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INTRODUÇÃO
Fatores de virulência são as habilidades com as quais os agentes patogênicos humanos chegam
a produzir invasão, infecção, modulação da resposta imune a seu favor e dificuldade no
tratamento contra eles. Isso se soma a características do hospedeiro, das quais eles tiram proveito,
como umidade em certas áreas do corpo, a imunossupressão e a presença de dispositivos médicos
invasivos.
Este artigo de revisão discutirá os fatores de virulência utilizados por Candida albicans e os
fungos dermatófitos, por serem os principais fungos produtores de doenças em humanos. A busca
de artigos na literatura foi realizada por meio do Pubmed. Duas pesquisas separadas foram
realizadas, a primeira usou as palavras-chave "Candida albicans" e "fatores de virulência" e a
segunda "Arthrodermataceae" e "fatores de virulência". Foram revisados artigos recentes dos
últimos 15 anos, publicados em inglês e espanhol, que resultaram dessa busca e aqueles
relevantes que foram encontrados na bibliografia especializada.
CANDIDA ALBICANS
É um fungo dimórfico, pois pode apresentar morfologia leveduriforme ou crescer como fungo
filamentoso, formando verdadeiras hifas. É considerado um comensal oportunista que existe
como parte da microbiota da área mucocutânea, gastrointestinal e geniturinária em humanos
saudáveis e coloniza as membranas mucosas em 30 a 60% das pessoas. Sob certas condições e no
hospedeiro suscetível, é capaz de causar infecções superficiais e sistêmicas, sendo o principal
fungo patogênico em humanos (1).
Os fatores de virulência para este patógeno oportunista incluem sua capacidade de sobreviver
como um comensal, aderência às células do hospedeiro, secreção de enzimas digestivas e
mudança na morfologia (1). Esses fatores de virulência desempenham um papel em cada estágio
da infecção por C. albicans. A infecção pode ser dividida em quatro fases:
1. Colonização: envolve a adesão epitelial e aquisição de nutrientes por meio da ação de adesinas,
enzimas hidrolíticas, formação de hifas e alteração do fenótipo.
2. Infecção superficial: neste estágio é importante a penetração epitelial por meio da degradação
das proteínas do hospedeiro por enzimas hidrolíticas e formação de hifas.
3. Infecção profunda: participam a penetração tecidual, a invasão vascular e a evasão imune por
meio de enzimas hidrolíticas e também a formação de hifas.
4. Infecção disseminada: C. albicans é capaz de realizar a infecção disseminada através da
aderência ao endotélio, infecção dos tecidos do hospedeiro, ativação do sistema de coagulação
pela intervenção de adesinas, enzimas hidrolíticas, formação de hifas novamente e alteração
do fenótipo. Estudos in vitro, em animais e humanos, implicaram as proteinases (protenases?)
como um fator de virulência em C. albicans (2) (ver figura 1).
Figura 1. Etapas da infecção por C. albicans e os mecanismos de virulência que intervêm em
cada etapa.
Adesão
A adesão às células do hospedeiro é fundamental para iniciar e manter a relação comensal,
além de servir para a colonização de células epiteliais e endoteliais, fatores solúveis, matriz
extracelular e materiais inertes implantados no corpo do hospedeiro. Nela estão envolvidos
mecanismos de natureza diversa: alguns que estabelecem ligações físico-químicas que
aproximam o patógeno à superfície do hospedeiro, como a hidrofobicidade, e outros de natureza
específica que envolvem a presença de adesinas e receptores no substrato.
O tubo germinativo tem quatro componentes proteicos que compõem uma camada externa
fibrilar e conferem hidrofobicidade ao fungo, além de funcionar como receptores para proteínas
do hospedeiro, como laminina, fibrinogênio e complemento. A hidrofobicidade também se deve à
presença da proteína Csh1p, que contribui para a aderência de C. albicans às proteínas da matriz
extracelular e ao plástico, favorecendo a formação de biofilmes.
As adesinas são biomoléculas que promovem a ligação das células hospedeiras aos seus
ligantes. Várias adesinas foram identificadas, como Ala1p, Als1p, Hwp1p, Csh1, Ywp1, Pra1 e Saps,
que são críticas para a colonização e indução da doença e sua função correta pode ser facilitada
por outras proteínas, como Ecm33 e Utr2 (5). Outras moléculas que promovem a adesão e
penetração de C. albicans são os polissacarídeos, glicoproteínas e lipídios em sua superfície celular
e estruturas como as fímbrias (6,7).
Há um grupo de adesinas codificadas pela família de genes ALS (Agglutinin-Like Sequence) que
transcreve oito proteínas da superfície celular ligadas ao glicosilfosfatidilinositol (GPI) e cujos
membros medeiam a ligação a vários substratos do hospedeiro.
Por exemplo, as AlS 1, 3 (expressadas nas hifas) e 5 promovem a fusão aos constituintes das
células epiteliais orais, enquanto 6 e 9 não o fazem. O substrato para as adesinas 2, 4 e 7 ainda não
foi determinado. As AlS atuam cooperativamente e forma agregados semelhantes a amiloide ao
longo da superfície celular, facilitando a aglutinação de células fúngicas. A proteína 1 da parede
hifa (Hwp1) é uma manoproteína expressa na superfície das hifas de C. albicans e facilita sua
aderência às células epiteliais orais por mimetizar proteínas ricas em prolina, substrato natural
das transglutaminases associadas a essas células (1.8).
Eap1 (maior aderência ao poliestireno) é uma adesina semelhante ao AlS e está envolvida na
ligação ao poliestireno. A Mp65 é uma proteína GPI na superfície celular que favorece a aderência
ao plástico e, por possuir atividade glucagonase, modifica a estrutura da parede celular para
possibilitar a expressão e função adequadas de outras adesinas (4).
Iff4 é um membro de uma família de 12 proteínas que são expressas na superfície celular e
ajudam a aderência às células epiteliais orais. Um nível correto de expressão de Iff4 é necessário
para a virulência máxima, uma vez que níveis muito elevados aumentam a suscetibilidade à morte
pelos neutrófilos em pacientes imunocompetentes, mas não em pacientes neutropênicos (5).
Int1p é uma proteína semelhante à integrina, cujos ligantes são a laminina, colágeno tipo I e IV
do hospedeiro (9,10) (ver Quadro 1).
Mudança de morfologia
Candida albicans pode alterar sua morfologia de levedura, redonda ou ovoide (blastoconídios)
para filamentosa e alongada (hifas e pseudo-hifas), conferindo-lhe maior virulência, capacidade
de evadir o sistema imunológico e de suprimir a resposta pró-inflamatória do hospedeiro (1). As
hifas verdadeiras crescem na presença de soro a 37°C, pH 7 e concentração de CO 2 de 5,5%. Esse
processo é regulado por sistemas de quorum sensing (QS) e pela indução de genes específicos de
hifas (HSGs), como os de SAP 4, 5 e 6, HWP1 e ALS3 e ALS8 (8). Alguns estímulos para o
crescimento na forma unicelular são temperaturas mais baixas, pH mais ácido, ausência de soro e
altas concentrações de glicose (13).
A forma de levedura é útil para facilitar a disseminação do fungo na corrente sanguínea por
aderir significativamente às células endoteliais (11), enquanto a hifa é responsável pela invasão
celular (16).
Este último evento é alcançado por diversos fatores, como a expressão na superfície de
proteínas do tipo invasina, como Als 3, que induzem endocitose do fungo pelas células
hospedeiras (5); penetração ativa entre as células epiteliais graças às atividades associadas às
hifas, como a produção de Saps e a fixação da ferritina pelo receptor Als3, com a qual a célula
fúngica pode capturar o ferro que é usado para sua sobrevivência (17).
Candida albicans também escapa dos fagócitos expressando altos níveis de SOD5 nas hifas, que
codificam uma superóxido dismutase extracelular que neutraliza o ambiente oxidativo de
monócitos, macrófagos e neutrófilos e produz a lise dessas células (11,18). Da mesma forma, evita
a resposta imune ao inibir a expressão de peptídeos antimicrobianos (19).
As vias de sinalização que traduzem os sinais ambientais para induzir mudanças na morfologia
foram estudadas exaustivamente. O contato de C. albicans com superfícies abióticas ou células
hospedeiras estimula a formação de hifas (tigmotropismo) e a indução simultânea de adesinas a
elas associadas (11,20–22). São reconhecidas vias de sinalização estimulantes e inibitórias desse
processo. Uma dessas vias é codificada por um primeiro grupo de genes responsáveis da
filamentação como EFG1, Ras1, CYR1 e CPH1, além de peptidoglicanos bacterianos no soro
humano, nutrição limitada e baixos níveis de oxigênio (8).
Ao contrário, os genes Nrg-1 –Rog1- Tup1 e Rbf1 medeiam duas vias inibitórias da mudança
de levedura para filamento (13). A mudança morfológica também depende da densidade celular,
ou seja, se for menor que 106 células/mm, se induzirá a forma de hifa. Isso é conhecido como
efeito do tamanho do inóculo (23). Atualmente, as pesquisas continuam para descobrir os genes
iniciadores e controladores da cascata de eventos para a mudança morfológica (8).
Biofilmes
Os biofilmes de C. albicans consistem em uma estrutura de levedura e hifas embebidas em uma
matriz extracelular produzida por ela mesma, o que contribui para a dificuldade no tratamento de
pacientes com infecções sistêmicas, devido à alta resistência à resposta imune, aos medicamentos
antifúngicos e que gera uma falha em dispositivos médicos, como cateteres e válvulas cardíacas,
que servem ao fungo como superfície de adesão (13). A formação do biofilme é regulada pelo fator
de transcrição Bcr1p. Também contribui para a formação do biofilme, a adesina Hwp1, uma das
adesinas específicas de hifas (2).
Para sua formação, é necessário que as leveduras se unam à superfície do látex, silicone ou
plástico por meio de adesinas, que, como a Eap1, passam a formar tubos germinativos, aderem
fortemente às células endoteliais e, por fim, dão origem a hifas que amadurecem dentro de uma
matriz extracelular, devido à interação entre Als1 e 3 com Hwp1 (1,7,11,22). A produção de
farnesol promove a liberação das leveduras recém formadas no biofilme para se espalhar e
colonizar uma nova superfície (21,23).
DERMATÓFITOS
São a causa mais comum de infecção fúngica em todo o mundo, com prevalência de 20%. São
fungos filamentosos, queratinofílicos, pertencentes à classe Euascomycetes, com três gêneros
agrupados de acordo com seu habitat: antropofílicos, que causam infecção em humanos; zoófilos,
associados a animais; e, os geofílicos, que estão relacionados ao material queratinoso. Os dois
primeiros infectam o estrato córneo e são considerados parasitas obrigatórios. Trichophyton
rubrum e Trichophyton tonsurans são antropofílicos, sendo o primeiro a causa mais comum de
infecção por dermatófitos em humanos. Trichophyton mentagrophytes e Microsporum canis são
zoofílicos e Microsporum gypseum é geofílico (27,28).
Os antígenos fúngicos ativam as células T supressoras e auxiliares do hospedeiro, sendo a
imunidade celular a responsável por modular a resposta inflamatória à infecção por esses
patógenos (29,30).
Os dermatófitos possuem um arsenal de atributos virulentos que tornam sua infecção viável
(31). Este é caracterizado por três fases: adesão, invasão e crescimento. O que acontece primeiro
é a adesão, que os dermatófitos alcançam graças às glicoproteínas que contêm manana em sua
parede celular (32); então a germinação ocorre duas a três horas após a adesão. Isso é seguido
pela penetração de hifas para evitar que se desprendam com a descamação do epitélio. Uma vez
instalados, os dermatófitos devem encontrar nutrientes para crescer e isso é conseguido graças a
enzimas como permeases e enzimas da parede celular, bem como outras enzimas hidrolíticas
como nucleases, lipases, proteases não específicas e queratinases (33) (ver figura 3).
Aderência
Embora ainda devam ser elucidados muitos dos mecanismos pelos quais os dermatófitos
interagem com as células epiteliais, sabe-se que o contato inicial entre as adesinas -dos
artroconídios do fungo- (elemento infeccioso) e a manose e galactose- do estrato córneo do
hospedeiro -, é um pré-requisito para a infecção. Quanto maior o tempo de contato, maior a força
de aderência (34,36). Tem se observado in vitro que os artroconídios de T. mentagrophytes
produzem longas fibrilas quando estão na superfície do estrato córneo (21).
Trichophyton mentagrophytes leva seis horas para se aderir firmemente, embora a germinação
comece após quatro horas. Os dermatófitos possuem adesinas específicas para alguns
carboidratos presentes na superfície da pele. Uma vez que os dermatófitos se aderem ao tecido
queratinizado, eles liberam enzimas, além de produzirem proteases para obter nutrientes, digerir
a queratina e conseguir entrar no epitélio e imunomodular (37).
Enzimas proteolíticas
Os dermatófitos produzem uma série de enzimas proteolíticas (38,39), como endo e
exoproteases (40), cuja secreção é controlada pela ativação gênica de um fator de transcrição da
família GATA (41). Dentro do primeiro grupo estão as subtisilinas (Subs 3,4) e metaloproteases
(Meps 3,4), e no segundo grupo, as leucino-aminopeptidases (Laps) (42-44).
O mecanismo preciso pelo qual as proteases fúngicas secretadas contribuem para a adesão não
está claro, mas há a hipótese de que elas poderiam servir como ligantes para células hospedeiras
ou fúngicas (45,37,46). Outras enzimas menos caracterizadas são lipases, ceramidases e nucleases
(32,47,48).
A maquinaria enzimática foi melhor caracterizada em Trichophyton rubrum por ser o patógeno
mais comum que causa dermatofitose em humanos (49). A tiorredoxina, útil na defesa contra o
estresse oxidativo, foi identificada como fator de virulência do Tricchophyton mentagrophytes
(31).
Invasão
Tubos germinativos emergem dos artroconídios, dando origem a hifas que invadem estruturas
queratinizadas como pele, cabelo e unhas, em um ritmo mais rápido do que a renovação
epidérmica, isto é possível graças à ação queratinolítica das proteases que degradam grandes
peptídeos em aminoácidos (46). As hifas têm tendência a migrar para buracos e fissuras nas
superfícies, às quais aderem (33).
Os dermatófitos possuem uma bomba de sulfito codificada pelo gene SSU1, responsável pela
sulfitólise, processo pelo qual as ligações dissulfeto da queratina se dissociam, liberando cisteína
e S-sulfacisteína, facilitando a digestão por outras endo e exopeptidases (37). As pontes dissulfeto
são responsáveis por tornar a queratina dura e difícil de degradar; o sulfito secretado pelos
dermatófitos reduz essas pontes e as dissocia diretamente. Então, as endo e exoproteases
fornecem uma fonte de nutrição para esses patógenos (36). Também produzem e secretam
proteases em resposta a componentes da matriz extracelular, como queratina e elastina, durante
o processo de invasão (36).
Modulação da resposta imune
Outro fator de virulência é a capacidade de manipular a resposta imune do hospedeiro
(32,35,50,51). A localização no estrato córneo é uma forma de evitar o desenvolvimento de uma
resposta celular marcada (47,52).
Foi observado que Tricchophyton mentagrophytes aumenta a produção in vitro de IL8 e fator
de necrose tumoral alfa, o que explica a resposta inflamatória aguda causada por esse dermatófito
(53).
Por outro lado, Trichophyton rubrum possui vários mecanismos para diminuir a defesa
imunológica do hospedeiro. A manana de sua parede celular parece estar envolvida no fenômeno
da imunossupressão, por inibir a resposta linfoproliferativa dos monócitos a diversos antígenos
fúngicos; os macrófagos que fagocitam seus conídios produzem IL10, com propriedades anti-
inflamatórias. Da mesma forma, tem a capacidade de suprimir a expressão de receptores Toll-like
na superfície dos queratinócitos, reduzindo a resposta do tipo de célula Th1. Logo, a infecção por
esse patógeno é crônica (41,46,47,54,55).
O estudo e a melhor caracterização dos fatores de virulência e da relação dermatófitos-
hospedeiro devem contribuir para o desenvolvimento futuro de estratégias para criar uma vacina
eficaz e segura contra dermatófitos (56–58).
CONCLUSÃO
Candida albicans e dermatófitos possuem vários atributos que os tornam virulentos. Esses
fatores atuam sequencialmente, dando-lhes a capacidade de se aderir ao epitélio queratinizado e,
então, degradar a queratina. Estes são alvos úteis para o controle da infecção fúngica e estudos
estão em andamento para desenvolver vacinas eficazes. O conhecimento aprofundado desses
mecanismos patogênicos ajudará a desenvolver melhores terapias contra esses microrganismos
no futuro.