido

por falta de dolo. Tal solução, todavia, não ficou isenta de questionamentos.

Ao afirmar que o dolo contém a consciência da ilicitude, corre-se o sério risco de tornar

impunes criminosos habituais e demais delinquentes profissionais. Imagine uma pessoa

criada numa grande favela, que não teve acesso à educação e viveu no meio da violência e

da marginalidade como se isso fosse o normal. É possível que ela não veja mal algum na

venda de certa quantidade de droga para se sustentar. Pode até considerar esse

comportamento correto, segundo seus padrões individuais.

Esse sujeito, então, nunca seria punido criminalmente pelo tráfico de drogas que cometesse, pois a

falta de consciência individual da ilicitude conduziria, consoante a teoria acima exposta, à ausência

de dolo em suas condutas.

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5.5.1. Resumo dos elementos do crime para os “neoclássicos”


Capítulo 5: Parte 1

SISTEMA NEOCLÁSSICO

Aspecto

Aspecto objetivo do crime subjetivo do

crime

Culpabilidade

Fato típico (elementos que o Ilicitude ou (elementos

compõem) antijuridicidade que a

compõem)

1)
Estará sempre presente,
Imputabilidade
1) Conduta (ação) salvo quando o fato típico
2) Dolo ou
2) Resultado for praticado sob o abrigo
culpa
3) Nexo causal de alguma excludente de
3) Exigibilidade
4) Tipicidade ilicitude (legítima defesa,
de conduta
estado de necessidade etc.)
diversa

5.6 – Sistema nalista (Hans Welzel)

Em 1931, em sua obra Causalidade e Omissão, Welzel rompe definitivamente com os sistemas

anteriores. Partindo de uma premissa extraída de lições da psicologia, Welzel percebe que a

finalidade constitui a espinha dorsal da conduta humana.

COMENTÁRIO

Como já se destacou acima, as pessoas, em função de seus conhecimentos prévios sobre as relações

de causa e efeito, podem antever, dentro de certos limites, as consequências possíveis de seus atos,

dirigindo-os a uma finalidade que pretendam atingir. Ninguém age sem ter, por detrás, alguma

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intenção, por mais singela que seja. Sendo assim, não se concebe como a conduta humana
Capítulo 5: Parte 1
penalmente relevante possa ser analisada sem a intenção que a moveu (esse o fundamento da

teoria finalista da ação).

Os clássicos incorriam nesse equívoco quando reservavam o exame do dolo para a culpabilidade, e

foi justamente isso que Welzel corrigiu.

O dolo, elemento indicativo da intenção perseguida pelo agente, não pode ser analisado somente no

âmbito da culpabilidade, de modo destacado da ação ou omissão a que se vinculou.

Se a nalidade é a alma da conduta humana, ele


deve ser analisado em conjunto na teoria do
crime.

Como consequência, o penalista mencionado passou a sustentar que o dolo e a culpa deveriam fazer

parte do fato típico, e não da culpabilidade.

ATENÇÃO

A teoria finalista de Welzer retira dolo e culpa da culpabilidade e a torna componente do fato típico.

Assim, graficamente:

SISTEMA FINALISTA

Culpabilidade

Fato típico (elementos que o compõem) Ilicitude ou antijuridicidade (elementos que

a compõem)

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Capítulo 5: Parte 1 1)

1) Conduta DOLOSA OU CULPOSA Imputabilidade

2) Resultado 2) (...)
(...)
3) Nexo causal 3) Exigibilidade

4) Tipicidade de conduta

diversa

Hans Welzel notou, também, que o dolo deve possuir apenas dois elementos: consciência e vontade

(“dolo natural” ou “dolo neutro”). A consciência da ilicitude deve ser retirada do dolo e mantida na

culpabilidade, mas não como consciência atual (individual), e sim como consciência potencial da

ilicitude, como se explicará mais adiante.

Dolo e culpa, como se observa, deslocaram-se para o fato típico, o que motivou o surgimento de um

fato típico de crime doloso e outro de crime culposo.

Interessante notar que o próprio Welzel a rmava


não ter trazido nenhum elemento novo à estrutura
do crime, apenas os teria distribuído
corretamente.

As ideias desse autor resultaram em duas novas teorias: teoria finalista da ação e teoria normativa

pura da culpabilidade, os pilares do sistema finalista.

Antes de prosseguir, convém uma última e breve advertência: rotular alguém de “clássico” ou

“finalista”, portanto, equivale a identificá-lo como seguidor da teoria causal da ação e psicológica da

culpabilidade ou da teoria finalista da ação e normativa pura da culpabilidade.

5.6.1 – Sistema nalista da ação

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Capítulo
Sustenta que 5: Parte
a ação não 1
é mero acontecer causal, mas sim um acontecer final. A finalidade está

sempre presente porque o homem, graças ao seu saber causal (conhecedor das leis da causa e

efeito), pode direcionar sua ação para a produção de um resultado querido.

Ação e nalidade são inseparáveis. A teoria causal,


ao separar o dolo da ação, separa juridicamente o
que é inseparável no mundo real.

Acompanhe o exemplo a seguir, confirmando que o dolo está na ação e não na culpabilidade.

EXEMPLO

O art. 124 do CP tipifica o crime de autoaborto. Trata-se de delito punido apenas na forma dolosa.

Logo, se uma gestante ingere, acidentalmente, um comprimido, desconhecendo seu efeito abortivo,

não responderá pelo crime. Pergunta-se, então, por quê? E a resposta evidente é: porque o fato é

atípico (a lei não pune o aborto culposo). Adotando-se o sistema clássico, entretanto, teríamos um

fato típico e antijurídico, pois a falta de dolo, nesse sistema, não conduz à atipicidade do

comportamento, mas leva à exclusão da culpabilidade. Na prática, significa que o Ministério Público,

por esse sistema, mesmo após constatar com absoluta segurança que a mãe não agiu dolosamente,

deveria denunciá-la pelo crime do art. 124 do CP, cabendo ao juiz (com base no art. 415 do CPP) ou

ao Júri absolvê-la. Com o sistema finalista, entretanto, tal absurdo pode ser evitado. Quando o

membro do MP conclui categoricamente que não houve dolo, tem diante de si um fato atípico, com

base em que pode validamente postular o arquivamento do inquérito policial.

CURIOSIDADE

5.6.2 – Estrutura do crime no sistema nalista

5.6.2.1 – Fato típico


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Capítulo
Graças 5:finalista,
à teoria Parte 1 foi possível diferenciar um fato típico de crime doloso e outro de crime

culposo (afinal, o dolo e a culpa saíram da culpabilidade e se agregaram ao fato típico, ao lado da

conduta, que pode ser dolosa ou culposa).

ATENÇÃO

Conteúdo da Culpabilidade no Finalismo:

Imputabilidade;
Exigibilidade de conduta diversa;

Potencial consciência da ilicitude.

FATO TÍPICO

Crime doloso Crime culposo

Conduta dolosa Conduta voluntária

Resultado voluntário (nos crimes materiais) Resultado involuntário

Nexo de causalidade (entre conduta e resultado, nos Nexo de causalidade (entre

crimes materiais) conduta e resultado)

Tipicidade

Quebra do dever de cuidado

objetivo (imprudência, negligência


Tipicidade
ou imperícia)

Previsibilidade objetiva do

resultado

5.6.2.2 – Ilicitude
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Capítulo
No âmbito da5: Partedestaca-se
ilicitude, 1 a seguinte inovação: com a importância conferida à finalidade da

conduta, passou-se a sustentar que todas as causas excludentes de ilicitude possuem um elemento

subjetivo, ao lado dos requisitos objetivos exigidos por lei. Assim, na legítima defesa, além da

existência de uma agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, que se refute

moderadamente com os meios necessários (CP, art. 25), é preciso que a pessoa aja com a intenção

de defender-se ou de defender terceiro.

5.6.2.3 – Culpabilidade

Como se viu, a retirada do dolo e da culpa da culpabilidade promoveu sua reestruturação, passando

ela a conter os seguintes elementos:

a) Imputabilidade;

b) Exigibilidade de conduta diversa; e

c) Potencial consciência da ilicitude.

Segundo a teoria de Welzel, todos os elementos da culpabilidade têm natureza normativa,

porquanto implicam um juízo de valor (daí o nome teoria normativa pura da culpabilidade).

O elemento potencial consciência da ilicitude não constitui, propriamente, uma novidade. De fato, foi

ele destacado do dolo, onde se encontrava até então. No sistema anterior, o dolo compunha-se de

consciência e vontade (elementos psicológicos), e consciência da ilicitude (elemento normativo)

(“dolo híbrido ou normativo”). A partir do finalismo, passou a conter somente os dois primeiros

elementos (“dolo natural” ou “neutro”). A consciência da ilicitude, por sua vez, permaneceu na

culpabilidade, porém não como consciência atual, mas potencial.

COMENTÁRIO

Com outras palavras, a simples falta de compreensão acerca do caráter ilícito do fato não mais é

suficiente para isentar o agente de responsabilidade penal. Quando isso ocorrer, justificar-se-á tão

somente uma redução da pena. Só haverá isenção total da pena quando a pessoa, além de

desconhecer a ilicitude de comportamento, nem sequer possuir condições, em função da realidade

em que viveu e foi criada, de alcançar tal compreensão. Da mesma forma: se o sujeito não sabia que

agia ilicitamente, mas tinha condições de sabê-lo, merecerá uma pena menor; se, contudo, essa

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pessoa, por mais inteligente e atenta que fosse, nunca teria tido condições de perceber a ilicitude do
Capítulo 5: Parte 1
comportamento, não responderá criminalmente pelo ato. Nossa legislação adotou essa sistemática,

como se constata no art. 21 do CP.

LEITURA

Para aprofundar os conhecimentos sobre o complexo universo da Culpabilidade sugerimos:

Culpabilidade, de Davi de Paiva Costa Tangerino, Editora Saraiva.

5.6.3 – Teoria social da ação (Wessels e Jescheck)

A teoria social da ação pode ser enquadrada dentro do sistema finalista, uma vez que incorpora boa

parte de seus postulados. Foi concebida visando suplantar o conceito finalista e, por essa razão,

agregou um elemento até então inexistente ao conceito de ação, qual seja, a relevância social.

Desse modo, a ação passa a ser entendida como a


conduta socialmente relevante, dominada ou
dominável pela ação e dirigida a uma nalidade.

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08/02/2020 DIREITO PENAL I

Capítulo
Tal concepção5: Parte
não 1 muitos adeptos, dentre outros motivos, pelo fato de que a teoria social
angariou

da ação faz com que condutas socialmente aceitas constituam irrelevantes penais, o que, em última

análise, significa a revogação de uma lei penal por um costume social.


CAPÍTULO 5

Teoria do delito
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