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Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas


Departamento de Letras Orientais
Disciplina: Literatura Hebraica V
Docente: Luis Sérgio Krausz

O conflito de relações em

A Caixa Preta, de Amós Oz

São Paulo, agosto de 2016

Mirella de Carvalho

Nº USP: 7613181

Período: noturno
O conflito de relações em A Caixa Preta de Amós Oz

Mirella de Carvalho

RESUMO: este ensaio tem como objetivo analisar o romance epistolar A


Caixa Preta, de Amós Oz.

Autor de diversas obras acerca da realidade vivida no Estado de Israel


desde sua criação até os dias atuais, Amós Oz é um dos escritores mais
importantes desta região. Fundador do movimento israelense Shalom Achshav
(Paz Agora), e militante de esquerda, passou a questionar as políticas
adotadas pelo Estado de Israel durante a década de 70.

Tanto seus estudos sociopolíticos como seus romances são de cunho


político, mesmo quando associados ao cotidiano dos personagens. O romance
A Caixa Preta, publicado em 1987, se passa em 1976 e se desenrola através
da troca de cartas entre os personagens. Tal característica lhe confere o nome
de romance epistolar. Além disso, outra característica importante é o fato de o
narrador se ausentar para dar lugar aos interlocutores, gerando um conflito
entre a veracidade dos fatos, contados através de diversos pontos de vista. E
estes fatos, apesar de serem particulares dos personagens em questão, estão
dentro do contexto político dos kibutz e das ideologias que ali residem.

A obra se inicia com uma carta de Ilana pedindo ajuda financeira a seu
ex-marido, Alexander Guideon, devido à situação delicada de seu filho
adolescente Boaz, que ela afirma na carta ser dele também. Ilana está casada
com outro homem, Michael Sommo, e pelas suas palavras é possível notar que
houve um rompimento bastante complicado entre ela e seu ex-marido,
prevalecendo muitos ressentimentos entre ambos. Descrevendo detalhes sobre
o comportamento rebelde e agressivo do filho, Ilana suplica por ajuda, mesmo
sabendo do ódio que “Alec” sente dela.
“Você ainda está lendo? Revivndo o seu ódio por nós? Saboreando a
alegria do infortúnio com um uísque caro, em pequenos goles? Se é
assim, é melhor eu parar de desafiá-lo e me concentrar em Boaz”

Neste trecho, é possível notar que Ilana está deixando seu orgulho de
lado e se humilhando diante de Alex, atitude desesperada de uma mãe que
deseja, a qualquer custo, ajudar seu filho, perdido pelas circunstâncias da vida
e pelo rompimento de sua família.

Apesar de todo o conflito, Ilana e Alexander ainda se gostam, mas o


relacionamento foi rompido devido ao adultério da esposa. Guideon, um
intelectual de boa posição social, aceita ajudar seu filho, embora responda a
carta de maneira fria e ríspida, demonstrando total desprezo pelos dois. Ao
enviar uma quantia de dinheiro a Michael Sommo, este passa a pedir mais e
mais dinheiro, ao passo que isto acaba por virar uma espécie de extorsão.

Berta Waldman afirma em seu artigo1 que “o romance apresenta um


embate ideológico”, pois Alexander Guideon é de esquerda e Michael Sommo
de direita. Conforme Guideon manda dinheiro ao casal, Michael deixa sua
profissão humilde de professor e passa a comprar terras e almejar por uma
vida melhor para sua família. Assim, acaba ascendendo politicamente e se
engajando na política direitista vigente em Israel após a década de 70.

Por dar voz aos personagens, este romance é chamado de polifônico,


por agregar diferentes pontos de vista e permitir que vários estratos sociais
possam estar em consonância, apesar do conflito ideológico se fazer presente
em todo o romance. Esta polifonia é evidente ao dar espaço para diversas
formas de escrita, a qual determina a posição social e a personalidade dos
personagens que constroem a trama. Um exemplo disto é a escrita rebuscada
de Guideon e a escrita simplista e cheia de erros ortográficos de Boaz:

“Se o senhor puder especificar uma quantia razoável, é provável que o


senhor me encontre disposto a concordar. Tudo isso com a condição de
que o senhor não me moleste com uma investigação sobre meus

1
WALDMAN, Berta. “A Caixa Preta, de Amos Oz: um romance epistolar”.
motivos para conceder dinheiro, nem com efusivas expressões de
agradecimento em estilo levantino.”2

“E novamente obrigado e lembransas para a minininha bonita, de mim


Boaz”3

Boaz, apesar do difícil relacionamento com a mãe e de se encontrar sem


rumo na vida, acaba encontrando-se ao trabalhar em um atacadista de
verduras. Mesmo sendo ajudado por Michael com o dinheiro de Alex, não se
deixa levar pelo dinheiro e vive de maneira cooperativa na comunidade.
Diferentemente de Michael que se corrompe pelo dinheiro, o que faz Ilana se
decepcionar com o marido.

O embate ideológico entre Michael e Alex simboliza as divergentes


ideologias existentes no Estado de Israel, a qual impõe a forma de
relacionamento entre seus integrantes. Além disso, esta obra é um romance
psicológico em que os personagens expressam toda sua frustração e dor
através das cartas.

Desta forma, é possível perceber que o título é uma clara referência a


uma caixa preta de um avião, o qual é possível decifrar o motivo de um
acidente. Esta é uma metáfora para as relações rompidas presentes no
romance, bem como ao limite de cada indivíduo ao que se refere a dinheiro e
se corromper por conta dele, ou mesmo manter uma relação de poder através
dele, como é o caso de Alexander Guideon, que passa a ter o poder sobre a
família de Ilana. Ao final, quando Alex fica doente, mesmo com a dedicação de
Ilana por ele, deixa seu dinheiro de herança ao seu opositor, Michael Sommo.

2
OZ, Amós. A Caixa Preta. 1987. São Paulo. São Paulo: Planeta De Agostini, 2003
3
Idem.
BIBLIOGRAFIA

OZ, Amós. A Caixa Preta, 1987. São Paulo: Planeta De Agostini, 2003.

WALDMAN, Berta. “A Caixa Preta, de Amos Oz: um romance epistolar”.


http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
31062010000100007

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