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O governo ‘fraco’ abriu para negócios


Notas & Informações

4–6 minutos

Segue vivíssima na cabeça do presidente Lula da Silva a ideia


segundo a qual a construção de uma base de apoio ao governo no
Congresso pode prescindir da negociação política em torno de
projetos e se dar por meio da relação mercantil com parlamentares
oportunistas dispostos a vender seus votos por dinheiro. “O uso do
cachimbo entorta a boca”, diz o provérbio. Ao que parece, as lições
dos escândalos do mensalão e do petrolão, durante o mandarinato
lulopetista, e do orçamento secreto, urdido por Jair Bolsonaro, não
foram assimiladas nem pelos que compram nem pelos que
vendem convicções.

O Estadão revelou que o Palácio do Planalto abriu para negócios


e articula com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
maneiras de driblar a lei para garantir que 219 deputados federais
de primeiro mandato, empossados há poucos dias, possam dispor
de cerca de R$ 3 bilhões do Orçamento de 2023 em emendas
parlamentares, algo em torno de R$ 13 milhões para cada
deputado.

De acordo com a lei, esses parlamentares não têm direito de


indicar nem um centavo em emendas para suas bases eleitorais
em 2023. A razão é simples: o Orçamento de 2023 foi elaborado
no ano passado. Os 219 novatos, portanto, só poderão indicar
emendas ao Orçamento de 2024, a ser elaborado pela nova
legislatura.

Mas, ao que parece, essa vedação legal elementar é apenas um


detalhe diante da urgência do governo Lula de criar uma base de
apoio para aprovar projetos de seu interesse e da necessidade de
Arthur Lira de retribuir todos os 464 votos que garantiram sua
reeleição para a presidência da Câmara por um placar recorde.
Caso clássico de cortesia com chapéu alheio.

As tratativas são tão escancaradas que nem um petista de quatro


costados, como o deputado Jilmar Tatto (PT-SP), um dos possíveis
beneficiários do acerto, faz questão de esconder seus propósitos.
“Se o governo estivesse forte”, disse Tatto ao Estadão, “poderia
não dar (emendas) para os novos. Mas tem uma reforma tributária,
não dá para pagar para ver. Se não for esse valor (R$ 13 milhões
por deputado), uma parcela significativa vai ter.”

Ainda não se sabe exatamente de que forma, do ponto de vista


técnico, os deputados novatos serão agraciados com os R$ 3
bilhões do Orçamento de 2023, mas, a julgar pela disposição dos
petistas, alguma “mágica” será feita. Ninguém duvida.

Se o governo é “fraco”, como admitiu o deputado petista, porque os


eleitores não elegeram parlamentares alinhados ideológica e
programaticamente ao presidente da República, o correto – e
republicano – seria o presidente Lula apresentar ao País um
programa de governo digno do nome e despachar seus emissários
políticos para negociar a construção de maiorias com o Congresso.
É assim que funciona, ou deveria funcionar, o presidencialismo de
coalizão, um regime tão característico do País.

Numa democracia, é legítima a divisão de poder entre forças


políticas representativas da sociedade, seja por meio da
distribuição de cargos na administração pública direta e indireta,
seja pela disposição de recursos do Orçamento da União. Mas
essa negociação, evidentemente, tem de se pautar pelo respeito
às leis e à Constituição, além de ser orientada pelo interesse
público.

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha,


confirmou ao Estadão a existência de tratativas entre o governo e
a presidência da Câmara para liberar recursos do Orçamento de
2023 aos deputados recém-empossados. “Se (os novatos) tiverem
bons projetos, boas propostas”, disse Padilha, “podem ser
contemplados pelo governo.” Como sempre, o PT julga que os fins
justificam os meios: se os projetos forem “bons” (para quem, não
se sabe) e se os parlamentares premiados votarem com o
governo, dá-se um peteleco na lei e no interesse público.

A abertura desse balcão de negócios com pouco mais de um mês


de governo é bastante ilustrativa da visão desvirtuada de Lula e do
PT sobre a natureza da relação entre os Poderes Executivo e
Legislativo. Indica também como alguns parlamentares, logo no
primeiro mandato, já se mostram dispostos a colocar seus
interesses paroquiais acima das leis e de uma agenda de
reconstrução nacional.

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