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A IMPORTÂNCIA DA FISIOTERAPIA MOTORA NO

ACOMPANHAMENTO DE CRIANÇAS AUTISTAS

Anderson Azevedo*
Mayra Gusmão**

Resumo
O Autismo é um transtorno ainda desconhecido, com inluência direta no desenvolvimento neu‑
ropsicomotor de toda criança, manifestando‑se ainda no início da infância. A isioterapia motora
tem extrema importância no tratamento de tal comorbidade e inluencia, muitas vezes, nessas
três principais vertentes: a interação social, a comunicação e a linguagem. É relevante informar tal
aspecto a proissionais, estudantes, pais e pessoas que tenham interesse sobre o tema, enfatizando
a importância da intervenção da isioterapia motora em crianças com o diagnóstico de Autismo.
Trata‑se de estudo de revisão sistemática da literatura, com busca de artigos nas bases de dados
Ovid Medline, NHS Evidence Embase, Web of Science, Sciello, com os descritores: Autismo. Sín‑
drome do espectro autista. Prevalência do autismo. Fisioterapia em autismo. Fisioterapia motora
em autistas. Repercussão motora em autistas no período de 2000 a 2015. Foram encontrados
106 trabalhos (20 artigos no Ovid Medline, 38 artigos no NHS Evidence Embase, 18 na Web
of Science e 30 artigos no SciELO), sendo 70 na língua inglesa, 24 na língua espanhola e 12 na
língua portuguesa, no período avaliado. Selecionaram‑se 21 artigos. Percebe‑se que a isioterapia
motora tem grande importância na qualidade de vida não só da criança, mas de todos que com
ela convivem, melhorando habilidades motoras, posturas e funções da vida diária.

Palavras-chave
Autismo. Fisioterapia motora. Síndrome do Espectro Autista.

1. Introdução vida, fechando concretamente o seu diagnóstico


O Autismo é um transtorno ainda desconhecido, aos 3 ou 4 anos de idade, a depender do grau da
com inluência direta no desenvolvimento neurop‑ doença, e prevalece durante todas as fases do cres‑
sicomotor de toda criança, manifestado no início cimento e desenvolvimento humano. Ele age nos
da infância. Demonstra algumas de suas carac‑ três pilares principais: a interação social, a comuni‑
terísticas, geralmente, nos três primeiros anos de cação e a linguagem (SEGURA et al., 2011).

* Bacharel em Educação Física formado pela Universidade UNIP/Brasilia, Bacharel em Fisioterapia pela
FSBA e Especialista em Fisioterapia Pediátrica Neonatal pela Atualiza Cursos. E‑mail: aazevedoisio@
gmail.com
** Bacharel em Fisioterapia formada pela Faculdade Unime e Especialista em Fisioterapia Pediátrica Neo‑
natal pela Atualiza Cursos. E‑mail: mayragusmao@hotmail.com

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AZEVEDO, A.; GUSMÃO, M. | A importância da fisioterapia motora no acompanhamento de crianças autistas

Asperger, em 1944, descreveu a doença como um desenvolvimento infantil, icando à frente das mal‑
transtorno que, além de afetar a comunicação, a lin‑ formações congênitas e da Síndrome de Down. Nos
guagem e o convívio social, inluencia também no Estados Unidos da América, a cada 1.000 crianças
desenvolvimento psiconeurológico. Não é uma sim‑ nascidas, pelo menos uma, em alguma altura do
ples deiciência, mas um conjunto de variações inti‑ seu desenvolvimento, irá receber o diagnóstico do
tulado “Espectro do Autismo”, sendo relacionado a Transtorno do Espectro Autista (RUTTER, 2005).
diversas síndromes, com variadas características. A
Esses estudos epidemiológicos mostraram que há
partir daí, vários especialistas denominam tal doença
uma maior incidência de Autismo em meninos do
como Síndrome de Asperger (SEGURA et al., 2011).
que em meninas, com proporções médias relatadas
Klin (2006) airma que não se sabem ao certo as de cerca de 3,5 a 4,0 meninos para cada menina.
causas do Autismo. Especialistas acreditam que é Uma das melhores explicações para tal fato é que
um transtorno causado por uma possível falha do o Autismo é uma condição genética ligada ao cro‑
desenvolvimento dos neurônios, ainda durante o mossomo X, tornando, assim, os homens mais vul‑
processo de maturação gestacional. Pelo fato de neráveis (RUTTER, 2005).
não poder ser diagnosticado durante a gestação,
A maioria dos estudos encontrados na literatu‑
alguns sinais aparecem na fase de recém‑nascido,
ra relacionados ao tratamento de crianças diag‑
com comportamentos atípicos em uma criança de
nosticadas com o espectro autista cita somente o
desenvolvimento normal. Outros começam a se
acompanhamento de psicólogos, terapeutas ocu‑
manifestar a partir de, aproximadamente, dezoito
pacionais e proissionais de musicalidade, negli‑
meses de vida, com o aparecimento de característi‑
genciando a repercussão motora que a doença
cas típicas de crianças portadoras dessa deiciência.
pode trazer, com quadros hipotônicos e eixos
Estudiosos airmam que, para se conseguir reverter
desorganizados, o que ocasiona, na primeira fase
algumas dos traços dessa doença, é primordial que
da vida, um atraso em seu desenvolvimento neu‑
ela seja identiicada antes dos sete anos, porém, o
ropsicomotor. Poucos artigos falam sobre essas in‑
diagnóstico só pode ser fechado com 3 ou 4 anos,
tervenções, achando‑os, de forma secundária, em
idade em que a criança já possui maturação neu‑
artigos da língua inglesa e espanhola.
rológica a nível neuropsicomotor (BRAMBILLA et
al., 2003; MÜLLER et al., 2011). O presente estudo propõe avaliar sistematicamente
a importância de uma intervenção da isioterapia
Entre os especialistas, existe um consenso de que o
Autismo é decorrente de uma série de disfunções do motora em crianças com o diagnóstico de Autis‑
Sistema Nervoso Central (SNC), levando, assim, a mo, visando informar a proissionais, estudantes,
uma desordem em diversas áreas da criança. Estu‑ pais e pessoas que tenham interesse sobre o tema.
dos de neuroimagem e autópsias apontam uma va‑
riedade de anormalidades cerebrais em indivíduos 2. Metodologia
autistas, como, por exemplo, tamanhos anormais
Trata‑se de uma revisão sistemática de literatura.
das amígdalas, hipocampo e corpo caloso, matu‑
Os documentos avaliados foram identiicados com
ração atrasada do córtex frontal, desenvolvimento
base em pesquisa bibliográica na Ovid Medline,
atroiado dos neurônios do sistema límbico e pa‑
NHS Evidence Embase, Web of Science e Sciello,
drões variados de baixa atividade em regiões ce‑
sob diferentes descritivos (Autismo, Síndrome do
rebrais diversas, como o córtex frontal e o sistema
Espectro Autista, prevalência do Autismo, isiote‑
límbico (REDCAY; COURCHESNE, 2005).
rapia em Autismo, isioterapia motora em autistas,
A prevalência do autismo varia entre 4 a 13/10.000, repercussão motora em autistas), reportados na lín‑
ocupando o terceiro lugar entre os distúrbios de gua inglesa e espanhola. Cada documento identii‑

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cado foi revisado e assegurado independentemente Quando se fala em corpo, segundo Ferreira (2000),
pelos 2 pesquisadores, conforme os seguintes cri‑ tem‑se que pensar que ele é um organismo vivo,
térios de inclusão: artigos incluídos em periódicos um ser desejante, atuante, emocional, inteligente,
indexados, publicados nos últimos 15 anos. enim, não se pode esconder ou apenas renegar a
história que ele carrega. É preciso entender que o
Após as análises dos artigos, os pesquisadores ize‑
corpo muda com o passar do tempo, dependendo
ram uma relação dos principais tópicos relaciona‑
dos valores e das necessidades do local, da situa‑
dos à repercussão motora e às principais abordagens
ção, e é necessário aceitar as suas diferenças.
isioterapêuticas, descrevendo cada uma delas.
Segundo Ferreira (2002), as experiências motoras
da criança são decisivas na elaboração progressi‑
3. Resultados e Discussão
va das estruturas que, aos poucos, dão origem às
Os dados obtidos a partir do levantamento biblio‑ formas superiores de raciocínio, isto é, em cada
gráico são apresentados a seguir, de acordo com fase do desenvolvimento, ela consegue uma deter‑
os critérios de inclusão previamente estabeleci‑ minada organização mental que lhe permite lidar
dos. Número de artigos encontrados, segundo os com o ambiente. Pode‑se assim dizer que, em ter‑
descritores retromencionados e segundo a classi‑ mos de evolução, a motricidade é uma condição de
icação em nacional e internacional, no período adaptação vital. Sua essência reside no fato de nela
entre 2000 a 2015: nas seguintes bases dados Ovid o pensamento poder manifestar‑se. A pobreza de
Medline, NHS Evidence Embase, Web of Science, seu campo de exploração irá retardar e limitar a
Sciello, foram encontrados 106 trabalhos (20 arti‑ capacidade perceptiva do indivíduo.
gos no Ovid Medline, 38 artigos no NHS Eviden‑
ce Embase, 18 na Web of Science e 30 artigos no A corporeidade é a linguagem mais primitiva des‑
SciELO), sendo 70 na língua inglesa, 24 na língua se indivíduo desde a sua fase uterina. Assim, o
espanhola e 12 na língua portuguesa, no período movimento está em ligação direta com a criança,
avaliado. Selecionaram‑se 22 artigos, conforme os pois é parte dela que se comunica com o mundo, e
critérios de inclusão/exclusão, e que serão, neste também é a partir dele que irá organizar‑se como
momento, analisados. É importante mencionar sujeito pensante e atuante para dar conta da sua
que 84 artigos foram excluídos. participação na sociedade.

Essa informação reforça o entendimento de que o es‑ Podemos encontrar crianças apáticas, hipotônicas,
tudo do acompanhamento de isioterapeutas a crian‑ com a atividade motora reduzida, e posturas vicio‑
ças autistas se faz importante para o aumento da sas, com diiculdades de iniciar um movimento.
qualidade de vida em suas funções na rotina diária. Ou crianças hiperativas, sem ter nenhum interesse
Tal abordagem é algo recente nas publicações da área por objetos ou pessoas (GESCHWIND, 2013).
da saúde. As principais publicações são de psicólogos
e terapeutas ocupacionais, não havendo publicações 3.1 Alterações do tônus muscular
sobre o tema por proissionais da isioterapia.
Em crianças com Transtorno do Espectro Autista,
Após leitura dos artigos, realizou‑se a sistematização muitas vezes, é difícil avaliar o tônus isolado. Hi‑
das informações sobre as principais características potonia moderada é observada em mais de 50%
modiicáveis, com o acompanhamento de proissio‑ e pode provocar alterações da coluna vertebral
nais de Fisioterapia a uma criança autista. Esta for‑ (escoliose) na puberdade. Mas algumas crianças
ma de análise se deu pelo fato de que, pela literatura, podem ter hipertensão ou alternância das duas va‑
a maioria das crianças com o diagnóstico do autis‑ riedades de tônus (GESCHWIND, 2013, SACREY
mo apresenta uma ou mais dessas características. et al., 2014).

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O autor explica que o equilíbrio, ou desequilíbrio, ções de base necessárias à aquisição da autonomia
do tônus muscular, suas variações ou seus blo‑ e aprendizagens cognitivas.
queios irão traduzir a maneira de ser da criança,
suas emoções, suas vivências psíquicas, além de
3.3 A marcha
participarem também como elemento na comu‑
nicação não verbal. A atitude da mãe pesa muito Um aspecto muito importante, pois estão intima‑
no desenvolvimento da criança, desde o período mente ligados à sua funcionalidade, os movimen‑
gestacional, quando há um aumento considerável tos sincronizados durante a caminhada podem
de medos, muitas vezes, sem motivo aparente, de estar ausentes ou serem precários. A marcha a pé
ansiedades, depressões, enim, uma gama de sen‑ (sem deformidade ou doença neurológica) pode
timentos que irão repercutir, mais tarde, no de‑ ocorrer em 19% dos casos (SANTOS; FERNAN‑
senvolvimento psicológico, intelectual, afetivo e DES, 2012, SALIMI; JUNQUEIRAII, 2013).
psicomotor da criança. Existe, portanto, uma co‑
municação constante, um diálogo corporal entre Cifuentes (2010) realizou estudos de transtornos
mãe e ilho, na esfera do qual as modiicações tôni‑ de desenvolvimento motor nos primeiros meses
cas acompanham não apenas cada afeto, mas tam‑ de vida, analisando o sentar, o engatinhar, o icar
bém cada fato da consciência (MORAES, 2002). em pé e o andar. Encontrou, já nesta fase, padrões
de assimetria de movimento, alguns relexos ainda
Seguindo na abordagem de Ferreira (2000), ele vi‑ não inibidos na idade apropriada em desenvolvi‑
sualiza, então, que as capacidades motoras, intelec‑ mento, enquanto outros não apareceram quando
tuais e afetivas que facultam à criança estabelecer re‑ deveriam, como os relexos de proteção ao cair,
lação com o mundo estão sujeitas à sua carga tônica atraso no desenvolvimento dos estágios de cami‑
pessoal, a qual é, por sua vez, construída a partir das nhar e posicionamento anormal de marcha. Essas
estimulações que o meio e as pessoas lhe impõem. normalidades foram atribuídas à retenção anormal
Será pela percepção das diferentes experiências que do relexo primitivo, devido a um sistema neural
a criança terá possibilidade de criar a base para o de‑ imaturo. Fernandes (2013) relata que crianças com
senvolvimento de sua independência e autonomia diagnóstico tardio de transtorno autista apresenta‑
corporal e sua maturidade socioemocional. ram problemas no padrão motor da marcha, em
que utilizavam a ponta dos pés para tal, mostraram
3.2 As posições e atitudes também uma postura assimétrica do braço duran‑
As crianças com o Transtorno do Espectro Autis‑ te a caminhada e anomalias no movimento geral.
ta são, muitas vezes, bizarras, mal equilibradas e Os autores sugerem que o movimento anormal do
desconfortáveis, isso para um grau mais grave (SA‑ braço pode estar relacionado com o controle do
CREY et al., 2014). equilíbrio, sugerindo, assim, um envolvimento do
cerebelo, devido ao seu papel na coordenação mo‑
Ferreira e hompson (2002) informam que o au‑ tora e controle de balanço.
tista apresenta diiculdade de compreender seu
corpo em sua globalidade e em segmentos, assim
como seu corpo em movimento. Quando partes
3.4 Atraso no desenvolvimento
do corpo não são percebidas e as funções de cada
neuropsicomotor
uma são ignoradas, podem‑se observar movimen‑ Há um atraso na aquisição dos movimentos natu‑
tos, ações e gestos pouco adaptados. O distúrbio rais (descer escadas com movimentos alternados) e
na estruturação do esquema corporal prejudica diiculdades de aquisições de habilidades motoras
também o desenvolvimento do equilíbrio estático, inas (vestir e despir, desenho e escrita, diiculdades
da lateralidade, da noção de reversibilidade; fun‑ na condução do índice do polegar). Isso tem um im‑

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pacto negativo nas funções das atividades da vida 3.6 As estereotipias


diária, complicando até a prática de um esporte um
Temos que levá‑las em consideração, pois impactam
pouco mais complexo (GESCHWIND, 2013; SA‑
nas relações sociais. Elas respondem à necessidade de
CREY et al., 2014; ROSA NETO et al., 2013).
expressar emoções através do movimento, acompa‑
nhadas por uma busca da sensação de relaxamento
3.5 Estímulos a habilidades e prazer. Podem variar e evoluir na mesma criança
de forma precoce e, em última instância, são capazes de agir negativa‑
Em algumas crianças, essas competências moto‑ mente sobre o músculo‑esquelético (GESCHWIND,
ras muito especíicas são incomuns de desenvolver 2013; SACREY et al., 2014; PFEIFFER et al., 2013).
(SACREY et al., 2014).
Levin (2000) informa que os movimentos estereo‑
Segundo Levin (2000), o esquema corporal é o tipados apresentados pelas crianças autistas po‑
que se pode dizer ou representar acerca do pró‑ dem ser chamados de movimentos autísticos, uma
prio corpo. A representação que temos do mes‑ vez que não se dirigem a ninguém. O movimento,
mo é da ordem do evolutivo, do temporal. Dentro ao não passar por outro registro, não se separou.
do esquema corporal, encontram‑se as noções de Ele sugere que uma das possíveis vias de entrada
proprioceptividade, interoceptividade e extero‑ no tratamento dessas crianças é por meio desses
ceptividade. Na evolução psicomotora da criança, movimentos estereotipados (autoeróticos). Por
o esquema corporal irá se construindo, ele é sus‑ essa via, procura‑se escindir, separar esse corpo do
cetível à mensuração e à comparação com outro, gozo: tenta‑se fazer com que o movimento comece
por exemplo, nas medidas padronizadas em que a a funcionar, desse modo, no registro do desejo, si‑
criança corresponde a cada idade, a um peso, uma tuando‑o em outra posição separada do gozo.
altura, etc.

Para Ferreira e colaboradores (2002), o esquema 3.7 A voz


corporal é elemento básico indispensável para a É uma característica importante de crianças com
formação da personalidade da criança. É a repre‑ Síndrome do Espectro Autista, pois aspectos mo‑
sentação relativamente global, cientíica e diferen‑ tor‑fonológicos em produção podem ter impacto
ciada que a criança tem de seu próprio corpo. A na comunicação (ROSA NETO et al., 2013).
estruturação espaço‑temporal fundamenta‑se nas
bases do esquema corporal, sem o qual a criança,
3.8 Linguagem
não se reconhecendo em si mesma, só muito dii‑
cilmente poderia aprender o espaço que a rodeia. Um fator que não deve ser esquecido é que os au‑
Torna‑se necessário que ela adquira o domínio tistas possuem seus próprios desejos, preferências
corporal, o reconhecimento corporal e a passagem e personalidade, sem ignorar os outros aspectos do
para a ação. Sem essas habilidades, uma criança, desenvolvimento. A linguagem, sobretudo, é cons‑
por exemplo, poderá chocar‑se constantemente tituinte do sujeito, sendo base para a estruturação
com os amigos durante brincadeiras que envolvam psíquica, cognitiva e também psicomotora. Ao fa‑
corrida, machucar‑se ao passar por espaços limi‑ lar de corpo, o objetivo é ajudar o indivíduo autista
tados e sentir diiculdades em transferir líquidos a superar algumas de suas diiculdades, permitin‑
de um recipiente para outro ou derramar os líqui‑ do seu desenvolvimento em outros planos, ofere‑
dos ao bebê‑los. As etapas do desenvolvimento cendo novos meios de expressão, favorecendo a
do esquema corporal abrangem o corpo vivido, o conscientização, possibilitando o acesso a funções
conhecimento das partes do corpo, a orientação‑ importantes, como o olhar e o tocar, enim, bus‑
‑espaço‑corporal e a organização espaço‑corporal. cando melhorar a sua qualidade de vida.

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3.9 Medicação arcabouço de seu conhecimento para o exercício


de seu trabalho, ao mesmo tempo em que é repleto
O impacto das drogas sobre o Sistema Motor: o
de sensibilidade e sutileza relacional.
terapeuta deve conhecer os medicamentos que a
criança toma e seu potencial de ação no sistema Utilizando o pensamento de Ferreira e colabora‑
muscular. Os antipsicóticos podem induzir a certa dores (2002), o proissional que decide lidar com a
rigidez do movimento ou causar discinesia aguda criança autista deve considerar tudo o que é sabi‑
ou tardia. O antiepilético pode levar a tremedeiras do sobre o processo de desenvolvimento normal e
nos membros inferiores e inluenciar nas habilida‑ os fatores que otimizam o desenvolvimento, como
des motoras inas (PFEIFFER et al., 2013). também tem de considerar o que se sabe sobre os
aspectos anormais que interferem no desenvolvi‑
mento das crianças autistas.
4. Conclusão
É fácil perceber que a criança autista não possui
Fica claro que intervir em um processo vivencial é
um corpo vivenciado. A sensação que se tem é que
intervir na totalidade humana, seja através de um
o corpo é um objeto à parte, sem signiicação, sem
simples olhar, do escutar, do tocar e até mesmo no
importância. Existe uma grande diiculdade, por
falar. Provocar algumas variações nessa experiên‑
parte dela, em compreender seu corpo como um
cia é alterar a vivência global do ser em sua forma
todo. Ela não desenvolve, de maneira adequada, as
de ser, estar e viver no mundo.
noções de Esquema Corporal, o que tem diversas
Podemos, assim, dizer que uma das primeiras in‑ implicações, como foi possível observar ao lon‑
tervenções a que somos submetidos se dá através go deste artigo. Para uma criança autista, o corpo
do olhar. No primeiro momento da vida, quando pode ser um objeto de angústia e de pânico, sobre‑
nascemos, alguém nos olha e diz quem nós somos. tudo se ele não é bem estimulado e compreendido.
A partir daí, começamos a delinear e nos posicio‑ Por isso, é necessário que ele se torne um polo de
nar em nosso lugar no mundo, nossa identidade. O segurança e estabilidade.
toque, o sorriso, o falar, o olhar dos pais são de vital
Posso, a princípio, concluir que uma das maneiras
importância para o desenvolvimento emocional,
de auxiliar no tratamento do Autismo é por meio
intelectual e motor da criança. O desejo do outro
do corpo, tentando estabelecer uma relação entre
marca e inluencia seu próprio desejo.
o psíquico e o orgânico. A partir de experiências
É papel do proissional de Fisioterapia compreen‑ sensório‑motoras, o autista poderá aumentar sua
der e viver em profundidade o fato de que a crian‑ relação com o mundo, inicialmente impossível pela
ça necessita de alguém que se encante com seu diiculdade de entrar em contato com os outros,
mundo e o compreenda como essencial ao ato de seja por meio do toque ou por meio do olhar. Fica
viver; alguém que sonhe, fantasie, deseje, sorria, a proposta para, num próximo estudo, buscar te‑
dê gargalhadas, se alegre, busque realizar, alguém rapias que utilizem o corpo nessa intermediação
que, conscientemente, construa a existência para si corpo‑mente e veriicar de que forma elas podem
e para o outro: um proissional que lança mão do contribuir para o tratamento de crianças autistas.

THE IMPORTANCE OF PHYSICAL THERAPY MOTOR IN CHILDREN WITH AUTISM MONITORING

Abstract
Autism is a disorder still very unknown, with direct inluence on psychomotor development of
a child, yet manifested in the early childhood, physical therapy has a great importance in the

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treatment of this comorbidity inluencing many times in the three main characteristics: a partner
interaction, communication and language. To inform professionals, students, parents and people
who are interested on the topic, emphasizing the importance of physical therapy intervention
in children with autism diagnosis. his is a systematic review of the literature study, to search
articles in the database: Ovid Medline, Embase NHS Evidence, the Web Science, SciELO with
the descriptors: autism, autism spectrum syndrome, prevalence of autism, physical therapy in
autism, physical therapy for autism, motor repercussions in autistic from 2000 to 2015. Found
106 studies (20 articles on Ovid MEDLINE, 38 articles on NHS Evidence Embase, Web of Science
18 and 30 articles in SciELO), 70 in English 24 in Spanish and 12 in Portuguese during the study
period. Being selected 21 articles. It can be seen that physical therapy is very important in quality
of life not only of the child most of all with whom they live, improving motor skills, positions and
functions of everyday life.

Keywords
Autism. Physical therapy. Syndrome Autism Spectrum.

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