FILOSOFIA DA COMPOSIÇÃO DE EDGAR ALLAN POE A FILOSOFIA DA COMPOSIÇÃO DE EDGAR ALLAN POE Recursos Adicionais - Cristina Lopez Barrio
Por que nenhum escritor descreveu detalhadamente o processo criativo
de suas obras, pergunta-se Edgar Allan Poe em seu famoso ensaio Filosofia da composição. Talvez temam decepcionar o leitor ao perceber que nem tudo é produto bucólico das musas, da inspiração, e que o escritor realiza uma obra laboriosa de arquitetura literária, reescrita e correção que pouco deixa para a improvisação boêmia. O planejamento de uma obra, seu processo desde o início é o que Poe aborda neste ensaio em que explica como escreveu um de seus poemas mais famosos: O Corvo. Se ao lê-lo podemos imaginar o poeta romântico escrevendo-o em um ataque de melancolia, ao ler seu ensaio entendemos que por trás de sua escrita há muito pouco desabafo e muito planejamento e busca de efeitos. Embora, na minha opinião, o planejamento ajude e beneficie o desenvolvimento da obra, muitas vezes dando-lhe coerência e facilitando a tarefa do escritor que sabe o caminho a seguir, pois ele mesmo o marcou, quando o trabalho de escrita como tal começa, o mistério do ato criativo se reproduz. Pode-se acreditar que está tudo controlado, mas a parte da inspiração, aquela que ajuda a chegar ao trabalho sem qualquer dúvida, essa parte existe, quando o escritor se esquece de si mesmo porque internalizou sua obra de tanto pensar nela, de senti-la, de inventar e de conhecer os personagens que dele fazem parte, vivem nele durante a escrita e, como parte viva, reivindicam sua própria autonomia.
Em primeiro lugar, Poe adverte sobre a importância de conhecer o
desfecho de uma história antes de começar a escrevê-la. Dizem que o bom começo de um romance ou de um conto é aquele em que, de forma mais ou menos sutil, também abarca o final. Ou seja, se soubermos para onde vai a história e o que pretendemos com ela, isso facilitará o caminho do que vamos escrever e isso mitigará um pouco o efeito da folha em branco. Também é verdade que às vezes o escritor sabe exatamente o que quer contar, mas não sabe como. A FILOSOFIA DA COMPOSIÇÃO DE EDGAR ALLAN POE Recursos Adicionais - Cristina Lopez Barrio
As palavras certas, o tom da voz da história nos resiste, não importa o
quanto tenhamos planejado como Poe afirma. Porque a estrutura pode ser perfeitamente elaborada, agora a hora de preenchê-la, de dotar esse esqueleto de carne, músculos e pele é quando entra em cena a inspiração, o trabalho de provocá-la, de chamá-la, e o faremos pensando em nossa estrutura, em nossa história, imaginando-a, dando-lhe vida em nossas cabeças, procurando as emoções dos personagens, suas preocupações, vivendo-as como nossas, e escrevendo, apagando, escrevendo, até que de repente a voz da história, do romance, surge, e quando ela aparece o identificamos facilmente, saberemos que é esta e não outra. No entanto, pode acontecer, aconteceu comigo com meu segundo romance, que o final escolhido mude conforme o desenvolvimento dos personagens, conforme a história crescia e avançava. A sensação que produz é que a história ganha vida e é ela que marca o caminho a seguir para que tenha coerência. É o que Karen Blixen chamou de ser fiel à história.
Não me lembro agora onde li um artigo do escritor Javier Marías em que
dizia que há escritores que escrevem com bússola e outros com mapa. Alguns têm tudo completamente estruturado e pensado antes de empreender a tarefa de escrever como tal, e outros sabem mais ou menos onde querem que a história chegue, mas não conhecem todos os elementos que a compõem.
Você escreve com uma bússola ou com um mapa? De qualquer modo,
acredito que também depende do que vamos escrever. Certamente não é a mesma coisa escrever um romance do que escrever um conto ou um miniconto.
Vejamos os passos que Poe segue ao escrever seu famoso poema. Em
primeiro lugar, considere que o que o escritor deve saber antes de iniciar sua obra é qual efeito pretende produzir no leitor com ela. A FILOSOFIA DA COMPOSIÇÃO DE EDGAR ALLAN POE Recursos Adicionais - Cristina Lopez Barrio
Entre os inúmeros efeitos ou impressões que o coração, a inteligência ou,
de modo mais geral, a alma é capaz de receber, qual seria o único que eu deveria escolher?
Nenhum ponto da composição deve ser atribuído ao acaso ou à intuição,
afirma o escritor. Deve tentar seguir fielmente o efeito escolhido. Vemos rapidamente que Poe segue a teoria da arte pela arte: a beleza é o único efeito legítimo da poesia. O prazer mais puro e intenso se encontra na contemplação do belo. A beleza… elevação pura e violenta da alma.
É a experiência da beleza que Poe quer que o leitor sinta quando se
deleita com seu poema. Acrescento a sensação de beleza, de eternidade, que a leitura de um belo texto deixa em nossa alma.
Satisfação do intelecto ou excitação do coração é mais fácil de obter por
meio da prosa, diz o escritor.
Mas estamos diante do fantástico poema do Corvo. Já sabemos que a
impressão, que o efeito que Poe quer causar no leitor é a beleza, e sua maior manifestação é a tristeza. Aqui encontramos outro elemento de romantismo em Poe, o novo conceito de beleza que se estende desde o século 18 e encontra seu esplendor nos românticos. A beleza em seu desenvolvimento supremo induz às lágrimas.
Tristeza, melancolia são os sentimentos que vão provocar beleza no leitor.
E entre todos os temas tristes e melancólicos, o da morte de uma jovem e bela mulher, cujo amante se lembra e anseia por ela, é o melhor de todos. Um amante que chora por seu ente querido perdido. Em que uma ave de mau agouro, como um corvo, pronuncia insistentemente: nunca mais. Por acaso, não encontramos nessa abordagem de Poe muitos elementos também da categoria estética do sinistro? Também a fantasia de que o corvo pode falar, que é algo mais do que um simples animal, tem o traço humano da linguagem e suas palavras têm a força de uma maldição. A FILOSOFIA DA COMPOSIÇÃO DE EDGAR ALLAN POE Recursos Adicionais – Cristina Lopez Barrio
O refrão, a repetição obsessiva das palavras: “Nunca mais”, é o que
também dará dramatismo à história.
É possível encontrar facilmente na internet A Filosofia da Composição de
Edgar Allan Poe, recomendo que leia. Assim como o ensaio, que também pode ser encontrado na internet, Do conto breve e seus arredores, de Julio Cortázar.