Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
43039
Resumo: O texto procura empreender uma análise do negacionismo. Por um lado, su-
gerimos tratar-se de um fenômeno ideológico caracterizável em termos de uma crítica
da modernidade empreendida por formuladores que não participam intelectualmente
dos pressupostos modernos. Por outro lado, construímos a imagem de um negacionismo
objetivo, o qual consistiria no desenrolar histórico dos limites intrínsecos do processo
de socialização moderno. Para caracterizar esses limites, sugerimos uma apreensão da
história da modernidade focada no caráter de classe de instituições costumeiramente
convocadas por sua apologética – a sociedade civil, a ciência, o Estado. Caracterizamos
como progressista o pensamento ocupado dessa apologética que, no entanto, procura ou
criticar intelectualmente, ou relevar, aquele caráter de classe, o qual se torna, não obstante,
historicamente evidente para as pessoas comuns, consistentemente por ele vitimadas.
Nesse sentido, o processo social moderno é caracterizado como guerra civil, da qual, bem
compreendido, o pensamento moderno deve ser tomado como a enunciação.
Palavras-chave: Negacionismo. Progressismo. Modernidade. Guerra Civil.
Abstract: The text delivers a twofold analysis of negationism. On the one hand, it is taken
as an ideological phenomenon characterized by a critique of modernity construed from the
outside of its customary assumptions. On the other hand, an objective sort of negationism
is found in the historical unfolding of the intrinsic limitations of modern socialization.
These are brought forward by attention to the class content of the class character of the
institutions regularly evoked by the apologetics of modernity – civil society, science, the
State. Progressivism, we suggest, the main target of negationism, is the tradition occupied
with that apologetics, either promoting an intellectual critique of, or simply overlooking,
the afore-mentioned class character, which, however, becomes historically undeniable to
the common people, consistently victimized by it throughout modern history. In this sense,
the modern social process is characterized as civil war.
Keywords: Negationism. Progressivism. Modernity. Civil War.
∗ Professor Associado do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Doutor
em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-RJ. E-mail: oliveira.rocha.pedro@gmail.com. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-8199-8671.
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 187
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
188 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
jargão odiador do passado não é real- tenha fixado nossa referência anacrô-
mente nada novo. Remonta ao imagi- nica no medievo. Não fomos nós, obvi-
nário do subdesenvolvimento, à ideia amente, que concebemos originalmente
de um Brasil que ficou para trás den- a ideia de um passado sombrio – e
tro de um processo civilizatório geral: tampouco foram os famosos iluminis-
os debates sobre o dualismo brasileiro, tas franceses do século XVIII. A “Idade
o caráter feudal de nossa colonialidade das Trevas” foi inventada pelo toscano
etc. A mania de Idade Média dos pole- Petrarca (1304-1374), poeta, latinista,
mistas de hoje tem a ver com a consci- epistoleiro, jurista a contragosto, au-
ência do atraso de nossos antepassados tor de literatura de autoajuda, expoente
(cf. CANDIDO, 1973): desde os abolici- originário da renascença italiana. Esse
onistas esperançosos em educar as clas- primeiro movimento de odiadores do
ses proprietárias retrógradas e dos co- passado emitia um chamado a transfor-
munistas procurando entender em que mar o seu mundo mediante uma con-
estágio nos encontrávamos no caminho cepção utilitária de conhecimento. Ar-
ao socialismo, até os seus alunos, e os gumentavam pela refundação das ins-
alunos de seus alunos, que somos nós. tituições de ensino, para que fosse se-
Se, depois de tudo, os tempos tenebro- pultada a preocupação escolástica com
sos se avizinham sempre que o horror o formalismo linguístico disputatório e
social se manifesta, é porque seguimos as sutilezas metafísicas. Os estudos ti-
andando na direção contrária à da his- nham de servir para o melhoramento
tória que, nessa versão dos fatos, sem- moral dos homens e, à medida que
pre tem – ou deveria ter – algo de um a modernidade se aprofundou, aquilo
“carro alegre” (BUARQUE, MILANÉS, que hoje chamamos de ciência entrou,
1978). É que não se trata de qualquer também, no menu. Tendo arregimen-
história: o Estado de direito que aqui tado a cultura dos antigos romanos para
capenga e a justiça social que nos falta, sua tarefa reformadora, os humanistas
a laicidade dos representantes e a tec- conceberam que o período histórico te-
nicidade das instituições, são suposta- nebroso contra os quais erguiam-se di-
mente características da sociedade mo- zia respeito ao eclipse que o gênio clás-
derna; o que amargamos é um déficit de sico havia sofrido durante uma época
modernidade. “média” entre a antiguidade e a sua.
Notavelmente, os originadores do
movimento renascentista, além de bons
cristãos, eram também membros de
O inventor de toda a escuridão uma classe urbana do Norte italiano
que vinham aguçando suas faculdades
É notável que a releitura do discurso de leitura imanente nos compêndios ju-
do subdesenvolvimento hoje corrente
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 189
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
190 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
como Petrarca acabou fazendo –, o que soas, e prolongando-se por dias a fio.
os humanistas miravam era o problema Com as cidades internamente dividi-
do governo: a capacidade de alcançar o das, soluções desfavoráveis numa corte
poder, exercê-lo bem, e manter-se nele. civil sempre podiam ser reapresenta-
Tratava-se, por um lado, de um projeto das à atenção de outros juízes apadri-
de classe das elites citadinas neoletra- nhados, cujas jurisdições também era
das; por outro, entretanto, essa classe resolvidas politicamente – ou seja, por
também brigava consigo mesma: es- meio da negociação, das influências, e
tavam em jogo as ambições individu- da força bruta. Finalmente, para obter
ais de famílias aristocráticas e propri- ganho privado, as famílias não hesita-
etárias que, dentro de cada uma das vam em aliar-se com players de outras
cidades autônomas, disputavam umas cidades e de outras classes, inclusive
com as outras. Na ausência de uma o papado, o próprio Imperador, outras
modernidade plena, essa disputa tinha monarquias europeias etc., o que trazia
apenas um tênue enquadramento ins- a guerra civil para o plano interurbano
titucional: era realizada nas cortes, nos e internacional.
conselhos, mas também debaixo de por- Se olharmos sem preconceito,
rete e na ponta do punhal. As estirpes tratava-se de uma época muito ani-
esmeravam-se na construção – e na de- mada, politicamente falando. A frou-
coração, com excelente gosto – de forta- xidão institucional tornava a política
lezas urbanas, onde séquitos formados quotidiana realmente decisiva desde
por capangas, primos distantes, capa- um ponto de vista histórico; e a pró-
chos, filhos bastardos, rufiões e solda- pria história não se contava em épocas,
dos profissionais defendiam os Albizzi mas em curtos períodos de ascendên-
dos Medici, os Medici dos Alberti, os cia e decadência desse ou daquele su-
Alberti dos Albizzi etc. Em torno desses jeito, sempre com seus capachos e de-
séquitos, mediante redes de influência e pendentes na boleia. Ademais, a parti-
favorecimento, formavam-se subcomu- cipação das pessoas comuns nas nego-
nidades dentro das cidades, cimentadas ciações à base de bofete era essencial,
pela lealdade que vem da dependência. e essa participação só era alcançada
Disputas políticas nos conselhos citadi- mediante favorecimento, o que signi-
nos – questões de prestação de contas, ficava haver entre as elites e as massas
competições para uso dos fundos cívi- um jogo de interesses que tinha que ser
cos, preferências na distribuição de car- diariamente resolvido. Quer dizer: a
gos, prerrogativas comerciais ou acesso violência política constante e difusa –
à terra – eram frequentemente resol- coisa que, por princípio, dá arrepios na
vidos no braço, em confrontos abertos classe letrada de ontem e de hoje, tendo,
nas ruas, envolvendo centenas de pes- há pouco tempo, trazido uma luminar
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 191
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
192 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 193
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
194 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
pação análoga ao problema humanista intelectual diante dos vinte anos de de-
das facções. A justificativa oficial de senvolvimento sob o coturno? Seria
uma pura e simples defesa da demo- preciso inserir uma nuance na auto-
cracia tem algo do raciocínio daqueles compreensão do Brasil dentro do pro-
primeiros pensadores da modernidade: gresso civilizatório – se isso, entretanto,
a questão não é tanto que existia uma já não tivesse sido feito. Estudos pro-
guerra entre dois lados, os comunistas duzidos entre nós, já a partir da dé-
e o regime; a questão é que os comunis- cada de 19601 , cuidaram não apenas
tas traziam a experiência social de uma de sublinhar o caráter autoritário da
ruptura facciosa, de uma sociedade cin- nossa modernização, mas de explici-
dida. Os milicos, nossos preservadores tar que tal caráter não a torna menos
da ordem, quando combatem a ameaça moderna: muito pelo contrário. Aten-
comunista não são inimigos dos comu- tando especificamente para a relação
nistas, apenas, mas inimigos da própria entre o desenvolvimento econômico e a
cisão social. A democracia em cuja de- urbanização durante o regime militar,
fesa oficialmente saíram é sereníssima: Francisco de Oliveira (1972) e Ermí-
é tão somente o business as usual. Ora, nia Maricato (1979), por exemplo, de-
a estabilidade política como valor em monstraram que a industrialização do
si, que é, evidentemente, a questão cen- período, e tudo que dela decorre, de-
tral do Príncipe de Maquiavel, está pre- pendeu da favelização. Afinal, depen-
sente em todas as principais penas da deu de baixos salários que condenaram
alvorada da modernidade inglesa: de o trabalhador assalariado e com carteira
Francis Bacon aos Commonwealthmen, e assinada à autoconstrução, abortando o
depois Hobbes. De olho nessas figuras, surgimento de um mercado imobiliá-
vemos como a expressão “moderniza- rio formal moderno de massas. Os bai-
ção conservadora” é, a rigor, um pleo- xos salários, a precariedade da forma
nasmo. de vida periférica, tornam nossa força
Com o advento de uma ditadura mo- de trabalho internacionalmente “com-
dernizante, a história mostra sua fide- petitiva”, e são, assim, pressuposto para
lidade aos primeiros renascentistas, e que o capital tenha interesse em vir nos
uma indiferença frente aos nossos odi- modernizar. Ao mesmo tempo, a faveli-
adores das trevas. Trata-se de um im- zação condena a mão de obra brasileira
portante episódio de superação do sub- moderna a espaços extraoficiais, desre-
desenvolvimento que não trouxe jus- conhecidos pelas autoridades estatais,
tiça social. Como fica o ódio ao pas- onde, portanto, as políticas públicas ci-
sado e o progressismo como princípio vilizatórias não chegam. Quer dizer: a
1 Um interessante mapa da história dessa sensibilidade brasileira aos limites do dualismo é fornecido por ARANTES, 1992.
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 195
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
196 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 197
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
civil, nesse contexto, não é uma guerra tão, com a escravidão. De fato, o sis-
entre os cidadãos, mas uma guerra con- tema penal de Utopia tinha um caráter
tra os despossuídos que os cidadãos de- especial: de todos os crimes previstos
sencadeiam enquanto tais – a guerra que em leis, os mais graves consistiam no
define o caráter civil do pacto civil. desrespeito às decisões judiciais, de tal
É interessante perceber a onipresença modo que, na prática, o mais alto valor
dessa imagem de sociabilidade intrin- dessa sociedade era a vontade do ma-
secamente aguerrida no imaginário re- gistrado, membro da oligarquia gover-
nascentista. Também a encontramos na nante. Devido à sua índole pacífica, os
magnus opus de Thomas More (1478- utopianos empregavam vizinhos subci-
1535), mártir católico, xerife de Lon- vilizados para morrer nas guerras em
dres, conselheiro de Henrique VIII e in- seu lugar, prestando assim um duplo
ventor da palavra “utopia”, que tanto serviço à humanidade: o castigo dos ím-
pano para manga dá até hoje para as pios inimigos dos estados racionais e a
benignos autocompreendedores da mo- eliminação dos povos inferiores, merce-
dernidade. Esse homem de família fa- nários afeitos à guerra (cf. MORE, 2003,
mosamente afável – que deixou de le- p. 89).
gar à posteridade, entretanto, o nome Fundamentalmente, contudo, a orga-
de sua esposa (cf. MORE, 2003, p. xiv) nização política desse país das maravi-
– foi também conhecido pelo bom gosto lhas devia-se à mão forte e ao coturno
arquitetônico de sua mansão bucólica civilizador do General Utopos, um su-
na periferia de Londres, cujo jardim jeito que havia chegado numa penín-
frontal decorou com a mão certeira do sula habitada por bárbaros tecnologica-
modernizador, colocando, ali, um ado- mente inferiores – os quais, contudo,
rável pelourinho (cf. WOOD, 1994, p. a confiar em Pierre Clastres, prova-
92). Mirando na República platônica, velmente também não passavam fome
concebeu um país maravilhoso em que (cf. CLASTRES, 2004). Vencidos numa
a economia funcionava, nenhum fun- guerra colonial e obrigados a trabalhar,
cionário era corrupto, e os inteligentes foram esses aborígenes que ergueram –
eram eugenicamente selecionados para com base nas ideias geniais do general
serem dispensados do trabalho, estu- – a civilização utopiana. É esse, afi-
dar e governar os demais. Como tudo nal, o preço daquilo que Karl Kautsky,
funcionava perfeitamente, não faltava leitor de Mooe, chamou elogiosamente
comida, e todos eram educados para de “socialismo utópico” (cf. KAUTSKY,
reverenciar a elite intelectual gover- 1979)? O próprio Marx, outro conhece-
nante, a estabilidade política reinava dor do Utopia, quiçá tampouco desviava
nesse não-lugar. Quem destoava era os olhos desse caráter colonial: havia
evidentemente irracional, e punido, en- considerado, afinal, a ocupação britâ-
198 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
nica da Índia como um preço a se pagar serventia econômica à terra fértil sobre
para extinguir o fanatismo religioso, as a qual viviam. Por não serem gente, po-
corporações de ofício e o sistema de cas- diam ser varridos do mapa.
tas (cf. MARX, 1853). . .
É assim que as ideias de uma civiliza-
ção moderna e de um desenvolvimento
moderno dependem dos incivilizados Classe trabalhadora
e da incivilização, tanto desde o ponto
Contudo, como se sabe, houve algum
de vista do que realmente aconteceu,
momento na história da modernidade
quanto desde o ponto de vista concei-
em que a população adquiriu um sen-
tual. Esses inimigos podem ser tanto
tido diferente, que se reflete no desen-
externos – como no caso dos aborígenes
volvimento da assistência social pú-
pré-utópicos –, quanto internos. O po-
blica, dos serviços estatais de preser-
pulacho, as pessoas que usavam a terra
vação e manutenção da vida: educação,
para viver – para comer, beber, festejar,
saúde, previdência etc. De fato, é nes-
contar histórias, celebrar cultos etc. –
ses traços da sociedade moderna que
foram, no período da ascensão do capi-
a imaginação dos odiadores das trevas
talismo, insistentemente caracterizadas
geralmente se apoia para falar bem do
pelos produtores de ideias como ani-
processo de modernização. Pelo que
malescas, monstruosas, boçais (cf. LI-
já dissemos, queda evidente que a dis-
NEBAUGH, REDIKER, 2000), caracte-
tância entre o Estado de Bem-Estar e
res destilados na figura do Calibã (cf.
o extermínio colonial, a demofobia e
FEDERICI, 2017), inventada pelo in-
a institucionalização da guerra decla-
comparável gênio renascentista de Wil-
rada de classes não é realmente equiva-
liam Shakespeare. Por serem subuma-
lente à distância entre modernidade e
nos, podiam ser desalojados, torturados
pré-modernidade, mas sim entre a mo-
e destruídos. E quando as classes pro-
dernidade e ela mesma. Mas será que
prietárias da Inglaterra, já tendo desen-
se tratam de duas modernidades, uma
cadeado ali o processo de acumulação
menos moderna do que a outra?
primitiva de capital, resolveram voltar
Na verdade, não é difícil encontrar
os olhos para a ilha vizinha, caracteriza-
o ponto de inflexão entre o populacho
ram os irlandeses como bichos e como
matável da acumulação primitiva e a
bárbaros que, ocupados com a mera
massa portadora de direitos das Déca-
subsistência – a mesma que, no final da
das de Ouro do capitalismo. Uma das
década de 1980, às vésperas do lança-
aparições desse elo perdido deu-se aqui
mento da Campanha Contra Fome, foi
entre nós – não surpreendentemente,
desprezada pelos Titãs (cf. ANTUNES
durante nosso processo de colonização,
et al., 1987) –, eram incapazes de dar
tendo ficado registrado no Regimento
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 199
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
das Missões de 1686. Ali, Pedro II, Rei tetor Universal de Todos os Índios”. A
de Portugal, dito “o Pacífico”, é provido preocupação demográfica que atravessa
de anunciar uma distinção entre os ín- seus relatos famosos contra o extermí-
dios selvagens – que “não vivem com nio ameríndio tem como pano de fundo
modo e forma de República” e que po- a proposta – lançada no Memorial de
dem ser submetidos ao extermínio mi- Remédios para as Índias, de 1516 – da
litar – e os índios civis, cuja vida deve reorganização de uma população in-
ser preservada (REGIMENTO, 1724. p. dígena preservada em aldeias geome-
59]. Os primeiros são caracterizados tricamente dispostas em torno dos as-
como canibais, teimosamente resisten- sentamentos espanhóis. A ideia, às ve-
tes aos missionários, desprovidos de lei zes considerada humanitária, de que os
e de senhores. Diante dessa gente, rei ameríndios têm alma, servia para di-
cristão nenhum está obrigado a nada. zer que, então, podiam ser convertidos
Os segundos são marcados por uma sé- e, portanto, disciplinados e, portanto,
rie de diferenças, mas a mais funda- postos para trabalhar de bom grado,
mental de todas é a de poderem ser sem as excessivas violências da escra-
trazidos para perto dos assentamentos vidão.
coloniais e postos para trabalhar. Sua Uma versão particularmente explí-
participação no processo econômico co- cita desse raciocínio, ademais colocada
lonial, percebida como fundamental, numa perspectiva transoceânica, vem
garante-lhes a proteção da Coroa por- da pena de Richard Hakluyt (1553-
tuguesa, inclusive sob a forma de “ou- 1616), noveleiro das navegações, pro-
vidores dos índios” encarregados de ve- pagandista do esforço colonial inglês,
rificar se os “descidos” estão sendo bem parlamentar, embaixador, empreende-
tratados e bem pagos, se suas mulheres dor, acionista da Companhia da Virgí-
estão sendo respeitadas etc. Os índios nia. Hakluyt considerou com atenção
se tornam súditos do rei, e cidadãos do o fenômeno dos vagabundos da alvo-
reino, na medida que trabalham, e são rada da modernidade – os sem-terra
economicamente úteis. produzidos pelo capitalismo agrário-
Outro atropelamento indiferente mercantil inglês, reduzidos à mendi-
pelo carro alegre da história e os con- cância e ao banditismo. Na Inglaterra,
tentes odiadores das trevas de que está acabavam torturados, mutilados, pre-
cheio: o raciocínio colonial de Pedro II, sos e mortos. Mas era preciso – con-
o Pacífico, é completamente moderno, e clamava Hakluyt – encarar esses corpos
ao mesmo tempo brutal. Encontramos desde uma ótica moderna: era preciso
um pensamento semelhante na obra de exportá-los como escravos para o Novo
Bartolomeu de las Casas (1484-1566), o Mundo, onde suas vidas não seriam
frade dominicano que alçou-se a “Pro- supérfluas e seu trabalho era necessá-
200 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
rio para a árdua tarefa de converter as compõe com uma tendência geral do
paisagens selvagens em terras econo- sistema punitivo na sociedade mo-
micamente produtivas (cf., p. ex., HA- derna, que assume sinais claramente
KLUYT, 1877. p. 37). A destruição do destrutivos, e corresponde a uma trans-
corpo precisava ser substituída por uma formação do papel que as pessoas co-
preservação moderna da vida. Assim – muns desempenham diante do pacto de
para voltarmos à modernidade plena – classe das elites proprietárias. Isso cor-
não é à toa que a escola e o hospital responde a uma inversão da tendência
públicos formam sistema com a peni- que havia sido desencadeada com o hu-
tenciária, que é, originalmente, um ar- manístico apelo hakluyteano pela pre-
mazém de gente cuja lotação varia com servação dos corpos, ecoado pela ma-
os altos e baixos da economia e a corres- temática populacional da colonização
pondente demanda de força de trabalho portuguesa; por outro lado, não tem
(cf. RUSCHE, KIRCHHEIMER, 2004). nada a ver com um retorno à Idade
É verdade, contudo, que, em tempos Média, quando o poder dos senhores
recentes, a prisão mudou de caráter: vi- se media em almas e o destino dos in-
rou um lugar aonde se vai para ser eli- divíduos era tão indissociável daquele
minado, e não preservado. Por um lado, de sua comunidade que a quantidade
em recantos do mundo como o Brasil, de filhos era um sinal de prosperidade.
os índices de mortalidade nas prisões é A relativização da vida à sua signifi-
incrivelmente superior àquele fora dela cação econômica, a subsunção da exis-
(cf. ENSP/FIOCRUZ, 2020]. Por outro, tência dos humanos – e de tudo mais
no centro propriamente desenvolvido que há na terra – pela função do tra-
do mundo, o sistema prisional cuida balho e da acumulação de riqueza, é
de concretamente eliminar populações inegavelmente um advento da moder-
inteiras do mercado de trabalho e da nidade. A guerra civil permanente que
democracia representativa. Nos EUA, a disso se depreende foi antevista e proje-
legislação bizarra e os bancos de dados tada pelos primeiros ideólogos moder-
unificados permitem aos empregadores nos. Se, ao longo da história moderna,
discriminar ex-condenados na hora da houve momentos em que massas um
contratação. Com base nos mesmos ca- pouco maiores gozaram de trégua, foi
dastros, leis eleitorais restritivas garan- apenas devido à própria seletividade
tem que, em estados como a Califórnia, econômica.
ou em cidades como Baltimore, entre
40% e 50% dos negros sejam impedidos
de votar (cf. WACQUANT, 2013. pp.
240, 118, 312).
Tal alteração do caráter da prisão
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 201
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
2 Numa fotografia infeliz que então circulava, Freixo segurava um cartaz que dizia: “UPP URGENTE” (cf. NSC, 2011).
202 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 203
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
jeto inacabado. Mas ninguém pode di- ligado à reconfiguração das instituições
zer que, com a Guerra ao Terror, não de Estado e à manutenção de uma po-
foram dados passos importantes para pulação de trabalhadores e consumido-
o desenvolvimento do Estado de Di- res: o que tradicionalmente entendia-
reito: por exemplo, em 2013, o Presi- se como imperialismo. Já os fenôme-
dente Obama tornou legal o assassinato nos de tempos recentes, especialmente
de cidadãos americanos pela CIA (cf. desde a deflagração da Guerra ao Ter-
REILLY, 2013), que até então o vinha ror, têm sugerido uma terminologia
fazendo ilegalmente. nova: fala-se de capitalismo por espo-
Um capítulo curioso e eloquente liação (cf. HARVEY, 2003), desmoder-
desse processo de civilização por meio nização (cf. GRAHAM, 2016) etc. Mas
da guerra havia, entretanto, acontecido – numa nova reviravolta cronológica –
em 2001. Ali, na sequência do ataque essas novidades não seriam desconhe-
às Torres Gêmeas, a secretaria de Es- cidas dos renascentistas. Seu cardápio
tado norte-americana declarou que o de modernizações incluía, como vimos,
Paquistão seria “bombardeado até vol- tanto o genocídio quanto a manutenção
tar à Idade da Pedra” se não colaborasse da vida: paradigmaticamente, Thomas
com a invasão do Afeganistão (REU- Smith, Francisco Pizarro e Hernán Cor-
TERS, 2006)3 , da qual, oficialmente, a tez, de um lado, e os Commonwealth-
segurança nacional estadunidense de- men, Bartolomeu de las Casas e Tho-
pendia. A sentença é importante por- mas More, do outro. Longe de repre-
que envolve um deslocamento tempo- sentarem etapas dentro de um quadro
ral e uma relação com o passado, e por de desenvolvimento, ou algo que o va-
isso dialoga com o renascentismo e o lha, tratam-se de esquemas do exercício
progressismo, embora de um jeito es- do poder econômico das elites moder-
tranho. É essa a mesma guerra que nas apaziguadas consigo mesmas, mas
os progressistas defenderam quando da em guerra com alguém. O que dife-
Primeira Guerra do Golfo? O que será rencia as duas situações é o papel de-
que acontece que acaba transformando sempenhado pelas populações dentro
o ódio à Idade Média num amor pelo desses esquemas. A proposta de geno-
Paleolítico? cídio e pilhagem, ou a possibilidade –
É notável a diferença desses proje- num quadro pós-genocidário – de in-
tos internacionais de destruição frente cluir os aztecas como súditos do impé-
às guerras coloniais dos séculos XIX e rio espanhol, ou reestabelecer a aristo-
XX. Aí, o controle do território estava cracia inca sobrevivente como supervi-
3 A eloquência da expressão não pode ser imputada à administração de George W. Bush, mas parece ser uma reedição da proposta
feita em 1965 pelo então chefe da Força Aérea Norte-Americana, em sua declaração de intenções para o Vietnã (CF. OXFORD, s.d.).
204 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 205
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
206 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 207
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
208 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 209
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
4 Uma tentativa de mapear essa cultura encontra-se na obra organizada por Felipe Brito e Pedro Rocha de Oliveira, 2013.
210 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 211
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
5 O contingente estabelecido pela Lei Estadual n. 6681, de 15 de janeiro de 2014, elevaria esse número para um PM a cada 268
habitantes.
212 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
favela do Jacarezinho, na Zona Norte Rio de Janeiro mata 3,4 pessoas por dia
carioca, se insurgiram contra os poli- (ROLIM, 2021, p. 7), de modo que o
ciais da UPP diante do que considera- que a Chacina do Jacarezinho realizou
ram a prisão arbitrária de um jovem (cf. foi abreviar o trabalho de nove dias em
GRANJA, CHALITA, 2013). Os polici- um só.
ais, acossados pela multidão, acabaram Ao longo dos anos, os episódios de
encurralados em um beco. Atiraram conflito entre a população e a paci-
para todos os lados, e uma das balas ficação foram documentados mensal-
matou um garoto que comia numa lan- mente e, muito em breve, em torno des-
chonete, e que ficou estendido no chão ses conflitos, o jargão da guerra civil
no meio de uma poça de sangue ainda assentou-se de forma completamente
com o cachorro-quente na mão. Con- não-problemática. E é assim que, em
sultado sobre o ocorrido, o diagnóstico março de 2014, vemos o ataque popu-
do comandante da UPP foi que a po- lar à UPP da Rocinha ser descrito como
pulação tinha que se acostumar com as ação de “prestadores de serviço do trá-
abordagens constantes da polícia, que fico, homens que agem sem fuzis nem
estava ali para aquilo mesmo (O DIA, pistolas e têm por objetivo atrapalhar
2013). Nisso, estamos apenas um passo o trabalho da PM” (G1 RIO, 2014). Na
atrás da contraparte do mundo desen- sociedade do universalismo realmente
volvido, onde departamentos de polí- existente, é evidente e inevitável que os
cia e organizações da sociedade civil – excluídos da operação capitalista for-
entre elas, uma chamada “Survive The mal sejam economicamente absorvidos
Stop” – fazem oficinas para ensinar jo- pela operação capitalista informal e ile-
vens a se comportar direito durante as gal e, nesse sentido, as distinções ex-
abordagens policiais de modo a não se- clusivamente morais entre “trafican-
rem mortos pelos oficiais da lei (AN- tes” ou “criminosos” e “trabalhadores”
DERSON, 2016). No Jacarezinho, a UPP ou “gente de bem” realmente desapa-
continuou a funcionar, e a multidão rai- recem. Isso é o que torna cruelmente
vosa foi dispersa, até a próxima escara- verdadeira a genocida ficção midiática
muça entre as partes civilmente belige- dos “prestadores de serviço do tráfico”:
rantes. E então, pouco mais de 8 anos desde o ponto de vista da administra-
depois, a opinião pública assombrou-se ção pública, e da consciência econômica
com a operação policial mais mortífera do capitalismo avançado, os habitantes
da história da PM fluminense, que dei- daqueles espaços são indiferentemente
xou, ali, 29 mortos. O motivo do assom- descartáveis, pacificáveis. Existem fora
bro, contudo, pode ser apenas a inten- do pacto civil.
sidade do horror, e não sua natureza: É curioso que os supracitados relató-
pela média de 2020, a Polícia Militar do rios metropolitanos do Banco Mundial
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 213
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
214 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 215
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
lidade urbana conectada ao mundo de- sia comparável com o gosto das pessoas
senvolvido, e os traços localistas – ge- educadas pela alta cultura. O povo,
ralmente de tom festivo – que remetem contra o qual a guerra civil continua,
à realidade precária de quem pode ser e que, inclusive, está em guerra consigo
subempregado para ajudar na moder- mesmo, torna-se simpático na medida
nização brasileira. Acontece que o Tro- em que fala de um jeito agradável para
picalismo é, segundo ele próprio, abso- aqueles que estão no pacto civil. Os in-
lutamente genial, o que lança um juízo cultos sem fala, ali, não têm lugar: o
de valor sobre a involuntária e mortí- apetite da estetização, como o da eco-
fera arregimentação do subdesenvolvi- nomia, tem limites. Em contraste, num
mento para o desenvolvimento. “Vaca trecho particularmente eloquente do
Profana”, uma canção da década de Memórias do Cárcere, Graciliano fala de
1980, reflete de forma retrospectiva e uma elite que, com a genuína curiosi-
sintética sobre isso. O compositor con- dade dos alienígenas, inclina-se sobre o
clama a gente culta da Bahia, do Rio, de gradeado do navio para observar os pri-
São Paulo, a alçar-se “pra fora e acima sioneiros, nos porões fétidos, cantando
da manada”, ao mesmo tempo que mo- e batendo palmas animadamente.
biliza os contrastes locais para ficar no É claro que os movimentos de alfa-
mesmo plano de Gaudi e Thelonius betização popular, educação pública,
Monk (cf. VELOSO, 1984). Trata-se de luta por direitos, reforma agrária etc.,
uma mobilização ingrata, visto que, ob- têm todos algo que ver com a inclusão
viamente, a tensão com a manada per- das massas no processo moderno. Con-
manece, uma forma inculta e brega de tudo, a situação tem sempre um limite
populacho continua existindo, e os que tragicômico, visto que a modernização
se salvam dela – fazendo-o, aliás, atra- só as pode aproveitar até certo ponto.
vés do conteúdo que ela fornece – não Tal limite hoje está brutalmente claro
têm nada a dizer a seu respeito, para para aqueles setores da sociedade que
além das recriminações por breguice – recentemente ingressaram na universi-
ou seja, submodernidade. dade por meio da expansão lulopetista
De forma parecida, embora aparen- da educação superior – caracterizada,
temente mais benigna, temos a trans- aliás, por um sistema de quotas raciais
formação do idioma dos miseráveis em que, notavelmente, os tecnocratas pre-
metafísica heideggeriana na obra de cedentes não se preocuparam em im-
Guimarães Rosa. Ali, ao invés do ca- plementar. O professor universitário
bra impotente e mudo de Graciliano que, no ensino público federal, trabalha
Ramos, temos cabras que se tornam com as humanidades, encontra-se no
humanos interessantes na medida que infeliz e privilegiado lugar de apreciar
seu linguajar pode produzir uma poe- o quanto grande parte dos estudantes
216 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
tem plena ciência de que o tempo que fantasmagórico problema das facções,
estão passando na universidade é uma no fim das contas, não dizia respeito
espécie de trégua entre o ensino mé- a outra coisa que à restrição da parti-
dio, obrigatório e inescapável, e um fu- cipação das massas no quotidiano po-
turo completamente incerto. Durante lítico. Isso porque, da mesma forma
essa trégua, a galera relaciona-se com que em Roma e no medievo, o povão da
a cultura universal metropolitana do alvorada da modernidade não era ape-
jeito que dá. Os de vocação profun- nas quem resolvia a pancadaria para
damente progressista, ou os que con- as demais “classes beligerantes”, mas
seguem antever um caminho profissio- também puxava suas próprias brigas.
nal dentro da academia – por teimosia, As consequências desse tipo de parti-
origem socioeconômica, e/ou confiança cipação política ficaram registradas na
em seu preparo prévio – mergulham Carta das Florestas, irmã conveniente-
nela tão completamente quanto possí- mente esquecida da Magna Carta in-
vel. A maioria o faz de forma relaxada glesa, resultado da Guerra dos Barões
e episódica, aproveitando o que é pos- de 1217 (cf. LINEBAUGH, 2008). Esse
sível desde o ponto de vista da reali- documento estabeleceu uma série de
dade periférica precária, divertindo-se prerrogativas para as massas campone-
com uma parte, maravilhando-se com sas que haviam participado no conflito:
outra, usando o restante pra equilibrar a acesso à terra cultivável, à madeira, à
as aprovações e as reprovações, maxi- caça e aos frutos nas florestas, à água
mizando a duração de sua experiência nas terras comuns etc. Fica ali ates-
acadêmica. Sabem que se trata de um tado que, no paradigma pré-moderno,
encontro feliz com prazo de validade ao final da guerra civil, quando as clas-
finito, porque o mundo não tem lugar ses participantes do conflito reúnem-se
para todos. para combinar os termos para recome-
çar uma vida social mais ou menos es-
tável, e registram suas condições sob a
forma de uma nova ordem legal, o po-
Fobos e Demos pulacho tem assento garantido na mesa
de negociações. Quer dizer: na ausên-
Desde o ponto de vista político, dá-se a cia do Estado moderno, a guerra civil
mesma coisa que no cenário econômico englobava realmente todo mundo.
e cultural: o desenvolvimento das insti- Isso é que precisava ser mudado, e
tuições modernas determina a política os signori foram convocados para rea-
como uma esfera específica, apartada lizar essa mudança, com a colaboração
da vida comum e das pessoas comuns. do expertise dos humanistas – sua poe-
O renascentismo refletiu sobre alguns sia grandiloquente, seu moralismo ele-
dos impulsos iniciais desse processo. O
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 217
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
gante, seu conhecimento jurídico. O re- sua participação no pacto político mo-
sultado foi a segmentação da guerra ci- derno não pela força dos números, mas
vil. O pacto renascentista da oligarquia pela propriedade, pelo sangue, ou pe-
amante das letras fez com que a política los dois. A partir da inauguração do
e a vida social se tornassem uma ques- mundo moderno dos códigos citadinos,
tão de especialistas inteligentes e mer- até o grande oxímoro da democracia de
cenários pagos para bater nos iletrados. massas, as pessoas comuns perderam
Textualmente, os especialistas em polí- sua subjetividade política, e passaram
tica legaram discussões a respeito do es- a figurar forçosamente como objeto de
copo e do caráter de categorias como “o uma administração demográfica milita-
povo” e “os cidadãos”; e a tradição aca- rizada. O objetivo do estabelecimento
dêmica, por motivos escusos, resolveu da ordem social moderna foi a exclusão
identificar-se com essas categorias, ou das pessoas comuns do pacto social, e
torná-las imediatamente comensurá- esse objetivo, obviamente, se concreti-
veis com a experiência das democracias zou.
do capitalismo plenamente desenvol- Nesse sentido, é interessante atentar
vido. Autoilusão? Desonestidade? Pre- para a maneira como, não importando
guiça? Consciência de classe? Qualquer a nacionalidade – italianas, inglesas,
leitor atento que se dispa de sua ma- francesas etc. –, as penas renascen-
nia de progressismo, e se permita um tistas que começavam condenando as
pouco de ódio àquela gente abominá- facções passavam direto às imprecações
vel que capitaneou a origem da sociali- contra o populacho rude que partici-
zação capitalista, entende rapidamente pava das balbúrdias urbanas. Os in-
que o objeto daquelas categorias são as sultos – beberrões, selvagens, ignoran-
elites que, embora não pertencentes à tes – são análogos aos que, na era da
altíssima nobreza, não deixavam por luta popular contra os cercamentos dos
isso de ser minúsculas. Ao preço de campos, foram dirigidos às multidões
criar uma identificação com essas eli- campesinas revoltosas, e são, na prá-
tes, a tradição filosófica progressista de- tica, antepassados dos escarnecimentos
senvolveu mirabolantes exercícios ver- franco-ultramarinos contra o autodida-
bais cuja aceitabilidade está restrita aos tismo. No fim das contas, esse vocabu-
meios hiperespecializados e àqueles em lário bate no teto de sempre, no qual
que o hábito da fé no progressismo blin- até hoje batem mesmo nossos deputa-
daram psicologicamente contra seu teor dos de esquerda: juízos sobre a utili-
monumentalmente pelego. A rigor, no dade e a inutilidade das pessoas para
jargão renascentista, o que aqueles ter- o trabalho moderno e, daí, para a po-
mos de caráter genérico e anônimo des- lítica moderna. O populacho que é in-
creviam eram setores que garantiam culto e desordeiro – ou seja, que não
218 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
vota direito nem age pelos proper chan- nal. O reinado inequívoco do desen-
nels – também é imprestável, ou seja, volvimento no nosso mundo das ideias
não-moderno. Nos relatórios do Banco – sempre contemporâneo ao mais tei-
Mundial dos anos 1990 e 2000, e pa- moso submodernismo social – foi colo-
peluchos do gênero, eram chamados de cada em standby. E a nêmesis antiga das
“não-integrados” ou “excluídos”. A ri- trevas recorrentes adquiriu consciência
gor contudo, esse caráter não-moderno de si sob a forma do discurso negaci-
é simplesmente equivocado, visto que onista, terraplanista, antiprogressista
a existência dessas populações se deve etc., articulado por figuras públicas fa-
inegavelmente ao processo moderno de lantes. Apareceram entre nós, nesse
expropriação, manutenção da distin- contexto, as designações de nova direita
ção entre licitude e ilicitude, limitação e neoconservadorismo: porque o velho,
da relevância econômica da população, persistente desde a época em que o es-
e pacificação civil. Os despossuídos, cravismo e o capitalismo combinaram-
o lúmpen, são criações tão modernas se sutilmente, não precisava de porta-
quanto todo o resto. Mas, essa gente, vozes.
nem a revolução salva. De fato, essa mudez é motivo de cha-
cota por aqui há muito tempo, especi-
almente desde os momentos iniciais da
redemocratização. Uma fala anedoti-
Nunca antes nesse país camente atribuída a Paulo Maluf dizia
que não existe direita no Brasil, onde
Foi então, nessa calmaria, que sucedeu todos os partidos são “democráticos” e
o horror que ora vige no Brasil. O que “sociais”. Nas décadas de 1980 e 1990
foi que aconteceu? Pelos motivos que era comum a sátira dessa ausência. Na
viemos enumerando, os diagnósticos de análise do segundo turno das eleições
retrocesso não se sustentam. É preciso de 1989 – que ficaria entre Fernando
buscar algum outro sentido histórico Collor e Lula –, um colunista do Jornal
para a ascensão das formas de estrago do Brasil falava de Ronaldo Caiado, en-
que hoje vicejam. Desde o ponto de tão do PDS, hoje governador de Goiás
vista da política eleitoral, é importante pelo DEM: “tem o mérito de ser ori-
notar que, a despeito da vacuidade da ginal no Brasil: não esconde que é de
expressão “nova política”, a irrupção direita” (MARTINS, 1989, p. 5). Na
de sociopatas desconhecidos nos execu- mesma edição, um redator adverte: “as
tivos e legislativos pelo país afora re- cassandras já propalam que o 2o turno
presenta a interrupção da manutenção dividirá o país (. . . ) se dividir, só vai
da simbologia de progressismo, desde dividir a esquerda, pois ninguém é de
sempre sustentada pelas partes até en- direita” (ATHAYDE, 1989, p. 13). O
tão participantes do jogo institucio-
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 219
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
220 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 221
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
6 O anuário denota um aumento de 6% no número de registros de crimes de lesão corporal dolosa contra LGBT entre 2018 e 2019
(de 731 para 775), e uma redução de 32% no número de registro de homicídio doloso contra LGBT no mesmo período (de 124 para
84; pp 106-107). A subnotificação é evidente e incontornável, e torna a interpretação da estatística uma tarefa complexa.
7 Os números foram extraídos do aplicativo estatístico do Forum de Segurança Pública (cf. FBSP, 2021).
222 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 223
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
tas pelo ministro da economia, e por Quer dizer: é evidente que não foi a
membros de sua equipe: o raciocínio gestão Bolsonaro que inventou os hos-
de que a morte de idosos por covid-19 pitais lotados, as pessoas morrendo nos
contribuiria para equilibrar as contas corredores, a falta de equipamentos bá-
da Previdência (LINDNER, VARGAS, sicos e insumos elementares. Muito an-
2020), e a lamentação de que a vontade tes de existir a nova direita, o serviço
das pessoas de viver demais causa sobre público de saúde do Terceiro Mundo es-
os serviços públicos de assistência uma tava alheio aos tratamentos científicos
pressão contábil insustentável (MAR- mais avançados proporcionados pelas
TELLO, GOMES, 2021). O vocabulário descobertas das vanguardas intelectu-
brutal é característico da desfaçatez da ais da humanidade. Mesmo nos bons
nova direita, mas a ideia subjacente, de tempos em que nosso atual presidente
caráter meramente técnico, é suficien- ainda limitava sua atividade política às
temente velha: é algo do repertório do boquiabertas sonecas no parlamento e à
universalismo realmente existente, bas- medíocre organização de rachadinhas,
tante parecido com o que a mídia séria já vigia a falta de leitos no SUS, as alas
incensava nos tempos áureos do civili- de hospitais interditadas por decadên-
zado principado sociológico. cia estrutural, os pacientes de UTI aten-
Nessa perspectiva, o ovo da serpente didos em cadeiras plásticas, o abandono
caberia direitinho dentro do ninho do e a pressão para privatizar os hospitais
tucano, e estaríamos apenas diante de universitários etc.
um capítulo particularmente sangrento Também é óbvio que esse negacio-
da guerra moderna contra os economi- nismo objetivo não está limitado à ex-
camente supérfluos. Nessa linha de ra- periência social brasileira, e precede o
ciocínio, encontramos as análises po- advento do covid-19. De acordo com
líticas progressistas, com suas lamen- dados da ONU, na última década, uma
tações petrarquianas e suas acusações média de 1,7 milhão de pessoas morre-
de incompetência, ignorância e obscu- ram todos os anos vitimadas por do-
rantismo. Foca-se no aspecto subje- enças diarreicas (DADONAITE, RIT-
tivo do bolsonarismo, como se os hor- CHIE, ROSER, 2019), causadas por pa-
rores que estamos vivendo houvessem tógenos que a ciência humana conhece
brotado ineditamente da cabeça de al- e compreende desde o século XIX. A
guém. Nessa perspectiva, contudo, fica profilaxia para essas doenças, que en-
de lado o negacionismo realmente exis- volve a higiene mais básica, está invi-
tente: o descompasso moderno con- abilizada para grande parte da huma-
creto, objetivo, entre as verdades cien- nidade, e isso não se deve a uma cam-
tíficas estabelecidas e as práticas de as- panha negacionista contra o sabonete.
sistência e manutenção da vida. Segundo dados da ONU, 2 em cada 5
224 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
pessoas no mundo não têm onde lavar dense Franklin Delano Roosevelt, para,
as mãos, e metade dos seres humanos sem um pingo de negacionismo, depo-
não têm acesso ao saneamento básico sitar rios de dinheiro no Projeto Ma-
(ONU, s.d.). nhattan, e iniciar a produção de arma-
Extrapolando a problemática para mentos nucleares. Não havia nenhum
outras frentes, a despeito de todos os Véio da Havan ali e, desde o ponto de
avanços científicos na produção tecno- vista da ciência moderna conforme ori-
lógica de alimentos, metade da huma- ginalmente concebida, nada de estra-
nidade está em insegurança alimentar, nho, tampouco. Francis Bacon (1561-
mais de 25% das pessoas no mundo es- 1626), oficialmente o inventor do tão
tão desnutridas, e cerca de 10% pade- celebrado método experimental, em ne-
cem de alguma doença associada à sub- nhum de seus exemplos práticos indi-
nutrição crônica (FAO et al., 2020, p. cou o emprego da ciência para a sa-
xvi). A eficácia dos alimentos para a sa- tisfação de necessidades, cura de do-
ciação da fome não é questionada por enças, auxílio em obras humanísticas,
nenhum teórico da conspiração; ade- superação da desigualdade social etc.
mais, os alimentos existem – segundo Explicitamente, Bacon só nos fala da
dados da ONU, para 10 bilhões de pes- eficácia científica para a produção de
soas (cf. HOLT-GIMÉNEZ et al., 2012) armas, a construção de edifícios altís-
– e, mesmo assim, a fome persiste. O simos para servirem de morada à elite
obscurantismo enquanto projeto inte- político-intelectual, e artigos luxuosos
lectual é supérfluo para a sociedade tais como joias artificiais e roupas bri-
moderna: a lógica das coisas moder- lhantes (cf. BACON, 1952, passim).
nas é obscurantista por si mesma, sem Essa imagem baconiana deveria nos
que ninguém tenha que jurar por terra dar o que pensar: os resultados do exer-
plana nenhuma. Diante da realidade cício intelectual interessam aos mem-
do SUS, da fome, do transporte público bros oligárquicos do pacto civil. Mas
lotado, da pobreza sistêmica etc., as ver- isso não quer dizer apenas que as pes-
dades científicas são indiferentes. soas comuns ficam de fora, mas tam-
Isso não quer dizer, é claro, que um bém que as pessoas de bem deveriam
governo e um empresariado absolu- ficar dentro – e é isso que não acontece
tamente comprometidos com a ciên- na gestão bolsonarista da pandemia. O
cia mais avançada não possam reali- que se passa é que há uma diferença en-
zar grandes coisas. Foi assim que me- tre o contexto pandêmico, de um lado,
gacorporações como a DuPont, a Kel- e as pessoas morrendo no corredor do
logs, a Union Carbide, entre outras, hospital ou da inacessibilidade da água
ouviram o chamado de Albert Eins- limpa e alimentos, do outro. A socie-
tein, e do próprio presidente estaduni- dade moderna sempre excluiu os eco-
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 225
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
226 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 227
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
228 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
repousa nos seus valores civilizados – pecialistas, com seus gráficos engano-
embora prestem homenagem verbal a samente simples e o branco ofuscante
eles –, mas em sua habilidade para go- dos seus jalecos, estiveram do lado da
vernar; em contraste, como testemu- violência tecnológica, ou exigindo das
nhou o próprio Jair Bolsonaro em de- pessoas comuns que aceitassem verda-
clarações conhecidas e reverberadas, des desvantajosas. As teorias eugêni-
ele e os seus não têm nenhuma aptidão cas, a superioridade racial dos brancos,
para o governo (cf. AGOSTINE, FREI- a inferioridade cognitiva das mulheres,
TAS, 2019), e o papel histórico de seu a inviabilidade contábil do Estado de
mandato seria o de desconstruir, e não Bem-Estar, os modelos históricos que
de criar. Ao mesmo tempo, essa pers- dizem que tudo sempre foi igual e as-
pectiva maljeitosa é caracterizada como sim permanecerá, a tecnologia de admi-
uma “revolução que estamos vivendo”, nistração populacional durante o Holo-
a qual “em grande parte” é devida às causto, o risco calculado de criar uma
ideias de Olavo de Carvalho (VALOR reação em cadeia infinita quando da
SÃO PAULO, 2019). O que está em primeira detonação nuclear, as rotinas
questão, no fim das contas, é a reali- de tortura padronizadas pela CIA, os
zação mundana das boas ideias. experimentos com material tóxico pro-
movido pela DuPont em seus funcioná-
rios: a cada vez, o establishment cientí-
fico pronunciou-se e assinou embaixo,
É hora do almoço e conclusões foram emitidas muito em-
bora os processos propriamente cien-
No discurso recente dos progressistas, tíficos usados para produzi-las fossem
chama a atenção a evocação da “auto- completamente opacos para as pessoas
ridade científica” e o apelo à “crença comuns. Esses processos – aquilo que
na ciência”. Esse vocabulário curioso poderia ser chamado de descoberta ci-
destoa de um espírito cético que parte entífica – ocorrem por trás das mura-
do iluminismo francês havia procurado lhas sempre crescentemente mais inex-
explorar, e que dizia respeito a um po- pugnáveis da sofisticação técnica e da
der propriamente científico de destruir divisão social do trabalho. O corte ra-
as autoridades estabelecidas e as cren- cial, de gênero e de classe dos pesqui-
ças inamovíveis, devido à enxurrada sadores soma-se aos interesses dos fi-
perpétua de novidades. Mas a escolha nanciadores para produzir um discurso
de palavras dos progressistas contem- com uma marca sociológica muito pre-
porâneos que se distancia dessa pers- cisa, mas um aspecto indiferentemente
pectiva não é acidental. Ele é perfei- autoritário. A divulgação científica e
tamente adequado a todos os momen- o estímulo à ciência obedecem lógicas
tos da história moderna em que os es-
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 229
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
obscuras, que fazem com que os enunci- ções modernas e para quem o ateísmo
ados científicos tenham, objetivamente, maníaco dos progressistas não levaria
o aspecto de enunciações oraculares – a nenhuma vantagem prática. Dessa
as quais Francis Bacon defendia que de- forma, diferentemente dos progressis-
veriam ser o mais diferentes possíveis tas e dos antiprogressistas, as pessoas
da linguagem das pessoas comuns (cf. comuns talvez não tenham problemas
BACON, 2000). Às vezes, essas enun- de ordem estritamente cultural, por-
ciações estão do nosso lado, ideologi- que, para quem vive nas margens da so-
camente falando – como no caso da ci- ciedade moderna, não ocorre realmente
ência do clima, o materialismo dialé- uma separação entre, de um lado, as
tico etc. Sempre, entretanto, são mem- ideias defensáveis e indefensáveis, e, de
bros de nossa classe que as operam, outro, a reprodução material. Esse, no
mapeiam, interpretam, implementam, fim, é o pecado das populações que não
emitem. têm o bom senso de ocupar-se do que
Dado aquele aspecto de revelação, pensam, desejam e planejam os pro-
não é estranho que, mais cedo ou mais gressistas.
tarde, as demandas para que as pessoas De fato, quando Marilena Chaui
comuns aceitem a verdade da ciência ri dos autodidatas, ou quando algum
assumam o caráter do insulto. Quem amigo querido vocifera contra o gado
“não acredita” na ciência é estúpido; a ignorante, o que vem à tona é que o
alternativa a dizer isso seria, de fato, conhecimento, a ciência, a cultura etc.,
explicar a ciência, o que é impossível são contrassenhas que os membros pro-
para quem não tem muito tempo so- gressistas do pacto civil moderno usam
brando e nem conhecimento prévio, de para se reconhecer. Para além do al-
tal modo que, na prática, é o perfil de cance dessas contrassenhas – ou seja,
classe que determina os fundamentos entre quem está dentro e quem está fora
daquela crença. Quando levamos em do pacto –, não há nem fala comum,
conta a questão da religião, isso fica nem dívida de civilidade. Repetem-se,
ainda mais evidente. Aqueles que, se- aí, as condições que vigiam entre os ín-
gundo o jargão progressista, se deixam dios canibais e Pedro II, o Pacífico: a
levar pelo discurso “medieval” dos pas- única relação possível é a guerra. Como
tores etc., são os mesmos que precisam os frequentadores de refeições em fa-
da própria igreja e da comunidade em mília sabem muito bem, e os teóricos
torno dela para ter o que ler, o que da primeira modernidade também já
cantar, com quem conversar, aonde ir sabiam, muito mais do que ser um fun-
no fim de semana, com quem pegar damento para a socialização e a civili-
dinheiro emprestado etc. São pessoas zação, a racionalidade é um resultado
que estão além do alcance das institui- de um acordo comum que, inexistindo,
230 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 231
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
232 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 233
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
234 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
pular e o campo das elites” (SCHWARZ, ção de impostos para fabricantes de ar-
2015)8 . E, no fim das contas, depois da mas de fogo, reprimindo protestos do
performance antiprogressista, a nova movimento civil etc.: sendo antipro-
direita faz uso da estrutura de governo gressistas, não são realmente antimo-
do Estado moderno. dernos. E, no fundo, da mesma forma
Assim, por um lado, é verdade que que os progressistas, têm seu próprio
os antiprogressistas, e aqueles que os apreço secreto pela primeira das “déca-
escutam, parecem ter perdido a fé nas das de ouro” do pós-guerra: não pelo
instituições modernas. Mas essa perda advento do Estado Social, mas porque,
de fé tem, no fundo, certa afinidade então, as pessoas andavam com o cabelo
com a crítica imanente dos progressis- arrumado, podiam ter casa própria, e os
tas: enquanto estes últimos acreditam hippies ainda não existiam.
que a sociedade moderna eventualmente
ficará à altura de si própria, os antipro-
gressistas acreditam que essa civiliza-
ção já foi decente um dia. Por um lado, Facções
denunciam com palavras ou na prática
a falsidade daquilo que os progressis- Quando uma estrutura de governo mo-
tas dizem ser o caráter propriamente derna combina-se ao escancaramento
moderno dessa sociedade: o universa- antiprogressista dos limites do pacto
lismo e todas as suas derivações, desde civil moderno, e da arbitrariedade de
o caráter laico do Estado até o globa- seu fundamento, o resultado é um go-
lismo, os direitos humanos, a separação verno que tem lado. No fim das con-
entre o público e o privado, a igual- tas, ainda quando não o reconhecem,
dade de raça e de gênero etc. Ao mesmo os antiprogressistas procuram dar um
tempo, evidentemente, têm uma visão determinado sentido à administração
de mundo centrada na pequena e média estatal moderna. Por um lado, essa ad-
propriedade privada, pautam-se numa ministração estatal está determinada
forma de vida e num conjunto de ideias pela exacerbação da performance pri-
que são as dos brancos, e aderem a uma vatista e monetarista do período ante-
concepção, ao mesmo tempo, individu- rior. Por outro lado, existem princípios
alista e policialesca de sociedade, que é especificamente antiprogressistas por
inviável sem um Estado moderno forte trás dessa operação. A velha percep-
tomando conta das fronteiras, regu- ção de classe média, de que os critérios
lando o sistema bancário, dando isen- de utilidade econômica, estreitíssimos,
ameaçam expulsar parte dos cidadãos
8 Como todos sabem, mesmo se, eventualmente, vingasse algum dos inúmeros pedidos de impeachment contra Bolsonaro, o que
estaria em jogo seriam acordos escusos entre players de alta patente.
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 235
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
236 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 237
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
238 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 239
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
240 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 241
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
Referências
ADORNO, T. W. HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
ADORNO, T. W. As estrelas descem à terra. São Paulo: UNESP, 2008.
AGOSTINE, C., FREITAS, C. “Bolsonaro diz que sofre pressão para tentar reeleição em 2022”. In: Valor Econômico,
08/04/2019. Disponível em [https://valor.globo.com/politica/noticia/2019/04/08/bolsonaro-diz-que-sofre-pres-
sao-para-tentar-reeleicao-em-2022.ghtml]: acessado em [25/06/2021].
ANDERSON, E. “Group working to educate drivers on what to do during a traffic stop”. In: 10 WBNS, 17/08/2016. Dis-
ponível em [https://www.10tv.com/article/news/local/group-working-educate-drivers-what-do-during-traffic-
stop/530-1fc21714-d774-4261-9e27-d2912276589c]: acessado em [10/05/2021].
ANTUNES, A. et al. “Comida”. In: Jesus não tem dentes no país dos banguelas. WEA, 1987.
ARANTES, P. Sentimento da dialética na experiência intelectual brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
ARANTES, P. Diccionario de bolso do Almanaque Philosophico Zero à Esquerda. Petrópolis: Vozes, 1997.
ARANTES, P. “A fratura brasileira do mundo”. In: ARANTES, P. Zero à esquerda. São Paulo: Conrad, 2004.
ARANTES, P. Extinção. São Paulo: Boitempo, 2007.
ARISTOTLE. The Politics. Londres: Penguin Books, 1992.
ATHAYDE, F. de. “Cavalo solto”. In: Jornal do Brasil. Primeiro Caderno, 20/11/1989.
BACON, F. “The new Atlantis”. In: HUTCHINS, R. M. (Ed.) Great books of the Western World. Vol. 30. Chicago:
University of Chicago Press, 1952.
BACON, F. The new organon. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
BARONILarissa Leiros. “Denúncia contra Lula é justa, mas tem interesse eleitoral, avalia Safatle”. In: , UOL Notícias,
14/04/2016. Disponível em [https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/09/14/indiciamento-de-
lula-e-uma-justica-eleitoralmente-interessada-diz-safatle.htm]: acessado em [10/05/2021].
BASTOS, I. ANTUNES, L. “Depois do Choque de Paz, o choque de ordem”. In: O Globo Online, 13/11/2011. Dis-
ponível em [https://oglobo.globo.com/rio/depois-do-choque-de-paz-choque-de-ordem-3234107]: acessado em
[10/05/2021].
BITTENCOURT, J. “Bolsonaro já defendeu a tortura e o fuzilamento de FHC. Veja o vídeo”. In: Forum, 10/10/2017. Dis-
ponível em [https://revistaforum.com.br/politica/bolsonaro-ja-defendeu-tortura-e-o-fuzilamento-de-fhc-veja-o-
video/]: acessado em [25/06/2021].
BLOOMENTHAL, A. “Can a family survive on the U.S. minimum wage?” In: Investopedia, 03/03/2021. Disponível em
[https://www.investopedia.com/articles/personal-finance/022615/can-family-survive-us-minimum-wage.asp]:
acessado em [25/05/2021].
BRITO, F. “Considerações sobre a regulação armada de territórios cariocas”. In: BRITO, F. OLIVEIRA, P. R. de (Orgs.).
Até o último homem. Visões cariocas sobre a administração armada da vida social. São Paulo: Boitempo, 2013.
BROWN, H. “Unemployment benefits aren’t causing a labor shortage. Low wages are.” In: MSNBC, 24/05/2021. Dispo-
nível em [https://www.msnbc.com/opinion/unemployment-benefits-aren-t-causing-labor-shortage-low-wages-
are-n1268292]: acessado em [25/05/2021].
BUARQUE, C. “Jorge Maravilha”. In: O Banquete dos Mendigos. RCA, 1974.
BUARQUE, C. MILANÉS, P. “Canción por la unidad latino americana”. In: Clube da Esquina 2. Odeon, 1978.
BUENO, S., LIMA, R. S. de. (Coords.). Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. São Paulo: Forum Brasileiro de Segu-
rança Pública, ano 14, 2020. Disponível em [https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anua-
rio-14-2020-v1-interativo.pdf]: acessado em [10/05/2021].
CANDIDO, A. “Literatura e subdesenvolvimento”. In: Argumento. Revista mensal de cultura. Ano 1, n. 1. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1973.
CARDOSO, F. H. Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil. São Paulo: Difusão Européia do Livro,
1972.
CATRACA LIVRE. “‘Precisamos falar sobre Crivella’, escreve Jean Wyllys”. In: Catraca Livre, 16/10/2016. Dispo-
nível em [https://catracalivre.com.br/cidadania/precisamos-falar-sobre-crivella-escreve-jean-wyllys/]: acessado
em [10/08/2018].
CLASTRES, P. Arqueologia da violência. Pesquisas de antropologia política. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
CORRÊA, D. “PM quer retomar programa de Unidades de Polícia Pacificadora no Rio”. In: Agência Brasil, 20/07/2019.
Disponível em [https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-07/pm-quer-retomar-programa-de-unidades-
de-policia-pacificadora-no-rio]: acessado em [10/05/2021].
DADONAITE, B., RITCHIE, H. ROSER, M. “Diarrheal diseases”. In: Our World in Data. University of Oxford, 11/ 2019.
Disponível em [https://ourworldindata.org/diarrheal-diseases]: acessado em [25/06/2021].
DANOWSKI, D., VIVEIROS DE CASTRO, E. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Desterro (Florianópolis):
Cultura e Barbárie, 2014.
242 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
DEMORACY NOW. “Lawyer: Jeff Sessions’ Attacks on Migrant Domestic Violence Survivors Drags U.S. Back to ‘Dark
Ages’“. In: Democracy Now, 15/06/2018. Disponível em [https://www.democracynow.org/2018/6/15/lawyer_jeff_
sessions_attacks_on_migrant]: acessado em [10/08/2018].
ENSP/FIOCRUZ. “Estudo inédito analisa as causas de óbito no sistema penitenciário do Rio de Janeiro.” In: Portal Fi-
ocruz, 25/03/2020. Disponível em [https://portal.fiocruz.br/noticia/estudo-inedito-analisa-causas-de-obito-no-
sistema-penitenciario-do-rj]: acessado em [10/05/2021].
FAO. IFAD. UNICEF. WFP. WHO. The State of Food Security and Nutrition in the World 2020. Roma: FAO, 2020. Disponí-
vel em [https://data.unicef.org/wp-content/uploads/2020/07/SOFI2020_EN_web.pdf]: acessado em [25/06/20-
21].
FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017.
FBSP – FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Aplicatico estatístico, 2021. Disponível em [http://estatisti-
cas.forumseguranca.org.br/]: acessado em [10/05/2021].
FOLHA DE S. PAULO. “‘Black Blocs’ agem com inspiração fascista, diz filósofa a PMs do Rio”. In: Folha de S. Paulo,
27/08/2013. Disponível em [https://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/126068-black-blocs-agem-com-inspira-
cao-fascista-diz-filosofa-a-pms-do-rio.shtml]: acessado em [10/05 2021].
FORUM. “Marilena Chauí sobre Trump e Bolsonaro: ‘Modelo mafioso de gestão’”. In: Forum, 13/08/2019. Dis-
ponível em [https://revistaforum.com.br/politica/marilena-chaui-sobre-trump-e-bolsonaro-modelo-mafioso-de-
gestao/]: acessado em [10/05/2021].
FRAZÃO, F. “Bolsonaro diz que é difícil excludente de ilicitude passar no Congresso”. In: Estadão, 01/03/2021. Disponí-
vel em [https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-diz-que-e-dificil-excludente-de-ilicitude-passar-
no-congresso,70003632717]: acessado em [10/05/2021].
FREIXO, M. “Não haverá vencedores”. In: Folha de S.Paulo. Opinião. 28/11/2010. Disponível em [https://www1.folha.
uol.com.br/fsp/opiniao/fz2811201007.htm]: acessado em [10/05/2021].
FREIXO, M. “UPP e cultura de direitos”. In: https://www.marcelofreixo.com.br/_blog_blog, 2013. Disponível em
[https://www.marcelofreixo.com.br/blog/upp-e-cultura-de-direitos], acessado em [10/05/ 2021].
FREIRE, V. T. “FHC Exclusivo”. In: Folha de S.Paulo. Caderno Mais!, 13/10/1996. Disponível em [https://www1.folha.uol.
com.br/fsp/1996/10/13/mais!/5.html]: acessado em [10/05/2021].
FRIAS FILHO, O. “Só para professores”. In: Folha de S.Paulo, 22/02/1996.
G1 RIO. “Vídeo mostra PMs sendo agredidos por criminosos na Rocinha, Rio”. In: G1, 11/03/2014. Disponível em
[https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/03/video-mostra-pms-sendo-agredidos-por-criminosos-na-ro-
cinha-rio.html]: acessado em [10/05/2021].
G1 BA. “Mestre de capoeira é morto a golpes de faca após discussão política na BA”. In: G1, 08/10/2018. Disponível
em [https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2018/10/08/idoso-morre-a-golpes-de-facas-apos-discussao-politica-
na-ba-suspeito-se-escondeu-em-banheiro-e-foi-preso.ghtml]: acessado em [10/07/2021].
GLOBAL WITNESS. Global Witness 2016. Defenders of the Earth. Londres, 2017.
GRAHAM, S. Cidades sitiadas. O novo urbanismo militar. São Paulo: Boitempo, 2016.
GRANJA, P. CHALITA, G. “Policiais da UPP atiram para matar na favela do Jacarezinho”. In: Passa Palavra, 05/04/2013.
Disponível em [https://passapalavra.info/2013/04/75460/]: acessado em [10/05/2021].
GRIMALDO, S. CARVALHO, O. “O que mudou no mundo duas décadas depois? Uma conversa com Olavo de Carvalho
no vigésimo aniversário de O Jardim das Aflições”. In: CARVALHO, O. O Jardim das Aflições. Campinas: Vide
Editorial, 2015.
HAKLUYT, R. A discourse concerning western planting written in the year 1584. Cambridge: John Wilson and Son, 1877.
HARVEY, D. The New Imperialism. Oxford: Oxford University Press, 2003.
HERRENDORF, S., HEISKANEN, M., MALBY, S. International statistics on crime and justice. Helsinki: European Institute
for Crime Prevention and Control. 2010.
HOLT-GIMÉNEZ, E. et al. “We already grow enough food for 10 billion people”. Journal of sustainable agriculture.
Londres: Taylor Francis, 07/2012.
JAPIASSU, C. “O novo velho continente e suas contradições: os boias frias da Europa”. In: Carta Maior, 10/05/2021. Dis-
ponível em [https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-novo-velho-continente-e-suas-contradicoes-
Os-boias-frias-da-Europa/4/50550]: acessado em [20/05/2021]
JENKINS, S. “Britain’s drug laws are in the dark ages. Billy Caldwell’s case proves it.” In: The Guardian, 18/06/2018.
Disponível em https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/jun/18/drug-laws-epilepsy-cannabis-oil-bil-
ly-caldwell-sajid-javid]: acessado em [10/08/2018].
KANT, I. “Resposta à pergunta: Que é Esclarecimento?”. In: KANT, I. Textos seletos. Tradução de F. S. Fernandes.
Petrópolis: Vozes, 2012.
KAPUR, A. et al. “Plutonomy: buying luxury, explaining global imbalances”. In: Citigroup. Equity strategy. Industry
note, 16/10/2005. Disponível em [http://www.lust-for-life.org/Lust-For-Life/CitigroupImbalances_October2009/
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 243
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
244 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570
AS RAZÕES DO NEGACIONISMO: GUERRA CIVIL E IMAGINÁRIO POLÍTICO MODERNO
OXFORD University Press. “Bomb them back into the Stone Age”. In: Oxford Reference, s.d.. Disponível em [https://
www.oxfordreference.com/view/10.1093/acref/9780199916108.001.0001/acref-9780199916108-e-1017]: acessa-
do em [10/05/2021].
PENNAFORT, R. “‘A polícia vai mirar na cabecinha e. . . fogo’, afirma Wilson Witzel”. In: UOL Notícias, 01/11/2018.
Disponível em [https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2018/11/01/a-policia-vai-mirar-na-
cabecinha-e-fogo-afirma-wilson-witzel.htm]: acessa-do em [10/05/2021].
PESQUISAS FPA. Percepções e valores políticos nas periferias de São Paulo. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2017. Dis-
ponível em [https://fpabramo.org.br/publicacoes/wp-content/uploads/sites/5/2017/05/Pesquisa-Periferia-FPA-
040420172.pdf]: acessado em [25/06/2021].
QUERINO, R. “Transexual morre após ser esfaqueada por apoiador de Bolsonaro em Aracaju”. In: Observatório G,
10/2018. Disponível em [https://observatoriog.bol.uol.com.br/noticias/transexual-morre-apos-ser-esfaqueada-
por-apoiador-de-bolsonaro-em-aracaju]: acessado em [10/07/2021].
QUINLIVAN, J. T. “Burden of victory: the painful arithmetic of stability operations”. In: RAND Review, vol. 27,
n. 2., 2003. Disponível em [https://www.rand.org/pubs/corporate_pubs/CP22-2003-08.html]: acessado em
[10/05/2021].
REAVES, B. A. Local police departments, 2013: personnel, policies and practices. Washington D.C.: Bureau of Justice
Statistics, 2015.
REGIMENTO, leys sobre as missoens do Estado do Maranhão, Pará, sobre a liberdade dos Índios. Lisboa, 1724.
REILLY, R. J. “Eric Holder: Drone Strike To Kill U.S. Citizen On American Soil Legal, Hypothetically”. In: The Huffington
Post, 05/03/2013. Disponível em [https://www.huffpost.com/entry/us-drone-strike_n_2813857]: acessado em
[10/05/2021].
REUTERS. “Pakistani leader claims U.S. threat after 9/11”. In: The New York Times, 22/09/2006. Disponível em
[https://www.nytimes.com/2006/09/22/world/asia/22pakistan.html]: acessado em [10/05/2021].
ROLIM, L. Segurança Pública em Números 2020. Rio de Janeiro: Instituto de Segurança Pública, 2021. Disponível em
[http://arquivos.proderj.rj.gov.br/isp_imagens/Uploads/SegurancaemNumeros2020.pdf]: acessado em [10/10/20
21].
RUSCHE, G., KIRCHHEIMER, O. Punição e estrutura social. Rio de Janeiro: Revan. 2004.
SAFATLE, V. “A bancada do medo”. In: Folha de S.Paulo, 07/04/2015. Disponível em: [https://www1.folha.uol.com.br/
colunas/vladimirsafatle/2015/04/1613115-a-bancada-do-medo.shtml]: acessado em [10/08/ 2018].
SCHWARZ, R. “Cultura e política, 1964-69”. In: SCHWARZ, R. O pai de família e outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1978.
SCHWARZ, R. “A nota específica”. In: SCHWARZ, R. Sequências Brasileiras. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
SCHWARZ, R. Fala no Ato Público “Professores Contra o Impeachment e Pela Democracia”. Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, 16/12/2015. Disponível em [https://www.youtube.com/watch?v=HIhQ-xFdYvw]:
acessado em [25/06/2021].
SKINNER, Q. The foundations of modern political thought. Volume One. The Renaissance. Cambridge: Cambridge Univer-
sity Press, 2002.
SMITH, T. “A letter by T. B. Gentleman unto his very friend Master R. C. Esquire, wherein is contained a large discourse
of the peopling and inhabiting the Country called the Ardes, and other adjacent in the North of Ireland, and taken
in hand by Sir Thomas Smith, one of the Queen’s Majesty’s counsel, and Thomas Smith Esquire his son.” (1572)
In: HILL, G. An historical account of the MacDonnells of Antrim. Belfast: Archer Sons, 1873.
SMITH, T. De Republica Anglorum. Cambridge: Cambridge University Press, 1982.
THORNHILL, J. “Conspiracy theorists destroys a rational society: resist them.” In: Financial Times, 14/01/2021. Dispo-
nível em [https://www.ft.com/content/4efc4eba-8a20-4b06-afb3-d0faf70c6abb]: acessado em [25/06/2021].
TOLEDO, M. “Nove morrem em ação do BOPE”. In: Folha de S.Paulo, 16/04/2008. Disponível em [https://www1.folha.
uol.com.br/cotidiano/2008/04/392620-nove-morrem-em-acao-do-bope-coronel-diz-que-pm-do-rio-e-o-melhor-
inseticida-social.shtml]: acessado em [10/05/2021].
TRUFFI, R. LIMA, V. “Negacionismo passou a ser brincadeira ‘de mau gosto e medieval’, diz Pacheco”. In: Valor Econô-
mico, 22/03/2021. Disponível em [https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/03/22/negacionismo-passou-
a-ser-brincadeira-de-mau-gosto-e-medieval-diz-pacheco.ghtml]: acessado em [10/04/ 2021].
VALADARES, J. “Servidora pública é espancada em PE após criticar Bolsonaro”. Folha de S.Paulo, 11/10/2018. Disponí-
vel em [https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/servidora-publica-e-espancada-em-pe-apos-criticar-bol-
sonaro.shtml]: acessado em [10/07 2021].
VALOR SÃO PAULO. “Nós temos é que desconstruir muita coisa, diz Bolsonaro durante jantar”. In: Valor Econômico,
18/03/2019. Disponível em [https://valor.globo.com/brasil/noticia/2019/03/18/nos-temos-e-que-desconstruir-
muita-coisa-diz-bolsonaro-durante-jantar.ghtml]: acessado em [25/06/2021].
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246 245
ISSN: 2317-9570
PEDRO ROCHA DE OLIVEIRA
VARGAS, M. “Bolsonaristas da CPI reclamam de artigo, e Polícia do Senado abre investigação contra colunista da Folha”.
In: Folha de S.Paulo, 25/05/2021. Disponível em [https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/bolsonaristas-
da-cpi-reclamam-de-artigo-e-policia-do-senado-abre-investigacao-contra-colunista-da-folha.shtml]: acessado em
[25/06/2021].
VELOSO, C. “Vaca Profana”. In: COSTA, G. Profana. RCA, 1984.
VERÍSSIMO. L. F. “Líricos”. In: Jornal do Brasil. Opinião, 07/03/1996.
WACQUANT, L. Punir os pobres. A nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Revan. 2013.
WIZIACK, J. et. al. “Em novo aceno para a base, Bolsonaro prepara crédito imobiliário subsidiado para policiais”. In: Fo-
lha de S.Paulo, 10/06/2021. Disponível em [https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/06/em-novo-aceno-
para-base-bolsonaro-prepara-credito-imobiliario-subsidiado-para-policiais.shtml]: acessado em [25/06/2021].
WOOD, N. Foundations of political economy: some early Tudor views on state and society. Londres: University of California
Press, 1994.
WORLD BANK. Globalization, growth and poverty. Building an inclusive world economy. Nova Iorque: Oxford University
Press, 2002.
Recibido: 04/09/2021
Aprobado: 13/12/2021
Publicado: 31/12/2021
246 Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.9, n.3, dez. 2021, p. 187-246
ISSN: 2317-9570