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ANA MERCÊS BAHIA BOCK


ODAIR FURTADO
MARIA DE LOURDES TRASSI TEIXEIRA




PSICOLOGIAS
UMA INTRODUÇÃO
AO ESTUDO
DE PSICOLOGIA



 13a edição reformulada e ampliada— 1999
3ª tiragem — 2001







IS BN 85 -0 2 -0 29 00 -2
IS BN 85 -0 2 -0 29 01 -0 (Livro do P rofe ssor)

ANA M. BAHIA BOCK


• D outora em P sicologia S ocial pela P U C -S P
• P rofe ssora de P sicologia S ocia l e E duca ciona l da F a culda de de P sicologia da P U C -S P

ODAIR FURTADO
• D outor em P sicologia S ocial pela P U C -S P
• P rofe ssor de P sicologia S ocial e Instituciona l da F a culda de de P sicologia da P U C -S P

ARIA DE LOURDES TRASSI TEIXEIRA


• P sicóloga e P sicanalista
• S upe rvisora em P sicologia Instituciona l da F aculdade de P sicologia da P U C -S P
• M em bro do Instituto S ede s S apientiae -S P

Supervisão editorial:José Lino Fruet


Editora:E be C hristina S padaccini
Assistente editorial:
S érgio P aulo N .T . Braga
Revisão: F ernanda Alm eida U m ile (supervisão)
Ana M . C ortazzo S ilva, C ecília B. A.T eixeira
G laucia T . M . T hom é, N eli Alves V iscaino
Gerência de arte: N air de M edeiros Barbosa
Supervisão de arte: V agner C astro dos S antos
Projeto gráfico e capa: W ilson Bekesas a partir de foto de G ary Buss,
a gê ncia Ke ystone
Diagramação: F rancisco Augusto C osta F ilho


h ttp :/ / g ro u p s . g o o g le . c o m / g ro u p / d ig ita ls o u rc e

Av. M a rquê s de S ã o V ice nte, 1 6 9 7 - C E P 0 1 1 3 9 -9 0 4 - Ba rra F unda - S ã o P a ulo-S P


T e l.: P ABX (0 **1 1 ) 3 6 1 3 -3 0 0 0 - F a x: (0 **1 1 ) 3 6 1 1 -3 3 0 8 - T e le ve nda s: (0 **1 1 ) 3 6 1 3 -3 3 4 4
F a x V e nda s: (0 **1 1 ) 3 6 1 1 -3 2 6 8 - Ate ndime nto a o P rofe ssor: (0 **1 1 ) 3 6 1 3 -3 0 3 0
E nde re ço Inte rne t: www.e ditora sa ra iva .com.br - E -ma il: a te ndprof.dida tico@ e ditora sa ra iva .com.br
APRESENTAÇÃO

D esde a 1 a ediçã o, lançada em 1 988, te m os recebido suge stões e


questionam e ntos dos leitores sobre PSICOLOGIAS. E ssa edição
re visada, m odificada e am pliada é fruto desse diálogo perm anente com
alunos e professores, cujas opiniões nortearam nosso trabalho.

Assim , alguns capítulos foram a m plia dos ou desm em bra dos em


dois ou três, perm itindo o aprofundam ento da abordagem e a atualiza ção
dos conteúdos de cada tem a. Além disso, incluím os ca pítulos que
cobrisse m novos te m as e novas áre as de intere sse. O utros capítulos,
ainda, foram apenas re visados e atualizados.

A organização básica do livro, no entanto, continua a m esm a .


PSICOLOGIAS apre senta-se dividido e m três partes:

• Primeira parte: caracteriza a P sicologia com o ciência — traz sua


história, seu objeto de estudo, as principais teoria s, as áreas de
conhecim ento e sua aplicaçã o prática . O estudo dessa pa rte oferece
um a visão geral da P sicologia.

• Segunda parte: tra ta de alguns tem as teóricos — m ultideterm inaçã o do


hum ano, inteligência, vida afetiva, grupos sociais, identidade e
se xualidade. O estudo desses te m as e nriquece e com ple m enta os
conteúdos teóricos da prim e ira parte. N o capítulo 13, o livro a presenta
nossa posiçã o quanto à visã o de ser hum ano em P sicologia.

• Terceira parte: aborda, do ponto de vista da P sicologia, alguns


aspectos da realida de vivida pe lo jove m em nossa cultura — fam ília,
escola, a dolescência, escolha profissional, violê ncia. O estudo dessa
parte proporciona a o jovem um a visão m ais crítica dos fe nôm e nos
sociais e, conseqüentem ente , m aior lucidez quanto à atuação presente
e futura nos grupos sociais a que perte nce.

O te xto está subdividido em tópicos a fim de perm itir m elhor


com pre ensão e assim ilação do conte údo. Após o te xto, em quase todos
os capítulos, encontram -se a s seguintes seções:
• Leitura complementar — trata-se de um te xto, e xtraído de fontes
diversas, que am plia , retom a, e nrique ce ou aborda, sob outro ângulo, o
conteúdo do te xto.

• Questões — um questionário objetivo que possibilita a valiar a


com pre ensão do conteúdo e studado.

• Atividades em grupo — são propostas de atividades m ais abertas,


que m otivam o de ba te de questões polê m icas ou de intere sse ge radas
com a le itura do te xto.

• Bibliografia indicada — algum as suge stões de leitura e xtra classe, que


está subdividida em bibliografia para os alunos, na qual sã o indicados
os te xtos básicos sobre o assunto do ca pítulo, e a bibliografia para o
professor, que traz sugestões de te xtos que aprofundam os tem as
aborda dos. E ssa divisão te m a pena s um caráter didático: a bibliografia
para o professor a borda assuntos m ais com plexos, m as nada im pede
que os alunos inte re ssados entre m em contato com a s obra s.

• Filmes — algum as sugestões de film es a partir dos quais professor e


alunos podem a vançar nos debates de questões a tuais, possibilitando
um a m elhor com pre ensão e aproveita m e nto dos te xtos.

PSICOLOGIAS é um a introduçã o ao estudo da P sicologia, que é


aprese ntada em se us vários aspectos: sua história, as a borda gens
teóricas, os tem as básicos, a s áreas de conhe cim ento, a s principais
características da profissão, os te m as cotidianos (vistos sob a ótica da
P sicologia). E nfim , desde a prim eira edição, sem pre tive m os a certeza de
que e nsina r a diversidade do universo da P sicologia é a m e lhor form a de
iniciar o apre ndizado dessa ciência. D aí o título escolhido:
PSICOLOGIAS.

E ste livro foi estruturado para ade quar-se ao pla nejam ento da
disciplina. O s capítulos podem ser estudados em qualquer ordem ,
dependendo da prioridade esta belecida para o curso. É possível reunir,
com gra nde proveito, capítulos de partes diferentes do livro sob um
m esm o eixo. P or exe m plo, se houver interesse em debate r
especificam e nte a a dolescê ncia e questões em ergentes ne sta etapa da
vida, pode-se iniciar o e studo do tem a pelo capítulo “A P sicologia do
desenvolvim e nto” e , em seguida, passar para os capítulos sobre
“Adolescência”, “S e xualidade”, “A escolha profissional” e “V iolê ncia”.

T em os m uito claro que o livro didático é instrum ento funda m enta l


na m e diaçã o e ntre o profe ssor e o aluno. E les dialogam atra vés do livro.
N ossa responsabilidade é grande e procuram os cum prir a ta refa de dar
qualida de a essa relação.

Além disso, a escola, com o local socialm ente esta belecido para o
aprendizado, precisa contar com instrum entos que, além de bons, sejam
m otivadores, interessantes e inovadores. E sses princípios nos guiara m
tam bém na re visã o que ora lhe e ntrega m os, esperando e desejando a
todos — professor e alunos — um bom trabalho.
E stam os com vocês.
Os autores
uero falar de um a coisa
adivinha onde ela anda?
de ve estar dentro do peito
ou cam inha pelo ar
pode e star a qui do la do
bem m ais perto que pensam os
a folha da juventude
é o nom e certo desse am or

(...)

C oraçã o de e studante
há que se cuidar da vida
há que se cuidar do m undo
tom ar conta da am izade
alegria e m uito sonho
espalhados no ca m inho
ve rde: planta s e se ntim ento
folhas, coraçã o, juve ntude e fé.

M ILT O N N AS C IM E N T O E W AG N E R T IS O
Coração de estudante
P ara concretizar este trabalho, contam os com a ajuda de vários
am igos, aos quais gostaría m os de agradecer: F rancisco, H ilda, João,
Leonardo, Lum êna, N elson, O dette, R enate, S ilvio, W ilm a, W ilm a Jorge e
W anda (Ia).
N esta reedição, contam os com a colaboração de M aria Am ália ,
M aria da G raça , M arcus V inicius e de m uitos professores, aos quais
som os im e nsam ente gratos, pois eles dão vida e se ntido ao nosso
trabalho de e scre ver um livro.
R essaltam os que este livro tem a m arca intelectual e a fetiva da
professora S ilvia T . M . Lane , nossa m e stra e com panheira.
SUMÁRIO
PARTE 1 - A CARACTERIZAÇÃO DA PSICOLOGIA

CAPÍTULO 1 – A PSICOLOGIA OU AS PSICOLOGIAS


C iência e senso com um 15
O senso com um : conhecim ento da realidade 16
Áreas do conhecim e nto 18
A P sicologia científica 19
A P sicologia e o m isticism o 2 6
Texto complementar: A P sicologia dos psicólogos – H ilton Ja piassu 28

CAPÍTULO 2 – A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA PSICOLÓGICA


P sicologia e H istória 31
A P sicologia entre os gregos: os prim órdios 32
A P sicologia no Im pé rio R om ano e na Ida de M édia 34
A P sicologia no R e nascim ento 35
A orige m da P sicologia científica 37
As principais teorias da P sicologia no século 20 43

CAPÍTULO 3 – O BEHAVIORISMO
O estudo do com portam ento 45
A análise e xperim e ntal do com portam ento 46
Beha viorism o: sua a plicaçã o 55
Texto complementar: O eu e os outros – B. F . S kinner 55
Filmes indicados: M eu tio da Am érica; Laranja m ecâ nica 58

CAPÍTULO 4 – A GESTALT
A P sicologia da form a 59
A teoria de cam po de Kurt Le win 65
Texto complementar: C haves da vaguidão – F ernando S a bino 67
Filmes indicados: V ida de solteiro; R ashom on 6 9
CAPÍTULO 5 – A PSICANÁLISE
S igm und F reud 70
A descoberta do inconsciente 73
P sicaná lise: a plicações e contribuições sociais 80
T exto com ple m enta r: S obre o inconscie nte – F ábio H errm ann 82
F ilm e indicado: F reud, além da alm a 84

CAPÍTULO 6 – PSICOLOGIAS EM CONSTRUÇÃO


P sicologias e m construção 8 5
V igotski e a P sicologia S ócio-H istórica 8 6
T exto com ple m enta r: P ensa m ento e pala vra – L. S . V ygotsky 9 4
F ilm es indicados: A guerra do fogo; Kids 96

CAPÍTULO 7 – A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO


U m a áre a da P sicologia 97
O dese nvolvim ento hum ano 98
Aspectos do dese nvolvim ento hum ano 1 00
A teoria do desenvolvim ento hum a no de Jean P iaget 101
O enfoque interacionista do desenvolvim e nto hum ano: V igotski 107
V igotski e P ia get 1 10
Texto complementar: As diferenças dos irm ãos – E lias José 111
Filme indicado: E sperança e glória

CAPÍTULO 8 – A PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM


A aprendizagem com o obje to de estudo 114
T eorias da aprendiza gem 11 5
A T eoria C ognitivista da aprendizagem 11 7
U m a teoria de ensino: Bruner 11 9
M otivação 12 0
T eorias atuais 123
T exto com plem e ntar: 1. O que aprendeu hoje na escola? – N eil P ostm a n
e C harles W eingartner 130
2. P edagogia da esperança – P a ulo F reire 131
Filme indicado: S ociedade dos poeta s m ortos 13 4

CAPÍTULO 9 – A PSICOLOGIA SOCIAL


O encontro social 1 3 5
C ríticas à P sicologia social 1 40
U m a nova P sicologia social 1 41
Texto complementar: 1 . T oda a P sicologia é socia l – S ilvia T . M . La ne 1 4 7
2. C om ida – Arnaldo Antune s et alii 147
Filme indicado: O pescador de ilusões 1 49

CAPÍTULO 10 – A PSICOLOGIA COMO PROFISSÃO


Q ue profissão é essa? 150
O psicólogo não a divinha na da 1 51
A P sicologia ajuda a s pessoas a se conhecerem m elhor 152
O psicólogo é difere nte de um bom am igo 152
P sicólogos e psiquiatras aproxim am -se e m suas prática s 15 4
A finalidade do tra balho do psicólogo 1 56
As área s de atuação do psicólogo 158
U sos e abusos da P sicologia 160
Texto complementar: 1. O hom em que foi colocado num a gaiola R ollo
M a y 16 1
2. C ódigo de ética profissional do psicólogo –
C onselho F e deral de P sicologia 1 62
3 . O pa pe l do psicólogo – Igná cio M a rtín-Ba ró 1 6 3
Filmes indicados: O príncipe da s m aré s; G ênio indom á vel 1 64
PARTE 2 – TEMAS TEÓRICOS EM PSICOLOGIA

CAPÍTULO 11 – A MULTIDETERMINAÇÃO DO HUMANO:


UMA VISÃO EM PSICOLOGIA
O s m itos sobre o hom em 16 7
Q uem é o hom em ? 1 68
O que caracteriza o hum ano? 17 3
Filmes indicados: A guerra do fogo; T rocando a s bola s 17 8

CAPÍTULO 12 – A INTELIGÊNCIA
S om os seres pensantes 179
C oncepções de inteligência 180
“O hom e m nã o tem natureza, o hom em tem história” 1 85
Texto complementar: A inteligência da criança bra sileira – Z élia
R am ozzi C hiarottino 186
Filmes indicados: R ain m an; G ênio indom á vel 1 88

CAPÍTULO 13 – VIDA AFETIVA


A im portância da vida afetiva 189
O estudo da vida a fe tiva 191
Texto complementar: O enam ora m ento – F rancesco Alberoni 199

CAPÍTULO 14 – IDENTIDADE
Identidade e crise 20 7
E stigm a 209
P ara finalizar... 210
Texto complementar: O grande m otim – N icolau S e vcenko 21 0
Filmes indicados: O selva gem da m otocicleta; V ida s sem rum o;
E sposa m ante 213

CAPÍTULO 15 – PSICOLOGIA INSTITUCIONAL E PROCESSO


GRUPAL
A construção social da realidade 215
O proce sso de institucionalização 215
Instituições, organiza ções e grupos 217
A im portância do e studo dos grupos na P sicologia 217
A dinâm ica dos grupos 220
G rupos opera tivos 2 23
O proce sso grupal 2 24
Texto complementar: D im ensão ético-afetiva do adoe cer da classe
trabalhadora – Ba der B. S a waia 2 26
Filmes indicados: O selva gem da m otocicleta; V idas sem rum o 228

CAPÍTULO 16 – SEXUALIDADE
S e xualidade: nossa (des)conhecida 22 9
A P sicologia e o estudo da se xualidade 2 31
O dese nvolvim ento da se xua lidade 233
As restrições à se xualidade 237
Texto complementar: 1. O de safio da se xualida de – M . Am élia A.
G oldberg 24 2
2. S e xo – R osely S a yã o 24 2
Filmes indicados: T udo o que você sem pre quis saber sobre se xo e
tinha m edo de perguntar
PARTE 3 – PSICOLOGIA: UMA LEITURA DA
REALIDADE

CAPÍTULO 17 – FAMÍLIA... O QUE ESTÁ ACONTECENDO COM ELA?


A prim eira educaçã o 251
A repressão do de se jo 252
A aquisição da linguagem 2 53
O utras consideraçõe s im portantes sobre a fam ília 254
U m a últim a observa ção 257
Texto complementar: 1. N os E U A, m uda m as regras do casa m ento 2 57
2. F am ília – Arnaldo Antune s e T ony Be lloto 258
Filmes indicados: Kram er X Kram er; P ai patrão; Anos dourados; F esta
de fam ília 26 0

CAPÍTULO 18 – A ESCOLA
P roblem as da escola 263
Texto complementar: 1. N inguém nasce feito: é e xperim e ntando-nos no
m undo que nós nos faze m os – P a ulo F reire
272
2. A escola – Babe tte H arpe r et alii 273
Filmes indicados: S ocieda de dos poetas m ortos; M e ntes perigosas; U m
tira no jardim da infâ ncia 27 5

CAPÍTULO 19 – MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA


M eios de com unica ção e subjetividade – os lim ite s éticos 277
A propa ganda e o controle da subjetivida de 279
A linguagem da se dução 28 2
P ropaganda ideológica 283
A construção da linguagem cinem atográfica 285
Texto complementar: O discurso a utoritá rio – Adilson C itelli 2 87
Filmes indicados: C idadã o Ka ne; R ede de intriga s; O quarto poder;
M era coincidê ncia; C razzy people ; C om o fa zer
carreira na P ublicida de 289

CAPÍTULO 20 – ADOLESCÊNCIA: TORNAR-SE JOVEM


A teoria da a dolescê ncia e a poesia da juve ntude 290
O que é a adolescência 291
Juventude e P sicologia 294
S ituaçã o do jovem e m nossa socie dade 300
Texto complementar: A sedução dos jovens – C ontardo C alligaris 30 3
Filmes indicados: V ida s se m rum o; P e ggy S ue – se u pa ssa do a e spe ra ;
F om e de vive r; Ba squia t; O se lva ge m da m otocicle ta
306

CAPÍTULO 21 – A ESCOLHA DE UMA PROFISSÃO


A escolha profissional tam bém tem história 309
A escolha com o m om ento decisivo 309
O s fatores que influe m na escolha profissional 31 0
O indivíduo e scolhe e não e scolhe 31 9
A escolha é difícil m esm o 3 21
Texto complementar: O jovem bra sileiro tem m aturidade pa ra escolhe r
tão cedo sua profissão? – S ilvio D . Bock 323
Filme indicado: S ociedade dos poeta s m ortos 32 9

CAPÍTULO 22 – AS FACES DA VIOLÊNCIA


Agressividade e violência: o enfoque psicológico 330
A violência e suas m odalida des 3 32
O projeto de m orte e o projeto de vida 34 0
Texto complementar: 1. É preciso quebrar o pacto do silê ncio – S ilvia
R uiz 34 2
2. A profecia do fra casso – Lígia de M edeiros
343
Filmes indicados: P ixote – a lei do m ais fra co; Lúcio F lá vio – o
passageiro da agonia; Anos rebeldes; F a ça a coisa
certa; F ebre da selva; M ississipi em cha m as; U m a
história am ericana; A guerra dos m eninos 345

CAPÍTULO 23 – SAÚDE OU DOENÇA MENTAL:


A QUESTÃO DA NORMALIDADE
O sofrim ento psíquico 346
A diversidade de teorias sobre a loucura : poucas certezas 3 48
N orm al e patológico 353
As teorias críticas: Antipsiquiatria, P siquiatria social 35 5
A prom oção da sa úde m enta l 356
Texto complementar: O nariz – Luis F ernando V eríssim o 3 5 7
Filmes indicados: Q uerem m e enlouquecer; U m estranho no ninho;
Asas da liberdade; V ida em fam ília 360

BIBLIOGRAFIA 361

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Entende-se que o texto que está antes da numeração entre colchetes é o que pertence aquela página e o
texto que está após a numeração pertence a página seguinte.
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CAPÍTULO 1 • A PSICOLOGIA OU AS PSICOLOGIAS


CAPÍTULO 2 • A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA PSICOLÓGICA
CAPÍTULO 3 • O BEHAVIORISMO
CAPÍTULO 4 • A GESTALT
CAPÍTULO 5 • A PSICANÁLISE
CAPÍTULO 6 • PSICOLOGIAS EM CONSTRUÇÃO
CAPÍTULO 7 • A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
CAPÍTULO 8 • A PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM
CAPÍTULO 9 • A PSICOLOGIA SOCIAL
CAPÍTULO 10 • A PSICOLOGIA COMO PROFISSÃO
C AP ÍT U LO 1

A Psicologia ou as psicologias


Q uanta s ve zes, no nosso dia-a-dia, ouvim os o term o psicologia?
Q ualquer um entende um pouco dela. P oderíam os até m esm o dizer que
“de psicólogo e de louco todo m undo tem um pouco”. O dito popular nã o
é bem e ste (“de m é dico e de louco todo m undo tem um pouco”), m a s
parece servir aqui perfeita m ente . As pessoas e m geral têm a “sua
psicologia”.
U sam os o term o psicologia, no nosso cotidiano, com vários
sentidos. P or e xem plo, quando falam os do poder de persuasão do
ve ndedor, dizem os que ele usa de “psicologia” para vender se u produto;
quando nos referim os à jovem estuda nte que usa seu poder de seduçã o
para atra ir o rapaz, falam os que ela usa de “psicologia”; e quando
procura m os aquele am igo, que está se m pre disposto a ouvir nossos
problem as, dizem os que ele tem “psicologia” para entender a s pessoas.
S erá essa a psicologia dos psicólogos? C ertam e nte não. E ssa
psicologia, usada no cotidia no pelas pessoas em geral, é denom ina da de
psicologia do senso comum. M as nem por isso deixa de ser um a
psicologia. O que estam os quere ndo dizer é que a s pessoas,
norm alm ente, têm um dom ínio, m esm o que peque no e superficial, do
conhecim ento acum ulado pe la P sicologia científica, o que lhes perm ite
explicar ou com pree nder seus problem as cotidianos de um ponto de vista
psicológico.
É a P sicologia cie ntífica que pretendem os apre sentar a você. M as,
antes de iniciarm os o seu estudo, fare m os um a e xposição da relaçã o
ciência/senso com um ; depois falare m os m ais detalhada m ente sobre
ciência e, a ssim , esperam os que você com pree nda m e lhor a P sicologia
científica. [pg. 15]



E xiste um dom ínio da vida que pode ser entendido com o vida por
excelência: é a vida do cotidiano. É no cotidiano que tudo flui, que a s
coisas acontecem , que nos se ntim os vivos, que se ntim os a rea lidade.
N este instante estou lendo um livro de P sicologia, logo m ais estarei
num a sala de aula fa zendo um a prova e depois irei ao cine m a. E nquanto
isso, tenho sede e tom o um re frigerante na cantina da e scola; sinto um
sono irresistível e preciso de m uita força de vontade pa ra não dorm ir e m
plena aula; lem bro-m e de que ha via prom etido chegar cedo pa ra o
alm oço. T odos e sse s aconte cim entos de nuncia m que estam os vivos. Já
a ciência é um a ativida de em ine ntem ente refle xiva. E la procura
com pre ender, elucidar e altera r esse cotidiano, a partir de seu estudo
sistem ático.
Q uando fazem os ciência,
baseam o-nos na re alidade cotidia na e
pensam os sobre ela. Afa stam o-nos
dela para refle tir e conhecer alé m de
suas aparê ncias. O cotidiano e o
conhecim ento cie ntífico que te m os da
realidade a proxim a m -se e se afa stam :
aproxim am -se porque a ciência se
refere ao real; afa stam -se porque a
ciência abstrai a realidade para com preendê-la m elhor, ou seja, a
ciência a fasta-se da realidade, transform ando-a em objeto de
investigação — o que perm ite a construção do conhecim e nto científico
sobre o real.
P ara com preender isso m elhor, pe nse na a bstração (no
distanciam ento e trabalho m ental) que N e wton te ve de fazer para,
partindo da fruta que caía da árvore (fato do cotidia no), form ular a lei da
gra vida de (fato cie ntífico).
O corre que, m esm o o
m ais especializa do dos
cientista s, qua ndo sai de
seu laboratório, está
subm etido à dinâ m ica do
cotidiano, que cria suas
próprias “teorias” a partir
das teoria s científicas, seja
Mesmo não dispondo de instrumentos, sabemos avaliar a
com o form a de “sim plificá- distância e a velocidade de um veículo quando
atravessamos a rua.
las” para o uso no dia-a-dia,
ou com o sua m aneira peculiar de interpretar fatos, a despeito das
conside raçõe s feita s pela ciência. T odos nós — estudantes, psicólogos,
físicos, artista s, operários, te ólogos — vive m os a m aior parte do te m po
esse cotidia no e as suas te orias, isto é, a ceitam os as regra s do seu jogo.
[pg. 16]
O fato é que a dona de casa, qua ndo usa a garrafa té rm ica para
m anter o café quente, sa be por quanto tem po ele perm ane cerá
razoa ve lm ente quente, sem fazer ne nhum cálculo com plicado e, m uita s
ve zes, desconhece ndo com pleta m ente as leis da term odinâm ica .
Q uando alguém em casa reclam a de dores no fígado, ela faz um chá de
boldo, que é um a planta m e dicinal já usada pelos a vós de nossos a vós,
sem , no entanto, conhecer o princípio ativo de suas folhas nas doe nças
hepáticas e sem ne nhum estudo farm acológico. E nós m e sm os, quando
precisa m os atra vessar um a a venida m ovim entada, com o tráfe go de
ve ículos em alta velocidade, sa bem os perfeitam ente m edir a distância e
a velocidade do a utom óvel que ve m e m nossa direçã o. Até hoje não
conhecem os ningué m que usasse m áquina de calcular ou fita m étrica
para essa tarefa. E sse tipo de conhecim ento que vam os acum ulando no
nosso cotidia no é cham ado de senso comum. S e m esse conhecim ento
intuitivo, espontâne o, de tenta tivas e erros, a nossa vida no dia-a-dia
seria m uito com plica da.
A necessidade de acum ularm os esse tipo de conhecim ento
espontâneo pa rece-nos óbvia. Im agine term os de de scobrir diaria m ente
que as coisas tende m a cair, graças a o efeito da gra vidade; term os de
descobrir diaria m ente que algo atira do pela janela tende a cair e não a
subir; que um a utom óvel e m velocida de vai se aproxim ar rapidam ente de
nós e que, para faze r um aparelho ele trodom éstico funcionar, precisam os
de eletricidade.
O senso com um , na produção desse tipo de conhe cim ento,
percorre um cam inho que vai do há bito à tradição, a qual, qua ndo
estabelecida, passa de geração para geração. Assim , aprendem os com
nossos pais a atra vessar um a rua , a fa zer o liqüidificador funcionar, a
plantar alim entos na época e de m aneira correta, a conquista r a pessoa
que de sejam os e assim por diante .
E é nessa tentativa de facilitar o dia-a -dia que o senso com um
produz suas próprias “teorias”; na rea lidade, um conhe cim ento que,
num a interpretação livre, pode ríam os cha m ar de teorias m é dicas, físicas,
psicológicas etc. [pg. 17]

SENSO COMUM: UMA VISÃO-DE-MUNDO


E sse conhecim e nto do senso com um , além de sua produçã o
característica, aca ba por se apropriar, de um a m aneira m uito singular, de
conhecim entos produzidos pelos outros setores da produçã o do sabe r
hum ano. O senso com um m istura e recicla esses outros saberes, m uito
m ais espe cializa dos, e os reduz a um tipo de teoria sim plifica da,
produzindo um a dete rm inada visão-de-mundo.
O que esta m os que rendo m ostrar a você é que o se nso com um
integra, de um m odo precá rio (m as é e sse o seu m odo), o conhecim ento
hum ano. E claro que isto não ocorre m uito ra pida m ente. Le va um certo
tem po para que o conhecim ento m a is sofisticado e especializado seja
absorvido pelo se nso com um , e nunca o é totalm ente. Q ua ndo utilizam os
term os com o “ra paz com ple xa do”, “m enina histérica”, “ficar neurótico”,
estam os usando term os definidos pela P sicologia científica. N ão nos
preocupam os em de finir as pala vras usa das e nem por isso deixam os de
ser entendidos pelo outro. P odem os até estar m uito próxim os do conceito
científico m as, na m aioria das veze s, nem o sabem os. E sses são
exem plos da apropriação que o senso com um faz da ciência.

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S om ente esse tipo de conhecim ento, porém , não seria suficiente
para as e xigência s de de senvolvim e nto da hum anidade . O hom e m ,
desde os tem pos prim itivos, foi ocupando cada vez m ais espaço neste
planeta , e som ente esse conhecim e nto intuitivo seria m uito pouco para
que ele dom inasse a N ature za em seu próprio proveito. O s gregos, por
volta do século 4 a.C , já dom ina va m com plicados cálculos m atem áticos,
que a inda hoje são considerados difíceis por qualquer jovem cole gial. O s
gregos precisa vam entender esses cálculos para resolver seus
problem as agrícolas, arquitetônicos, na vais etc. E ra um a questã o de
sobre vivência . C om o tem po, esse tipo de conhecim e nto foi-se
especia lizando cada vez m ais, até atingir o nível de sofisticação que
perm itiu ao hom em atingir a Lua . A e ste tipo de conhecim ento, que
definire m os com m ais cuida do logo a diante,
cham am os de ciência.
M as o senso com um e a ciência nã o
são as única s form a s de conhecim ento que o
hom em possui para descobrir e interpre tar a
realidade.
Registro de crenças e tradições
para as futuras gerações. P ovos antigos, e entre eles cabe
sem pre m encionar os gregos, preocuparam -se com a origem e com o
significa do da e xistê ncia hum a na. As especulações em torno desse tem a
form ara m um corpo de [pg. 18] conhecim entos denom inado filosofia. A
form ulação de um conjunto de pensam e ntos sobre a origem do hom em ,
seus m istérios, princípios m orais, form a um outro corpo de conhecim ento
hum ano, conhe cido com o religião. N o O cidente, um livro m uito
conhecido traz as crenças e tradições de nossos a ntepassados e é para
m uitos um m odelo de conduta: a Bíblia. E sse livro é o registro do
conhecim ento religioso judaico-cristão. U m outro livro sem elhante é o
livro sagrado dos hindus: Livro dos Vedas. Veda, em sânscrito (antiga
língua clássica da Índia), significa conhecimento.
P or fim , o hom e m , já desde a sua pré-história, deixou m arcas de
sua se nsibilidade nas pare des das ca vernas, quando dese nhou a sua
própria figura e a figura da caça, criando um a e xpressão do
conhecim ento que traduz a e m oçã o e a sensibilidade. D e nom ina m os
arte a e sse tipo de conhecim ento.
Arte, religião, filosofia, ciência e senso com um são dom ínios do
conhecim ento hum a no.

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Apesar de reconhecerm os a e xistência de um a psicologia do senso
com um e, de certo m odo, esta rm os pre ocupados em defini-la, é com a
outra psicologia que este livro de verá ocupa r-se — a P sicologia
científica. F oi preciso definir o senso com um , para que o leitor pudesse
dem arcar o ca m po de atuação de cada um a, sem confundi-la s.
E ntreta nto a ta refa de definir a P sicologia com o ciê ncia é bem m ais
árdua e com plicada . C om ece m os por definir o que e ntende m os por
ciência (que tam bé m não é sim ples), para depois e xplicarm os por que a
P sicologia é hoje considera da um a de suas área s.
O QUE É CIÊNCIA
A ciência com põe-se de um conjunto de conhecim e ntos sobre
fatos ou a spectos da realidade (obje to de estudo), e xpresso por m eio de
um a linguage m pre cisa e rigorosa. E sses conhecim e ntos de vem ser
obtidos de m aneira program ada, sistem ática e controla da, para que se
perm ita a verificação de sua validade. Assim , pode mos apontar o objeto
dos diversos ram os da ciência e sa ber e xata m ente com o determ inado
conteúdo foi construído, possibilitando a re produção da experiê ncia.
D essa form a , o sa ber pode ser transm itido, verificado, utilizado e
desenvolvido. [pg. 19]
E ssa característica da produção científica possibilita sua
continuidade : um novo conhecim e nto é produzido sem pre a partir de a lgo
anteriorm ente dese nvolvido. N e gam -se , reafirm am -se, de scobrem -se
novos aspectos, e assim a ciência a vança. N esse sentido, a ciência
caracteriza-se com o um processo.
P ense no de senvolvim ento do m otor m ovido a álcool hidrata do. E le
nasceu de um a necessidade concreta (crise do petróleo) e foi planejado
a partir do m otor a gasolina, com a a lte ração de poucos com pone ntes
deste. No entanto, os prim eiros a utom óveis m ovidos a álcool
aprese ntaram m uitos problem as, com o o seu m au funciona m ento nos
dias frios. Ape sar disso, esse tipo de m otor foi-se aprim orando.
A ciência tem ainda um a característica fundam ental: e la aspira à
objetividade. S ua s conclusões de vem ser passíveis de verificação e
isentas de em oção, para, assim , tornare m -se válidas para todos.
Objeto específico, linguagem rigorosa, métodos e técnicas
específicas, processo cumulativo do conhecimento, objetividade
fazem da ciência um a form a de conhe cim ento que supera em m uito o
conhecim ento espontâneo do senso com um . E sse conjunto de
características é o que perm ite que denom inem os científico a um
conjunto de conhecim entos.
OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA
C om o dissem os
anteriorm ente , um
conhecim ento, para ser
conside rado científico, requer
um objeto específico de estudo.
O objeto da Astronom ia sã o os
astros, e o objeto da Biologia
são os seres vivos. E ssa
Observatório Nacional — Rio de Janeiro. Estudar o
fenômeno físico é pensar sobre algo externo ao classificação be m geral
homem. Estudar o homem é pensar sobre si mesmo.
dem onstra que é possível tratar
o objeto dessas ciê ncias com um a certa distância, ou se ja, é possível
isolar o objeto de estudo. N o ca so da Astronom ia , o cientista-observa dor
está, por e xem plo, num observatório, e o astro observado, a anos-luz de
distância de seu telescópio. E sse cientista não corre o m ínim o risco de
confundir-se com o fenôm e no que está e studando. [pg. 20]
O m esm o não ocorre com a P sicologia, que, com o a Antropologia,
a E conom ia, a S ociologia e todas as ciências hum a nas, estuda o
homem.
C ertam e nte, esta divisão é am pla de m ais e apenas coloca a
P sicologia entre as ciências hum anas. Q ual é, então, o objeto espe cífico
de estudo da P sicologia?
S e derm os a pala vra a um psicólogo com portam entalista, ele dirá :
“O objeto de estudo da P sicologia é o com portam ento hum ano”. S e a
pala vra for da da a um psicólogo psicanalista , ele dirá: “O objeto de
estudo da P sicologia é o inconsciente”. O utros dirã o que é a consciência
hum ana, e outros, ainda, a personalida de .

DIVERSIDADE DE OBJETOS DA PSICOLOGIA


A dive rsida de de objetos da P sicologia é e xplicada pe lo fato de
este ca m po do conhecim ento ter-se constituído com o área do
conhecim ento científico só m uito rece ntem ente (final do sé culo 19), a
despeito de e xistir há m uito tem po na
F ilosofia e nqua nto preocupação hum a na.
E sse fato é im porta nte, já que a ciência se
caracteriza pela e xatidão de sua construção
teórica, e, qua ndo um a ciê ncia é m uito
nova, ela nã o teve te m po ainda de
aprese ntar teorias acabadas e definitiva s,
que perm ita m de term inar com m a ior
precisã o seu objeto de estudo.
U m outro m otivo que contribui pa ra
dificultar um a cla ra definiçã o de objeto da
P sicologia é o fato de o cientista — o
Jean-Jacques Rousseau, filósofo pesquisa dor — confundir-se com o objeto a
francês
ser pesquisado. N o sentido m ais a m plo, o
objeto de estudo da P sicologia é o hom e m , e neste caso o pesquisa dor
está inserido na ca tegoria a ser estudada. Assim , a concepção de
hom em que o pesquisador tra z consigo “contam ina” ine vita velm ente a
sua pesquisa em P sicologia. Isso ocorre porque há diferentes
concepções de hom em entre os cientistas (na m e dida e m que estudos
filosóficos e teológicos e m esm o doutrinas políticas aca bam definindo o
hom em à sua m a neira, e o cientista acaba nece ssariam ente se
vincula ndo a um a destas crenças). É o caso da concepçã o de homem
natural, form ula da pelo filósofo fra ncês R ousse au, que im a gina que o
hom em era puro e foi corrom pido pela socieda de, e que [pg. 21] cabe
então ao filósofo re encontrar essa pure za perdida (veja ca pítulo 10).
O utros vêem o hom em com o ser abstrato, com característica s de finidas
e que não m udam , a despeito das condições sociais a que este ja
subm etido. N ós, autores de ste livro, vem os esse hom em com o se r
datado, dete rm ina do pelas condições históricas e sociais que o cerca m .
N a realidade, este é um “problem a” enfrentado por todas as
ciências hum anas, m uito discutido pelos cientistas de cada área e até
agora sem perspectiva de solução. C onform e a definiçã o de hom em
adotada, tere m os um a concepçã o de objeto que com bine com ela .
C om o, neste m om ento, há um a rique za de valores sociais que perm ite m
vá rias concepções de hom em , diríam os sim plifica da-m ente que, no caso
da P sicologia, e sta ciência estuda os “diversos homens” concebidos pelo
conjunto social. Assim , a P sicologia hoje se ca racteriza por um a
diversidade de objetos de e studo.
P or outro lado, essa diversidade de obje tos justifica-se porque os
fenôm e nos psicológicos são tão diversos, que não podem se r acessíveis
ao m esm o nível de observa ção e, porta nto, não podem ser sujeitos a os
m esm os padrões de descrição, m e dida, controle e interpretação. O
objeto da P sicologia de ve ria ser aque le que reunisse condições de
aglutinar um a am pla va rieda de de fenôm enos psicológicos. Ao
estabelecer o padrã o de descriçã o, m e dida, controle e inte rpretaçã o, o
psicólogo está tam bém estabele cendo um determ inado critério de
seleção dos fenôm e nos psicológicos e a ssim definindo um objeto.
E sta situaçã o le va-nos a questionar a ca racteriza ção da P sicologia
com o ciência e a postular que no m om ento não e xiste um a psicologia,
m as Ciências psicológicas em brionária s e em de senvolvim e nto.

A SUBJETIVIDADE COMO OBJETO DA PSICOLOGIA


C onsiderando toda essa dificuldade na conce ituação única do
objeto de e studo da P sicologia, optam os por a prese ntar um a definição
que lhe sirva com o referência para os próxim os ca pítulos, um a vez que
você irá se depara r com diversos enfoques que trazem definiçõe s
específicas desse objeto, (o com portam ento, o inconsciente, a
consciê ncia e tc.).
A identidade da P sicologia é o que a dife rencia dos dem ais ram os
das ciências hum anas, e pode ser obtida considerando-se que cada um
desses ram os e nfoca o hom e m de m aneira particular. Assim , cada
especia lidade — a E conom ia, a P olítica , a H istória etc. — tra balha essa
m atéria-prim a de m a neira pa rticula r, construindo conhe cim entos [pg. 22]
distintos e específicos a respeito dela. A P sicologia colabora com o
estudo da subjetividade: é essa a sua form a particular, específica de
contribuição para a com pree nsão da totalidade da vida hum ana.
N ossa m atéria-prim a, porta nto, é o hom em em todas a s suas
expressões, a s visíveis (nosso com porta m ento) e as invisíve is (nossos
sentim e ntos), as singulares (porque som os o que somos) e a s genéricas
(porque som os todos assim ) — é o hom em -corpo, hom e m-pensam e nto,
hom em -afeto, hom e m -ação e tudo isso está sintetizado no term o
subjetividade .
A subje tivida de é a síntese singular e individual que cada um de
nós va i constituindo conform e va m os nos dese nvolvendo e vivencia ndo
as e xperiê ncias da vida social e cultural; é um a síntese que nos
identifica, de um la do, por ser única, e nos igua la, de outro lado, na
m edida em que os elem entos que a constituem são e xperienciados no
cam po com um da objetividade social. E sta síntese — a subjetividade —
é o m undo de idéia s, significa dos e em oções construído internam e nte
pelo sujeito a partir de suas relações sociais, de suas vivências e de sua
constituição biológica; é, ta m bém , fonte de sua s m anifesta ções afetivas e
com portam entais.
O m undo social e cultural, conform e vai sendo e xperiencia do por
nós, possibilita -nos a construção de um m undo interior. S ão diversos
fatores que se com binam e nos le vam a um a vivência m uito particula r.
N ós atribuím os se ntido a essas e xperiências e vam os nos constituindo a
cada dia.
A subjetividade é a m aneira de sentir, pensar, fantasiar, sonhar,
am ar e fazer de ca da um . É o que constitui o nosso m odo de ser: sou
filho de ja pone ses e m ilitante de um grupo ecológico, de testo
M atem ática, adoro sam ba e black music, pratico ioga, te nho vontade m a s
não consigo ter um a nam orada. M e u m elhor a m igo é filho de
descendente s de italianos, prim eiro aluno da classe em M atem ática,
trabalha e estuda, é corinthiano fanático, adora com er sushi e navegar
pela Internet. O u seja, cada qual é o que é: sua singularidade.
E ntreta nto, a síntese que a subjetividade represe nta não é ina ta a o
indivíduo. E le a constrói aos poucos, apropriando-se do m a terial do
m undo social e cultural, e faz isso ao m e sm o tem po e m que atua sobre
este m undo, ou seja, é ativo na sua construção. C ria ndo e transform ando
o m undo (e xterno), o hom em constrói e transform a a si próprio.
U m m undo obje tivo, em m ovim ento, porque se res hum anos o
m ovim e ntam perm a nentem ente com suas intervenções; um [pg. 23]
m undo subjetivo em m ovim e nto porque os indivíduos estã o
perm anentem ente se apropriando de novas m atérias-prim as para
constituírem suas subjetividades.
D e um certo m odo, podem os dizer que a subjetivida de não só é
fabricada, produzida , m oldada, m as ta m bém é autom oldá vel, ou seja, o
hom em pode prom over novas form as de
subjetividade , recusando-se ao assuje itam ento
e à perda de m em ória im posta pela fugacidade
da inform a ção; recusando a m assificaçã o que
exclui e estigm atiza o diferente, a a ce itação
social condiciona da ao consum o, a
m edicalização do sofrim ento. N esse sentido,
retom am os a utopia que cada hom e m pode
participar na construção do seu destino e de
sua coletivida de.
P or fim , podem os dizer que estudar a
subjetividade , nos tem pos atua is, é tentar
com pre ender a produção de novos m odos de
ser, isto é, as subjetividade s em e rgentes, cuja
fabricação é social e histórica . O estudo dessas
novas subje tivida des vai desvenda ndo as
relaçõe s do cultural, do político, do econôm ico
e do histórico na produção do m ais íntim o e do
m ais observá vel no hom em — aquilo que o
captura, subm ete-o ou m obiliza-o para pensar
e agir sobre os efeitos das form as de
subm issão da subjetividade (com o dizia o filósofo francês M ichel
F oucault).
O movimento e a transformação são os ele m entos básicos de
toda essa história . E aproveita m os para citar G uim arães R osa, que em
Grande Sertão: Veredas, consegue e xpre ssar, de m odo m uito adequa do
e rico, o que aqui vale a pena registrar:
             
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
C onvidam os você a refletir um pouco sobre esse pensa m ento de
G uim arã es R osa . As pessoas nã o estão sem pre iguais. Ainda não foram
term ina das. N a verdade, as pe ssoa s nunca serão term inadas, pois
estarão sem pre se m odifica ndo. M as por quê? C om o? S im plesm ente
porque a subje tivida de — este m undo interno construído pelo hom e m
com o sínte se de suas determ inações — não cessa rá de [pg. 24] se
m odifica r, pois as experiê ncias sem pre trarão novos ele m entos para
renová-la.
T alvez você esteja pensando: m as e u acho que sou o que se m pre
fui — eu não m e m odifico! P or acom panhar de perto suas próprias
transform açõe s (não poderia ser difere nte !), você pode nã o percebê-las e
ter a im pressão de ser com o se m pre foi. V ocê é o construtor da sua
transform ação (veja capítulo 13 ) e, por isso, ela pode pa ssar
despercebida, fazendo-o pensar que não se transformou. M as você
cresceu, m udou de corpo, de vontade s, de gostos, de a m igos, de
atividades, afinou e desafinou, enfim , tudo em sua vida m uda e, com ela ,
suas vivê ncias subjetivas, se u conte údo psicológico, sua subjetividade.
Isso acontece com todos nós.
Bem , esperam os que você já tenha um a noção do que seja
subjetividade e possam os, entã o, voltar a nossa discussão sobre o objeto
da P sicologia .
A P sicologia, com o já dissem os anteriorm ente , é um ra m o das
C iências H um anas e a sua identidade, isto é, aquilo que a difere ncia,
pode ser obtida considerando-se que ca da um desses ram os enfoca de
m aneira particular o objeto hom e m , construindo conhecim entos distintos
e específicos a respeito dele. Assim , com o estudo da subjetividade, a
P sicologia contribui para a com preensã o da totalidade da vida hum a na.
É claro que a form a de se abordar a subjetividade , e m e sm o a
form a de conce bê-la , depe nderá da concepção de hom em adotada pela s
diferentes escolas psicológicas (veja capítulos 3, 4 , 5 e 6). N o m om ento,
pelo pouco desenvolvim ento da P sicologia, essas escola s acabam
form ula ndo um conhecim e nto fragm entário de um a única e m esm a
totalida de — o ser hum a no: o se u m undo interno e as sua s
m anifestaçõe s. A superaçã o do atual im passe le va rá a um a P sicologia
que enquadre esse hom em com o ser concreto e m ultide term inado (ve ja
capítulo 10). E sse é o papel de um a ciência crítica, da com preensão, da
com unicação e do e ncontro do hom em com o m undo em que vive, já que
o hom em que com preende a H istória (o m undo e xterno) tam bém
com pre ende a si m esm o (sua subjetividade), e o hom em que
com pre ende a si m e sm o pode com pre ender o e ngendram ento do m undo
e criar novas rotas e utopias.
Algum a s correntes da P sicologia consideram -na perte ncente ao
cam po das C iências do C om portam ento e, outras, das C iências S ociais.
Acredita m os que o cam po das C iê ncias H um anas é m ais a brange nte e
condize nte com a nossa proposta, que vincula a P sicologia à H istória, à
Antropologia, à E conom ia etc. [pg. 25]

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A P sicologia, com o área da C iência, vem se desenvolvendo na
história desde 187 5, quando W ilhelm W undt (1832-1926) criou o prim eiro
Laboratório de E xperim entos em P sicofisiologia, em Leipzig, na
Alem anha. E sse m arco histórico significou o desliga m ento das idéia s
psicológicas de idé ias abstrata s e espiritualistas, que defendia m a
existência de um a alm a nos hom ens, a qual seria a sede da vida
psíquica. A partir daí, a história da P sicologia é de fortale cim e nto de se u
vínculo com os princípios e m étodos científicos. A idéia de um hom em
autônom o, capaz de se responsa bilizar pelo se u próprio dese nvolvim e nto
e pela sua vida, ta m bém vai se fortalece ndo a partir desse m om ento.
H oje, a P sicologia ainda nã o consegue e xplicar m uitas coisas
sobre o hom em , pois é um a área da C iência relativam ente nova (com
pouco m ais de ce m anos). Além disso, sabe-se que a C iência não
esgotará o que há para se conhecer, pois a realidade está em
perm anente m ovim e nto e nova s perguntas surgem a cada dia, o hom em
está em m ovim ento e em transform ação, colocando tam bém nova s
perguntas para a P sicologia. A invenção dos com putadores, por
exem plo, trouxe e trará m udanças em nossas form as de pe nsam ento,
em nossa inte ligê ncia, e a P sicologia precisará absorver essas
transform açõe s em seu qua dro te órico.
Alguns dos “desconhecim entos” da P sicologia têm le vado os
psicólogos a busca rem respostas em outros cam pos do saber hum a no.
C om isso, algum as práticas nã o-psicológicas têm sido associada s às
práticas psicológicas. O tarô, a astrologia , a quirom ancia, a num erologia,
entre outras prática s adivinha tórias e/ou m ísticas, tê m sido associadas
ao fazer e ao sabe r psicológico.
E stas não são práticas da P sicologia. S ã o outra s form as de sabe r
— de sa ber sobre o hum ano — que não podem ser confundidas com a
P sicologia, pois:
• não são construídas no cam po da C iência, a partir do m étodo e dos
princípios cie ntíficos;
• estão em oposiçã o aos princípios da P sicologia, que vê não só o
hom em com o ser autônom o, que se desenvolve e se constitui a partir
de sua relação com o m undo social e cultural, m as tam bém o hom e m
sem destino pronto, que constrói seu futuro ao agir sobre o m undo. As
práticas m ísticas têm pressupostos opostos, pois nelas há a concepção
de de stino, da e xistência de forças que nã o estão no cam po do
hum ano e do m undo m aterial.
A P sicologia, ao rela cionar-se com esses saberes, de ve ser capa z
de enfre ntá-los sem preconceitos, reconhecendo que o hom e m [pg. 26]
construiu m uitos “sa beres” em busca de sua felicida de. M as é pre ciso
dem arcar nossos cam pos. E sse s sa beres não e stão no cam po da
P sicologia, m as podem se tornar seu objeto de estudo.
É possível estudar a s prática s adivinhatórias e de scobrir o que ela s
têm de eficiente, de acordo com os critérios cie ntíficos, e aprim orar tais
aspectos para um uso eficiente e racional. N e m se m pre esses crité rios
científicos têm sido observados e alguns psicólogos acabam por usar tais
práticas sem o de vido cuidado e observa ção. E sses casos, seja daquele
que usa a prática m ística com o acom pa nham ento psicológico, seja o do
psicólogo que usa desse e xpedie nte se m critério científico com provado,
são pre vistos pe lo código de ética dos psicólogos e, por isso, passíveis
de punição. N o prim eiro ca so, com o prática de charlatanism o e, no
segundo, com o de se m penho inadequa do da profissão.
E ntreta nto, é preciso pondera r que esse cam po fronteiriço entre a
P sicologia científica e a especula ção m ística de ve ser trata do com o
de vido cuidado. Q uando se trata de pessoa, psicóloga ou não, que
decididam ente usa do e xpediente das práticas m ísticas com o form a de
tirar proveito pecuniário ou de qualquer outra ordem , prejudica ndo
terceiros, tem os um caso de polícia e a punição é salutar. M as m uitas
ve zes nã o é possível caracterizar a atuação da quele s que se utiliza m
dessas prática s de form a tão clara. N estes casos, não pode m os tornar
absoluto o conhe cim ento cie ntífico com o o “conhe cimento por
excelência” e dogm a tizá-lo a ponto de correr o risco de criar um tribuna l
sem elhante ao da S anta Inquisiçã o. E preciso reconhe cer que pessoas
que acreditam em práticas adivinhatória s ou m ísticas têm o direito de
consultar e de sere m consultada s, e ta m bém te m os de reconhece r, nós
cientistas, que não sabem os m uita coisa sobre o psiquism o hum a no e
que, m uitas vezes, novas descobertas seguem estranhos e insondá veis
cam inhos. O verda deiro cie ntista de ve te r os olhos abertos pa ra o novo.
E nfim , nosso alerta a qui vai em dois sentidos:
• N ão se de ve m isturar a P sicologia com práticas adivinhatórias ou
m ísticas que estã o baseadas em pressupostos diversos e opostos ao
da P sicologia .
• “M ente é com o pára-que das: m elhor aberta.” É preciso e star aberto
para o novo, atento a novos conhecim entos que, tendo sido e studados
no âm bito da C iência, pode m traze r novos sabe res, ou seja, novas
respostas para perguntas ainda não respondida s.
A C iência, com o um a das form as de saber do hom em , te m seu
cam po de atuaçã o com m étodos e princípios próprios, m as, com o form a
de saber, não está pronta e nunca estará . A C iência é, na verdade, [pg.
27] um processo perm anente de conhecim ento do m undo, um e xercício
de diá logo entre o pensam e nto hum a no e a realidade, em todos os se us
aspectos. N esse se ntido, tudo o que ocorre com o hom em é m otivo de
interesse pa ra a C iência, que de ve aplicar se us princípios e m é todos
para construir respostas.

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A PSICOLOGIA DOS PSICÓLOGOS
(...) som os obrigados a renunciar à pretensão de determ inar para
as m últiplas investigações psicológica s um objeto (um ca m po de fatos)
unitário e coerente. C onseqüe ntem ente , e por sólida s ra zões, nã o
som ente históricas m as doutrinárias, torna-se im possível à P sicologia
assegurar-se um a unidade m etodológica . (...)
P or isso, ta lvez fosse preferível falarm os, ao invés de “psicologia”,
em “ciê ncias psicológicas”. P orque os adjetivos que acom panham o
term o “psicologia” podem especificar, ao m esm o tem po, tanto um
dom ínio de pe squisa (psicologia difere ncial), um estilo m etodológico
(psicologia clínica), um cam po de práticas sociais (orientaçã o,
reeducação, terapia de distúrbios com porta m entais etc.), quanto
determ inada escola de pe nsam e nto que chega a de finir, para seu próprio
uso, tanto sua problem ática quanto seus conceitos e instrum entos de
pesquisa. (...) não devem os estranha r que a unidade da P sicologia, hoje,
nada m ais seja que um a e xpressã o côm oda , a e xpre ssão de um
pacifism o ao m esm o tem po prático e enganador. D onde não ha ver
nenhum inconvenie nte em falarm os de “psicologias” no plural. N um a
época de m utação acelera da com o a nossa, a P sicologia se situa no
im enso dom ínio das ciências “e xa tas”, biológica s, naturais e hum anas.
H á diversidade de dom ínio e diversida de de m étodos. U m a coisa, poré m ,
precisa ficar clara: os problem as psicológicos não sã o feitos para os
m étodos; os m é todos é que são feitos pa ra os problem as. (...)
Interessa-nos indicar um a ra zão centra l pela qual a P sicologia se
reparte em tantas tendências ou escolas: a tendê ncia organicista, a
tendência fisicalista, a tendência psico-sociológica, a tendê ncia
psicana lítica etc. Q ual o obstáculo supre m o im pedindo que todas e ssas
tendências continue m a constituir “escolas” cada ve z m ais fechada s, a
ponto de desagregarem a outrora cha m a da “ciê ncia psicológica”? A m eu
ve r, esse obstáculo é de vido ao fato de nenhum cientista,
conseqüente m ente, nenhum psicólogo, poder considerar-se um cientista
“puro”. C om o qualquer cientista, todo psicólogo está com prom etido com
um a posição filosófica ou ideológica . E ste fato tem um a im portância
fundam ental nos problem a s estudados pela P sicologia. E sta não é a
m esm a em todos os países. D epende dos m eios culturais. S uas
va riações de pende m da diversidade das escolas e das ideologia s. O s
problem as psicológicos se diversificam se gundo as corrente s ideológicas
ou filosóficas ve nha m reforçar esta ou aquela orienta ção na pesquisa ,
consiga m ocultar ou im pedir este ou aquele aspecto dos dom ínios a
serem e xplora dos ou consigam e sterilizar esta ou aquela pesquisa,
opondo-se im plícita ou e xplicita m ente a seu desenvolvim ento. (...)

H ilton Japiassu. A psicologia dos psicólogos.


2. ed. R io de Janeiro, Im ago, 198 3. p. 2 4-6. [pg. 28]

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1. Q ual a rela ção entre cotidiano e conhecim ento científico? D ê um
exem plo de uso cotidiano do conhecim e nto científico (em qualquer
área).
2. E xplique o que é senso com um . D ê um e xem plo desse tipo de
conhecim ento.
3. E xplique o que você ente ndeu por visã o-de-m undo.
4. C ite alguns e xe m plos de conhe cim entos da P sicologia apropriados
pelo se nso com um .
5. Q uais os dom ínios do conhecim e nto hum ano? O que cada um dele s
abrange?
6. Q uais as características atribuídas ao conhecim ento científico?
7. Q uais as diferenças entre senso com um e conhecim ento científico?
8. Q uais são os possíveis objetos de estudo da P sicologia?
9. Q uais os m otivos responsá veis pela diversidade de objetos para a
P sicologia?
10. Q ua l a m atéria-prim a da P sicologia?
11. O que é subjetividade?
12. P or que a subjetividade não é inata?
13. P or que as práticas m ísticas não com põem o ca m po da P sicologia
científica?

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1. V ocê leu, no te xto, que e xistem a P sicologia cie ntífica e a psicologia
do senso com um . S upondo que o seu contato até o m om e nto só tenha
sido com a psicologia do se nso com um , re lacione situações do
cotidiano em que você ou as pessoa s com quem convive usem essa
psicologia.
2. Basea ndo-se no texto e na leitura com plem e ntar, re sponda por que
falam os em C iência s P sicológicas e não em uma P sicologia.
3. D iscuta nossa apresenta ção da P sicologia científica — sua m atéria-
prim a e seu enfoque. P ara isso, retom e as respostas que cada
m em bro do grupo de u às questõe s 10, 11 , 12 e 1 3.
4. V erifique qua ntas pessoas do grupo já procurara m práticas
adivinhatória s. A partir da leitura do te xto, discuta a e xperiê ncia. [pg.
29]

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Para o aluno
P ara o aprofundam ento da relaçã o ciência e senso com um ,
indicam os o ca pítulo 10 do livro Filosofando — introdução à Filosofia,
de M aria Lúcia Ara nha e M aria H elena P . M artins (S ão P aulo, M oderna,
1987), e o ca pítulo 3 do livro Fundamentos da Filosofia — ser, saber e
fazer, de G ilberto C otrim (S ão P aulo, S araiva, 19 93).
E sses dois livros podem ainda ser utilizados para e xplorar m elhor o
m étodo científico (no Filosofando — introdução à Filosofia, o capítulo
14, e no Fundamentos da Filosofia, o ca pítulo 1 2).
Q uanto ao a profundam ento da questã o do objeto das ciências
hum anas, sugerim os ainda as parte s 1 e 2 do capítulo 16 do
Filosofando — introdução à Filosofia.

Para o professor
P ara o aprofunda m ento das questões colocadas no te xto,
sugerim os a introdução do livro A construção da realidade, de P ete r
Berger e T hom as Luckm ann (P etrópolis, V ozes, 19 83), onde os autore s
discute m e apre sentam com m uita profundidade a relação
realidade/conhecim e nto.
Q uanto à questão específica da P sicologia e psicologias, seus
objetos, seus m é todos e a definiçã o do fenôm e no, indicam os o livro A
Psicologia dos psicólogos, de H ilton Japiassu (R io de Janeiro, Im ago,
1983). E sse livro supõe um bom conhe cim ento das te orias e sistem a s
em P sicologia, já que procura discuti-los do ponto de vista m etodológico.
N ão é um a leitura fácil, m as im portantíssim a para os psicólogos.
R essaltam os a introdução e o capítulo 1.
Indicam os, ainda, pa ra aprofunda m ento da que stão da P sicologia,
o livro Psicologia da conduta, de José Ble ger (P orto Alegre, Artes
M édicas, 1987 ), que aborda a P sicologia do ponto de vista de seu objeto
de estudo. [pg. 30]
C AP ÍT U LO 2

A evolução da ciência psicologia

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T oda e qualquer produção hum ana — um a cadeira, um a religião,
um com putador, um a obra de arte, um a teoria cie ntífica — tem por trá s
de si a contribuição de inúm eros hom e ns, que, num te m po anterior ao
presente, fizeram indaga ções, realiza ram de scobertas, inventaram
técnicas e dese nvolve ram idéias, isto é, por trás de qualque r produção
m aterial ou espiritual, e xiste a H istória.
C om pre ender, em profundidade, algo que com põe o nosso m undo
significa recuperar sua história. O passa do e o futuro se m pre estã o no
presente, enquanto base constitutiva e enqua nto projeto. P or e xem plo,
todos nós tem os um a história pe ssoal e nos tornam os pouco
com pre ensíve is se não recorrem os a ela e à nossa perspectiva de futuro
para entenderm os quem som os e por que som os de um a determ inada
form a.
E sta história pode ser m ais ou m enos longa para os dife rentes
aspectos da produçã o hum ana. N o caso da P sicologia, a história tem por
volta de dois m ilê nios. E sse tem po refe re-se à P sicologia no O cidente ,
que com eça entre os gregos, no período anterior à era cristã.
P ara com pre ender a dive rsida de com que a P sicologia se
aprese nta hoje , é indispensá vel recuperar sua história. A história de sua
construção está liga da, em cada m om e nto histórico, às e xigências de
conhecim ento da hum anidade, às dem ais áre as do conhecim ento
hum ano e aos novos desafios colocados pela re alida de e conôm ica e
social e pela insaciável necessidade do hom em de com preender a si
m esm o. [pg. 31]

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
A história do pe nsa m ento hum ano tem um m om e nto áure o na
Antiguidade, entre os gregos, particularm ente no período de 7 00 a.C . até
a dom inação rom a na , às vésperas da era cristã.

Partenon — uma das mais belas produções da arquitetura da Grécia Antiga (séc.
5 a.C).

O s gregos foram o povo m ais e voluído nessa época. U m a


produção m inim am e nte planejada e be m -sucedida perm itiu a construção
das prim eiras cida des-esta dos (pólis). A m anute nção dessas cidade s
im plica va a necessidade de m ais riquezas, as quais alim enta vam ,
tam bém , o poderio dos cidadãos (m e m bros da classe dom inante na
G récia Antiga). Assim , iniciara m a conquista de novos territórios
(M editerrâneo, Ásia M enor, chega ndo quase até a C hina), que gerara m
riqueza s na form a de escra vos para tra balhar nas cida des e na form a de
tributos pagos pelos territórios conquista dos.
As riquezas gerara m crescim ento, e este crescim ento e xigia
soluçõe s prá ticas para a arquitetura, para a agricultura e para a
organização social. Isso e xplica os a vanços na F ísica, na G e om etria, na
teoria política (inclusive com a criação do conceito de dem ocra cia).
T ais avanços pe rm itiram que o cidadã o se ocupasse das coisas do
espírito, com o a F ilosofia e a arte. Alguns hom ens, com o P latão e
Aristóteles, de dicara m -se a com pree nder esse espírito em pre endedor do
conquistador grego, ou seja, a F ilosofia com eçou a espe cula r em torno
do hom em e da sua interioridade.
É entre os filósofos gregos que surge a prim eira te ntativa de
sistem atizar um a P sicologia . O próprio term o psicologia ve m do gre go
psyché, que significa alma, e de logos, que significa razão. P ortanto,
[pg. 32] etim ologica m ente, psicologia significa “estudo da alm a”. A alm a
ou espírito era concebida com o a parte im aterial do se r hum ano e
abarcaria o pe nsam ento, os se ntim entos de am or e ódio, a
irraciona lidade, o de sejo, a sensa ção e a percepção.
O s filósofos pré-socráticos (a ssim cha m ados por ante cederem
S ócrate s, filósofo gre go) pre ocupa vam -se em de finir a relação do hom em
com o m undo atra vé s da percepção. D iscutiam se o m undo e xiste
porque o hom em o vê ou se o hom em vê um m undo que já e xiste. H a via
um a oposição entre os idealistas (a idéia form a o m undo) e os
materialistas (a m atéria que form a o m undo já é da da para a
percepção).
M as é com S ócrates (46 9-39 9 a.C .) que a P sicologia na
Antiguidade ganha consistê ncia. S ua principal preocupaçã o era com o
lim ite que se para o hom em dos a nim ais. D esta form a, postulava que a
principal ca racterística hum ana era a razão. A razão perm itia ao hom em
sobrepor-se a os instintos, que seriam a base da irraciona lidade. Ao
definir a ra zão com o pe culiaridade do hom em ou com o essê ncia
hum ana, S ócrates abre um cam inho que seria m uito e xplorado pela
P sicologia. As teoria s da consciência sã o, de certa form a , frutos dessa
prim eira sistem atização na F ilosofia.
O passo seguinte é dado por P latão (427-34 7
a.C .), discípulo de S ócrate s. E sse filósofo procurou
definir um “lugar” para a razão no nosso próprio corpo.
D efiniu esse lugar com o se ndo a cabeça, onde se
encontra a alma do hom em . A m edula seria, portanto,
o elem e nto de liga ção da a lm a com o corpo. E ste
elem ento de ligaçã o era necessário porque P latã o
concebia a alm a se parada do corpo. Q uando alguém
m orria, a m até ria (o corpo) desa parecia , m as a alm a
fica va livre para ocupar outro corpo.
Aristóteles (3 84-3 22 a.C ), discípulo de P latão, foi
um dos m ais im portantes pensa dores da história da
F ilosofia . S ua contribuição foi inovadora ao postular
que alm a e corpo não podem ser dissociados. P ara
Aristóteles, a psyché seria o princípio ativo da vida.
T udo aquilo que cresce, se re produz e se alim e nta
possui a sua psyché ou alm a . D esta form a, os
ve getais, os anim ais e o hom em teriam alm a. O s
ve getais teriam a alm a ve getativa, que se define pela
função de alim enta ção e re produção. O s anim ais
teriam essa alm a e a alm a sensitiva, que tem a função
de percepção e m ovim ento. E o hom e m teria os dois
níveis a nteriores e a alm a racional, que te m a função pensa nte .
E sse filósofo chegou a estudar as dife renças entre a razão, a
percepção e as se nsaçõe s. E sse e studo está sistem atiza do no Da
anima, que pode ser considera do o prim eiro tratado e m P sicologia. [pg.
33]
P ortanto, 2 300 anos antes do advento da P sicologia científica, os
gregos já ha viam form ulado duas “teoria s”: a platônica, que postula va a
im ortalidade da alm a e a conce bia sepa rada do corpo, e a aristotélica,
que a firm a va a m ortalidade da alm a e a sua relação de perte ncim ento a o
corpo.

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Às vésperas da era cristã, surge um novo im pé rio que iria dom inar
a G récia, parte da E uropa e do O rie nte M édio: o Im pério R om ano. U m a
das principais cara cterística s desse período é o apa recim ento e
desenvolvim e nto do cristianism o — um a força religiosa que pa ssa a força
política dom inante. M esm o com as inva sões bárbaras, por volta de 4 00
d.C , que le vam à desorga nizaçã o econôm ica e a o esfacelam ento dos
territórios, o cristianism o sobre vive e a té se fortalece, tornando-se a
religião principal da Idade M édia, período que então se inicia. [pg. 34]
E falar de P sicologia nesse período é rela cioná-la ao conhe cim ento
religioso, já que , a o lado do poder econôm ico e político, a Igreja C a tólica
tam bém m onopoliza va o saber e, conseqüente m ente, o estudo do
psiquism o.
N esse sentido, dois grandes filósofos represe ntam esse pe ríodo:
S anto Agostinho (35 4-430) e S ão T om ás de Aquino (1 225-1 27 4).
S anto Agostinho, inspirado em P latão,
tam bém fazia um a cisão e ntre alm a e corpo.
E ntreta nto, para e le, a alm a não era
som ente a sede da razão, m as a prova de
um a m anifestação divina no hom em . A a lm a
era im orta l por ser o elem ento que liga o
hom em a D eus. E , sendo a alm a tam bé m a
sede do pensa m ento, a Igreja passa a se
preocupar ta m bém com sua com preensã o.
S ão T om ás de Aquino viveu num
período que pre nunciava a ruptura da Igreja Santo Agostinho — pintura em
madeira de Michael Pacher.
C atólica , o aparecim ento do prote stantism o — um a época que prepara va
a transição para o capitalism o, com a re volução fra ncesa e a re volução
industrial na Inglaterra. E ssa crise econôm ica e social le va ao
questionam e nto da Igreja e dos conhecim entos produzidos por ela.
D essa form a, foi preciso encontrar novas justificativas para a relação
entre D eus e o hom e m . S ã o T om ás de Aquino foi buscar em Aristótele s a
distinçã o entre essência e existência. C om o o filósofo gre go, considera
que o hom em , na sua essê ncia, busca a perfeição atra vés de sua
existência. P orém , introduzindo o ponto de vista religioso, ao contrário de
Aristóteles, afirm a que som ente D e us se ria capaz de re unir a essência e
a existência, em term os de igualdade. P ortanto, a busca de perfeição
pelo hom em seria a busca de D e us.
S ão T om ás de Aquino e ncontra argum entos racionais para
justificar os dogm as da Igreja e continua garantindo para ela o m onopólio
do estudo do psiquism o.
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P ouco m ais de 200 anos após a m orte de S ã o T om ás de Aquino,
tem início um a época de tra nsform açõe s radicais no m undo e uropeu. É o
Renascimento ou Renascença. O m ercantilism o le va à de scoberta de
novas terras (a Am érica, o cam inho pa ra as Índias, a rota [pg. 35] do
P acífico), e isto propicia a acum ulaçã o de riquezas pela s na ções em
form açã o, com o F ra nça, Itá lia, E spanha, Inglaterra. N a tra nsição pa ra o
capitalism o, com eça a em ergir um a nova form a de organização
econôm ica e social. D á-se, tam bém , um processo de valorizaçã o do
hom em .
As transform ações ocorre m e m todos os
setores da produçã o hum ana. P or volta de 13 00,
D ante escre ve A Divina Comédia; entre 1475 e
1478, Le onardo da V inci pinta o quadro
Anunciação; em 14 8 4, Boticelli pinta o Nascimento
de Vênus; em 1 501, M ichelangelo e sculpe o Davi;
e, em 15 13, M a quia vel escre ve O Príncipe, obra
clássica da política.
As ciências ta m bém conhecem um gra nde
avanço. E m 1 543, C opérnico causa um a re volução
Davi, de Michelangelo
no conhecim ento hum ano m ostra ndo que o nosso
planeta não é o centro do universo. E m 161 0,
G alileu e studa a que da dos corpos, re alizando as prim eira s e xperiências
da F ísica m oderna. E sse a va nço na produção de conhe cim entos propicia
o início da siste m atização do conhecim e nto científico — com eçam a se
estabelecer m étodos e re gras bá sicas pa ra a construção do
conhecim ento científico.
N este período, R ené D escartes (1596-16 59), um dos filósofos que
m ais contribuiu para o a vanço da ciência, postula a se paração entre
m ente (alm a, espírito) e corpo, afirm a ndo que o hom em possui um a
substância m a terial e um a substâ ncia pensa nte, e que o corpo,
desprovido do espírito, é a pena s um a m áquina. E sse dualism o m e nte-
corpo torna possível o estudo do corpo hum a no m orto, o que era
im pensá vel nos séculos a nteriores (o corpo era considerado sagrado
pela Igreja, por ser a sede da alm a), e dessa form a possibilita o a vanço
da Anatom ia e da F isiologia, que iria contribuir em m uito para o
progresso da própria P sicologia. [pg. 36]

Lição de anatomia, de Rembrandt: a dessacralização do corpo

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N o século 1 9, desta ca-se o papel da ciê ncia, e seu a vanço torna-
se nece ssário. O cre scim ento da nova ordem econôm ica — o ca pitalism o
— traz consigo o processo de industria lização, para o qual a ciência
de veria dar respostas e soluções práticas no cam po da técnica. H á,
então, um im pulso m uito gra nde para o desenvolvim ento da ciência,
enqua nto um suste ntáculo da nova ordem econôm ica e social, e dos
problem as colocados por ela.
P ara um a m elhor com preensão, retom e m os algum as
características da sociedade feudal e ca pitalista em e rgente, sendo esta
responsá vel por m udanças que m arcaria m a história da hum a nidade.
N a sociedade feudal, com m odo de produção voltado para a
subsistê ncia, a terra era a principal fonte de produção. A relação do
senhor e do servo era típica de um a e conom ia fechada, na qual um a
hierarquia rígida estava estabele cida, não ha vendo m obilidade social.
E ra um a socie dade está vel, em que predom ina va um a visão de um
universo estático — um m undo natural organiza do e hierárquico, em que
a verdade e ra sem pre decorre nte de re ve lações. N e sse m undo vivia um
hom em que tinha seu lugar social definido a partir do na scim ento. A
razão esta va subm etida à fé com o gara ntia de centralização do poder. A
autoridade e ra o critério de verdade. E sse m undo fechado e esse
universo finito refletiam e justificavam a hierarquia social inquestioná vel
do feudo.
O capitalism o pôs esse m undo em m ovim ento, com a nece ssidade
de abastecer m ercados e produzir cada vez m ais: buscou novas
m atérias-prim a s na N atureza; criou necessidades; contra tou o trabalho
de m uitos que, por sua vez, torna vam -se consum idores da s m ercadorias
produzidas; questionou as hierarquias pa ra derrubar a nobre za e o cle ro
de seus lugares há tantos séculos esta bilizados.
O universo tam bém foi posto em m ovim ento. O S ol tornou-se o
centro do universo, que passou a ser visto se m hierarquizações. O
hom em , por sua vez, deixou de ser o centro do universo
(antropocentrism o), passando a ser concebido com o um ser livre, ca paz
de construir se u futuro. O servo, libe rto de seu vínculo com a terra, pôde
escolhe i seu trabalho e seu lugar social. C om isso, o capitalism o tornou
todos os hom ens consum idores, e m potencia l, das m ercadorias
produzidas,
O conhecim ento tornou-se inde pendente da fé. O s dogm a s da
Igreja fora m questionados. O m undo se m oveu. A racionalidade do
hom em a pareceu, e ntão, com o a gra nde possibilidade de construçã o do
conhecim ento. [pg. 37]
A burguesia, que disputa va o poder e surgia com o nova classe
social e econôm ica, defendia a em ancipa ção do hom em para em ancipar-
se tam bé m . E ra pre ciso que brar a idéia de unive rso está vel para poder
transform á-lo. E ra preciso questionar a N atureza com o algo dado para
via bilizar a sua e xploração e m busca de m a térias-prim a s.
E sta vam dadas as condições m ateriais para o de senvolvim ento da
ciência m oderna . As idéias dom inantes ferm enta ram essa construçã o: o
conhecim ento com o fruto da razão; a possibilidade de desvendar a
N atureza e sua s leis pela observação rigorosa e objetiva. A busca de um
m étodo rigoroso, que possibilitasse a observa ção para a descoberta
dessas le is, aponta va a ne cessidade de os hom ens construírem nova s
form as de produzir conhecim ento — que não e ra m ais esta belecido pelos
dogm as religiosos e /ou pela autorida de eclesial. S entiu-se necessidade
da ciência.
N esse período, surgem
hom ens com o H egel, que
dem onstra a im portância da
H istória para a com preensã o do
hom em , e D arwin, que enterra o
antropocentrism o com sua tese
evolucionista. A ciência a va nça
tanto, que se torna um
referencial para a visão de
m undo. A partir dessa época, a
noção de verda de pa ssa,
necessariam e nte, a contar com
o ava l da ciência. A própria
F ilosofia ada pta-se aos novos
tem pos, com o surgim ento do
P ositivism o de Augusto C om te,
O capitalismo moveu o mundo, produzindo
mercadorias e necessidades. que postula va a ne cessidade de
m aior rigor cie ntífico na
construção dos conhecim e ntos nas ciê ncias hum a nas. D e sta form a ,
propunha o m étodo da ciência natural, a F ísica, com o m odelo de
construção de conhe cim ento. [pg. 38]
É em m eados do século 19 que os problem as e tem as da
P sicologia, até entã o estuda dos e xclusiva m ente pelos filósofos, passa m
a ser, tam bém , inve stigados pela F isiologia e pe la N e urofisiologia em
particular. O s a vanços que atingiram tam bém essa área leva ram à
form ulação de teorias sobre o sistem a nervoso central, de m onstrando
que o pensam e nto, as percepções e os sentim entos hum a nos eram
produtos desse siste m a.
É preciso lem brar que esse m undo capitalista trouxe consigo a
m áquina. Ah! A m á quina ! Q ue criaçã o fantástica do hom e m ! E foi tão
fantástica que passou a determ inar a form a de ver o m undo. O m undo
com o um a m áquina; o m undo com o um relógio. T odo o unive rso passou
a ser pensado com o um a m áquina, isto é, podem os conhecer o seu
funcionam ento, a sua regularidade, o que nos possibilita o conhecim ento
de suas leis. E sta form a de pensar a tingiu tam bém a s ciências do
hom em .
P ara se conhecer o psiquism o hum ano passa a se r necessário
com pre ender os m e canism os e o funcionam ento da m áquina de pensar
do hom em — seu cérebro. Assim , a P sicologia com eça a trilhar os
cam inhos da F isiologia, N euroanatom ia e N eurofisiologia.
Algum a s descobertas são e xtrem a m ente rele vante s para a
P sicologia. P or e xe m plo, por volta de 1 846, a N eurologia de scobre que a
doença m ental é fruto da açã o dire ta ou indireta de diversos fatores
sobre a s células cerebrais.
A N euroa natom ia descobre que a atividade m otora ne m sem pre
está liga da à consciência, por nã o estar necessariam ente na
dependência dos centros cerebrais superiores. P or e xe m plo, quando
alguém queim a a m ão em um a cha pa quente, prim eiro tira-a da chapa
para depois perceber o que acontece u. E sse fe nôm e no cha m a-se
reflexo, e o e stím ulo que chega à m e dula espinhal, antes de chegar aos
centros cerebrais superiores, recebe um a ordem para a resposta, que é
tirar a m ão.
O cam inho natural que os fisiologistas da época seguiam , quando
passa vam a se inte ressar pelo fe nôm e no psicológico enquanto estudo
científico, era a Psicofísica. E studa va m , por e xem plo, a fisiologia do
olho e a percepção das cores. As cores e ram estudadas com o fenôm eno
da F ísica, e a perce pção, com o fe nôm e no da P sicologia.
P or volta de 186 0, tem os a form ulaçã o de um a im portante lei no
cam po da P sicofísica. É a Lei de F e chner-W eber, que estabele ce a
relação entre estím ulo e sensaçã o, perm itindo a sua m ensuração.
S egundo F echner e W eber, a diferença que sentim os a o aum entarm os a
intensidade de ilum inação de um a lâm pada de 100 para 11 0 [pg. 39]
wa tts será a m esm a sentida qua ndo aum entam os a inte nsidade de
ilum inação de 1000 para 11 00 watts, isto é, a percepçã o a um enta em
progressão aritm é tica, enqua nto o e stím ulo varia em progressão
geom étrica.
E ssa lei te ve m uita im portâ ncia na história da P sicologia porque
instaurou a possibilidade de m e dida do fenôm e no psicológico, o que até
então era conside rado im possíve l. D essa form a, os fenôm enos
psicológicos vão a dquirindo status de científicos, porque, para a
concepção de ciência da época, o que não era m ensurá vel não era
passível de e studo científico.
O utra contribuição m uito im portante nesses prim órdios da
P sicologia científica é a de W ilhelm W undt (1832-1926). W undt cria na
U niversidade de Le ipzig, na Alem a nha , o prim eiro labora tório para
realizar e xperim entos na área de P sicofisiologia . P or esse fato e por sua
extensa produção te órica na área, e le é conside rado o pai da P sicologia
m oderna ou científica.
W undt desenvolve a concepção do paralelismo psicofísico,
segundo a qual a os fenôm enos m entais corre spondem fenôm e nos
orgânicos. P or e xe m plo, um a estim ula ção física , com o um a picada de
agulha na pele de um indivíduo, teria um a correspondência na m ente
deste indivíduo. P ara explorar a m e nte ou consciência do indivíduo,
W undt cria um m étodo que de nom ina introspeccionismo. N esse
m étodo, o e xperim e ntador pergunta ao sujeito, espe cialm ente treinado
para a auto-observa ção, os cam inhos pe rcorridos no seu interior por um a
estim ula ção sensoria l (a pica da da agulha , por e xemplo).

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O berço da P sicologia m oderna foi a Ale m anha do final do século
19. W undt, W eber e F echner trabalharam juntos na U nive rsidade de
Leipzig. S eguiram para aquele país m uitos estudiosos dessa nova
ciência, com o o inglê s E dward B. T itchne r e o am ericano W illiam Jam es.
S eu status de ciência é obtido à m e dida que se “liberta” da
F ilosofia , que m arcou sua história até a qui, e atra i novos e studiosos e
pesquisadores, que, sob os novos padrõe s de produção de
conhecim ento, passam a: [pg. 40]
• definir seu objeto de estudo (o com portam e nto, a vida psíquica, a
consciê ncia);
• delim ita r seu cam po de estudo, diferenciando-o de outra s áreas de
conhecim ento, com o a F ilosofia e a F isiologia;
• form ular m étodos de estudo desse objeto;
• form ular teorias enquanto um corpo consistente de conhecim entos na
área.
E ssas teorias de ve m obedecer a os critérios bá sicos da
m etodologia científica, isto é, de ve-se buscar a neutralidade do
conhecim ento cie ntífico, os dados de vem ser pa ssíveis de com provação,
e o conhecim e nto deve ser cum ulativo e servir de ponto de partida para
outros e xperim entos e pesquisas na área.
O s pioneiros da P sicologia procuraram , dentro das possibilida des,
atingir tais critérios e form ular teoria s. E ntretanto os conhe cim entos
produzidos inicialm e nte caracterizaram -se, m uito m ais, com o postura
m etodológica que nortea va a pesquisa e a construção teórica.
E m bora a P sicologia científica tenha nascido na Alem a nha, é nos
E stados U nidos que ela e ncontra ca m po para um rá pido crescim e nto,
resultado do grande a vanço econôm ico que colocou os E sta dos U nidos
na va nguarda do sistem a capitalista. É ali que surge m as prim eiras
aborda gens ou escolas em P sicologia , as quais dera m origem à s
inúm era s teorias que e xistem atualm ente.
E ssas abordagens são: o Funcionalismo, de W illiam Jam es
(1842-1 910), o Estruturalismo, de E dwa rd T itchner (1 867 -1927) e o
Associacionismo, de E dward L. T horndike (187 4-194 9).

O FUNCIONALISMO
O Funcionalismo é considerado com o a prim e ira sistem a tização
genuinam ente am e ricana de conhecim entos em P sicologia. U m a
socieda de que e xigia o pra gm atism o para se u dese nvolvim e nto
econôm ico acaba por exigir dos cientista s am erica nos o m esm o espírito.
D esse m odo, para a escola funcionalista de W . Jam es, im porta
responder “o que fazem os hom ens” e “por que o faze m ”. P ara responde r
a isto, W . Jam es elege a consciência com o o centro de suas
preocupaçõe s e busca a com preensão de seu funcionam ento, na m edida
em que o hom em a usa para ada ptar-se ao m eio. [pg. 41]

O ESTRUTURALISMO
O Estruturalismo está pre ocupado com a com pree nsã o do
m esm o fenôm eno que o F uncionalism o: a consciê ncia. M a s,
diferentem ente de W . Jam es, T itchner irá estudá-la e m se us aspectos
estruturais, isto é, os estados elem entares da consciência com o
estruturas do sistem a nervoso central. E sta escola foi inaugurada por
W undt, m as foi T itchner, se guidor de W undt, quem usou o term o
estruturalism o pela prim eira vez, no sentido de diferenciá-la do
F uncionalism o. O m étodo de obse rvaçã o de T itchner, assim com o o de
W undt, é o introspeccionism o, e os conhecim entos psicológicos
produzidos são em inentem e nte e xperim e ntais, isto é, produzidos a partir
do laboratório.
O ASSOCIACIONISMO
O principal represe ntante do Associacionismo é E dward L.
T horndike, e sua im portância está em ter sido o form ula dor de um a
prim eira teoria de aprendizagem na P sicologia. S ua produção de
conhecim entos pa uta va-se por um a visã o de utilidade deste
conhecim ento, m uito m ais do que por que stões filosóficas que
perpassam a P sicologia.
O term o a ssocia cionism o origina-se da concepçã o de que a
aprendizage m se dá por um processo de associação das idéias — das
m ais sim ples às m a is com ple xas. Assim , para a prender um conteúdo
com ple xo, a pe ssoa precisaria prim e iro a prender as idéias m ais sim ple s,
que estariam associadas à quele conteúdo.
T horndike form ulou a Lei do Efeito, que seria de grande utilidade
para a P sicologia C om porta m entalista. D e acordo com essa lei, todo
com portam ento de um organism o vivo (um hom em , um pom bo, um rato
etc.) tende a se repetir, se nós recom pensarm os (efeito) o organism o
assim que este em itir o com portam ento. P or outro lado, o com portam ento
tenderá a nã o acontecer, se o organism o for castigado (efeito) após sua
ocorrência. E , pela Lei do E feito, o organism o irá associar essa s
situações com outra s sem elha ntes. P or exem plo, se, ao ape rtarm os um
dos botões do rádio, form os “prem ia dos” com m úsica , em outras
oportunidades apertarem os o m e sm o botão, bem com o gene ralizare m os
essa aprendizagem para outros aparelhos, com o toca-discos, gra vadores
etc. [pg. 42]

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
A P sicologia enquanto um ram o da F ilosofia e studa va a alm a. A
P sicologia científica nasce quando, de acordo com os padrõe s de ciência
do século 19, W undt preconiza a P sicologia “se m alm a”. O conhecim ento
tido com o científico passa então a ser a quele produzido em laboratórios,
com o uso de instrum entos de observa ção e m edição. S e ante s a
P sicologia esta va subordinada à F ilosofia, a partir daquele século ela
passa a ligar-se a e specialidade s da M e dicina, que assum ira , antes da
P sicologia, o m étodo de investigação das ciência s naturais com o critério
rigoroso de construção do conhe cim ento.
E ssa P sicologia cie ntífica, que se constituiu de três escola s —
Associa cionism o, E struturalism o e F uncionalism o — , foi substituída, no
século 20, por novas teorias.
As três m ais im portantes tendências te óricas da P sicologia neste
século são consideradas por inúm e ros autores com o sendo o
Behaviorismo ou Teoria (S-R) (do inglês Stimuli-Respond — E stím ulo-
R esposta), a Gestalt e a Psicanálise.
• O Behaviorismo, que nasce com W atson e te m um de se nvolvim ento
grande nos E stados U nidos, em função de sua s aplicaçõe s práticas,
tornou-se im portante por ter definido o fato psicológico, de m odo
concreto, a partir da noção de com portam ento (behavior).
• A Gestalt, que te m seu berço na E uropa, surge com o um a ne gação da
fragm entação das ações e processos hum anos, re alizada pela s
tendências da P sicologia científica do século 19, postulando a
necessidade de se com pre ender o hom em com o um a totalidade. A
G estalt é a te ndência teórica m ais ligada à F ilosofia.
• A Psicanálise, que nasce com F reud, na Áustria, a partir da prá tica
m édica, recupe ra para a P sicologia a im portâ ncia da a fetividade e
postula o inconsciente com o objeto de e studo, que brando a tra dição da
P sicologia com o ciê ncia da consciência e da razã o.
N os próxim os três capítulos, dese nvolve rem os ca da um a de ssas
principais tendê ncia s teóricas, a partir da aprese ntaçã o de alguns de
seus conce itos básicos. E m um quarto capítulo, apresentarem os a
P sicologia S ócio-H istórica com o um a das vertentes te óricas em
construção na P sicologia atual. [pg. 43]
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1. Q ual a im portância de se conhecer a história da P sicologia ?
2. Q uais as condições econôm icas e sociais da G récia Antiga que
propiciaram o início da refle xão sobre o hom em ?
3. Q uais as contribuições fundam entais para a P sicologia a pontadas nos
te xtos de S ócrates, P latão e Aristóteles?
4. C om a hegem onia da Igreja, na Idade M édia, qual a contribuiçã o de
S anto Agostinho e S ão T om ás de Aquino para o conhecim ento e m
P sicologia?
5. E m qual período histórico situa-se a contribuição de D escartes para a
P sicologia? Q ual é e ssa contribuição?
6. Q uais as contribuições da F isiologia e da N eurofisiologia para a
P sicologia?
7. Q ual o pa pel de W undt na história da P sicologia?
8. Q uais os critérios que a P sicologia deveria satisfa zer para adquirir o
status de ciê ncia?
9. O que caracte riza o F uncionalism o, o Associa cionism o e o
E struturalism o?
10. Q ua is as principa is teoria s em P sicologia, no século 20?

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1. Q uais as diferenças entre a P sicologia com o um ram o da F ilosofia e a
P sicologia cie ntífica ?
2. C om o a produção do conhe cim e nto está relaciona da com as
condições m ateriais do m om ento histórico em que ela se dá?
E xem plifique.
3. C onstruam um a linha do tem po e registrem ne la os principais m arcos
da história da hum anidade e os principais m om entos da construção da
P sicologia.
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A história da P sicologia é um te m a que não apresenta obra s
adequadas a os alunos de 2° grau. M esm o os livros introdutórios, com o
os de F red S . Kelle r, A definição da Psicologia (S ão P a ulo, H erder,
1972), e de Anatol R osenfeld, O pensamento psicológico (S ão P aulo,
P erspectiva, 19 84), destinam -se a leitores que tenham um m ínim o de
fam iliaridade com as questõe s da P sicologia. O prim eiro trata da
P sicologia a pa rtir de sua fase científica, até o Beha viorism o e a G esta lt,
excluindo a P sicanálise. O segundo é m ais denso e percorre os
cam inhos da P sicologia desde os filósofos pré-socráticos até a fase
científica.
U m a bibliografia m ais a vança da é com posta pelos livros de
Antônio G om es P enna, Introdução à história da Psicologia
contemporânea (R io de Janeiro, Z ahar, 1980), e de F ernand Lucie n
M ueller, História da Psicologia (S ão P a ulo, N acional, 197 8). [pg. 44]
C AP ÍT U LO 3

O Behaviorismo1

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O term o Beha viorism o foi ina ugura do pelo am ericano John B.
W atson, em artigo publicado em 19 13, que a prese nta va o título
“P sicologia: com o os beha vioristas a vêem ”. O term o inglês behavior
significa “com porta m ento”; por isso, para de nom inar essa tendência
teórica, usam os Beha viorism o — e, tam bém , C om porta m entalism o,
T eoria C om portam ental, Análise E xperim ental do C om portam ento,
Análise do C om porta m ento.
W atson, postulando o com porta m ento com o objeto da P sicologia ,
da va a esta ciência a consistê ncia que os psicólogos da época vinham
buscando — um objeto observá ve l, m ensurá vel, cujos e xpe rim entos
poderia m ser reproduzidos em difere ntes condições e sujeitos. E ssas
características fora m im portantes para que a P sicologia a lcançasse o
status de ciência, rom pendo definitivam e nte com a sua tradição filosófica.
W atson tam bém defendia um a pe rspectiva funcionalista para a
P sicologia, isto é, o com portam e nto de veria ser estudado com o função
de certa s variá veis do m eio. C ertos estím ulos le vam o orga nism o a dar
determ inadas respostas e isso ocorre porque os organism os se ajustam

1
Os autores agradecem à Profª Drª Maria Amália Andery, do Laboratório de Psicologia Experimental da
Faculdade de Psicologia da PUC-SP, a contribuição na revisão deste capítulo.
aos seus am biente s por m eio de equipam entos here ditários e pela
form açã o de hábitos. W atson busca va a construção de um a P sicologia
sem alm a e sem m ente, livre de conce itos m entalistas e de m étodos
subjetivos, e que tive sse a ca pacidade de pre ver e controlar.
Apesar de colocar o “com portam ento” com o objeto da P sicologia, o
Beha viorism o foi, desde W atson, m odificando o se ntido de sse term o.
H oje, não se e ntende com portam ento com o um a [pg. 45] ação isolada
de um sujeito, m as, sim , com o um a interação entre aquilo que o sujeito
faz e o am bie nte onde o se u “fazer” acontece. P ortanto, o Beha viorism o
dedica-se ao estudo das intera ções entre o indivíduo e o am biente, entre
as açõe s do indivíduo (suas respostas) e o am bie nte (a s estim ulações).
O s psicólogos de sta aborda gem chegara m aos term os “re sposta” e
“estím ulo” para se referirem à quilo que o organism o faz e à s va riá veis
am bientais que interagem com o sujeito. P ara e xplicar a a doção desses
term os, duas razões pode m ser apontadas: um a m e todológica e outra
histórica .
A razão metodológica de ve-se ao fato de que os analista s
experim entais do com portam ento tom a ra m , com o m odo preferencial de
investigação, um m é todo e xperim ental e analítico.
C om isso, os e xperim entadores sentira m a necessidade de dividir
o objeto para efeito de investigaçã o, chegando a unidades de análise.
A razão histórica refere-se aos term os e scolhidos e
popularizados, que foram m a ntidos poste riorm ente por outros estudiosos
do com portam ento, de vido ao se u uso generalizado.
C om portam ento, entendido com o interação indivíduo-am biente, é a
unidade básica de descrição e o ponto de pa rtida para um a ciência do
com portam ento. O hom em com eça a ser estudado a partir de sua
interaçã o com o a m biente , se ndo tom ado com o produto e produtor
dessas intera ções.
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
O m ais im porta nte dos be ha vioristas que suce dem W atson é B. F .
S kinner (190 4-199 0).
O Beha viorism o de S kinner tem influe nciado m uitos psicólogos
am erica nos e de vários países onde a P sicologia am ericana tem grande
penetra ção, com o o Brasil. E sta linha de estudo ficou conhecida por
Beha viorism o ra dica l, term o cunhado pelo próprio S kinne r, em 1945,
para designar um a filosofia da C iência do C om portame nto (que ele se
propôs defender) por m eio da análise e xperim ental do com portam ento.
A base da corre nte skinneriana e stá na form ula ção do
comportamento operante. P ara dese nvolver este conceito,
retrocederem os um pouco na história do Beha viorism o, introduzindo as
noções de com portam ento refle xo ou responde nte, para então
chegarm os a o com portam ento operante. V am os lá. [pg. 46]

O COMPORTAMENTO RESPONDENTE
O com portam e nto refle xo ou
respondente é o que usualm ente cha m a m os
de “nã o-voluntário” e inclui as respostas que
são eliciadas (“produzidas”) por estím ulos
antece dente s do am biente. C om o e xem plo,
podem os citar a contração das pupilas quando um a luz forte incide sobre
os olhos, a salivaçã o provoca da por um a gota de limã o colocada na
ponta da língua, o arrepio da pele qua ndo um ar frio nos atinge , a s
fam osas “lágrim as de cebola” etc.
E sses com porta m entos refle xos ou respondentes são intera çõe s
estím ulo-resposta (a m biente -sujeito) incondicionada s, nas quais certos
eventos am bientais confia velm ente e liciam certas re spostas do
organism o que inde pende m de “apre ndizagem ”. M as intera ções desse
tipo tam bém pode m ser provoca das por estím ulos que, originalm e nte,
não elicia vam respostas em determ inado orga nism o. Q uando tais
estím ulos são tem poralm e nte pareados com e stím ulos eliciadores
podem , em certas condições, eliciar respostas sem elhantes às destes. A
essas novas interações cham am os ta m bém de reflexos, que agora são
condicionados de vido a um a história de parea m ento, o qual le vou o
organism o a responder a estím ulos que a ntes nã o respondia. P ara deixar
isso m a is cla ro, vam os a um e xem plo: suponha que, num a sala
aquecida, sua m ã o direita seja m ergulhada num a vasilha de água
gelada. A te m pera tura da m ão cairá ra pidam ente de vido ao encolhim e nto
ou constriçã o dos vasos sangüíneos, caracterizando o com portam ento
com o responde nte. E sse com portam ento será acom panhado de um a
m odifica ção sem e lhante, e m ais fa cilm ente m ensurá vel, na m ã o
esquerda, onde a constriçã o vascular tam bém será induzida. S uponha,
agora, que a sua m ão direita seja m ergulhada na água gela da um certo
núm ero de vezes, e m intervalos de três ou quatro m inutos, e que você
ouça um a cam painha pouco ante s de cada im ersã o. Lá pelo vigésim o
pa ream ento do som da cam painha com a água fria, a m udança de
tem pera tura nas m ã os pode rá ser eliciada apenas pelo som , isto é, se m
necessidade de im ergir um a das m ãos 2 .
N este e xem plo de condicionam e nto respondente, a que da da
tem pera tura da m ão, eliciada pela água fria, é um a resposta
incondiciona da, enquanto a queda da te m peratura, eliciada pelo som , é
um a resposta condiciona da (aprendida): a água é um estím ulo
incondiciona do, e o som , um estím ulo condiciona do. [pg. 47]
N o início dos anos 30, na U niversida de de H arvard (E stados
U nidos), S kinner com eçou o estudo do com portam ento justam ente pelo
com portam ento responde nte, que se tornara a unidade bá sica de
análise, ou seja, o fundam e nto para a de scrição das inte ra ções indivíduo-
am biente. O desenvolvim ento de seu trabalho le vou-o a te orizar sobre
um outro tipo de relação do indivíduo com se u am biente, a qual viria a
ser nova unida de de análise de sua ciê ncia: o comportamento

2
F. S. Keller. Aprendizagem: teoria do reforço, p. 12-3.
operante. E sse tipo de com portam ento caracteriza a m aioria de nossas
interações com o a m biente.

O COMPORTAMENTO OPERANTE
O com portam ento operante abrange um leque am plo da ativida de
hum ana — dos com portam entos do bebê de balbucia r, de agarrar
objetos e de olha r os enfeites do berço aos m ais sofisticados,
aprese ntados pelo adulto. C om o nos diz Keller, o com portam ento
operante



A leitura que você está fazendo
deste livro é um e xem plo de
com portam ento ope rante, assim com o
escre ver um a carta, cham ar o tá xi com
um gesto de m ão, tocar um instrum ento
etc.
P ara e xe m plificarm os m elhor os
conceitos apresenta dos até aqui, vam os
relem bra r um conhecido e xperim ento
feito com ratos de laboratório. V ale
inform ar que a nim ais com o ratos,
Tocar um instrumento é um exemplo de
um comportamento operante que tem pom bos e m acacos — para citar alguns
efeito sobre o mundo
— fora m utilizados pelos a nalista s
experim entais do com portam ento (inclusive S kinner) para verificar com o
as va riações no am biente inte rferia m nos com portam entos. T ais
experim entos perm itiram -lhes fa zer afirm ações sobre o que cha m ara m
de leis comportamentais.
U m ratinho, ao se ntir sede em seu habitat, certam ente m a nifesta

3
3. F. S. Keller. Op. cit. p. 10.
algum com portam ento que lhe perm ita satisfaze r a sua necessidade
orgânica. E sse com portam e nto foi apre ndido por ele e se m antém pelo
efeito proporcionado: saciar a sede. Assim , se deixarm os [pg. 48] um
ratinho priva do de á gua durante 24 hora s, ele certam ente apresentará o
com portam ento de beber água no m om e nto em que tive r sede. S abendo
disso, os pesquisadores da é poca decidiram sim ular esta situaçã o em
laboratório sob condições especiais de controle, o que os le vou à
form ulação de um a lei com portam ental.
Um ratinho foi
colocado na “caixa de
S kinner” — um recipiente
fechado no qual
encontra va apenas um a
barra. E sta barra, ao ser
pressionada por ele,
aciona va um m ecanism o
O ratinho, por acaso, pressiona a barra e recebe a gota
(cam ufla do) que lhe d’água. Inicia-se o processo de aprendizagem.
perm itia obter um a gotinha
de água, que che ga va à caixa por m eio de um a peque na haste.
Q ue resposta esperava-se do ratinho? — Q ue pressiona sse a
barra. C om o isso ocorreu pela prim eira vez? — P or acaso. D urante a
explora ção da caixa, o ratinho pressionou a barra acidentalm ente, o que
lhe trouxe, pela prim eira ve z, um a gotinha de água, que, de vido à sede,
fora rapidam e nte consum ida. P or ter obtido água ao encostar na barra
quando sentia se de, constatou-se a alta proba bilidade de que, estando
em situa ção sem elhante, o ratinho a pre ssionasse novam e nte.
N este caso de com portam ento opera nte, o que propicia a
aprendizage m dos com porta m entos é a ação do organism o sobre o m eio
e o efeito dela re sultante — a satisfaçã o de algum a necessida de, ou
seja, a aprendizage m está na rela ção entre um a ação e seu e feito.
E ste com portam ento operante pode ser represe ntado da se guinte
m aneira : R —  S, em que R é a resposta (pressiona r a ba rra) e S (do
inglês stimuli) o estím ulo reforçador (a água), que ta nto interessa ao
organism o; a flecha significa “le var a”.
E sse e stím ulo reforçador é cham ado de reforço. O term o
“estím ulo” foi m antido da relaçã o R -S do com porta m ento respondente
para designar-lhe a responsabilidade pela ação, ape sar de ela ocorrer
após a m anifestaçã o do com porta m ento. O com portam ento ope rante
refere-se à intera çã o sujeito-am biente. N essa intera ção, cham a-se de
relação fundamental à relaçã o e ntre a ação do indivíduo (a em issão da
resposta) e as conseqüências. É considerada fundam ental porque o
organism o se com porta (em itindo esta ou [pg. 49] aquela resposta), sua
ação produz um a alteração a m biental (um a conse qüência) que, por sua
ve z, retroa ge sobre o sujeito, alte ra ndo a proba bilida de futura de
ocorrência. Assim , a gim os ou opera m os sobre o m undo em função das
conseqüências cria das pela nossa açã o. As conseqüê ncias da resposta
são as variá veis de controle m ais rele va ntes.
P ense no a prendiza do de um instrum e nto: nós o tocam os para
ouvir seu som ha rm onioso. H á outros e xe m plos: podemos dançar para
estar próxim o do corpo do outro, m e xer com um a garota para re cebe r
seu olhar, abrir um a janela para e ntrar a luz etc.

REFORÇAMENTO
C ham a m os de reforço a toda conse qüê ncia que, seguindo um a
resposta, altera a probabilidade futura de ocorrência dessa re sposta.
O reforço pode ser positivo ou ne gativo.
O reforço positivo é todo e ve nto que aum enta a probabilida de
futura da resposta que o produz.
O reforço negativo é todo eve nto que aum enta a probabilida de
futura da resposta que o re m ove ou atenua.
Assim , podería m os voltar à nossa “caixa de S kinne r” que, no
experim ento a nterior, oferecia um a gota de água ao ratinho sem pre que
encosta sse na barra. Agora , ao se r colocado na ca ixa, ele rece be
choque s do assoalho. Após vária s tentativas de e vitar os choque s, o
ratinho chega à barra e, a o pressioná-la acidentalm ente, os choques
cessam . C om isso, a s respostas de pressão à barra tenderão a aum e nta r
de fre qüência. C ha m a-se de reforçam ento negativo ao processo de
fortalecim ento dessa classe de respostas (pressã o à barra ), isto é, a
rem oçã o de um e stím ulo a versivo controla a e m issã o da resposta . É
condicionam ento por se tratar de aprendizagem , e tam bém re forçam e nto,
porque um com portam ento é aprese ntado e aum entado em sua
freqüência a o alca nçar o efeito de sejado.
O reforça m ento positivo oferece algum a coisa ao organism o (gotas
de á gua com a pre ssão da barra, por exem plo); o ne gativo perm ite a
retirada de algo inde sejá vel (os choque s do últim o e xe m plo).
N ão se pode, a priori, definir um e vento com o reforçador. A funçã o
reforçadora de um evento a m biental qualquer só é definida por sua
função sobre o com portam ento do indivíduo. [pg. 50]
E ntreta nto, alguns e ve ntos tendem a se r reforçadores para toda
um a espé cie, com o, por e xem plo, água , alim ento e a feto. E sses são
denom inados reforços primários. O s reforços secundários, ao
contrário, são a queles que adquirira m a funçã o qua ndo parea dos
tem pora lm ente com os prim ários. Alguns destes reforçadores
secundários, quando em parelhados com m uitos outros, tornam -se
reforçadores generalizados, com o o dinheiro e a aprovaçã o social.
N o reforça m ento ne gativo, dois processos im porta ntes m erecem
destaque: a esquiva e a fuga.
A esquiva é um processo no qual os estím ulos a ve rsivos
condicionados e incondicionados estão separa dos por um intervalo de
tem po a preciá vel, pe rm itindo que o indivíduo e xecute um com portam ento
que pre vina a ocorrência ou reduza a m agnitude do segundo estím ulo.
V ocê, com ce rteza, sabe que o raio (prim eiro estím ulo) precede à
trovoada (se gundo estím ulo), que o chiado prece de a o estouro dos
rojões, que o som do “m otorzinho” usado pelo de ntista pre cede à dor no
dente. E stes estím ulos são a versivos, m as os prim eiros nos possibilitam
evitar ou re duzir a
m agnitude dos
seguintes, ou seja,
tapam os os ouvidos
para e vitar o estouro
dos trovões ou
desviam os o rosto da
broca usada pelo
dentista . P or que isso
acontece? Ao ouvirmos o som do “motorzinho” usado pelo dentista,
antecipamos a dor. Desviar o rosto é esquivar-se dela.
Q uando os
estím ulos ocorre m nessa orde m , o prim eiro torna-se um reforçador
negativo condicionado (aprendido) e a ação que o reduz é reforçada pelo
condicionam ento operante. As ocorrê ncias passa das de re forçadores
negativos condicionados sã o responsáveis pela probabilidade da
resposta de esquiva.
N o processo de esquiva, após o estím ulo condiciona do, o indivíduo
aprese nta um com portam e nto que é reforçado pela nece ssidade de
reduzir ou e vitar o segundo estím ulo, que tam bém é a versivo, ou seja,
após a visão do raio, o indivíduo m anifesta um com porta m ento (tapar os
ouvidos), que é re forçado pela necessidade de reduzir o segundo
estím ulo (o ba rulho do trovão) — igualm e nte a versivo. [pg. 51]
O utro proce sso se m elhante é o de fuga. N este ca so, o
com portam ento reforçado é aquele que term ina com um estím ulo
aversivo já em anda m ento.
A dife rença é sutil. S e posso colocar a s m ãos nos ouvidos para
não escutar o estrondo do rojã o, este com portam ento é de e squiva, pois
estou e vitando o se gundo e stím ulo ante s que ele a conteça. M as, se os
rojões com eça m a pipocar e só de pois apresento um com portam ento
para e vitar o ba rulho que incom oda, se ja fechando a porta , seja indo
em bora ou m esm o tapando os ouvidos, pode-se falar em fuga. Am bos
reduze m ou e vita m os estím ulos a ve rsivos, m as em processos
diferentes. N o caso da esquiva, há um estím ulo condicionado que
antece de o estím ulo incondicionado e m e possibilita a em issão do
com portam ento de esquiva. U m a esquiva bem -sucedida im pede a
ocorrência do estím ulo incondicionado. N o caso da fuga , só há um
estím ulo a versivo incondicionado que, quando apresentado, será e vita do
pelo com portam e nto de fuga . N e ste segundo caso, não se e vita o
estím ulo a versivo, m as se foge dele de pois de iniciado.

EXTINÇÃO
O utros processos foram se ndo form ulados pela Análise
E xperim ental do C om portam ento. U m de les é o da e xtinção.
A extinção é um procedim ento no qual um a resposta deixa
abrupta m ente de ser reforçada. C om o conseqüência, a re sposta
dim inuirá de freqüê ncia e até m esm o poderá deixar de ser em itida. O
tem po necessário para que a resposta deixe de ser em itida dependerá
da história e do valor do reforço e nvolvido.
Assim , quando um a m enina, que está va m os pa querando, de ixa de
nos olhar e passa a nos ignorar, nossas “investidas” tenderã o a
desapa recer.

PUNIÇÃO
A punição é outro proce dim ento im portante que envolve a
conseqüenciação de um a resposta quando há apresenta ção de um
estím ulo a versivo ou rem oçã o de um reforçador positivo prese nte.
Os dados de pe squisas m ostram que a supressão do
com portam ento punido só é definitiva se a punição for e xtrem am e nte
intensa, isto porque as razões que le vara m à a ção — que se pune — não
são alte radas cora a puniçã o.
P unir açõe s le va à supressã o te m porária da resposta sem ,
contudo, alte rar a m otivaçã o. [pg. 52]
P or causa de resultados com o este s, os beha vioristas tê m
debatido a validade do procedim ento da puniçã o com o form a de re duzir a
freqüência de certa s respostas. As práticas punitivas correntes na
E ducação foram que stionadas pelo Be ha viorism o — obriga va -se o aluno
a ajoelhar-se no m ilho, a fazer inúm era s cópias de um m esm o te xto, a
receber “regua das”, a ficar isola do etc. O s beha vioristas, respaldados por
crítica feita por S kinner e outros autores, propuseram a substituição
definitiva das práticas punitivas por procedim entos de instalação de
com portam entos de sejá veis. E sse princípio pode ser aplicado no
cotidiano e em todos os espaços e m que se tra balhe para instalar
com portam entos de sejados. O trâ nsito é um e xcele nte e xem plo. Apesar
das punições aplica das a m otorista s e pedestres na m aior parte da s
infraçõe s com etidas no trânsito, tais punições nã o os têm m otivado a
adotar um com porta m ento considerado adequado para o trânsito. E m
ve z de adotarem novos com portam e ntos, tornaram -se espe cialistas na
esquiva e na fuga.

CONTROLE DE ESTÍMULOS
T em sido polêm ica a discussão sobre a natureza ou a e xte nsã o do
controle que o a m biente e xe rce sobre nós, m as não há com o negar que
há algum controle. Assum ir a e xistência desse controle e estudá-la
perm ite m aior entendim ento dos m eios pelos quais os estím ulos age m .
Assim , quando a
freqüência ou a form a
da resposta é difere nte
sob estím ulos
diferentes, diz-se que o
com portam ento e stá
sob o controle de
estím ulos. Se o
m otorista pára ou
acelera o ônibus no
Discriminação de estímulos: resposta diferenciada ao verde ou
cruzam e nto de ruas ao vermelho do semáforo.
onde há sem áforo que ora está verde, ora verm elho, sabem os que o
com portam ento de dirigir está sob o controle de estím ulos.
D ois im portantes processos de vem ser a prese ntados:
discrim inação e ge neralização. [pg. 53]

DISCRIMINAÇÃO
D iz-se que se desenvolve u um a discriminação de estímulos
quando um a resposta se m a ntém na presença de um estím ulo, m a s
sofre certo grau de extinçã o na presença de outro. Isto é, um estím ulo
adquire a possibilida de de ser conhecido com o discrim ina tivo da situação
reforçadora. S em pre que ele for apre sentado e a resposta em itida,
ha verá reforço. Assim , nosso m otorista de ônibus vai pa rar o veículo
quando o sem áforo estiver ve rm elho, ou m elhor, e spe ram os que, para
ele, o sem á foro verm elho tenha se tornado um estím ulo discrim inativo
para a em issã o do com porta m ento de pa rar.
P odería m os refletir, tam bém , sobre o aprendizado social. P or
exem plo: e xistem norm as e regras de conduta para festas —
cum prim entar os presentes, ser ge ntil, procurar m ante r diálogo com as
pessoa s, agra decer e elogiar a dona da casa etc. N o entanto, as festas
podem ser diferente s: inform ais ou pom posas, depe ndendo de onde, de
com o e de quem a s organiza. S om os, então, capazes de discrim inar
esses diferentes estím ulos e de nos com portarm os de m a neira diferente
em cada situa ção.

GENERALIZAÇÃO
N a generalização de estímulos, um estím ulo a dquire controle
sobre um a resposta de vido a o reforço na prese nça de um estím ulo
sim ilar, m as difere nte. F re qüentem ente, a ge neralização depende de
elem entos com uns a dois ou m ais estím ulos. P oderíam os aqui brincar
com as cores do se m áforo: se fosse m rosa e verm elho, correríam os o
risco dos m otorista s acelerarem seus veículos no sem á foro verm elho,
pois poderiam ge neralizar os estím ulos. M as isso nã o acontece com o
ve rde e com o verm elho, que sã o cores m uito distintas e, além disso,
estão situadas em e xtrem ida des opostas do sem áforo — o verm elho, na
superior, e o verde, na inferior, pe rm itindo a discrim ina ção dos estím ulos.
N a ge neralizaçã o, portanto, respondem os de form a se m e lha nte a
um conjunto de estím ulos percebidos com o sem elhantes.
E sse princípio da ge neraliza ção é funda m ental quando pensam os
na apre ndiza gem escolar. N ós aprende m os na escola alguns conceitos
básicos, com o fa zer contas e e scre ve r. G raça s à ge neraliza ção,
podem os transferir e sses apre ndiza dos para difere ntes situações, com o
dar ou re ceber troco, escre ve r um a ca rta para a na morada distante ,
aplicar conceitos da F ísica para consertar aparelhos e letrodom ésticos
etc.
N a vida cotidiana, tam bém a prendem os a nos com portar em
diferentes situa ções sociais, dada a nossa capacidade de ge neraliza ção
no apre ndiza do de regras e norm as sociais. [pg. 54]


U m a área de aplica ção dos conceitos aprese ntados tem sido a
E ducação (veja capítulo 1 7). S ão conhecidos os m étodos de e nsino
program ado, o controle e a orga nização das situa ções de aprendizagem ,
bem com o a e labora ção de um a tecnologia de e nsino.
E ntreta nto, outras áreas tam bé m têm re cebido a contribuiçã o das
técnicas e conceitos desenvolvidos pe lo Beha viorism o, com o a de
treinam ento de em presas, a clínica psicológica, o trabalho educativo de
crianças e xcepcionais, a publicidade e outras m ais. N o Brasil, talve z a
área clínica seja, hoje, a que m a is utiliza os conhecim entos do
Beha viorism o.
N a verdade, a Análise E xpe rim ental do C om portam ento pode nos
auxiliar a descre ve r nossos com porta m entos e m qualquer situa ção,
ajudando-nos a m odificá-los.
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O EU E OS OUTROS
(...) N um a análise com porta m ental, um pessoa é um orga nism o,
um m em bro da e spécie hum a na que adquiriu um repertório de
com portam ento.
(...) U m a pessoa nã o é um agente que origine; é um lugar, um
ponto em que m últiplas condições genéticas e am bienta is se re únem
num efeito conjunto. C om o tal, ela perm anece indiscutivelm ente única.
N ingué m m ais (a m enos que te nha um gêm eo idê ntico) possui sua
dotaçã o genética e , sem e xceçã o, ninguém m a is tem sua história
pessoal. D aí se se gue que ningué m m ais se com portará precisam ente da
m esm a m aneira.
(...) U m a pessoa controla outra no sentido de que se controla a si
m esm a. E la nã o o faz m odificando sentim entos ou estados m entais.
D izia-se que os deuses gregos m uda va m o com porta m ento infundindo
em hom e ns e m ulhe res estados m entais com o orgulho, confusão m ental
ou cora gem , m as, desde então, ninguém m ais te ve ê xito nisso. U m a
pessoa m odifica o com porta m ento de outra m uda ndo o m undo em que
esta vive.
(...) As pe ssoas a prende m a controlar os outros com m uita
facilida de. U m be bê, por e xem plo, desenvolve certos m étodos de
controla r os pais quando se com porta de m aneira s que le va m a certos
tipos de ação. As crianças adquire m técnicas de controlar se us
com panheiros e se tornam hábe is nisso m uito antes de conseguire m
controla r-se a si m e sm as. A prim eira educação que recebe m no sentido
de m odificar se us próprios sentim entos ou esta dos introspe ctivam e nte
observa dos pelo e xercício da força de vontade ou pela alteração dos
estados em otivos e m otivacionais nã o é m uito eficaz. O autocontrole que
com eça a ser e nsinado sob a form a de provérbios, m á xim as e
procedim entos em píricos é um a questão de m udar o a m biente . O
controle de outras pessoas aprendido desde m uito cedo ve m por fim a
ser usado no a utocontrole e, e ventualm ente, um a tecnologia
com portam ental bem dese nvolvida conduz a um autocontrole capaz. [pg.
55]

A QUESTÃO DO CONTROLE
U m a a nálise científica do com porta m ento de ve , cre io eu, supor que
o com porta m ento de um a pessoa é controla do m ais por sua história
genética e am biental do que pela própria pe ssoa e nquanto agente
criador, inicia dor; todavia, nenhum outro aspecto da posição beha viorista
suscitou obje ções m ais violentas. N ão podem os e vidente m ente prova r
que o com portam ento hum ano com o um todo seja inteiram ente
determ inado, m as a proposição torna-se m ais plausível à m e dida que os
fatos se acum ulam e creio que chega m os a um ponto e m que suas
im plica ções de vem ser consideradas a sé rio.
S ubestim am os am iúde o fa to de que o com portam ento hum ano é
tam bém um a form a de controle. Q ue um organism o de va agir para
controla r o m undo a seu redor é um a característica da vida, tanto quanto
a respiraçã o ou a reprodução. U m a pe ssoa age sobre o m eio e aquilo
que obté m é essencial para a sua sobre vivência e para a sobre vivê ncia
da espé cie. A C iência e a T ecnologia são sim ple sm ente m anifesta ções
desse traço essencial do com portam e nto hum a no. A com preensã o, a
pre visã o e a e xplicação, bem com o as a plicações te cnológicas,
exem plificam o controle da nature za. E la s não e xpressam um a “atitude
de dom inação” ou “um a filosofia de controle”. S ão os resultados
ine vitá veis de certos processos de com portam ento.
S em dúvida com ete m os erros. D escobrim os, talvez rápido dem ais,
m eios cada ve z m a is eficazes de controlar nosso m undo, e nem se m pre
os usam os sensata m ente, m as nã o pode m os deixa r de controla r a
natureza, assim com o não pode m os deixar de respirar ou de digerir o
que com em os. O controle não é um a fa se passageira. N enhum m ístico
ou asceta deixou ja m ais de controlar o m undo e m seu re dor; controla -o
para controlar-se a si m esm o. N ã o pode m os escolher um gê nero de vida
no qual não haja controle. P ode m os tão-só m udar a s condições
controla doras.

Contracontrole
Ó rgãos ou instituiçõe s organiza dos, tais com o governos, religiões e
sistem as econôm icos e, em grau m enor, educadore s e psicoterapeutas,
exercem um controle poderoso e m uita s veze s m olesto. T al controle é
exercido de m a neira s que reforçam de form a m uito eficaz aqueles que o
exercem e , infelizm e nte, isto via de regra significa m a neira s que são ou
im ediatam ente adve rsativas para aquele s que sejam controlados ou os
explora m a longo pra zo.
O s que são assim controlados passa m a agir. E scapa m ao
controla dor — pondo-se fora de seu alcance, se for um a pessoa ;
deserta ndo de um governo; a posta siando de um a religião; dem itindo-se
ou m andriando — ou então ataca m a fim de enfraque cer ou destruir o
poder controlador, com o num a re volução, num a reforma, num a gre ve ou
num protesto estuda ntil. E m outras pala vras, eles se opõe m ao controle
com contracontrole.
B. F . S kinner. Sobre o Behaviorismo.
T rad. M a ria da P enha V illalobos. S ão P a ulo,
C ultrix/E ditora da U nive rsida de de S ão P aulo, 1 982. p. 145 -1 64.
[pg. 56]

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1. Q uem é o fundador do Be ha viorism o e quais a s diferentes
denom inações dessa tendê ncia teórica?
2. P ara os beha vioristas, qual é o objeto da P sicologia e com o é
caracterizado?
3. C om o o hom em é estuda do pelo Be ha viorism o?
4. Q ual o m ais im portante te órico do Be haviorism o?
5. O que é com porta m ento refle xo ou re sponde nte? D ê e xem plos.
6. C om o o com portam ento responde nte pode ser condicionado? D ê
exem plo.
7. O que é com porta m ento opera nte? D ê exem plos.
8. C om o se condiciona o com portam ento operante? D ê e xe m plo.
9. O que é reforço? O que é reforço negativo e positivo? D ê um e xem plo
para ca da ca so.
10. E xplique os processos de esquiva e fuga com os reforçam entos
negativos.
11. O que é e xtinção e punição? D ê um e xe m plo para cada ca so.
12. O que é generalização e discrim inaçã o? D ê e xem plos.


1. A partir do capítulo estudado e do texto com ple m entar a presentado,
discuta m :
• C om o a análise com portam ental vê o hom em , a pessoa?
• P ela proposta da a nálise com porta m ental, o que é preciso fa zer para
se conhecer e para conhece r os outros?
• C om o se dá a questã o do controle e do contracontrole dos
com portam entos?
2. E scolham um a situação social cotidia na e, a pa rtir da perspectiva do
Beha viorism o, procurem entender o que está aconte cendo com o
com portam ento da s pessoas, esforçando-se em conhecer as
contingência s am bie ntais que a s le vam a se com portare m daquela
m aneira .
3. Assistam ao film e Truman: o show da vida e de bata m sobre o
controle social do com portam ento. S om os m ais livres do que T rum an?
N ossa vida é m enos controla da do que a dele? [pg. 57]
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Para o aluno
S obre a a nálise do com portam ento, e xiste um ótim o livro para
principia ntes, que utiliza o m étodo de instrução program ada para ensinar
os principais conceitos da te oria S -R . T rata-se de A análise do
comportamento, de J. G . H olland e B. F . S kinner (S ão P aulo,
H erder/U S P , 1969). U m outro livro introdutório, e ntretanto m a is com ple xo
que o prim eiro, é o de F red Keller, Aprendizagem: teoria do reforço
(S ão P a ulo, E P U , 1 9 73).
M uito interessa nte para o jove m é a leitura do livro de ficção
científica, de B. F . S kinner, Walden II: uma sociedade do futuro (S ã o
P aulo, H erder/U S P , 1972), onde o autor, a partir da concepçã o da
análise e xperim ental do com portam e nto, apresenta sua visão utópica
sobre um m undo onde as contingências estariam toda s controladas.

Para o professor
Indicam os dois livros que podem ajudar a aprofundar a
com pre ensão dos conceitos: Princípios elementares do
comportamento, de D . L. W haley e R . W . M alott (S ã o P aulo, E P U ,
1980), e Princípios de Psicologia, de F . S . Keller e W . N . S choenfeld
(S ão P aulo, H erder/U S P , 1970 ). S em dúvida, os livros m ais interessante s
são os do próprio S kinner, pois, a lém dos conceitos, o autor desenvolve
refle xõe s sobre o controle, o papel da ciência, o m undo interno do
indivíduo. Indicam os: Ciência e comportamento humano, de B. F .
S kinner (Brasília, U nive rsida de de Brasília, S ão P aulo, F U N -BE C , 19 70),
na seção I, apresenta a discussão sobre a possibilidade de a ciência
ajudar na resoluçã o de problem as que a socie dade e nfrenta; na seçã o II,
os principais conceitos; na seção III, o indivíduo com o um todo; na seção
IV , o com portam e nto das pessoas em grupo; na seção V , as agências
controla doras do com porta m ento e, na últim a, a discussão sobre o
controle ; e o livro Sobre o Behaviorismo, de B. F . S kinne r (S ão P a ulo,
C ultrix/E D U S P , 19 8 2), em que o autor retom a a que stão do m undo
interior a o indivíduo, a questã o do controle e apresenta discussões e
análise s sobre alguns com portam entos, com o perceber, falar, pe nsar,
conhecer. O livro Questões recentes na análise do comportamento
contém artigos de S kinner em seus últim os 2 0 anos de trabalho. A
va ntagem deste livro é sua atua lidade. C onsulte també m o livro Coerção
e suas implicações, de M urra y S idm an (C am pinas, E ditorial P sy, 19 95).


Meu tio da América. D ireção Alain R e snais (F rança, 1980 ) – O
film e apresenta a re lação e ntre a tese de um biólogo com portam entalista
e o conflito vivido por pessoa s de dife rentes níveis sociais.
Laranja mecânica. D ireção S ta nle y Kubrick (Inglaterra, 1 971 ) – O
líder de um bando de jovens delinqüente s é preso e sofre um processo
que visa a elim inação de sua conduta violenta. O film e perm ite um a
discussão sobre o caráter ético dos lim ites do E stado no controle da
conduta dos cidadãos. [pg. 58]
C AP ÍT U LO 4

A Gestalt

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A Psicologia da Gestalt é um a da s tendências teóricas m ais
coerentes e coesa s da história da P sicologia. S eus a rticuladores
preocuparam -se em construir não só um a teoria consistente, m as
tam bém um a ba se m etodológica forte, que garantisse a consistê ncia
teórica.

Gestalt é um term o alem ão de difícil tradução. O term o m ais


próxim o em português seria forma ou configuração, que nã o é utilizado,
por não corre sponde r e xatam ente ao se u real significado em P sicologia.

C om o já vim os no capítulo 2, no final do século passa do m uitos


estudiosos procura vam com pree nder o fenôm e no psicológico em seus
aspectos naturais (principalm ente no sentido da m ensura bilidade ). A
P sicofísica esta va e m voga.

E rnst M ach (183 8-1 916), físico, e C hristian von E hrenfe ls (1 859-
1932), filósofo e psicólogo, desenvolvia m um a psicofísica com estudos
sobre as sensações (o dado psicológico) de espaço-form a e tem po-form a
(o dado físico) e podem ser conside rados com o os m ais diretos
antecessores da P sicologia da Gestalt.

M a x W ertheim er (18 80-194 3), W olfgang Köhler (1 887-1967) e Kurt


Koffka (188 6-194 1), baseados nos e studos psicofísicos que relacionara m
a form a e sua percepçã o, construíram a base de um a teoria
em inentem ente psicológica.
E les iniciaram seus estudos pela pe rcepção e sensaçã o do
m ovim e nto. O s gestaltistas esta vam pre ocupados em com preender quais
os proce ssos psicológicos e nvolvidos na ilusã o de ótica, quando o
estím ulo físico é pe rcebido pelo sujeito com o um a forma diferente da
que ele tem na rea lidade. [pg. 59]

É o caso do cinem a . Q uem já viu um a fita cinem atográ fica sabe


que e la é com posta de fotogra m as estáticos. O m ovim ento que ve m os na
tela é um a ilusã o de ótica causada pela pós-im agem retiniana (a im age m
dem ora um pouco para se “a pagar” em nossa retina). C om o as im age ns
vã o-se sobrepondo em nossa retina , te m os a sensação de m ovim ento.
M as o que de fato está na tela é um a fotografia e stática .

A PERCEPÇÃO

A percepçã o é o ponto de partida e ta m bém um dos tem as ce ntrais


dessa teoria. O s e xperim entos com a percepção le varam os teóricos da
Gestalt ao questionam ento de um princípio im plícito na teoria
beha viorista — que há relação de causa e efeito entre o e stím ulo e a
resposta — porque, para os gestaltista s, entre o estím ulo que o m eio
fornece e a re sposta do indivíduo, encontra-se o processo de
percepção. O que o indivíduo percebe e com o percebe são dados
im porta ntes para a com pree nsão do com portam e nto hum ano.

O confronto Gestalt/Beha viorism o pode ser resum ido na posiçã o


que cada um a das teorias assum e diante do obje to da P sicologia — o
com portam ento, pois tanto a Gestalt quanto o Beha viorism o de finem a
P sicologia com o a ciência que estuda o com porta m ento.

O Beha viorism o, de ntro de sua pre ocupação cora a objetividade ,


estuda o com portam ento atra vés da relaçã o estím ulo-resposta,
procura ndo isolar o estím ulo que corresponderia à resposta espera da e
desprezando os conteúdos de “consciência”, pela im possibilidade de
controla r cientificam ente essas variá veis.
A Gestalt irá criticar essa a bordage m , por considerar que o
com portam ento, qua ndo e studa do de m aneira isola da de um conte xto
m ais am plo, pode perder se u significado (o seu e ntendim e nto) para o
psicólogo.
Na visão dos gestaltistas, o comportamento deveria ser
estudado nos seus aspectos mais globais, levando em
consideração as condições que alteram a percepção do estímulo.
P ara justificar essa postura, eles se base avam na teoria do isom orfism o,
que supunha um a unidade no universo, onde a pa rte e stá sem pre
relacionada ao todo.
Q uando eu vejo um a parte de um objeto, ocorre um a te ndê ncia à
restaura ção do equilíbrio da form a, ga ra ntindo o ente ndim ento do que
estou percebendo.

E sse fenôm eno da percepção é norteado pela busca de


fechamento, simetria e regularidade dos pontos que com põem um a
figura (objeto).
R udolf Arnheim dá um bom e xem plo da tendência à resta uração
do equilíbrio na rela ção parte-todo: “D e que m odo o sentido [pg. 60] da
visão se apodera da form a? N e nhum a pessoa dotada de um sistem a
nervoso perfeito apreende a form a alinhavando os retalhos da cópia de
suas partes (...) o sentido norm al da visão (...) apreende um padrão
global”1 .

1
R Arnheim Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. p.44-7.
Os fenômenos deste tipo
encontram sua explicação
naquilo que os psicólogos da
Gestalt descrevei como a lei
básica da percepção visual:
“qualquer padrão de estímulo
tende a ser visto de tal modo
que a estrutura resultante é tão
simples quanto as condições
dadas permitem”.

N ós perce bem os a figura 1 com o um quadrado, e não com o um a


figura inclinada ou um perfil (figura 2), a pesar de essas últim as tam bém
contere m os quatro pontos. S e fore m acrescentados m ais quatro pontos
à figura 1 , o pa drão m uda rá, e perceberem os um círculo (figura 3). N a
figura 4 é possível ve r círculos brancos ou quadrados no centro das
cruzes, m esm o não ha vendo vestígio dos seus contornos.

A BOA-FORMA
A Gestalt encontra nesses fe nôm e nos da percepção as condiçõe s
para a com pre ensã o do com porta m ento hum ano. A m aneira com o
percebem os um determ inado estím ulo irá desencadear nosso
com portam ento. [pg. 61]
M uitas vezes, os nossos com portam e ntos guardam relação estreita
com os estím ulos físicos, e outras, eles são com ple ta m ente diferentes do
espera do porque “entendem os” o am biente de um a m a neira diferente da
sua realidade. Q uantas vezes já nos a contece u de cum prim entarm os a
distância um a pessoa conhecida e, ao chegarm os m ais perto,
depararm os com um atônito desconhecido. U m “erro” de percepção nos
levou a o com porta m ento de cum prim entar o de sconhecido. O ra, ocorre
que, no m om e nto e m que confundim os a pessoa , está vam os “de fato”
cum prim entando nosso am igo. E sta pequena confusão dem onstra que a
nossa percepção do estím ulo (a pe ssoa desconhecida ) naquelas
condições am bientais dada s é m e diatizada pela form a com o
interpretamos o conteúdo percebido.
Se nos ele m entos
percebidos nã o há equilíbrio,
sim etria, e stabilidade e
sim plicidade, não a lcançarem os
a boa-form a.
O elem ento que
objetiva m os com pre ender de ve ser apresenta do e m aspectos básicos,
que perm itam a sua decodificaçã o, ou seja, a percepção da boa-form a.
O e xem plo da figura 5 ilustra a noção de boa-form a. G e ralm ente
percebem os o se gm ento de reta a m aior que o segm ento de reta b, m as,
na realidade, isso é um a ilusão de ótica , já que a mbos são idê nticos.
A m aneira com o se distribue m os elem entos que com põe m as
duas figuras nã o apresenta equilíbrio, sim e tria, estabilidade e
sim plicidade suficientes para
garantir a boa-form a , isto é, para
superar a ilusão de ótica.
A tendê ncia da nossa
percepção em buscar a boa-
form a perm itirá a relação figura-
fundo. Q uanto m ais clara estiver
a form a (boa-form a), m ais cla ra
será a se paração entre a figura e
o fundo. Q ua ndo isso não ocorre,
O que temos aqui? Uma taça ou dois perfis? A figura
ambígua não oferece uma clara distinção figura- torna-se difícil distinguir o que é
fundo.
figura e o que é fundo, com o é o caso da figura 6. N essa figura am bígua ,
fundo e figura substituem -se, depende ndo da percepção de quem os
olha. F aça o teste: é possível ver a taça e os perfis ao m e sm o te m po?
[pg. 62]

MEIO GEOGRÁFICO
E MEIO COMPORTAMENTAL

O com portam ento é determ inado pe la percepção do e stím ulo e ,


portanto, estará subm etido à lei da boa-form a. O conjunto de estím ulos
determ inante s do com portam ento (le m bre-se da visão global dos
gestaltistas) é denom inado meio ou meio ambiental S ão conhecidos
dois tipos de m eio: o geográ fico e o com porta m e ntal.
O meio geográfico é o m eio enquanto ta l, o m eio físico em te rm os
objetivos. O meio comportamental é o m eio resultante da interaçã o do
indivíduo com o m eio físico e im plica a interpretação desse m eio a tra vé s
das força s que rege m a percepção (equilíbrio, sim etria , estabilidade e
sim plicidade). N o e xe m plo, a pessoa que cum prim e ntam os era um
desconhecido — esse de veria ser o da do percebido, se só tivéssem os
acesso ao m eio ge ográfico. O corre que, no m om e nto em que vim os a
pessoa, a situação (encontro casua l no trâ nsito em m ovim ento, por
exem plo) le vou-nos a um a interpreta ção diferente da rea lidade, e
acabam os por confundi-la com um a pessoa conhecida. E sta particular
interpretação do m eio, onde o que perce be m os agora é um a “realidade”
subjetiva, particular, criada pela nossa m ente, é o m eio com portam ental.
N aturalm ente, o com portam ento é de sencade ado pela pe rcepção do
m eio com portam enta l.

C ertam e nte, a sem e lhança entre as dua s pessoas do e xe m plo (a


que vim os e a que conhecem os) foi a causa do engano. N esse ca so,
houve um a tendência a estabe lecer a unidade da s semelhanças entre as
duas pessoa s, m ais que as suas diferenças. E ssa tendência a “juntar” os
elem entos é o que a Gestalt denom ina de força do campo psicológico.
CAMPO PSICOLÓGICO
O campo psicológico é entendido com o um cam po de força que
nos le va a procurar a boa-form a. F unciona figurativa m ente com o um
cam po ele trom a gné tico criado por um ím ã (a força de atração e
repulsã o). E sse ca m po de força psicológico te m um a tendência que
garante a busca da m elhor form a possível em situações que não estã o
m uito estruturadas. [pg. 63]

E sse processo ocorre de acordo com os seguintes princípios:


1. Proximidade — os elem entos m ais próxim os te ndem a ser
agrupa dos:

V em os três colunas e não três linhas na figura.

2. Semelhança — os elem e ntos sem elhantes são agrupa dos:

V em os três linhas e não quatro coluna s.


3. Fechamento — ocorre um a tendência de com pleta r os
elem entos faltante s da figura para garantir sua compre ensão:
V em os um triâ ngulo e não a lguns traços.

INSIGHT
A P sicologia da Gestalt, diferentem ente do a ssociacionism o
(capítulo 2), vê a aprendiza gem com o a relação entre o todo e a parte,
onde o todo tem papel fundam enta l na com pree nsão do objeto
percebido, e nqua nto as te orias de S -R (Associa cionism o, Be ha viorism o)
acredita m que a prendem os estabelecendo relaçõe s — dos objetos m a is
sim ples para os m ais com ple xos.
E xem plificando, é possível a
um a criança de 3 anos, que não
sabe ler, distinguir a logom arca de
A conhecida logomarca da Coca-Cola é destacada
do fundo pela criança, que identifica a figura como um refrigerante e nom eá-lo
se soubesse ler a palavra.
corretam ente. E la separou a
pala vra na sua totalidade, distinguindo a figura (pala vra) e o fundo (figura
7). N o caso, a criança não a prendeu [pg. 64] a le r a pa la vra juntando as
letras, com o nos ensinaram , m as dando significação a o todo.
N em sem pre as situações vividas por nós aprese ntam -se de form a
tão clara que perm ita sua perce pção im ediata. E ssas situa ções dificultam
o processo de a prendizage m , porque nã o perm item um a clara definição
da figura-fundo, im pedindo a rela ção parte/todo.
Acontece, às ve zes, de estarm os olhando para um a figura que não
tem sentido para nós e, de repente, se m que tenha m os feito nenhum
esforço especial pa ra isso, a relação figura-fundo elucida-se .
A esse fe nôm e no a Gestalt dá o nom e de insight. O term o de signa
um a com preensão im ediata , enqua nto um a espécie de “e ntendim ento
interno”.

Kurt Le win (18 90-1947) trabalhou durante 10 anos com
W ertheim er, Koffka e Köhler na U nive rsida de de Berlim , e dessa
colaboração cora os pioneiros da Gestalt nasceu a sua Teoria de
Campo. E ntretanto não podem os considerar Le win com o um gestaltista ,
já que ele aca ba seguindo um outro rum o. Le win parte da teoria da
Gestalt para construir um conhe cim ento novo e genuíno. E le a bandona a
preocupação psicofisiológica (lim iares de perce pção) da Gestalt, para
buscar na F ísica as bases m etodológicas de sua psicologia.
O principal conceito de Le win é o do espaço vital, que ele define
com o “a totalidade dos fatos que de term inam o com portam ento do
indivíduo num certo m om e nto”2 . O que Le win conce beu com o campo
psicológico foi o espaço de vida considerado dinam icam e nte, onde se
levam e m conta nã o som ente o indivíduo e o m eio, m as tam bém a
totalida de dos fatos coe xiste ntes e m utuam ente interdepe ndentes.
S egundo G arcia-R oza, o “cam po não de ve, porém , ser
com pre endido com o um a re alidade física, m as sim fenom ênica. N ão são
apenas os fatos físicos que produze m efeitos sobre o com portam ento. O
cam po de ve se r representa do tal com o ele e xiste para o indivíduo em
questã o, num determ inado m om e nto, e não com o ele é e m si. P ara a
constituição desse cam po, as a m izade s, os obje tivos conscientes e
inconscientes, os sonhos e os m edos sã o tão essenciais com o qualquer
am biente físico”3 . [pg. 65]
A realidade fenomênica e m Le win pode ser com pre endida com o
o m eio com portam e ntal da Gestalt, ou seja, a m aneira particular com o o
indivíduo interpreta um a determ inada situação. E ntre tanto, para Le win,
esse conceito não está se referindo a penas à percepção (enqua nto
fenôm e no psicofisiológico), m as ta m bém a ca racterísticas de

2
L. A. Garcia-Roza. Psicologia estrutural em Kurt Lewin. p. 45.
3
Kurt Lewin. Behaviour and development as a function of a total situation in Carmichael (ed.), Manual of
child psychology. Apud L. A. Garcia-Roza. Op. cit. p. 136.
personalidade do indivíduo, a com ponentes em ocionais ligados ao grupo
e à própria situaçã o vivida, assim com o a situações passadas e que
estejam ligadas a o acontecim ento, na form a e m que são re presentadas
no espaço de vida atual do indivíduo.
C om o e xem plo de cam po psicológico e espaço vital, contarem os
um bre ve encontro:
              


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
O corre que a conversa re feria-se a um a surpresa que os pais
prepara vam para o seu aniversário, e os dois hom ens e ram antigos
colegas de faculda de de seu pai, que aproveita vam a passagem pela
cidade para fazer um a visita ao colega que há ta nto te m po nã o viam .
N essa história, o ca m po psicológico é represe ntado pe las “linhas
de força ” (com o no cam po da e letrom agnética), que “atraem ” a
percepção e lhe dão significa do. O ra paz interpretou a situação pelo seu
aspecto fenom ênico e não pelo que ocorria de fato. A sua interpretação
ganhou consistência com a visita de dua s pessoas que ele não conhecia
e, nesse sentido, a s linhas de força esta vam fazendo um corte no tem po.
Isso foi possível porque o rapaz ha via m em oriza do a situaçã o anterior e
a ela associa do a seguinte. A partir da experiência anterior, a nova
ganhou significado. O espaço vita l este ve repre sentado pela situação
m ais im e diata, que determ inou o com portam ento. F oi o caso do rapaz
quando surpreende u os pais conversa ndo e procurou fingir que nada
ha via escutado ou a surpresa ao encontrar aqueles hom ens na sua casa.
O entendim ento de sse espaço vital depende diretam ente do cam po
psicológico.
C om o Le win conside ra va que o com porta m ento de ve ser visto em
sua totalidade, não dem orou m uito pa ra chegar ao conceito de grupo.
P raticam ente todos os m om entos de nossas vidas se dão no interior de
grupos. S egundo Lewin, a cara cterística essencialm ente definidora do
grupo é a interde pendência de seus m em bros. [pg. 66] Isto significa que
o grupo, para e le, não é a som a da s ca racte rísticas de seus m em bros,
m as algo novo, resultante dos processos que ali ocorrem . Assim , a
m udança de um m em bro no grupo pode alterar com pletam ente a
dinâm ica deste. Le win deu m uita ênfase ao peque no grupo, por
conside rar que a P sicologia ainda nã o possui instrum e ntal suficiente para
o estudo de grandes m assas.
T ransportando a noção de cam po psicológico pa ra a P sicologia
social, Le win criou o conceito de campo social, form ado pelo grupo e
seu am biente. O utra característica do grupo é o clim a social, onde um a
liderança autocrática, dem ocrática ou laissez-faire irá determ inar o
desem penho do grupo (veja capítulo 15). Atra vés de um m inucioso
trabalho e xperim ental, Le win pesquisou a dinâm ica grupal e foi, se m
dúvida algum a, um dos psicólogos que m ais contribuiçõe s trouxera m
para a área da P sicologia, contribuições que estão presente s até hoje,
em basa ndo as teoria s e as técnica s de trabalho com os grupos.


CHAVES DA VAGUIDÃO
E ra um bar da m oda naquele tem po em C opaca bana e eu tom a va
m eu uísque em com panhia de um a a m iga. O garçom que nos servia ,
m eu velho conhecido, a horas ta ntas se aproxim ou:
— N ão le ve a m al e u sair agora, que está na m inha hora, m as o
m eu colega a li continuará atende ndo o se nhor.
E le se afa stou, e e u voltei a o m e u e stado de vaguidão ha bitual.
Alguns m inutos m ais tarde, vejo dia nte de m im algué m que m e
cum prim enta va cerim oniosam ente, com um m ovim ento de ca beça:
— Boa noite, D r. S a bino.
E ra um senhor ca re ca, de óculos, num terno preto de corte m eio
antigo. S ua fisionom ia m e era fa m iliar, e em bora não o identificasse
assim à prim eira vista, vi logo que de via se tratar de algum a dvogado ou
m esm o dese m barga dor de m inhas relações, do m eu tem po de escrivão.
N aturalm ente disfarcei com o pude o fato de não estar m e le m brando de
seu nom e, e m e ergui, este ndendo-lhe a m ão:
— Boa noite, com o vai o senhor? H á quanto te m po! N ã o quer
sentar-se um pouco?
E le va cilou um instante, m as im pe lido pelo ca lor de m inha
acolhida, acabou aceitando: sentou-se m eio constrangido na ponta da
cadeira e ali ficou, erecto, com o se fosse erguer-se de um m om ento para
outro. Ao observá-lo assim de perto, de repente deixei cair o queixo: sai
dessa a gora, D r. S a bino! M inha am iga a li ao lado, tam bé m boquiaberta,
de via e star achando que eu ficara m aluco.
P ois o m eu de sem bargador não era outro senão o próprio ga rçom
— e m eu ve lho conhecido! — que nos se rvira durante toda a noite e que
ha via a pena s trocado de roupa para sair. (...)
F ernando S a bino. A falta que ela me faz. 4. ed.
R io de Janeiro, R ecord, 198 0. p. 1 43-4. [pg. 67]


1. Q ual o ponto de partida da teoria da Gestalt?
2. Q ual a crítica que a Gestalt faz ao Be haviorism o?
3. Q ual a im portâ ncia da percepçã o do e stím ulo para a com preensã o do
com portam ento hum ano, na teoria da Gestalt?
4. C ite um e xem plo que m ostre um a percepção do a m bie nte diferente de
sua realidade física .
5. O que é necessário para alcançarm os a boa-form a?
6. Q ual a im portância da relação figura-fundo na percepçã o?
7. C om o é denom inado o conjunto de estím ulos determ inantes do
com portam ento?
8. E xplique , atra vé s de um exe m plo, o m eio geográfico e o m eio
com portam ental.
9. O que é ca m po psicológico?
10. Q ua is princípios regem o cam po psicológico na busca da boa-form a?
11. O que é insight? D ê um e xem plo.
12. Base ado na teoria de Le win, e xplique os conceitos de espaço vital e
de cam po psicológico.
13. S egundo Le win, qual a característica definidora do grupo?


1. D iscutam a im portância da pe rcepção na com preensão do
com portam ento hum ano que a te oria da Gestalt postula.
2. A partir do te xto com ple m entar, discutam a interpretação da situaçã o
pelo seu aspecto fe nom ênico, determ inando suas linhas de força e
seu espaço vital.
3. T rês ou quatro alunos de vem ser e scolhidos pe la classe pa ra dar um a
volta na escola por um m esm o trajeto. E les nã o podem se com unicar
durante a cam inhada. Ao retornarem pa ra a cla sse, cada um de verá
relatar o que percebeu durante o passeio. Im portante: os relatos nã o
podem ser ouvidos pelos alunos que ainda não de pusera m .
T erm inada a apresenta ção, discutam as difere nças prese ntes nos
relatos e suas possíveis e xplicações.
4. A partir da leitura de um livro policial de suspense (por e xe m plo, o de
Agatha C hristie), relatem as diferentes hipóteses sobre quem é o
assassino. [pg. 68]


Para o aluno
S obre a teoria da Gestalt, os te xtos m ais ace ssíveis sã o
encontrados e m m a nuais de história da P sicologia. O s m ais indicados
são os livros A definição da Psicologia, de F re d S . Keller (S ão P a ulo,
H erder, 197 2), e O pensamento psicológico, de Anatol R osenfeld (S ã o
P aulo, P erspectiva, 1984).

Para o professor
P ara um a leitura m ais a vançada, sugerim os um clássico da
literatura dessa corrente, escrito por um de seus fundadore s, W olfgang
Köhler: Psicologia da Gestalt (Belo H orizonte, Itatiaia , 196 8). H á ainda
um livro denso, re com endá vel para quem pretenda um a verdade ira
via gem pela Gestalt, tam bém escrito por um de se us funda dores, Kurt
Koffka: Princípios de Psicologia da Gestalt (S ã o P aulo, C ultrix/U S P ,
1975). C om o a Gestalt trabalha m uito com a questão da form a, ela aca ba
por influenciar os te óricos das artes visua is. U m bom e xe m plo é o livro de
R udolf Arnheim , Arte e percepção visual: uma psicologia da visão
criadora (S ã o P a ulo, P ioneira/E D U S P , 198 0). T em os tam bé m a
P sicologia de Kurt Lewin, que tam bém só é encontrada em textos m ais
avança dos. Indicam os os livros de Luiz A. G arcia-R oza, Psicologia
estrutural em Kurt Lewin (P etrópolis, V ozes, 19 72), o de Kurt Le win,
Princípios de Psicologia topológica (S ão P aulo, C ultrix/U S P , 197 3), e,
ainda do m esm o a utor, Problemas de dinâmica de grupo (S ão P aulo,
C ultrix, 1 978).


Vida de solteiro. D ireção C am eron C rowe (E U A, 19 92) – O film e
trata de relações pessoais, conflitos, e ncontros e confusões, gerados
pela significa ção que cada pessoa atribui aos fatos vividos.
O professor poderá aproveitar e xata m ente esse aspe cto para
trabalhar as noções de espaço vital, realidade fe nom ê nica e ca m po
psicológico.
Rashomon. D ireção Akira Kurosa wa (Japão, 1950) – N o Japã o
m edie val, um bandido violenta e m ata um a m ulher. Q uatro pessoa s
testem unham o crim e. M ais ta rde, ca da um a de las dá um a visã o
diferente do crim e. [pg. 69]
C AP ÍT U LO 5

A Psicanálise

“Se fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta


freudiana, essa palavra seria incontestavelmente inconsciente”1.



As teoria s científicas surgem influe nciada s pelas condições da vida
social, nos seus a spectos econôm icos, políticos, culturais etc. S ão
produtos históricos criados por hom ens concretos, que vivem o seu
tem po e contribuem ou altera m , radicalm ente, o dese nvolvim ento do
conhecim ento.
S igm und F reud (185 6-1939) foi um m é dico viene nse que alterou,
radicalm ente, o m odo de pensar a vida psíquica. S ua contribuição é
com pará vel à de Ka rl M arx na com pree nsão dos processos históricos e
sociais. F re ud ousou colocar os “proce ssos m isteriosos” do psiquism o,
suas “re giões obscuras”, isto é, as fantasias, os sonhos, os
esquecim entos, a interiorida de do hom e m , com o proble m as científicos. A
investigação sistem ática desses proble m as le vou F reud à criação da
Psicanálise.
O term o psicanálise é usado para se referir a um a teoria, a um

1
J. Laplanche e J.-B. Pontalis. Vocabulário da Psicanálise. p. 307.
m étodo de investiga ção e a um a prática profissional. E nquanto teoria,
caracteriza-se por um conjunto de conhe cim entos sistem atiza dos sobre o
funcionam ento da vida psíquica. F re ud publicou um a e xtensa obra,
durante toda a sua vida, relatando suas descobertas e form ulando leis
gerais sobre a estrutura e o funcionam ento da psique hum ana. A
P sicaná lise, e nqua nto método de investigação, ca racteriza-se pelo
m étodo interpretativo, que busca o significado oculto da quilo que é
m anifesto por m eio de ações e pala vra s ou pe las produções im aginárias,
com o os sonhos, os delírios, as associações livres, os atos falhos. A
prática profissional refere-se à form a de tratam e nto — a Análise — que
busca o autoconhe cim ento ou a [pg. 70] cura, que ocorre através desse
autoconhecim ento. Atualm e nte, o e xercício da P sicanálise ocorre de
m uitas outras form a s. O u seja , é usa da com o base para psicoterapias,
aconselham e nto, orientaçã o; é aplica da no trabalho com grupos,
instituições. A P sica nálise tam bém é um instrum ento im porta nte para a
análise e com pree nsão de fenôm enos sociais rele va nte s: as novas
form as de sofrim e nto psíquico, o e xcesso de individualism o no m undo
contem porâneo, a e xacerbação da violê ncia etc.
C om pre ender a P sicanálise
significa percorrer novam e nte o traje to
pessoal de F re ud, desde a origem dessa
ciência e durante grande parte de se u
desenvolvim e nto. A relação entre autor e
obra torna-se m ais significativa quando
descobrim os que grande parte de sua
produção foi base a da em e xperiência s
pessoais, transcritas com rigor em vária s
de suas obras, com o A interpretação dos
sonhos e A psicopatologia da vida
cotidiana, de ntre outras.
C om pre ender a P sicanálise Sigmund Freud — o fundador da
significa , tam bé m , percorrer, no nível Psicanálise.
pessoal, a e xperiência ina ugural de F re ud e buscar “de scobrir” as regiões
obscura s da vida psíquica, vencendo as resistê ncias interiores, pois se
ela foi realiza da por F reud,
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A GESTAÇÃO DA PSICANÁLISE
F reud form ou-se em M edicina na U niversidade de V iena, e m 1 881 ,
e espe cializou-se em P siquiatria. T ra balhou algum te m po em um
laboratório de F isiologia e deu aulas de N europatologia no instituto onde
trabalha va. P or dificuldades financeiras, não pôde de dicar-se
integralm ente à vida acadêm ica e de pesquisa dor. C om e çou, então, a
clinicar, a tendendo pessoas acom etidas de “proble m as nervosos”.
O bte ve, ao final da residência m édica, um a bolsa de estudo para P aris,
onde trabalhou com Jean C harcot, psiquiatra francês que trata va as
histerias com hipnose. E m 1 886, re tornou a [pg. 71] V ie na e voltou a
clinicar, e seu principal instrum e nto de trabalho na elim inação dos
sintom a s dos distúrbios nervosos passou a ser a sugestão hipnótica 3 .
E m V ie na, o conta to de F reud com Josef Breuer, m édico e
cientista , ta m bém foi im portante para a continuidade das inve stiga ções.
N esse se ntido, o caso de um a pacie nte de Breuer foi significativo. Ana O .
aprese nta va um conjunto de sintom as que a fazia sofrer: pa ralisia com
contratura m uscula r, inibições e dificuldades de pensa m e nto. E sses
sintom a s tiveram origem na época em que ela cuidara do pai enferm o.
N o período em que cum prira essa ta refa , ela ha via tido pensam entos e
afetos que se referia m a um desejo de que o pai m orresse. E stas idé ias e
sentim e ntos foram re prim idos e substituídos pelos sintom as.
E m se u estado de vigília, Ana O . não e ra capaz de indicar a origem

2
R. Mezan. Freud: a trama dos conceitos, p. 35.
3
O médico induz o paciente a um estado alterado da consciência e, nesta condição, investiga a ou as
conexões entre condutas e/ou entre fatos e condutas que podem ter determinado o surgimento de um
sintoma. O médico também introduz novas idéias (a sugestão) que podem, pelo menos temporariamente,
provocar o desaparecimento do sintoma.
de se us sintom as, m as, sob o efeito da hipnose, rela ta va a origem de
cada um deles, que esta vam ligados a vivê ncias a nteriores da paciente,
relacionadas com o episódio da doença do pai. C om a re m em ora ção
destas cenas e vivências, os sintom a s desapa reciam . E ste
desapa recim ento nã o ocorria de form a “m ágica”, m a s de vido à liberaçã o
das re ações em otiva s associada s ao e ve nto tra um ático — a doença do
pai, o desejo inconsciente da m orte do pai enferm o.
Breuer denom inou método catártico o tratam ento que possibilita a
liberaçã o de afe tos e em oções ligada s a acontecim entos traum áticos que
não pudera m ser e xpressos na ocasiã o da vivência de sa gradá vel ou
dolorosa. E sta libera ção de afetos le va à elim ina ção dos sintom as.
F reud, em sua Autobiografia, afirm a que desde o início de sua
prática m édica usara a hipnose, nã o só com objetivos de sugestão, m a s
tam bém para obter a história da origem dos sintom as. P osteriorm ente,
passou a utilizar o m étodo catártico e,
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 [pg. 72]


“Q ual poderia ser a causa de os pacie ntes esquecerem ta ntos
fatos de sua vida interior e e xterior...?”5 , pergunta va-se F reud.
O esquecido era sem pre algo penoso para o indivíduo, e era
exatam ente por isso que ha via sido esquecido e o penoso não
significa va, nece ssariam ente , sem pre algo ruim , m as podia se referir a
algo bom que se pe rdera ou que fora intensam ente de sejado. Q uando

4
R. Mezan. Op. cit. p. 52.
5
S. Freud. Autobiografia. In: Obras completas. Ensayos XCVIII AL CCIII. Madri, Biblioteca Nueva.T.
III. p. 2773 (Trecho trad. autores).
F reud aba ndonou as perguntas no tra balho terapêutico com os pacientes
e os deixou dar livre curso às sua s idéia s, observou que, m uitas ve zes,
eles fica va m em ba raçados, envergonhados com algum as idéias ou
im agens que lhes ocorriam . A e sta força psíquica que se opunha a tornar
conscie nte, a re vela r um pensam e nto, F reud de nom inou resistência. E
cham ou de repressão o processo psíquico que visa encobrir, faze r
desapa recer da consciência , um a idéia ou re presentação insuportá vel e
dolorosa que está na origem do sintom a. E stes conteúdos psíquicos
“localiza m -se” no inconsciente.
T ais descobertas
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A PRIMEIRA TEORIA SOBRE


A ESTRUTURA DO APARELHO PSÍQUICO
E m 19 00, no livro A interpretação dos sonhos, F reud aprese nta a
prim eira conce pçã o sobre a e strutura e o funcionam ento da
personalidade. E ssa teoria refere-se à existência de três sistem as ou
instâncias psíquica s: inconsciente, pré-consciente e conscie nte.
• O inconsciente e xprim e o “conjunto dos conteúdos nã o presentes no
cam po atual da consciência”7 . É constituído por conte údos re prim idos,
que não tê m acesso aos sistem as pré-consciente/consciente, pela a ção
de censura s internas. E stes conteúdos [pg. 73] podem ter sido
conscie ntes, em algum m om ento, e ter sido reprim idos, isto é, “foram ”
para o inconsciente , ou podem ser ge nuinam ente inconscientes. O
inconsciente é um sistem a do aparelho psíquico regido por leis própria s

6
Id. ibid. p. 2774.
7
J. Laplanche e J.-B. Pontalis. Op. cit. p. 306.
de funcionam ento. P or e xe m plo, é ate m poral, não e xistem as noçõe s
de passado e presente.
• O pré-consciente refere-se ao sistem a onde perm anece m
aquele s conteúdos acessíveis à consciência. É aquilo que não está na
consciência, neste m om ento, e no m om e nto seguinte pode estar.
• O consciente é o sistem a do a parelho psíquico que rece be ao
m esm o te m po as inform ações do m undo exterior e as do m undo interior.
N a consciê ncia, de staca-se o fenôm eno da percepção, principalm ente a
percepção do m undo e xterior, a atenção, o raciocínio.

A DESCOBERTA DA SEXUALIDADE INFANTIL


F reud, e m suas inve stigações na prática clínica sobre as causas e
o funcionam ento das neurose s, descobriu que a m aioria de pe nsam entos
e desejos reprim idos referiam -se a conflitos de ordem se xual, localiza dos
nos prim eiros a nos de vida dos indivíduos, isto é, que na vida infantil
esta vam as e xperiências de cará ter traum ático, reprim idas, que se
configura vam com o origem dos sintom as atuais, e confirm a va-se, desta
form a, que as ocorrências deste período da vida deixa m m arca s
profundas na estruturação da pe ssoa . As descobertas colocam a
se xualidade no centro da vida psíquica, e é postulada a e xistência da
se xualidade infantil. E stas afirm ações tiveram profundas re pe rcussõe s na
socieda de puritana da época, pela concepção vigente da infância com o
“inocente”.
O s principais aspectos destas de scobe rtas são:
• A função se xual existe de sde o princípio da vida, logo após o
nascim e nto, e nã o só a pa rtir da puberdade com o a firm a va m as idéias
dom ina ntes.
• O período de de se nvolvim e nto da se xualidade é longo e com ple xo até
chegar à se xualida de adulta, onde a s funções de reprodução e de
obtenção do prazer podem e star associa das, tanto no hom e m com o na
m ulher. E sta afirm a ção contraria va as idéias predominantes de que o
se xo esta va associa do, e xclusiva m ente , à reprodução.
• A libido, na s pala vras de F reud, é “a e nergia dos instintos se xuais e só
deles”8 . [pg. 74]
N o processo de desenvolvim e nto
psicosse xual, o indivíduo, nos prim eiros
tem pos de vida, tem a função se xual liga da
à sobre vivê ncia, e, porta nto, o prazer é
encontrado no próprio corpo. O corpo é
erotizado, isto é, a s e xcitações se xua is
estão localizadas e m parte s do corpo, e há
um de senvolvim e nto progressivo que le vou
F reud a postular as fases do
desenvolvim e nto se xual em : fase oral (a
zona de erotização é a boca), fase anal (a
zona de erotizaçã o é o ânus), fase fálica (a O bebê demonstra que a boca é uma
zona de erotização é o órgã o se xual); em zona de prazer.

seguida vem um pe ríodo de latência, que


se prolonga até a puberda de e se cara cteriza por um a dim inuição das
atividades se xua is, isto é, há um “interva lo” na e voluçã o da sexualidade .
E , finalm ente, na puberda de é atingida a últim a fase, isto é, a fase
genital, qua ndo o objeto de erotiza ção ou de de sejo não e stá m a is no
próprio corpo, m as e ra um objeto e xterno ao indivíduo — o outro. Alguns
autores denom inam este período e xclusiva m ente com o ge nital, incluindo
o período fálico nas organizações pré-ge nitais, enquanto outros autore s
denom inam o período fálico de organização genital infantil.
N o decorrer de ssa s fases, vários processos e ocorrências
sucede m -se. D esses eventos, desta ca-se o complexo de Édipo, pois é
em torno dele que ocorre a estruturaçã o da personalidade do indivíduo.
Acontece entre 3 e 5 anos, durante a fase fálica. N o com ple xo de É dipo,
a m ãe é o objeto de desejo do m enino, e o pai é o rival que im pede se u
acesso ao objeto de sejado. E le procura então ser o pai para “ter” a m ãe,

8
S. Freud. Op. cit. p. 2777.
escolhe ndo-o com o m odelo de com porta m ento, passando a internalizar
as regras e as norm as sociais representadas e im postas pela autoridade
paterna . P osteriorm e nte, por m edo da perda do am or do pai, “desiste” da
m ãe, isto é, a m ãe é “troca da” [pg. 75] pela riqueza do m undo social e
cultural, e o garoto pode, e ntão, participar do m undo socia l, pois tem
suas regra s básicas internaliza das atra vés da identificação com o pai.
E ste processo ta m bém ocorre cora as m eninas, sendo inve rtidas as
figuras de de sejo e de identificaçã o. F re ud fala e m É dipo fe m inino.

EXPLICANDO ALGUNS CONCEITOS


Antes de prosseguirm os um pouco m ais acerca das descobertas
fundam entais de F reud, é ne cessá rio e sclarece r alguns conceitos que
perm ite m com pre ender os dados e inform ações colocados a té aqui, de
um m odo dinâm ico e sem considerá-los proce ssos m ecânicos e
com partim entados. Além disso, estes aspectos ta m bém sã o postula çõe s
de F reud, e seu conhecim ento é funda m ental para se com preender a
continuidade do desenvolvim ento de sua teoria.
1. N o processo tera pêutico e de postula ção teórica , F reud, inicialm ente,
entendia que todas as cenas relatada s pelos pacie ntes tinha m de fato
ocorrido. P osteriorm ente, descobriu que poderia m ter sido im aginadas,
m as com a m esm a força e conseqüências de um a situa ção real.
Aquilo que, para o indivíduo, assum e valor de re alidade é a realidade
psíquica. E é isso o que im porta, m esm o que não corresponda à
realidade objetiva.
2. O funcionam ento psíquico é concebido a partir de três pontos de vista:
o econômico (e xiste um a quantidade de ene rgia que “alim enta” os
processos psíquicos), o tópico (o apare lho psíquico é constituído de
um núm ero de siste m as que sã o diferenciados quanto a sua nature za
e m odo de funciona m ento, o que perm ite considerá-lo com o “lugar”
psíquico) e o dinâmico (no interior do psiquism o e xistem forças que
entram em conflito e estão, perm a nentem ente, ativa s. A origem
dessas forças é a pulsão). C om preende r os processos e fe nôm enos
psíquicos é considerar os trê s pontos de vista sim ultaneam e nte.
3. A pulsão refere-se a um estado de te nsão que busca , através de um
objeto, a supressã o deste e stado. Eros é a pulsão de vida e abrange
as pulsõe s se xuais e as de autoconservação. Tanatos é a pulsão de
m orte, pode ser a utodestrutiva ou estar dirigida para fora e se
m anifestar com o pulsão agressiva ou de strutiva.
4. Sintoma, na te oria psicanalítica , é um a produção — quer seja um
com portam ento, que r seja um pensam e nto — resultante de um conflito
psíquico entre o de sejo e os m ecanism os de defesa . O sintom a, a o
m esm o tem po que sinaliza, busca encobrir um conflito, substituir a
satisfação do desejo. E le é ou pode ser o ponto de pa rtida da
investigação psicana lítica na tentativa de descobrir os processos [pg.
76] psíquicos e ncobertos que determ ina m sua form ação. O s sintom as
de Ana O . eram a paralisia e os distúrbios do pensam e nto; hoje, o
sintom a da colega da sala de aula é re cusar-se a com er.

A SEGUNDA TEORIA DO APARELHO PSÍQUICO


E ntre 1920 e 192 3, F reud rem odela a teoria do aparelho psíquico e
introduz os conceitos de id, ego e superego para referir-se aos trê s
sistem as da persona lidade.
O id constitui o re servatório da energia psíquica, é onde se
“localiza m ” as pulsões: a de vida e a de m orte. As ca racterísticas
atribuídas ao sistem a inconsciente , na prim eira te oria, sã o, nesta teoria,
atribuídas ao id. É re gido pe lo princípio do prazer.
O ego é o sistem a que estabelece o e quilíbrio entre as e xigê ncia s
do id, as e xigências da rea lidade e as “ordens” do superego. P rocura “dar
conta” dos interesse s da pe ssoa. É regido pelo princípio da realida de,
que, com o princípio do prazer, re ge o funciona m ento psíquico. É um
regulador, na m edida em que altera o princípio do prazer para buscar a
satisfação considerando as condições objetiva s da realidade. N este
sentido, a busca do prazer pode ser substituída pelo e vitam ento do
desprazer. As funções bá sicas do e go são: percepção, m em ória,
sentim e ntos, pensa m ento.
O superego origina -se com o com ple xo de É dipo, a partir da
internalizaçã o das proibiçõe s, dos lim ite s e da autoridade. A m oral, os
ideais sã o funções do superego. O conteúdo do superego refere-se a
exigências sociais e culturais.
P ara com preender a constituiçã o desta instância — o supere go —
é necessário introduzir a idéia de sentimento de culpa. N este estado, o
indivíduo se nte-se culpado por algum a coisa errada que fe z — o que
parece óbvio — ou que não fez e desejou ter feito, algum a coisa
conside rada m á pe lo ego m as não, necessariam e nte, perigosa ou
prejudicial; pode, pelo contrário, ter sido m uito desejada. P or que, então,
é considerada m á? P orque alguém im portante para ele, com o o pai, por
exem plo, pode puni-lo por isso. E a principal punição é a perda do am or
e do cuidado desta figura de autoridade.
P ortanto, por m edo dessa perda, de ve-se evitar fazer ou de sejar
fazer a coisa m á; m a s, o desejo continua e, por isso, e xiste a culpa.
U m a m udança im portante acontece quando esta a utoridade
externa é internaliza da pelo indivíduo. N inguém m ais precisa lhe dize r
“não”. É com o se ele “ouvisse” esta proibição dentro de si. Agora, não
im porta m ais a ação para sentir-se culpa do: o pensa m ento, o desejo de
fazer algo m au se e ncarregam disso. E não há [pg. 77] com o esconder
de si m esm o esse desejo pe lo proibido. C om isso, o m al-estar instala -se
definitivam ente no interior do indivíduo. A função de autoridade sobre o
indivíduo se rá realizada perm anente m ente pelo superego. É im portante
lem brar a qui que, pa ra a P sica nálise, o sentim ento de culpa origina-se na
passagem pe lo C om ple xo de É dipo.
O ego e , posteriorm ente, o superego sã o difere nciações do id, o
que dem onstra um a interde pendência entre esse s trê s sistem as,
retirando a idéia de sistem as separados. O id refere-se ao inconsciente,
m as o ego e o superego têm , tam bém , a spectos ou “partes”
inconscientes.
E im porta nte considerar que estes siste m as não e xistem e nquanto
um a e strutura va zia, m as são sem pre habitados pelo conjunto de
experiê ncias pessoais e particulares de cada um , que se constitui com o
sujeito em sua relação com o outro e e m determ inadas circunstâncias
sociais. Isto significa que, para com preender alguém , é necessário
resgatar sua história pessoal, que e stá ligada à história de seus grupos e
da sociedade em que vive.

OS MECANISMOS
DE DEFESA, OU A REALIDADE COMO ELA NÃO É
A percepção de um aconte cim ento, do m undo e xterno ou do
m undo inte rno, pode ser algo m uito constra ngedor, doloroso,
desorganiza dor. P ara evitar este desprazer, a pessoa “de form a” ou
suprim e a realidade — deixa de registrar perce pções e xternas, afasta
determ inados conteúdos psíquicos, interfere no pensa m ento.
S ão vários os m eca nism os que o indivíduo pode usar para rea lizar
esta deform ação da realidade, cha m ados de mecanismos de defesa.
S ão processos realizados pelo e go e sã o inconscientes, isto é, ocorrem
indepe ndentem ente da vontade do indivíduo.
P ara F reud, defe sa é a opera ção pela qual o e go e xclui da
consciê ncia os conteúdos inde sejá veis, prote gendo, desta form a, o
apare lho psíquico. O ego — um a instância a serviço da realidade e xterna
e sede dos processos defensivos — m obiliza estes m ecanism os, que
suprim e m ou dissim ulam a perce pção do perigo interno, e m função de
perigos reais ou im a ginários localizados no m undo e xterior.
E stes m ecanism os são:
• Recalque: o indivíduo “não vê”, “não ouve” o que ocorre. E xiste a
supressão de um a parte da realidade. E ste aspecto que não é
percebido pelo indivíduo faz parte de um todo e, ao ficar invisível,
altera, deform a o se ntido do todo. E com o se, ao ler esta página, [pg.
78] um a pala vra ou um a das linhas nã o estivesse im pressa, e isto
im pedisse a com pre ensão da frase ou desse outro sentido a o que está
escrito. U m e xem plo é quando e ntendem os um a proibição com o
perm issão porque não “ouvim os” o “nã o”. O recalque, ao suprim ir a
percepção do que está acontecendo, é o m ais radica l dos m e canism os
de defe sa. O s dem ais refere m -se a deform ações da re alida de .
• Formação reativa: o ego procura afastar o desejo que vai e m
determ inada direçã o, e, para isto, o indivíduo adota um a atitude oposta
a este desejo. U m bom e xem plo são as atitudes e xage radas — ternura
excessiva, superproteção — que escondem o seu oposto, no caso, um
desejo agre ssivo intenso. Aquilo que a parece (a atitude) visa esconder
do próprio indivíduo suas verdadeiras m otivações (o dese jo), para
preservá-lo de um a descoberta acerca de si m esm o que poderia ser
bastante dolorosa. É o caso da m ãe que superprotege o filho, do qual
tem m uita raiva porque atribui a ele m uitas de suas dificuldades
pessoais. P ara m uitas de stas m ãe s, pode ser aterrador a dm itir essa
agressividade em relação a o filho.
• Regressão: o indivíduo retorna a etapas a nteriores de seu
desenvolvim e nto; é um a passagem para m odos de e xpressão m ais
prim itivos. U m e xem plo é o da pessoa que enfrenta situaçõe s difíceis
com basta nte ponde ração e, ao ver um a barata, sobe na m esa, aos
berros. C om certeza , não é só a barata que ela vê na barata.
• Projeção: é um a confluência de distorções do m undo e xterno e interno.
O indivíduo localiza (projeta) algo de si no m undo e xterno e não
percebe aquilo que foi projeta do com o algo seu que considera
indesejá vel. É um m ecanism o de uso fre qüente e observá ve l na vida
cotidiana. U m e xem plo é o jovem que critica os colegas por serem
extrem a m ente com petitivos e não se dá conta de que tam bé m o é, à s
ve zes até m ais que os cole gas.

Como justificar a
guerra?

• Racionalização: o indivíduo constrói um a argum enta ção


intelectualm e nte convincente e aceitá vel, que justifica os estados
“deform ados” da consciência. Isto é, um a defesa que justifica as
outras. P ortanto, na racionalizaçã o, o ego coloca a ra zão a serviço do
irraciona l e utiliza para isto o m aterial [pg. 79] fornecido pe la cultura,
ou m esm o pelo saber científico. D ois exem plos: o pudor excessivo
(form açã o reativa), justificado com argum e ntos m orais; e as
justificativas ideológicas pa ra os im pulsos destrutivos que eclodem na
guerra, no preconceito e na defesa da pe na de m orte.
Além destes m eca nism os de defesa do ego, e xistem outros:
denegação, identificação, isolam ento, a nulaçã o retroativa, inversão e
retorno sobre si m esm o. T odos nós os utilizam os em nossa vida
cotidiana, isto é , deform am os a realidade para nos defe nder de pe rigos
internos ou e xternos, reais ou im aginários. O uso deste s m e canism os
não é, e m si, patológico, contudo distorce a re alida de, e só o seu
desvendam e nto pode nos fa zer superar essa fa lsa consciência, ou
m elhor, ver a realida de com o ela é.





A característica e ssencial do traba lho psica nalítico é o
decifram ento do inconsciente e a integração de seus conteúdos na
consciê ncia. Isto porque são estes conteúdos desconhecidos e
inconscientes que determ inam , e m gra nde parte, a conduta dos hom ens
e dos grupos — as dificulda des para viver, o m al-e star, o sofrim ento.
A finalidade deste tra balho investigativo é o autoconhecim ento, que
possibilita lidar com o sofrim ento, criar m ecanism os de superação das
dificuldades, dos conflitos e dos subm etim entos em direção a um a
produção hum ana m ais autônom a, criativa e gratifica nte de cada
indivíduo, dos grupos, das instituições.
N esta ta refa, m uita s vezes basta nte desejada pelo pacie nte, é
necessário que o psicanalista ajude a desm ontar, pacie nte m ente, a s
resistências inconscientes que obstaculizam a passagem dos conteúdos
inconscientes para a consciê ncia.
A representação social (a idéia) da P sicanálise ainda é ba stante
estereotipada em nosso m eio. Associa m os a P sica nálise com o divã,
com o traba lho de consultório e xcessiva m ente longo e só possível para
as pessoas de alto poder a quisitivo. E sta idéia correspondeu, durante
m uito tem po, à prática nesta área que se restringia, e xclusivam ente, ao
consultório.
C ontudo, há várias décadas é possível constatar a contribuição da
P sicaná lise e dos psicana listas em várias á reas da saúde m e ntal.
H istorica m ente, é im portante lem brar a contribuiçã o do [pg. 80]
psiquiatra e psica nalista D . W . W innicott, cujos program as radiofônicos
transm itidos na E uropa, durante a S egunda G uerra M undial, orienta vam
os pais na criaçã o dos filhos, ou a contribuiçã o de Ana F reud pa ra a
E ducação e, m ais recente m ente , as contribuições de F ra nçoise D olto e
M aud M annoni para o trabalho com crianças e adole scentes em
instituições — hospitais, creches, abrigos.
Atualm e nte, e inclusive no Brasil, os psicanalista s estão deba tendo
o alcance social da prática clínica visando torná-la ace ssíve l a am plos
setores da socie dade. E les tam bém estão voltados para a pesquisa e
produção de conhecim entos que possa m ser úteis na com preensão de
fenôm e nos sociais gra ves, com o o
aum ento do e nvolvim e nto do
adolescente com a crim ina lidade, o
surgim e nto de novas (a ntiga s?)
form as de sofrim ento produzidas pelo
m odo de e xistência no m undo
contem porâneo — as drogadições, a
anore xia, a síndrom e do pânico, a
excessiva m e dicalizaçã o do
sofrim ento, a se xualização da infância.
E nfim , ele s procura m com pre ender os
novos m odos de subjetiva ção e de
existir, as novas e xpressões que o O sofrimento humano assume inúmeras
sofrim ento psíquico assum e. A partir expressões.

desta com pree nsã o e de suas


observa ções, os psicanalistas tentam criar m odalidade s de intervençã o
no social que visam superar o m al-estar na civilização.
Aliás, o próprio F re ud, em várias de sua s obra s — O mal-estar na
civilização, Reflexões para o tempo de guerra e morte — coloca
questões sociais, e ainda atuais, com o objeto de refle xão, ou seja, nos
faz pe nsar e ver o que m a is nos incom oda: a possibilidade constante de
dissocia ção dos vínculos sociais.
O m étodo psicanalítico usado para desve ndar o re al, com preende r
o sintom a individual ou social e sua s de term inações, é o interpretativo.
N o caso da análise individual, o m aterial de traba lho do analista são os
sonhos, as associa ções livre s, os atos falhos (os esquecim entos, as
substituições de pala vras etc.). E m cada um desses cam inhos de acesso
ao inconsciente, o que vale é a história pessoal. C a da pa lavra, cada
sím bolo tem um significado particular para cada indivíduo, o qual só pode
ser apreendido a partir de sua história , que é absolutam e nte única e
singular. [pg. 81]
P or isso é que se diz que, a cada nova situaçã o, re aliza-se
novam e nte a e xperiê ncia inaugurada por F reud, no início do século 20 —
a e xperiência de tentar descobrir a s regiões obscuras da vida psíquica.

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SOBRE O INCONSCIENTE
Q ue significa ha ver o inconsciente? E m prim eiro lugar (...) um a
certa form a de descobrir sentidos, típica da interpretação psicanalítica.
O u seja, te ndo descoberto um a espécie de orde m na s e m oções da s
pessoa s, os psicanalistas afirm am que há um lugar hipotético donde elas
provêm . É com o se supusé ssem os que existe um lugar na m ente das
pessoa s que funciona à sem elha nça da interpreta ção que fazem os; só
que ao contrário: lá se cifra o que aqui de cifram os.
V eja os sonhos, por e xem plo. D orm indo, produzim os estra nha s
histórias, que parece m fazer sentido, sem que saibam os qual. C hega m os
a pensar que nos anunciam o futuro, sim plesm ente porque pare cem
anunciar algo, querer com unicar algum sentido. F re ud, tra tando dos
sonhos, partia do princípio de que ele s diziam algo e com bastante
sentido. N ão, poré m , o futuro. D ecidiu interpretá-los. S ua técnica
interpretativa era m a is ou m e nos a ssim . T om ava as várias partes de um
sonho, seu ou alheio, e fazia com que o sonha dor associasse idéias e
lem branças a ca da um a delas. F oi possível descobrir a ssim que os
sonhos dizia m respeito, e m parte, a os acontecim entos do dia anterior,
em bora se relaciona ssem ta m bém com m odos de ser infantis do sujeito.
Igualm e nte, ele descobriu algum as re gra s da lógica das em oçõe s
que produz os sonhos. V eja m os as m ais conhecidas. C om freqüência,
um a figura que aparece nos sonhos, um a pessoa, um a situação,
represe nta vária s figuras fundidas, significa isso e aquilo ao m esm o
tem po. C ha m a-se este processo condensação, e e le e xplica o porquê de
qualquer interpretação ser se m pre m uito m ais e xtensa do que o sonho
interpretado. O utro processo, cham ado desloca m ento, é o de dar o
sonho um a im portância em ocional m aior a certos elem entos que, quando
da interpretaçã o, se re velarã o secundários, nega ndo-se àqueles que se
m ostrarã o re alm ente im portantes. U m detalhezinho do sonho aparece,
na interpretação, com o o elo fundam e nta l.
D igam os que o sonho, com o um estudante desa tento, coloca
erradam ente o ace nto tônico (em ocional, é claro), criando um dram a
diverso do que de veria narrar; com o se dissesse É squilo por esquilo...
U m terceiro processo de form ação do sonho consiste em que tudo é
represe ntado por m e io de sím bolos e, um quarto, re side na form a final do
sonho que, ao contrário da interpreta çã o, não é um a história contada
com pala vras, poré m um a ce na visual. (...)
D o conjunto de associaçõe s que parte m do sonho, o inté rprete
retira um sentido que lhe parece razoá vel. P ara F reud, e pa ra nós, todo
sonho é um a tenta tiva de re alização do desejo. (...)
S erá tudo apenas um brinque do, um a charada que se inventa para
resolver? N ão, por certo (...).
Apenas você de ve com pre ender que o inconscie nte psica nalítico
não é um a coisa em butida no fundo da cabeça dos hom ens, um a fonte
de m otivos que e xplicam o que de outra form a fica ria pouco razoá vel —
com o o m e do de baratas ou a necessida de de autopunição. Inconsciente
é o nom e que se dá a um sistem a lógico que, por necessidade teórica ,
supom os que opere na m ente das pessoas, sem no e ntanto afirm ar que,
em si m esm o, se ja assim ou assa do. D ele só sabe m os pela
interpretação.
F ábio H errm a nn. O que é Psicanálise. S ã o P aulo,
Abril C ultural/Brasilie nse, 19 84. (C oleçã o P rim eiros P assos, 1 2) p. 33-6.
[pg. 82]

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1. Q uais os três usos do term o P sicanálise?
2.Q uais são as práticas de F reud que antece deram a form ulação da
teoria psicanalítica ?
3. Q uais foram as descobertas finais que configuraram a criação da
P sica nálise?
4. C om o se caracteriza a prim eira teoria sobre a estrutura do aparelho
psíquico?
5.O que F reud descobriu de im portante sobre a se xualidade ?
6.C om o se caracterizam as fases do de senvolvim ento se xual?
7.C aracterize o com ple xo de É dipo.
8.O que é re alidade psíquica?
9. C om o se cara cterizam os m odelos econôm ico, tópico e dinâm ico do
funcionam ento psíquico?
10. C om o se caracte riza a pulsão?
11.O que é sintom a?
12. C om o se caracte riza a se gunda teoria do apa relho psíquico?
13. C om o se caracteriza o m étodo de investigação da P sicanálise ? E a
prá tica terapê utica ?
14. Q ua l a função e com o operam os m e canism os de defesa do ego?
15.Q ual a contribuição social da P sicanálise?

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1. Q uais são os e nsinam entos que a interpretação dos sonhos nos
propicia ? U tilizem o texto com plem entar com o referência pa ra essa
discussão.
2. C om os subsídios do te xto, justifiquem a epígrafe do capítulo: “S e
fosse preciso conce ntrar num a pala vra a descoberta freudia na, essa
pala vra seria inconte sta velm ente inconsciente”.
3. D iscutam a frase: “O que João diz de P edro diz m ais de João do que
de P edro”.
4. P esquisem e discutam te xtos de psica nalistas cujos objetos de análise
são fenôm enos sociais atuais ou fatos do cotidiano. E stes te xtos têm
sido publicados com freqüência em jornais de circulaçã o nacional
(F olha de S . P aulo, por e xem plo). D ois psicanalistas tê m se de stacado
nessa produçã o e divulga ção: Jurandir F reire C osta e C ontardo
C alligaris. [pg. 83]

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Para o aluno
O livro de F á bio H errm ann, O que é Psicanálise (S ão P aulo, Abril
C ultural/Brasiliense, 1984. C ole ção P rim eiros P assos), é um livro
introdutório aos principais conceitos da P sicanálise. A linguagem é fácil e
atraente. R enato M ezan em seu livro Sigmund Freud, sé rie E ncanto
R adical (S ã o P a ulo, Bra siliense, 1 9 82), situa historicam ente o
aparecim ento da P sicaná lise, os da dos biográficos de F reud e os
conceitos funda m entais da teoria. É um a boa referência para se iniciar
um estudo da P sicanálise.

Para o professor
As obra s com pletas de S igm und F re ud estão edita das no Brasil
pela editora Im a go, R io de Janeiro. N ela estão contidas sua
Autobiografia (histórico das descobe rtas do autor) e as Cinco
conferências (e xposição sistem ática e introdutória da teoria
psicana lítica).
O livro Noções básicas de Psicanálise: introdução à Psicologia
psicanalítica, de C harles Bre nner (5. ed. R io de Ja neiro, Im ago, 1987), é
bastante utilizado pelos iniciantes no e studo da P sica nálise e fornece
um a visão am pla dos funda m entos dessa teoria.
P ara consultas espe cíficas sobre a term inologia psicanalítica, be m
com o as dife rentes form as de conceituar o m esm o fenôm eno ou
processo na teoria de S . F reud, e xiste o livro de J. Laplanche e J.-B.
P ontalis, Vocabulário da Psicanálise (S ão P a ulo, M artins F ontes, s. d.).
E ste é um livro bastante conceitua do pelo rigor e e xa tidão das
concepções freudianas.
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Freud, além da alma. D ireção John H uston (E U A, 1 962) – O film e
m ostra o início dos trabalhos de F reud e m V ie na, enfocando sua teoria
sobre interpretação dos sonhos. M ostra tam bé m a rejeição da
com unidade m édica às suas idéia s. [pg. 84]
C AP ÍT U LO 6

Psicologias em construção1

As tendências teóricas aprese ntadas nos capítulos 3 , 4 e 5 —


Beha viorism o, Gestalt e P sicanálise, re spectivam ente — constituíram -se
em m atrizes do desenvolvim ento da ciê ncia psicológica, propiciando o
surgim e nto de inúm e ras abordage ns da P sicologia contem porânea.
D o Beha viorism o, por e xem plo, surgiram as abordagens do
Beha viorism o R adical (B. F . S kinner) e do Be ha viorism o C ognitivista (A.
Bandura e, a tualm ente, K. H a wton e A. Beck).
A Gestalt (do ponto de vista de um a teoria com bases
psicofisiológicas) praticam e nte de sapareceu. N o entanto, a tradição
filosófica que a fundam enta — a F enom enologia — a vançou por um
cam inho diferente , buscando a com pre ensão do ser no m undo e, de
certa m aneira, a ssociou-se ao cam po da P sicologia E xistencia lista. H oje,
essa verte nte da P sicologia discute as bases da consciência atra vés dos
ensina m entos de Je an P aul S artre. O utra verte nte da F enom enologia faz
essa discussão atra vés do E xistencialism o de M artin H eidde ger,
desenvolvendo um a profícua corrente denom inada Dasein Análise, que
tem no psiquiatra suíço M edard Boss, um a das figuras m ais destacadas.
O utra corre nte derivada da Gestalt e que segue um cam inho diferente do
traçado pela F enom enologia, é a da Gestalt T erapia. F undada por
1
Este capítulo contou com a contribuição de professores da equipe de Psicologia Sócio-Histórica da
Faculdade de Psicologia da PUC-SP e, em especial, da profª Maria da Graça M. Gonçalves.
P earls, esta corre nte trabalha [pg. 85] os níveis da conscientiza ção
hum ana com a consciência corporal, nossa consciência do “a qui e agora”
etc.
D a P sica nálise originaram -se inúm era s aborda gens, com o a
P sicologia Analítica (C arl G . Jung) e a R eichiana (W . R eich) —
dissidê ncias que construíra m corpos próprios de conhecim ento; ou a
P sicaná lise Kleiniana (M elanie Klein) e a Lacaniana (J. Lacan), que
deram continuidade à teoria freudiana.
C om o você pôde perceber, a P sicologia não ficou estagna da no
tem po. P elo contrário: dese nvolve u-se e , ao desenvolver-se, construiu
aborda gens que de ram prosseguim e nto às já e xiste ntes, retom ando
conhecim entos antigos e superando-os. E nfim , a P sicologia é um a
ciência em constante processo de construção.
N este capítulo, abordarem os um a verte nte te órica que surgiu no
início do século 20 e ficou restrita a o Leste europeu até os anos 60,
quando explodiria na E uropa e nos E stados U nidos com o um a nova
possibilidade teórica. E stam os falando da P sicologia S ócio-H istórica, que
chegou a o Brasil nos anos 8 0 atra vés da P sicologia S ocial e da
P sicologia da E duca ção, ganhando rapidam ente im portância e espaço no
m eio acadêm ico.

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A P sicologia, com o você já de ve ter percebido, está em
perm anente m ovim e nto, isto é, nova s abordagens vão se constituindo,
ge rando um a perm a nente transform açã o teórica.
E scolhe m os aprese ntar-lhe um a verte nte teórica que nasceu na
ex-U niã o S oviética , em balada pela R e volução de 1917 e pela teoria
m arxista. N o O cidente, a teoria S ócio-H istórica ga nharia im portância nos
anos 70, tornando-se referência para a P sicologia do D esenvolvim ento, a
P sicologia S ocial e para a E ducação.
T endo com o referência esta nova aborda gem teórica form ula da por
V igotski, busca va-se construir um a P sicologia que superasse a s
tradiçõe s positivistas e estudasse o hom em e seu m undo psíquico com o
um a construção histórica e social da hum anidade. P ara V igotski, o
m undo psíquico que tem os hoje não foi nem será sem pre assim , pois sua
caracterizaçã o está diretam ente ligada a o m undo m aterial e à s form as de
vida que os hom e ns vã o construindo no decorrer da história da
hum anidade. [pg. 86]

PRINCÍPIOS DA TEORIA
V igotski m orreu m uito cedo e não pôde com pletar sua obra, m as
deixou alguns princípios aos seus seguidores:
• A com pre ensão das funçõe s superiores do hom em nã o pode ser
alcança da pela psicologia anim al, pois os anim ais nã o têm vida social e
cultural.
• As funções supe riores do hom e m nã o podem ser vistas apenas com o
resultado da m atura ção de um orga nism o que já possui, em potencial,
tais capacida des.
• A linguage m e o pensam e nto hum ano têm orige m social. A cultura faz
parte do desenvolvim ento hum ano e de ve ser integrada ao estudo e à
explicação das funções supe riores.
• A consciência e o com portam ento sã o aspectos integrados de um a
unidade, nã o podendo ser isolados pela P sicologia.
V igotski de senvolveu, tam bém , um a estrutura teórica m arxista para
a P sicologia:
• T odos os fe nôm enos de ve m ser e studados com o processos e m
perm anente m ovim e nto e transform açã o.
• O hom em constitui-se e se transform a ao atuar sobre a natureza com
sua atividade e se us instrum e ntos.
• N ão se pode construir qualque r conhecim ento a partir do aparente, pois
não se captam as determ inações que são constitutivas do objeto. Ao
contrário, é preciso rastrear a e volução dos fenôm e nos, pois estão e m
sua gêne se e em seu m ovim e nto as e xplicações para sua aparência
atual.
• A m udança individual tem sua raiz nas condições sociais de vida.
Assim , nã o é a consciência do hom e m que determ ina a s form as de
vida, m a s é a vida que se te m que determ ina a consciência.
O desafio de V igotski foi assum ido por outros teóricos, entre ele s
Luria e Le ontie v, se us parceiros de trabalho. S ua obra ficou, por m uitos
anos, restrita à e x-U nião S oviética. H oje, na E uropa, nos E sta dos U nidos
e em paíse s do T erceiro M undo, com o o Bra sil, V igotski ve m se ndo
estuda do e utilizado, principalm e nte, nas áre as de P sicologia da
E ducação e P sicologia S ocial. N o Brasil, essas duas á reas foram
influenciadas pela obra de V igotski na década de 80 — na E ducação,
atra vés das teorias construtivistas da aprendizage m , principalm ente a
partir da influência de E m ília F e rreiro; na P sicologia S ocial, pela atua ção
da professora S ilvia Lane , que contribuiu significa tivam e nte para a
construção de um a P sicologia S ocial crítica, perm itindo que, a o se
pensar o psiquism o hum ano, se falasse das condições socia is que sã o
constitutivas deste m undo psicológico. [pg. 87]
H oje, V igotski é um autor conhe cido e seu pe nsam ento é
fundam ento da corrente de nom inada Psicologia Sócio-Histórica ou
Psicologia de Orientação Sócio-Cultural.

AS NOÇÕES BÁSICAS
DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA NO BRASIL
A P sicologia S ócio-H istórica, no Brasil, te m se constituído,
fundam entalm ente , pela crítica à visã o liberal de hom e m , na qual
encontram os idéias com o:
• O hom e m visto com o ser autônom o, responsá vel pelo seu próprio
processo de individuação.
• U m a relaçã o de a ntagonism o entre o hom em e a socieda de, em que
esta faz eterna oposição aos anse ios que seriam natura is do hom em .
• U m a visão de fenôm eno psicológico, na qual este é tom ado com o um a
entidade abstrata que tem , por natureza, características positiva s que
só não se m anifesta m se sofrere m im pe dim entos do m undo m aterial e
social. O fenôm eno psicológico, visto com o enclausurado no hom em , é
concebido com o um ve rdadeiro e u.
A P sicologia S ócio-H istórica entende que essa s concepções
liberais construíra m um a ciência na qual o m undo psicológico foi
com pletam ente deslocado do cam po social e m aterial. E sse m undo
psicológico passou, então, a ser definido de m ane ira abstra ta , com o algo
que já estivesse dentro do hom em , pronto para se dese nvolver —
sem elhante à sem e nte que germ ina. E sta visão liberal naturalizou o
m undo psicológico, abolindo, da P sicologia, as refle xões sobre o m undo
social.
N o Brasil, os teóricos da P sicologia S ócio-H istórica buscam
construir um a conce pção alternativa à liberal. R etom are m os um pouco
essas re fle xões a pa rtir de algum a s idéia s funda m entais.
• N ão e xiste natureza hum a na.
N ão e xiste um a essência
eterna e universal do hom e m ,
que no decorrer de sua vida se
atualiza , ge rando suas
pontencialidades e faculda des.
T al idéia de nature za hum ana
O homem vive inserido em relações sociais que são tem sido utiliza da com o
determinantes das individualidades.
fundam ento da m aioria da s
corrente s psicológicas e faz, na verdade, um trabalho de ocultam ente
das condiçõe s sociais, que são determ inantes das individualidades. [pg.
88]
E sta idéia está ligada à visão de indivíduo autônomo, que ta m bém
não é aceita na P sicologia S ócio-H istórica. O indivíduo é construído a o
longo de sua vida a partir de sua interve nção no m eio (sua ativida de
instrum e ntal) e da relação com os outros hom ens. S om os únicos, m as
não autônom os no sentido de term os um desenvolvim ento independente
ou já pre visto pela sem ente de hom em que carre gam os.
• E xiste a condição hum ana.
A concepção de hom em da P sicologia S ócio-H istórica pode ser
assim sintetizada: o hom em é um ser ativo, social e histórico. É essa sua
condiçã o hum ana. O hom e m constrói sua e xistê ncia a partir de um a ação
sobre a realidade, que tem , por objetivo, satisfazer suas ne cessida des.
M as essa ação e essa s necessidades têm um a característica
fundam ental: sã o sociais e produzidas historicam ente em socieda de. As
necessidade s básicas do hom e m nã o são apenas biológicas; ela s, ao
surgirem , são im ediatam ente socializa das. P or e xe m plo, os hábitos
alim entares e o com portam e nto se xual do hom em são form a s sociais e
não naturais de sa tisfazer ne cessidades biológicas.
O trabalho é a atividade
básica do homem.

Atra vés da ativida de, o hom em produz o necessário para satisfazer


essas nece ssida des. A atividade de ca da indivíduo, ou seja, sua ação
particular, é determ inada e definida pela form a como a sociedade se
organiza para o trabalho. E nte ndido com o a transform a ção da natureza
para a produção da e xistência hum ana, o trabalho só é possível em
socieda de. E um processo pelo qual o hom em estabelece, ao m esm o
tem po, relação com a natureza e com os outros hom ens; e ssas relações
determ inam -se reciprocam e nte. P orta nto, o [pg. 89] trabalho só pode ser
entendido dentro de relaçõe s sociais de term inadas. S ão essas relações
que define m o luga r de cada indivíduo e a sua ativida de. P or isso,
quando se diz que o hom em é um ser ativo, diz-se, ao m e sm o tem po,
que ele é um ser social.
A ação do hom em sobre a realidade que , obrigatoriame nte, ocorre
em socieda de, é um processo histórico. E um a açã o de tra nsform ação da
natureza que le va à transform ação do próprio hom em . Q uando produz os
bens ne cessá rios à satisfa ção de suas necessidades, o hom e m
estabelece novos pa râm etros na sua rela ção com a natureza, o que gera
novas necessidade s, que tam bém , por sua vez, de verã o ser satisfeita s.
As relações sociais, nas quais ocorre esse processo, m odificam -se à
m edida que se desenvolve m as nece ssidades hum anas e a produção
que visa satisfazê-la s. É um processo de transform ação constante das
necessidade s e da atividade dos hom ens e das rela ções que estes
estabelecem entre si para a
produção de sua e xistência.
E sse m ovim ento tem por base
a contra dição: o
desenvolvim e nto das
necessidade s hum a nas e das
form as de satisfazê-las, ao
m esm o tem po em que só são
possíveis dia nte de
determ inadas relaçõe s
sociais, provocam a

A criança humaniza-se, isto é, apropria-se da


necessidade de
humanidade através do contato com a cultura, que é transform ação dessa s
mediado pelo “outro”.
m esm as relações e
condicionam o aparecim ento de novas relações sociais. E sse processo
histórico é construído pelo hom em e é esse processo histórico que
constrói o hom em .
Assim , o hom e m é um ser ativo, social e histórico.
• O hom e m é criado pelo hom em .
N ão há um a natureza hum ana pronta , nem m esm o aptidõe s
prontas. A “aptidão” do hom em está, justam ente, no fato de poder
desenvolver vária s aptidõe s. E sse desenvolvim ento se dá na relaçã o
com os outros hom e ns atra vés do contato com a cultura já constituída e
das atividade s que realiza neste m eio.
O s objetos produzidos pelos hom ens m aterializam a história e
cristaliza m as “a ptidões” de senvolvida s pelas gerações anteriores.
Q uando os m anuseia e deles se a propria, o hom em desenvolve
atividades que re produzem os tra ços essenciais das atividades
acum uladas e cristalizada s nos objetos. A criança que aprende a
m anuse ar um lápis, está de algum a form a subm etida à form a , à
consistê ncia, [pg. 90] às possibilidades e a os lim ites do lápis. Isso
envolve não apenas um a questão “física”, m a te rial, m as,
necessariam e nte, um a condição social e histórica do uso e significado do
lápis. As ha bilida des hum a nas, que utilizam o lápis com o seu
instrum e nto, estã o cristalizada s na form a, na consistê ncia e nas
possibilidade s do lá pis, bem com o nos seus lim ites e significados. N as
relaçõe s com os outros hom ens ocorre a “descristalizaçã o” desta s
possibilidade s — a “m ágica” acontece — e, do lá pis, o peque no hom em
retira suas ha bilida des de ra biscar, escrever e desenhar, colocando-se,
assim , no “pa tam ar” da história, torna ndo-se ca paz de re cuperá-la e
transform á-la. P orta nto, é do instrum ento e das relações sociais, nas
quais esse instrum ento é utilizado, que o hom e m retira suas
possibilidade s hum a nas.
E sse proce sso acontece com toda s as suas aptidões. O hom em ,
ao na scer, é candidato à hum anidade e a adquire no processo de
apropriação do m undo. N esse processo, converte o m undo externo em
um m undo interno e desenvolve, de form a singular, sua individualidade.
Assim , atra vés da m ediação das relações sociais e das atividade s que
desenvolve, o hom e m se individua liza, torna-se hom em , dese nvolve sua s
possibilidade s e significa seu m undo.
A linguage m é instrum ento fundam e ntal nesse processo e, com o
instrum e nto, tam bém é produzida social e historicame nte, e de la tam bém
o hom e m de ve se apropriar.
A linguage m m ateria liza e dá form a a um a das aptidões hum anas:
a capacida de de representar a realidade. Juntam ente com a atividade, o
hom em desenvolve o pensam e nto. Atra vés da lingua gem , o pensam e nto
objetiva -se, perm itindo a com unicaçã o das significa çõe s e o seu
desenvolvim e nto.
M as o pensam ento hum ano, historicam e nte transform a -se e m algo
m ais com ple xo, justam ente por representar, cada ve z m elhor, a
com ple xidade da vida hum ana e m socieda de. T ransform a-se e m
consciê ncia. A linguagem é instrum ento essencial na construçã o da
consciê ncia, na construção de um m undo interno, psicológico. P erm ite a
represe ntaçã o não só da realidade im e diata, m a s das m e diações que
ocorrem na relação do hom em com essa realidade. Assim , a linguage m
apreende e m aterializa o m undo de significaçõe s, que é construído no
processo social e histórico.
Q uando se a propria da linguagem e nquanto instrum ento, o
indivíduo tem acesso a um m undo de significaçõe s historicam e nte
produzido. Alé m disso, a linguagem tam bém é instrumento de m ediaçã o
na apropriaçã o de outros instrum entos. P or isso, qua ndo se torna
indivíduo — o que só ocorre socialm ente — o hom em a propria-se de
todos os significados sociais. M as, por ser ativo, ta m bém atribui
significa dos, ou se ja, apropria-se da história, apree nde o [pg. 91] m undo,
atribuindo-lhe um se ntido pessoal construído a partir de sua atividade, de
suas re laçõe s e dos significa dos a prendidos. E sse processo de
apropriação do m undo social perm ite o desenvolvim ento da consciê ncia
no hom em .
• O hom e m concreto é objeto de estudo da P sicologia.
A P sicologia de ve buscar com pre ende r o indivíduo com o ser
determ inado histórica e socialm ente . E sse indivíduo jam ais poderá se r
com pre endido se nã o por suas relaçõe s e vínculos sociais, pela sua
inserçã o em um a determ inada socie da de, e m um m om ento histórico
específico.
O hom e m e xiste, a ge e pe nsa de certa m aneira porque e xiste em
um dado m om ento e local, vivendo determ inada s relações.
A consciência hum a na re vela a s de term inações sociais e histórica s
do hom em — não diretam ente, de m aneira im ediata, porque não é
assim , m eca nicam e nte, que se processa a consciência . As m edia ções
de vem ser desvendadas, pois passam pelas form as de atividade e
relaçõe s sociais, pe los significados atribuídos nesse proce sso a toda
realidade na qual vive m os hom ens. E necessário conhecer alé m da
aparência, buscando a essê ncia deste processo, que re vela o m ovim e nto
de transform ação constante a partir da contra dição, ente ndida com o
princípio fundam enta l do m ovim ento da re alidade .
Assim , pa ra conhece r o hom em é preciso situá-lo e m um m om ento
histórico, ide ntificar as determ inações e desve ndá-las. P ara entender o
m ovim e nto contra ditório da totalidade na qual se encontram os
indivíduos, de ve-se partir do gera l para o particular — para o proce sso
individual de relação entre atividade e consciência. É necessário
perceber o singula r e seu m ovim e nto com o parte do m ovim e nto geral e,
ao re velar essas m ediações, com pre ender não só o geral, m as o
particular. E de ssa form a que o indivíduo de ve ser ente ndido pela
P sicologia fundam entada no m ate rialism o histórico e dialético.
• S ubjetividade socia l e subjetivida de individual.
N esta teoria, os fenôm e nos sociais não sã o e xternos aos
indivíduos nem são fenôm enos que acontece m na socieda de e pouco
têm que ver com cada um de nós. O s fenôm enos sociais e stã o, de form a
sim ultânea, de ntro e fora dos indivíduos, isto é, estão na subjetividade
individual e na subjetividade social.
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 [pg. 92]

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A subjetividade individual representa a constituição da história
de relações sociais do sujeito concreto dentro de um siste m a individual.
O indivíduo, ao viver relaçõe s sociais determ inadas e e xperiência s
determ inadas em um a cultura que tem idéias e valores próprios, vai se
constituindo, ou seja , vai construindo se ntido para as e xperiências que
vivencia . E ste espaço pessoal dos sentidos que atribuím os a o m undo se
configura com o a subjetividade individual.
          
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Assim , para a P sicologia S ócio-H istórica, não há com o se sa ber de
um indivíduo sem que se conheça seu m undo. P ara compree nder o que
cada um de nós sente e pe nsa, e com o cada um de nós age , é preciso
conhecer o m undo social no qual esta m os im ersos e do qual som os
construtores; é pre ciso investigar os valores sociais, as form as de
relação e de produçã o da sobre vivência de nosso m undo, e as form a s de
ser de nosso tem po.
P ara facilitar a com preensã o dessa s noções básicas da P sicologia
S ócio-H istórica, sugerim os-lhe que reflita sobre o que sente, pensa e
com o age, ide ntifica ndo em seu m undo social os espaços nos quais
estas form as se configuram , pois, com ce rteza, é nelas que você busca a
m atéria-prim a para construir sua form a particular de ser. M esm o sem
perceber, você as reforça ou re constrói diariam ente, atuando para que
elas se m antenham . H á um m ovim ento constante que vai de você para o
m undo social e que lhe ve m deste m esm o m undo. O instrum ento básico

2
F. Gonzalez Rey. La Categoria “personalidad”: su significación para Ia Psicolojía social. In: Psicologia
Revista — revista da Faculdade de Psicologia da PUC-SP. Maio 1997, nº 4. p. 37-53.
3
Op. cit.
para esta rela ção é a lingua gem .
P ara a teoria S ócio-H istórica , os fenôm enos do m undo psíquico
não são naturais do m undo psíquico, m as fenôm enos que vão se
constituindo conform e o hom em atua no m undo e se rela ciona com os
outros hom ens. O m undo social de ixa de ser visto com o um espaço de
oposiçã o a nossas vontades e im pulsos, passando a ser visto com o o
lugar no qual nosso m undo psicológico se constitui. [pg. 93]

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PENSAMENTO E PALAVRA
O significado de um a pala vra re prese nta um am álgam a tã o estreito
do pensam ento e da linguagem , que fica difícil dizer se se trata de um
fenôm e no da fala ou de um fenôm eno do pensam e nto. U m a pala vra se m
significa do é um som vazio; o significa do, porta nto, é um critério da
“pala vra”, seu com ponente indispensá vel. P areceria, e ntão, que o
significa do poderia ser visto com o um fe nôm eno da fala. M a s, do ponto
de vista da P sicologia, o significa do de cada pala vra é um a
generalizaçã o ou um conceito. E com o a s gene raliza ções e os conceitos
são ine gave lm ente atos de pensa m ento, pode m os considerar o
significa do com o um fenôm eno do pensam e nto. D aí nã o decorre,
entreta nto, que o significa do pertença form alm e nte a duas esferas
diferentes da vida psíquica. O significado das pala vras é um fenôm eno
de pensam e nto ape nas à m edida que o pensam ento ganha corpo por
m eio da fala, e só é um fe nôm e no da fala à m edida que esta é ligada ao
pensam ento, sendo ilum inada por ele. É um fe nôm e no do pensam e nto
ve rbal, ou da fala significativa — um a união da pala vra e do pensam e nto.
N ossas investigaçõe s e xperim entais confirm am plena mente essa
tese bá sica. N ão só provara m que o estudo concreto do dese nvolvim e nto
do pensam ento verbal é possível usa ndo-se o significado das pala vras
com o unidade analítica, m a s tam bém le varam a outra tese, que
conside ram os o resultado m ais im porta nte de nosso estudo, e que
decorre direta m ente da prim eira: o significado das pala vra s e volui. A
com pre ensão desse fato de ve substituir o postulado da im uta bilidade do
significa do das pala vras.
D o ponto de vista da s antigas escola s de P sicologia, o elo entre a
pala vra e o significado é associativo, estabelecido pe la reitera da
percepção sim ultânea de um determ inado som e de um determ inado
objeto. E m nossa m ente, um a pala vra e voca o seu conteúdo do m esm o
m odo que o casaco de um am igo nos fa z lem brar desse am igo, ou um a
casa, de se us ha bitantes. A associação entre a pala vra e o significado
pode tornar-se m ais forte ou m ais fraca, enriquecer-se pela ligação com
outros objetos de um tipo sem elhante, expandir-se por um cam po m ais
va sto ou tornar-se m ais lim ita da, isto é, pode passar por alterações
quantitativas e e xternas, m as não pode altera r a sua natureza
psicológica. P ara isso, teria que deixar de ser um a associa ção. D esse
ponto de vista, qualquer desenvolvim e nto do significado das pala vras é
ine xplicá vel e im possível — um a conclusão que constitui um obstáculo
tanto para a Lingüística quanto para a P sicologia. Uma vez
com prom etida com a teoria da associa ção, a se m ântica persistiu e m
tratar o significado das pala vras com o um a associaçã o entre o som da
pala vra e o se u conteúdo. T odas as pala vras, das m ais concreta s à s
m ais a bstratas, pare ciam ser form a das do m e sm o m odo e m term os do
seu significado, nã o contendo na da de peculiar à fala com o tal; um a
pala vra fazia -nos pensar em seu significado da m esma m aneira que
qualquer objeto nos faz lem brar de um outro. P ouco surpre ende que a
sem ântica sequer tenha colocado a questão m ais am pla do
desenvolvim e nto do significado das pa lavras. O desenvolvim ento foi
reduzido às m uda nças nas cone xões associativas entre pala vra s e
objetos isola dos: um a pala vra podia, a princípio, denotar um objeto e, em
seguida, associar-se a outro, do m esm o m odo que um casaco, te ndo
m udado de dono, nos faria lem brar prim eiro de um a pessoa e, depois, de
outra. A lingüística não percebe u que, na e voluçã o histórica da
linguagem , a própria estrutura do significa do e a sua natureza psicológica
tam bém m udam . A partir das generaliza ções prim itivas, o pensam e nto
ve rbal ele va-se a o níve l dos conceitos m ais abstratos. N ã o é
sim plesm ente o conteúdo de um a pala vra que se altera, m as o m odo
pelo qual a realida de é gene ra lizada e refletida e m um a pala vra.

L. S . V ygotsky. P ensam ento e pala vra. In: Pensamento e linguagem.


S ão P a ulo, M artins F ontes, 1 993. p. 10 4-5. [pg. 94]


1. Q uais são os princípios da P sicologia S ócio-H istórica de V igotski?
2. Q uais críticas tal aborda gem faz à visão liberal de hom e m e quais as
conseqüências de sta visão para a P sicologia?
3. C om o você com preende a afirm a ção: “P ara a P sicologia S ócio-
H istórica , não e xiste natureza hum ana; e xiste a condiçã o hum ana”.
4. O que significa a afirm ação: “O hom em é um ser ativo, social e
histórico.”?
5. P ara a concepção S ócio-H istórica, qua l a im portância da linguage m ?
6. S e gundo e sta aborda gem , com o se de senvolve a consciê ncia
hum ana?
7. “O s fenôm enos sociais estão, de form a sim ultâ nea, dentro e fora dos
indivíduos.” A pa rtir desta frase, discuta as noções de subjetivida de
individual e social.

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1. R etom em os um a frase do te xto: “Assim , para a P sicologia S ócio-
H istórica, não há com o se saber de um indivíduo sem que se conhe ça
seu m undo. P ara com preender o que ca da um de nós sente e pensa ,
e com o cada um de nós age, é preciso conhecer o m undo social no
qual esta m os im ersos e do qual som os construtores; é preciso
investigar os valores sociais, a s form a s de relaçã o e de produção da
sobre vivência de nosso m undo e as form a s de ser de nosso te m po”.
A partir deste princípio fundam e ntal da P sicologia S ócio-H istórica,
debata m :
• O que pode le var alguém a m uda r de conduta?
E lenquem a lgum as situaçõe s vividas por vocês em que ocorre u um a
m udança im porta nte de conduta. P rocurem com pree nder os fatore s
que gerara m e ssa m udança e as alte rações de significado que
ocorrera m em vocês.
• P rocurem com parar cultura s dive rsas: indígenas, á rabes,
am erica nas, européias, africanas; qualquer e xem plo torna-se
adequado para com preender a re laçã o entre form as de vida e
cultura e a subje tividade (significaçõe s, condutas e sentim entos).
[pg. 95]
2. R ealizem um pequeno e xercício sobre significações. E scolham um
tem a e interroguem algum as pessoas a respeito do que pensam
sobre o assunto, objetivando caracteriza r as diferentes visõe s. P ara
que possam tirar m ais proveito da atividade e m termos de
sistem atizaçã o e com paração, sugerim os a definição de dois grupos
de pessoas a sere m interrogadas. Alguns e xem plos sã o indicados
abaixo:
• tema para significação: nam oro e ca sam ento
grupos: hom e ns e m ulhere s
• tema para significação: futuro
grupos: jovens e idosos
• tema para significação: trabalho/em prego e profissão
grupos: jovens e adultos
U m a vez sistem atizadas as difere nças, você s poderia m tenta r
identificar os aspe ctos da vida cotidiana de cada grupo que nos
levam a com preender a significa ção construída por eles sobre o
tem a.


A obra de V igotski é a m ais indicada . A formação social da
mente (S ão P aulo, M artins F ontes, 1 99 4) e Pensamento e linguagem
(S ão P a ulo, M artins F ontes, 1 993) são dois e xcelentes livros que podem
fornecer as principa is concepções de V igotski. D e leitura fácil sobre
V igotski, há o livro Vygotsky e Bakhtin — Psicologia e Educação: um
intertexto (S ã o P aulo, Ática, 199 4), de M . T . A. F reitas, que apresenta
um a síntese basta nte didática da s idéias do autor.


A guerra do fogo. D ireçã o: Jean-Jacques Annaud
(F rança/C ana dá, 19 81) – O film e retrata o dese nvolvim ento do hom e m
no m om ento em que descobre e conquista o fogo. D e ve -se ressaltar
com o as m uda nças de vida decorrentes desta conquista vão alte rando a s
possibilidade s de ser do hom em .
Kids. D ireçã o Larry C lark (E U A, 1995 ) – É um film e interessante
sobre questões atuais vividas por a dolescentes a m erica nos. [pg. 96]
C AP ÍT U LO 7

A Psicologia do desenvolvimento


E sta área de conhecim ento da P sicologia estuda o
desenvolvim e nto do ser hum a no em todos os seus a spe ctos: físico-
m otor, intelectual, afetivo-em ocional e social — de sde o nascim ento até a
idade adulta, isto é, a ida de em que todos este s aspectos atingem o seu
m ais com pleto grau de m aturidade e e sta bilidade .
E xistem vá rias teoria s do desenvolvim ento hum ano em P sicologia.
E las foram construídas a partir de
observa ções, pe squisas com grupos
de indivíduos em diferente s faixas
etárias ou em diferentes cultura s,
estudos de casos clínicos,
acom pa nham ento de indivíduos desde
o nascim e nto até a idade adulta.
D entre e ssas teorias, destaca -se a do
psicólogo e biólogo suíço Jean Piaget
(1896-1 980), pela sua produção
contínua de pesquisas, pelo rigor
Jean Piaget produziu uma das mais
importantes teorias sobre o científico de sua produção teórica e
desenvolvimento humano.
pelas im plicaçõe s práticas de sua
teoria, principalm ente no cam po da E ducação. A teoria deste cientista
será a referê ncia, neste capítulo, para com preenderm os o
desenvolvim e nto hum ano, para re sponderm os à s pergunta s como e por
que o indivíduo se com porta de determ inada form a, em determ inada
situaçã o, neste m om ento de sua vida. [pg. 97]


O desenvolvim e nto hum ano refere-se a o desenvolvim e nto m ental
e ao crescim e nto orgânico. O desenvolvim ento m ental é um a construçã o
contínua, que se ca racteriza pelo apare cim ento gradativo de estrutura s
m entais. E stas são form as de organização da atividade m e ntal que se
vã o aperfeiçoando e solidificando até o m om ento em que todas ela s,
estando plenam ente desenvolvidas, caracterizarão um estado de
equilíbrio superior quanto a os aspectos da inteligência , vida afetiva e
relaçõe s sociais.
Algum a s dessas estruturas m entais perm anecem ao longo de toda
a vida . P or e xem plo, a m otivaçã o está sem pre presente com o
desencadea dora da ação, seja por necessidades fisiológica s, seja por
necessidade s afetivas ou intelectuais. E ssas estruturas m entais que
perm anecem garantem a continuida de do desenvolvim ento. O utras
estruturas são substituídas a ca da nova fase da vida do indivíduo. P or
exem plo, a m ora l da obe diência da cria nça pequena é substituída pela
autonom ia m oral do adole scente ou, outro e xe m plo, a noçã o de que o
obje to e xiste só qua ndo a criança o vê (antes dos 2 anos) é substituída,
posteriorm ente, pela capacidade de atribuir ao obje to sua conservação,
m esm o quando ele não está presente no seu cam po visual.

A IMPORTÂNCIA DO
ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
A criança não é um adulto em m iniatura. Ao contrário, a presenta
características próprias de sua idade. C om preender isso é com preender
a im portância do estudo do desenvolvim ento hum a no. E studos e
pesquisas de P iage t dem onstraram que e xistem form a s de perceber,
com pre ender e se com porta r diante do m undo, próprias de cada faixa
etária, isto é, e xiste um a assim ila ção progressiva do m eio am biente, que
im plica um a acom odação das estrutura s m entais a este novo dado do
m undo e xterior.
E studar o dese nvolvim ento hum ano significa conhece r as
características com uns de um a faixa etária, perm itindo-nos reconhe cer
as individualidades, o que nos torna m a is aptos para a observa ção e
interpretação dos com portam entos. [pg. 98]
T odos esses aspe ctos le vantados tê m im portância para a
E ducação. P lanejar o que e como e nsinar im plica sabe r quem é o
educando. P or e xe m plo, a linguagem que usa m os com a criança de 4
anos não é a m esm a que usam os com um jovem de 1 4 anos.
E , finalm ente, e studar o de senvolvim ento hum ano significa
descobrir que ele é determ inado pela interação de vários fatore s.

OS FATORES
QUE INFLUENCIAM O DESENVOLVIMENTO HUMANO
V ários fatores indissociados e em perm anente interaçã o afe tam
todos os aspectos do dese nvolvim ento. S ão ele s:
• Hereditariedade — a carga genética estabelece o potencial do
indivíduo, que pode ou não desenvolve r-se. E xiste m pesquisas que
com provam os aspectos genéticos da inteligência. N o e ntanto, a
inteligê ncia pode desenvolver-se aqué m ou além do seu potencial,
dependendo das condições do m eio que encontra.
• Crescimento orgânico — refere -se a o aspecto físico. O a um ento de
altura e a estabilização do esquele to perm item ao indivíduo
com portam entos e um dom ínio do m undo que antes não e xistiam .
P ense nas possibilidades de de scobertas de um a criança, quando
com eça a e ngatinhar e depois a anda r, em relaçã o a quando esta
criança esta va no be rço com alguns dias de vida.
• Maturação neurofisiológica — é o que torna possível determ inado
padrão de com porta m ento. A alfabetização das cria nças, por exe m plo,
depende dessa m aturação. P ara segurar o lápis e m anejá-lo com o nós,
é necessário um de senvolvim ento neurológico que a criança de 2, 3
anos não te m . O bserve com o ela segura o lápis.
• Meio — o conjunto de influências e e stim ulações am bientais alte ra os
padrõe s de com portam ento do indivíduo. P or e xem plo, se a
estim ula ção verbal for m uito intensa, um a criança de 3 anos pode ter
um repertório verbal m uito m aior do que a m édia das crianças de sua
idade, m as, ao m esm o tem po, pode não subir e descer com facilida de
um a escada , porque esta situa ção pode não ter feito parte de sua
experiê ncia de vida. [pg. 99]

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
O dese nvolvim ento hum ano de ve se r entendido com o um a
globalidade, m as, para efeito de estudo, tem sido abordado a partir de
quatro aspectos básicos:
• Aspecto físico-motor — refere-se ao crescim e nto orgânico, à
m aturação neurofisiológica, à capacidade de m anipulação de obje tos e
de e xercício do próprio corpo. E xe m plo: a criança le va a C hupeta à
boca ou consegue tom ar a m am adeira sozinha, por volta dos 7 m eses,
porque já coordena os m ovim entos das m ãos.
• Aspecto intelectual — é a capacida de de pe nsam e nto, raciocínio. P or
exem plo, a criança de 2 a nos que usa um cabo de vassoura para puxar
um brinque do que e stá em baixo de um m óvel ou o jovem que planeja
seus ga stos a partir de sua m esa da ou salário.
• Aspecto afetivo-emocional — é o m odo particular de o indivíduo
integrar as suas e xperiência s. É o sentir. A se xualidade faz parte desse
aspecto. E xe m plos: a vergonha que se ntim os em algumas situações, o
m edo e m outras, a alegria de re ver um a m igo querido.
• Aspecto social — é a m aneira com o o indivíduo re age diante das
situações que envolvem outra s pessoas. P or e xe m plo, em um grupo de
crianças, no parque, é possível observar algum as que
espontanea m ente buscam outras pa ra brincar, e algum as que
perm ane cem sozinhas.
S e analisarm os m elhor cada um desses e xem plos, vam os
descobrir que todos os outros aspectos e stão pre sente s em cada um dos
casos. E é sem pre assim . N ão é possível encontrar um e xe m plo “puro”,
porque todos e ste s aspectos relacionam -se perm a nente m ente. P or
exem plo, um a criança tem dificuldades de aprendiza gem , repete o ano,
vai-se torna ndo cada vez m ais “tím ida” ou “agressiva”, com poucos
am igos e , um dia, descobre-se que as dificulda des tinham origem e m
um a deficiência auditiva. Q uando isso é corrigido, todo o qua dro re verte-
se. A história pode, tam bém , não te r um final feliz, se os danos fore m
gra ves.
T odas as teorias do desenvolvim e nto hum a no parte m do
pressuposto de que esses quatro aspectos são indissocia dos, m as e las
podem enfatizar aspectos diferentes, isto é, estudar o dese nvolvim ento
global a pa rtir da ênfase e m um dos aspectos. A P sica nálise, por
exem plo, estuda o desenvolvim e nto a partir do aspecto afetivo-
em ocional, isto é, do desenvolvim ento da sexualidade. Jean P iaget
enfatiza o de senvolvim ento intelectual. [pg. 100]

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


E ste autor divide os períodos do desenvolvim ento hum a no de
acordo com o apare cim ento de novas qualidade s do pensa m ento, o que,
por sua vez, interfere no desenvolvim ento global.
• 1º pe ríodo: S ensório-m otor (0 a 2 a nos)
• 2° período: P ré-ope ratório (2 a 7 a nos)
• 3º pe ríodo: O perações concretas (7 a 11 ou 1 2 anos)
• 4º pe ríodo: O perações form ais (11 ou 12 anos em diante)
S egundo P iaget, ca da pe ríodo é cara cterizado por aquilo que de
m elhor o indivíduo consegue fazer nessas faixas etária s. T odos os
indivíduos passa m por todas essas fases ou períodos, nessa seqüência,
porém o início e o térm ino de ca da um a delas de pendem da s
características biológicas do indivíduo e de fatores e ducacionais, sociais.
P ortanto, a divisão nessas faixas etária s é um a referê ncia, e não um a
norm a rígida.

PERÍODO SENSÓRIO-MOTOR
(o recém -nascido e o lactente — 0 a 2 a nos)
N este período, a criança conquista ,
atra vés da percepção e dos m ovim e ntos,
todo o universo que a cerca.
N o recém -nascido, a vida m e ntal
reduz-se ao e xercício dos aparelhos
refle xos, de fundo hereditário, com o a
sucção. E sse s refle xos m elhoram com o
treino. P or e xem plo, o bebê m am a m elhor
no 10º dia de vida do que no 2 9 dia. P or
volta dos cinco m eses, a cria nça consegue
coorde nar os m ovim entos das m ãos e A criança conhece o mundo pela
manipulação.
olhos e pegar objetos, aum e ntando sua
capa cidade de adquirir hábitos novos.
N o final do pe ríodo, a criança é capaz de usar um instrum ento
com o m e io para atingir um objeto. P or e xe m plo, descobre que, se puxar
a toalha, a lata de bolacha ficará m ais perto dela. N e ste caso, ela utiliza a
inteligê ncia prática ou sensório-m otora, que envolve as pe rce pções e os
m ovim e ntos.
N este período, fica evidente que o desenvolvim ento físico
acelera do é o suporte para o aparecim e nto de novas habilidades. Isto
[pg. 101] é, o desenvolvim ento ósseo, m uscular e neurológico perm ite a
em ergê ncia de novos com portam entos, com o sentar-se, a ndar, o que
propiciará um dom ínio m aior do am biente.
Ao longo deste período, irá ocorrer na criança um a diferenciaçã o
progressiva entre o seu eu e o m undo e xterior. S e no início o m undo era
um a continuação do próprio corpo, os progressos da inteligê ncia le vam -
na a situar-se com o um elem ento entre outros no m undo. Isso perm ite
que a criança, por volta de 1 ano, adm ita que um objeto continue a existir
m esm o quando ela não o perce be, isto é, o objeto não está presente no
seu cam po visual, m as ela continua a procurar ou a pedir o brinquedo
que perdeu, porque sabe que ele continua a e xistir.
E sta diferencia ção tam bém ocorre no aspecto afe tivo, pois o bebê
passa das em oçõe s prim árias (os prim eiros m edos, quando, por
exem plo, ele se e nrijece ao ouvir um barulho m uito forte) para um a
escolha a fetiva de objetos (no final do período), quando já m anifesta
preferê ncias por brinquedos, obje tos, pessoas etc.
N o curto e spaço de tem po de ste período, por volta de 2 anos, a
criança e volui de um a atitude passiva e m relação ao a m biente e pessoas
de seu m undo para um a atitude ativa e participativa. S ua integraçã o no
am biente dá-se, tam bém , pela im ita ção das re gras. E , em bora
com pre enda algum a s pala vras, m e sm o no final do período só é capaz de
fala im itativa.

PERÍODO PRÉ-OPERATÓRIO
(a 1ª infância — 2 a 7 anos)
N este período, o que de m ais im portante aconte ce é o
aparecim ento da linguagem, que irá acarretar m odificações nos
aspectos intelectual, afetivo e social da criança.
A interação e a com unicaçã o e ntre os indivíduos sã o, sem dúvida,
as conse qüência s m ais e videntes da linguagem . C om a pala vra, há
possibilidade de exteriorização da vida interior e, portanto, a
possibilidade de corrigir
ações futuras. A criança já
antecipa o que vai fa zer . [pg.
102]
C om o decorrência do
aparecim ento da linguage m ,
o de senvolvim ento do
Apesar de estarem juntas as crianças realizam produções pensamento se ace lera. N o
individuais
início do período, e le e xclui
toda a objetividade, a criança tra nsform a o re al em função dos seus
desejos e fanta sias (jogo sim bólico); posteriorm ente, utiliza-o com o
referencial para e xplicar o m undo real, a sua própria atividade , seu eu e
suas leis m orais; e, no final do pe ríodo, passa a procurar a razão causa l
e finalista de tudo (é a fase dos fam osos “porquê s”). E um pensam e nto
m ais adaptado ao outro e ao real.
C om o vária s novas capacidades surgem , m uitas veze s ocorre a
superestim ação da capacidade da cria nça neste período. E im portante
ter claro que grande parte do seu repe rtório verbal é usada de form a
im itativa, sem que ela dom ine o significado das pala vras; ela tem
dificuldades de reconhecer a ordem em que m ais de dois ou três e ventos
ocorrem e não possui o conceito de núm e ro. P or ainda estar centrada em
si m esm a , ocorre um a prim azia do próprio ponto de vista, o que torna
im possível o traba lho em grupo. E sta dificuldade m antém -se ao longo do
período, na m edida em que a criança nã o consegue colocar-se do ponto
de vista do outro.
N o aspe cto afe tivo, surgem os sentimentos interindividuais,
sendo que um dos m ais rele va ntes é o re speito que a criança nutre pelos
indivíduos que julga superiores a ela . P or e xem plo, em relaçã o aos pais,
aos professores. E um m isto de am or e tem or. S eus se ntim e ntos m orais
refletem esta relação com os adultos significativos — a m oral da
obediê ncia — , em que o critério de bem e m al é a vontade dos adultos.
C om relação às re gras, m esm o nas brincadeiras, conce be-as com o
im utá veis e determ inadas e xterna m ente. M ais tarde, a dquire um a noção
m ais elaborada da regra, concebe ndo-a com o necessária para organizar
o brinquedo, porém não a discute .
C om o dom ínio am pliado do m undo, seu interesse pelas dife rentes
atividades e objetos se m ultiplica, diferencia e regulariza, isto é, torna-se
está vel, sendo que, a partir de sse interesse, surge um a esca la de valores
própria da cria nça. E a criança passa a a va liar suas próprias açõe s a
partir de ssa e scala.
É im portante, ainda , considerar que, ne ste período, a m aturação
neurofisiológica com pleta-se , perm itindo o desenvolvim e nto de nova s
habilida des, com o a coorde nação m otora fina — pe gar peque nos objetos
com as pontas dos dedos, se gurar o lápis corretam ente e conseguir faze r
os delicados m ovim e ntos e xigidos pela escrita. [pg. 103]

PERÍODO DAS OPERAÇÕES CONCRETAS


(a infância propriam e nte dita — 7a 11 ou 12 anos)
O desenvolvim ento
m ental, cara cterizado no
período a nte rior pelo
egocentrism o intelectual e
social, é supera do neste
período pelo início da
construção lógica, isto é, a
capacidade da criança de
A capacidade de reflexão é exercida a partir de
estabelecer relações que situações concretas.
perm ita m a coorde nação de
pontos de vista diferentes. E stes pontos de vista pode m referir-se a
pessoa s diferente s ou à própria criança, que “vê ” um objeto ou situação
com aspe ctos difere ntes e, m esm o, conflitantes. E la consegue coorde nar
estes pontos de vista e integrá-los de m odo lógico e coere nte. N o pla no
afetivo, isto significa que ela será ca paz de cooperar cora os outros, de
traba lhar em grupo e , ao m esm o te m po, de ter autonom ia pe ssoal.
O que possibilitará isto, no pla no intele ctual, é o surgim ento de
um a nova capacida de m ental da criança: as operações, isto é, ela
consegue realiza r um a a ção física ou m ental dirigida para um fim
(objetivo) e re vertê-la para o seu início. N um jogo de quebra-cabe ça,
próprio pa ra a idade, ela conse gue, na m etade do jogo, descobrir um
erro, de sm anchar um a parte e recom eçar de onde corrigiu, term inando-o.
As operações sem pre se refere m a objetos concretos presentes ou já
experie nciados.
O utra cara cterística deste período é que a criança consegue
exercer suas ha bilidades e capacidades a partir de objetos re ais,
concretos. P ortanto, m esm o a capacidade de refle xão que se inicia, isto
é, pensa r antes de agir, considera r os vários pontos de vista
sim ultaneam e nte, re cuperar o passa do e antecipar o futuro, se e xerce a
partir de situa ções presentes ou passa da s, vivenciadas pela criança.
E m nível de pensa m ento, a criança consegue:
• estabelecer correta m ente a s rela ções de causa e efeito e de m eio e fim ;
• seqüenciar idéias ou e ventos;
• trabalhar com idéia s sob dois pontos de vista, sim ultaneam e nte;
• form ar o conceito de núm ero (no início do período, sua noçã o de
núm ero está vincula da a um a correspondência com o objeto concreto).
A noçã o de conservação da substância do objeto (com prim e nto e
quantidade) surge no início do período; por volta dos 9 a nos, [pg. 104]
surge a noçã o de conservação de peso; e, ao final do período, a noção
de conservação do volum e.
N o aspecto afetivo, ocorre o aparecim ento da vontade com o
qualida de superior e que atua quando há conflitos de te ndências ou
intenções (entre o de ve r e o pra zer, por e xe m plo). A criança a dquire um a
autonom ia cresce nte em relação ao a dulto, passando a orga nizar se us
próprios valores m orais. O s novos sentim entos m orais, ca racterísticos
deste período, são: o respe ito m útuo, a honestida de, o com pa nheirism o e
a justiça, que considera a inte nção na a ção. P or e xem plo, se a criança
quebra o vaso da m ãe, ela a cha que nã o de ve ser punida se isto ocorreu
acidentalm ente. O grupo de cole gas satisfaz, progressivam ente, as
necessidade s de segurança e afeto.
N esse se ntido, o sentim ento de pertencer ao grupo de colegas
torna-se cada vez m ais forte. As cria nças escolhe m seus am igos,
indistintam ente, entre m eninos e m e ninas, sendo que, no final do
período, a grupalização com o se xo oposto dim inui.
E ste fortalecim e nto do grupo traz a se guinte im plicação: a criança,
que no início do período ainda considera va bastante as opiniões e idéias
dos adultos, no final passa a “enfrentá-los”.
A cooperação é um a ca pacidade que vai-se desenvolvendo a o
longo deste pe ríodo e será um facilitador do trabalho em grupo, que se
torna cada vez m ais absorvente para a criança. E la s passa m a elaborar
form as próprias de organiza ção grupal, e m que as re gras e norm as são
concebidas com o vá lidas e verda deiras, desde que todos as adotem e
sejam a e xpressã o de um a vontade de todos. P ortanto, nova s regras
podem surgir, a pa rtir da necessidade e de um “contra to” entre as
crianças.

PERÍODO DAS OPERAÇÕES FORMAIS


(a adolescência — 1 1 ou 12 anos em dia nte)
N este período, ocorre a passagem do
pensam ento concre to para o pe nsam ento
form al, abstrato, isto é, o a dolescente realiza
as operações no plano das idéias, sem
necessitar de m anipulaçã o ou referências
concretas, com o no período anterior. É
capaz de lidar cora conceitos com o A contestação é a marca desse período.

liberdade, justiça etc. O adolesce nte [pg.


105] dom ina, progre ssivam e nte, a capa cidade de abstrair e gene ralizar,
cria teoria s sobre o m undo, principalm ente sobre a spectos que gosta ria
de reform ular. Isso é possível gra ça s à capacidade de refle xão
espontânea que, ca da ve z m a is descolada do re al, é ca paz de tira r
conclusões de puras hipóteses.
O livre e xercício da refle xão perm ite ao adolescente, inicialm ente ,
“subm eter” o m undo real a os sistem a s e teorias que o seu pensam ento é
capaz de criar. Isto vai-se atenuando de form a crescente, através da
reconciliação do pe nsam ento cora a realidade, até ficar claro que a
função da refle xão não é contradizer, m as se adiantar e interpretar a
experiê ncia.
D o ponto de vista de suas relações sociais, tam bém ocorre o
processo de caracterizar-se, inicialm e nte, por um a fase de interiorização,
em que, apare ntem e nte, é anti-social. E le se afasta da fa m ília, não aceita
conselhos dos adultos; m as, na realida de, o alvo de sua refle xão é a
socieda de, sem pre analisada com o passível de se r reform ada e
transform ada. P oste riorm ente, atinge o equilíbrio entre pensam ento e
realidade, quando com pree nde a im portância da reflexão para a sua
ação sobre o m undo real. P or e xem plo, no início do período, o
adolescente que te m dificuldades na disciplina de M a te m ática pode
propor sua retirada do currículo e, poste riorm ente, pode propor soluções
m ais viá veis e adequadas, que considere m as e xigências sociais.
N o aspecto afetivo, o adolesce nte vive conflitos. D eseja libertar-se
do adulto, m as ainda depende dele. D e seja ser a ceito pelos am igos e
pelos adultos. O grupo de am igos é um im porta nte refe re ncial para o
jovem , dete rm ina ndo o vocabulário, as ve stim enta s e outros a spectos de
seu com portam ento. C om eça a estabele cer sua m oral individual, que é
referenciada à m oral do grupo.
O s interesses do a dolescente sã o diversos e m utá veis, sendo que
a estabilidade che ga com a proxim idade da idade adulta.

JUVENTUDE: PROJETO DE VIDA


C onform e P iaget, a personalidade com e ça a se form ar no final da
infância , entre 8 e 12 anos, com a orga nização autônom a das regras, dos
valores, a afirm açã o da vontade. E sse s aspectos subordinam -se num
sistem a único e pe ssoal e vão-se e xteriorizar na construção de um
projeto de vida. E sse projeto é que vai nortear o indivíduo em sua
adapta ção ativa à realidade, que ocorre atra vés de sua inserção no
m undo do trabalho ou na preparaçã o para e le, quando ocorre um
equilíbrio entre o re al e os ideais do indivíduo, [pg. 106] isto é, de
re volucionário no pla no das idéias, ele se torna transform ador, no plano
da açã o.
É im portante lem brar que na nossa cultura, em de term inada s
classes sociais que “protegem ” a infâ ncia e a juve ntude, a prorroga ção
do período da adolescência é cada vez m aior, caracterizando-se por um a
dependência em rela ção aos pais e um a postergação do período em que
o indivíduo vai se tornar socialm e nte produtivo e, portanto, entrará na
idade a dulta.
N a idade adulta nã o surge nenhum a nova estrutura m e nta l, e o
indivíduo ca m inha e ntão para um a um e nto gradual do dese nvolvim e nto
cognitivo, em profundidade, e um a m aior com pre ensão dos problem a s e
das rea lidades significativas que o atinge m . Isto influe ncia os conteúdos
afetivo-em ocionais e sua form a de estar no m undo.



Ao fala rm os de de senvolvim ento hum ano, hoje, não podem os
deixar de citar o autor soviético V igotski. Le v S e menovich V igotski
nasceu em 189 6, na Bielo-R us, e fale ce u prem aturam e nte a os 37 anos
de idade . V igotski foi um dos teóricos que buscou um a alte rnativa dentro
do m aterialism o dialético para o conflito entre as conce pçõe s idealista e
m ecanicista na P sicologia. Ao lado de Luria e Leontie v, construiu
propostas teóricas inovadoras sobre tem as com o relação pe nsam ento e
linguagem , natureza do processo de desenvolvim ento da criança e o
papel da instrução no dese nvolvim ento.
V igotski foi ignorado no O cidente, e m e sm o na e x-U nião S oviética
a publicação de sua s obras foi suspensa entre 1936 e 19 56. Atualm e nte,
no entanto, seu tra balho vem sendo e studado e valorizado no m undo
todo.
U m pre ssuposto básico da obra de V igotski é que as origens das
form as superiores de com portam ento consciente — pensam ento,
m em ória , atençã o voluntária etc. — , form as essas que diferenciam o
hom em dos outros a nim ais, de ve m ser a chadas nas relações sociais que
o hom em m antém . M as V igotski nã o via o hom em com o um ser pa ssivo,
conseqüência de ssa s relações. E ntendia o hom em com o ser ativo, que
age sobre o m undo, sem pre em relações sociais, e transform a essa s
ações para que constituam o funciona m ento de um pla no interno. [pg.
107]

A VISÃO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL


O desenvolvim ento infantil é visto a partir de três aspectos:
instrum e ntal, cultural e histórico. E é Luria que nos ajuda a com preendê-
los.
• O aspecto instrumental refere-se à natureza basicam e nte m edia dora
das funções psicológicas com ple xas. N ão apenas respondem os a os
estím ulos a prese nta dos no a m biente, m as os alteram os e usa m os
suas m odificações com o um instrum ento de nosso com portam ento.
E xem plo disso é o costum e popular de a m arrar um barba nte no de do
para lem brar algo. O estím ulo — o la ço no dedo — obje tivam ente
significa apenas que o dedo está am arrado. E le a dquire se ntido, por
sua função m edia dora, fazendo-nos lem brar algo im portante.
• O aspecto cultural da teoria e nvolve os m eios socialm e nte
estruturados pelos quais a sociedade organiza os tipos de tarefa que a
criança em crescim ento e nfrenta, e os tipos de instrum e nto, tanto
m entais com o físicos, de que a criança peque na dispõe para dom ina r
aquela s tarefa s. Um dos instrum e ntos básicos cria dos pela
hum anidade é a linguagem . P or isso, V igotski deu ê nfase, e m toda sua
obra, à linguagem e sua rela ção com o pensam e nto.
• O aspecto histórico, com o afirm a Luria, funde-se com o cultural, pois
os instrum e ntos que o hom em usa, para dom inar seu am bie nte e seu
próprio com portam e nto, fora m criados e m odificados a o longo da
história social da civilização. O s instrum entos culturais e xpa ndiram os
podere s do hom em e estruturaram seu pensam ento, de m a neira que,
se nã o tivésse m os desenvolvido a lingua gem e scrita e a aritm ética, por
exem plo, não possuiríam os hoje a organização dos processos
superiores que possuím os.
Assim , para V igotski, a história da socie dade e o desenvolvim ento
do hom em cam inha m juntos e, m ais do que isso, estão de tal form a
intrinca dos, que um não seria o que é sem o outro. C om essa
perspectiva, é que V igotski e studou o desenvolvim ento infantil.
As cria nças, desde o nascim ento, e stão em consta nte interaçã o
com os adultos, que ativam ente procura m incorporá-las a suas relações
e a sua cultura. N o início, as respostas das cria nças são dom inadas por
processos naturais, especia lm ente aqueles proporciona dos pela herança
biológica. É atra vé s da m e diaçã o dos adultos que os processos
psicológicos m ais com ple xos tom a m form a. Inicia lm ente, e sses
processos são interpsíquicos (partilha dos entre pessoas), isto é, só
podem funciona r durante a intera ção das crianças com os adultos. À
m edida que a criança cresce, [pg. 108] os processos aca bam por ser
executa dos dentro das próprias crianças — intrapsíquicos.
É atra vés desta interiorização dos m eios de operaçã o da s
inform ações, m eios estes historicam ente determ inados e culturalm ente
organizados, que a natureza social das pessoas tornou-se igualm e nte
sua natureza psicológica.
N o estudo feito por V igotski, sobre o de senvolvim ento da fala, sua
visão fica bastante clara: inicialm e nte, os aspectos m otores e verbais do
com portam ento estão m istura dos. A fala envolve os elem entos
referenciais, a conve rsaçã o orientada pelo objeto, as expressõe s
em ocionais e outros tipos de fala socia l. C om o a cria nça está cercada
por adultos na fam ília, a fala com eça a a dquirir tra ços dem onstrativos, e
ela com eça a indicar o que está fazendo e de que está precisando. Após
algum tem po, a cria nça, fazendo distinções para os outros com o auxílio
da fala, com eça a fa zer distinções para si m esm a. E a fa la va i deixando
de ser um m eio para dirigir o com portam ento dos outros e vai adquirindo
a funçã o de autodire ção.
F ala e ação, que se desenvolvem indepe ndente s um a da outra, em
determ inado m om e nto do dese nvolvim ento converge m , e esse é o
m om ento de m aior significa do no curso do desenvolvim ento intelectual,
que dá origem à s form as puram ente hum anas de inte ligência. F orm a-se,
então, um am álgam a entre fa la e a ção; inicialm ente a fala acom panha as
ações e, posteriorm ente, dirige, de term ina e dom ina o curso da açã o,
com sua função planejadora .
O desenvolvim ento está, pois, alicerçado sobre o pla no das
interações. O sujeito faz sua um a ação que te m , inicialm ente, um
significa do partilhado. Assim , a criança que deseja um obje to inacessíve l
aprese nta m ovim e ntos de alca nçá-lo, e esses m ovim entos sã o
interpretados pelo a dulto com o “desejo de obtê-lo”, e entã o lhe dá o
objeto. O s m ovim e ntos da criança afetam o adulto e não o objeto
diretam ente; e a interpretação do m ovim ento pelo adulto perm ite que a
criança transform e o m ovim e nto de agarrar em gesto de a pontar. O gesto
é criado na interaçã o, e a criança passa a ter controle de um a form a de
sinal, a partir das relações sociais.
T odos os m ovim entos e e xpre ssões verbais da criança, no início
de sua vida, sã o im portantes, pois afetam o adulto, que os inte rpreta e os
de volve à criança cora açã o e/ou com fala. A fala egocêntrica, por
exem plo, foi vista por V igotski com o um a form a de tra nsição entre a fa la
exterior e a interior. A fala inicial da criança tem , portanto, um papel
fundam ental no dese nvolvim e nto de sua s funções psicológicas. [pg. 109]
P ara V igotski, as funções psicológica s em erge m e se consolida m
no plano da ação entre pessoas e tornam -se internalizadas, isto é ,
transform am -se pa ra constituir o funcionam ento interno. O plano interno
não é a reprodução do plano e xterno, pois ocorrem tra nsform ações a o
longo do proce sso de internalização. D o plano interpsíquico, as açõe s
passam para o pla no intrapsíquico. C onside ra, portanto, as relações
sociais com o constitutivas da s funções psicológicas do hom em . E ssa
visão de V igotski de u o cará ter interacionista à sua teoria.
V igotski deu ênfa se ao processo de internaliza ção com o
m ecanism o que inte rvém no desenvolvim ento das funções psicológicas
com ple xas. E sta é reconstrução interna de um a ope ração e xterna e tem
com o base a lingua gem . O plano interno, para V igotski, nã o pree xiste ,
m as é constituído pelo processo de inte rnalização, funda do nas ações,
nas inte raçõe s sociais e na lingua gem .


S e com pararm os os dois m aiores teóricos do desenvolvim ento
hum ano, podem os dizer, correndo algum risco de serm os sim plistas, que
P iaget apre senta um a tendência hiperconstrutivista em sua teoria, com
ênfase no pa pel e struturante do sujeito. M aturação, e xperiê ncias físicas,
transm issões socia is e culturais e equilibração são fatore s de senvolvidos
na teoria de P iaget. V igotski, por outro lado, enfatiza o aspecto
interacionista, pois conside ra que é no pla no inte rsubjetivo, isto é, na
troca entre as pessoas, que têm origem a s funções m e ntais superiores.
A teoria de P iage t aprese nta tam bém a dim ensão interacionista,
m as sua ênfase é colocada na interação do sujeito com o objeto físico; e,
além disso, nã o está clara em sua te oria a função da inte raçã o social no
processo de conhecim ento.
A teoria de V igotski, por outro lado, tam bém apresenta um a specto
construtivista, na m edida e m que busca e xplica r o apare cim ento de
inovações e m udanças no desenvolvim ento a partir do m e canism o de
internalizaçã o. N o entanto, tem os na te oria sócio-interacionista apena s
um qua dro esboça do, que apresenta sugestões e cam inhos, m as
necessita de estudos e pesquisas que e xplicitem os m ecanism os
característicos dos processos de desenvolvim ento. [pg. 110]
S e tivéssem os a gora que apontar um desa cordo entre essa s
teorias, resgataríam os as pala vra s de Luria:
             
       
          
         
            



AS DIFERENÇAS DOS IRMÃOS
M arquinhos arrum ou um a nam orada e m C atitó e pouca ate nçã o
da va a P itu. E sta va com m ania de m oço feito e P itu, pra ele, era um a
criança. P itu fica va olhando o irm ã o e pensando como antes eram
diferentes as coisa s. M arquinhos foi se u m estre de na taçã o, foi ele quem
o ensinou a pescar, a fazer arapuca, a soltar pa pagaio, a jogar dam a e
buraco. M arquinhos era um ídolo que estava se distanciando. S abia que
o irm ão já tinha até barba na ca ra, esta va m oço. M as não podia
com pre ender a m udança de atitudes. P itu largaria todos os seus a m igos
se M arquinhos o convida sse para sair junto. D uas ve zes, tentou
convencer o irm ão a irem ao sítio por uns três dias, m as ele não m ostrou
qualquer entusiasm o pelo convite. Aos bailes, P itu não queria ir, não
sabia da nçar a inda, não gosta va. D e m a nhã, o irm ão nã o na m ora va, m a s
dorm ia até a hora do alm oço. F ica va difícil o relacionam e nto entre os
dois. A m ã e já tinha notado isto. C hegou m esm o a falar com os dois, m as
cada um achou um a desculpa. P itu encontrou M arquinhos fum ando
escondido no porão. C om eçou a conve rsar com P itu, a agradar, tudo
m uito e studa do, com o se quisesse com prar-lhe o silêncio. P itu deixou
bem claro que não ia contar pros pais, podia ficar descansado. N aquela
tarde, M arquinhos m udou de atitude, convidou o irm ão para um a partida
de dam a s. N o outro dia, a m esm a distâ ncia, a m esm a supe rioridade que
doía. C onversando com seu Z eca da farm ácia, P itu desabafou, queixou-
1
L. S. Vigotski, A. R. Luria e A. N. Leontiev. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. p.25.
se m uito do irm ão. S eu Z eca disse que era natural o que esta va
acontecendo, que P itu precisa va entender. U m dia, ele tam bém sofreria
esta m uda nça de pinto pra frango. U m dia, os dois seria m frangos e
voltaria m a ser am igos com o antes. D epois, o irm ão passaria a galo e as
coisas fica vam difíce is outra vez. Até acertar de novo. A vida é sem pre
assim , é proble m a do tem po... P itu fez com a cabeça que e ntendia . N o
fundo, ainda esta va m eio confuso. M a s seu Z eca só podia estar certo.
E ra um hom em inte ligente, que sa bia e xplicar tudo. E le m e sm o dizia ser
apenas “um hom em vivido”, o que nã o ficou tam bé m m uito claro, m as
P itu sabia que e ra coisa im portante dem ais. S erá que se u Z e ca era galo
ou já esta va m a is velho que galo? O que viria depois de galo? P itu
pensou, pensou, m a s achou m ais sensato não pe rguntar m uito. S ó sabia
que, na idade de seu Z eca, era m ais fácil ser am igo do que na do irm ã o.

E lias José, As curtições de Pitu. S ão P aulo,


M elhora m entos, 19 7 6, p. 70 -1. [pg. 111]


1. Q ual o objeto de e studo da P sicologia do D esenvolvim ento?
2. O que é desenvolvim ento hum a no?
3. P or que é im portante estudar o dese nvolvim e nto hum ano? C ite dois
m otivos.
4. Q uais são os fatores que influencia m o dese nvolvim ento? C aracterize
cada um dele s.
5. Q uais são os aspe ctos do desenvolvim ento hum a no? C ara cterize cada
um dele s. Q ual a re lação e ntre eles?
6. Q uais são os períodos do desenvolvim ento, se gundo Je an P iaget?
7. Q uais são as principais características dos períodos:
a. sensório-m otor?
b. pré-operatório?
c. das operações concretas?
d. das opera ções form ais?
8. O nde estão as origens das form as superiores de com portam e nto
conscie nte do hom e m , na visão de V igotski?
9. Q uais os três a spectos básicos da visão de de senvolvim e nto infantil de
V igotski?
10. C om o você com preendeu o proce sso de internalizaçã o e qual a sua
im portâ ncia no dese nvolvim e nto hum ano?
11. O que são os planos interpsíquico e intrapsíquico e com o e stã o
pensa dos na teoria de V igotski?
12. Q ua is as relaçõe s entre V igotski e P ia get?

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1. U tilize m os conteúdos deste ca pítulo para com preender os
com portam entos de P itu e M arquinhos. P rocurem situá-los nos
períodos de de senvolvim ento e indiquem quais as ca racterísticas
principais do com portam ento de cada um deles.
2. S ituem as cara cte rísticas de com porta m ento de seu grupo de am igos
num de term inado pe ríodo do de senvolvim ento e busquem e stabele cer
as relações e ntre os diferentes aspectos do desenvolvim ento (afe tivo,
intelectual, físico, social).
3. Q uais são os efeitos da m iséria e da violê ncia sobre o
desenvolvim e nto da criança e do adole scente? Le vantem hipótese s.
[pg. 112]

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Para o aluno
E ntre os inúm eros livros de Jean P iaget, Seis estudos de
Psicologia (R io de Janeiro, F orense U nive rsitária, 1985) é um dos m ais
acessíveis qua nto à linguage m . N este livro, o 1 º capítulo, “O
desenvolvim e nto m e ntal da criança”, é um resum o de todos os períodos
do desenvolvim ento, onde o leitor poderá encontra r os aspectos
principais de cada um dos períodos, do ponto de vista do próprio autor.
A coleção organizada por E lsie L. O sborne, Seu bebê, Seu filho
de 1 ano, Seu filho de 2 anos... Seu filho de 12 a 14 anos, Seu filho
adolescente (R io de Janeiro, Im ago, 1 987. S érie M ini-lm a go), é um a
publicação de orientação para pais, m as pode ser utiliza da ta m bém com o
um a iniciaçã o na aborda gem do desenvolvim ento da criança e do
adolescente, de base psicanalítica. A linguagem é e xtrem am e nte
acessível.
E xiste tam bém um a série organiza da em quatro volum es por C lara
R egina R appa port, e m que ela e outros autores a bordam , no volum e 1 ,
As teorias do desenvolvimento: modelo psicanalítico, piagetiano e
de aprendizagem social; no volum e 2, A infância inicial: o bebê e sua
mãe; no volum e 3, A idade pré-escolar; e, no volum e 4, A idade
escolar e a adolescência, sempre do ponto de vista das teorias
aprese ntada s no volum e 1 (S ão P aulo, E P U , 198 1/19 82).

Para o professor
O livro de Alfred L. Baldwih, Teorias do desenvolvimento da
criança (São Paulo, P ioneira, 1 973), é um e xcelente m a nual com as
principais te orias do dese nvolvim ento. O autor é e xtrem am e nte rigoroso
na aprese ntaçã o de cada um a delas, inclusive qua nto à teoria de Jean
P iaget.
D entre os inúm eros livros de Jean P iage t, citam os A construção
do real na criança (R io de Janeiro, Z a har, 1 970) e O nascimento da
inteligência na criança (Brasília, M E C , R io de Janeiro, Z a har, 1975),
que esclarece m sobre a gênese do de senvolvim ento hum ano, do ponto
de vista deste autor.
D os vários livros escritos sobre a teoria de Jea n P ia get, inclusive
por brasileiros e com a preocupação de discutir esta teoria quanto a sua
aplicabilidade à educação, indicam os a obra de Bárbara F reitag,
Sociedade e consciência: um estudo piagetiano na favela e na
escola (S ão P aulo, C ortez/Autore s Associados, 1986).
D entre os livros de V igotski e seu grupo, sugerim os: Linguagem,
desenvolvimento e aprendizagem, de L. S . V igotski; A. R . Luria e A. N .
Leontie v (S ão P aulo, C one, 1991 ), com espe cial atenção para os
capítulos 2, 4 e 5; e A formação social da mente, de L. S . V igotski (S ão
P aulo, M artins F ontes, 198 4), com ê nfase para os capítulos que
com põe m a parte: “T eoria bá sica e dados e xpe rim entais”. É m uito
interessante o Caderno Cedes nº 24, que debate: “P ensam ento e
linguagem — E studos na perspectiva da P sicologia soviética” (C am pinas,
P apirus, 199 1).

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Esperança e glória. D ireção John Boorm an (Inglaterra, 198 7) – O
film e apre senta a visão de um m e nino sobre a S egunda G uerra M undial,
onde ele rela ta, de m aneira original, seu e nvolvim e nto com o e pisódio.
Apesar de não ter um a relação direta e estreita com o tem a,
perm ite um a discussão sobre o desenvolvim ento infantil. [pg. 113]
C AP ÍT U LO 8

A Psicologia da aprendizagem

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
Q ualquer um de nós é capaz de re sponder sem pe stanejar a
perguntas do tipo: O que você aprendeu hoje na escola? e sabe m os
tam bém justificar nossas habilidade s, por exem plo, de escre ver e ler,
consertar algum a coisa ou dançar, dizendo que aprende m os. U sam os o
term o aprender sem dificuldades, pois sa bem os que, se som os capaze s
de fazer algo que antes não fazía m os, é porque a prendem os.
N o entanto, pa ra a P sicologia, o conceito de aprendizagem não é
tão sim ples assim . H á diversa s possibilidades de a prendiza ge m , ou seja,
há diversos fatores que nos le vam a apresentar um com portam ento que
anteriorm ente não aprese ntá va m os, com o o crescim ento físico,
descobertas, tentativa s e erros, ensino etc. N ós m esm os tem os um a
am iga que sa be um a poesia inteira em francês, porque copiou 10 veze s
com o castigo, há 20 anos, e tem apena s um a va ga idéia do que está
dizendo quando a declam a. P odem os dizer que ela aprende u a poesia ?
E ssas diferentes situações e processos não podem ser englobados num
só conceito.
E , assim , a P sicologia tra nsform a a aprendizagem e m um
processo a se r inve stigado.
S ão m uita s as que stões considera das im portantes pelos te óricos
da aprendizage m : Q ual o lim ite da aprendizage m ? Q ual a participaçã o do
aprendiz no processo? Q ual a na tureza da aprendizagem ? H á ou não
m otivação subja cente ao processo? As resposta s a essas questões tê m
originado controvérsias entre os e studiosos. [pg. 114]

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E ncontram os um
núm ero bastante grande
de te orias da
aprendizage m . E ssas
teorias poderiam ser
genericam ente re unidas
em duas categorias: as
teorias do
condicionamento e as
teorias cognitivistas. Aprender é um processo que se dá no decorrer da vida,
permitindo-nos adquirir algo novo em qualquer idade.
N o prim eiro grupo,
estão a s teorias que define m a a prendizagem pelas suas conseqüê ncias
com portam entais e enfatizam as condições am bie ntais com o força s
propulsoras da apre ndizagem .
Aprendizage m é a cone xã o entre o estím ulo e a resposta .
C om pletada a apre ndizagem , estím ulo e resposta estã o de tal m odo
unidos, que o apa recim ento do estím ulo e voca a resposta 1 .
N o se gundo grupo estão as teoria s que definem a a prendizagem
com o um processo de relação do sujeito com o m undo e xterno e que tem
conseqüências no plano da organiza ção interna do conhecim ento
(organização cognitiva ). A concepção de Ausubel, a prese ntada no livro
Aprendizagem significativa — a teoria de David Ausubel, de M oreira e

1
Cf. J. Dollard e N. Miller. In: C. S. Hall e G. Lindzey. Teorias da personalidade, p. 464.
M asini, que se enquadra neste grupo, diz que a aprendiza gem é um
elem ento que prové m de um a com unica ção com o m undo e se acum ula
sob a form a de um a rique za de conteúdos cognitivos. É o processo de
organização de inform ações e inte gração do m a terial pela estrutura
cognitiva.
O indivíduo adquire, assim , um núm ero crescente de novas a ções
com o form a de inse rção em seu m eio.

CONTROVÉRSIAS BÁSICAS ENTRE ESTAS CONCEPÇÕES


D e m aneira geral, poderíam os apontar três controvérsias. A
prim eira refere -se à questã o do que é aprendido e com o.
P ara os teóricos do condicionam ento, aprendem os hábitos, isto é,
aprendem os a associação entre um estím ulo e um a resposta [pg. 115] e
aprendem os pratica ndo; para os cognitivistas, apre ndem os a re lação
entre idéias (conceitos) e aprendem os a bstraindo de nossa e xperiência.
A segunda contrové rsia refere-se à questão do que m antém o
com portam ento que foi apre ndido.
P ara os teóricos do condicionam ento, o com portam ento é m antido
pelo seqüencia m ento de resposta s. E xplicando m e lhor: um a resposta é,
na rea lidade, um conjunto de re spostas. Q ua ndo falam os no
com portam ento de a brir um a porta, é fá cil perce ber que ele é com posto
de diversas respostas interm e diárias: pegar a cha ve na posição certa
para que entre na fechadura, encaixá-la na fechadura, virar corretam ente
e abaixar então a m aça neta. S ão e ssas diversa s respostas que,
reforçadas (be m -sucedidas), prepa ram a etapa seguinte e m antêm a
cadeia de respostas até que o objetivo do com portam ento seja atingido.
P ara os cognitivista s, o que m antém um com portam ento são os
processos cerebrais centrais, tais com o a atenção e a m em ória, que sã o
integra dores dos com portam entos.
A terceira controvérsia refere-se à m aneira com o soluciona m os
um a nova situação-problem a (transferência da a prendizage m ).
P ara os teóricos do condicionam ento, e vocam os hábitos passados
apropriados para o novo problem a e responde m os, quer de acordo com
os elem entos que o proble m a novo tem em com um com outros já
aprendidos, quer de acordo com a spectos da nova situaçã o, que sã o
sem elhantes à situa ção já encontra da. P or e xem plo, quando a criança
aprende a dar laço nos sa patos, sabe rá dar laço e m pre sentes, no
ve stido ou na fita do cabelo.
O s cognitivistas acreditam que, m esm o no caso de ha ver toda a
experiê ncia possível com as diversas partes do proble m a, com o sa ber
todas as etapas para dar um laço, isso não garante que a solução do
problem a seja alcançada. S erem os capa zes de solucionar um proble m a,
se este for apre sentado de um a form a, m as não de outra, m esm o que
am bas as form as requeira m as m esm as e xperiências passadas para
serem solucionadas. D e acordo com os cognitivista s, o m étodo de
aprese ntaçã o do problem a perm ite um a estrutura perceptual que le va ao
insight, isto é, à com preensão interna das relações essenciais do caso
em que stão. P or e xe m plo, qua ndo m ontam os um quebra-ca beça e
“sacam os” o lugar de um a peça sem term os feito tenta tivas
anteriorm ente . [pg. 116]

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D esenvolvere m os a lguns conceitos bá sicos dessa abordagem
atra vés da te oria de D a vid Ausubel.

COGNIÇÃO
Inicialm e nte, vale a pena esclarecer o conceito de cognição.
Cognição é o “processo atra vés do qual o m undo de significados tem
origem . A m edida que o ser se situa no m undo, estabelece relaçõe s de
significa ção, isto é, atribui significados à realidade em que se encontra.
E sses significados não são entida des estáticas, m as pontos de partida
para a atribuiçã o de outros significados. T em origem , entã o, a estrutura
cognitiva (os prim eiros significa dos), constituindo-se nos ‘pontos bá sicos
de ancorage m ’ dos quais derivam outros significa dos”2 .
P or e xem plo, quando precisa m os ensinar à criança a noçã o de
socieda de, podem os levá-la a dar um a volta no quarte irão e observar
com ela tudo o que lá e xiste. A criança atribuirá significados a os
elem entos de ssa e xperiência e poderá , posteriorm ente, com preender a
socieda de.
O cognitivism o está, pois, preocupado com o processo de
com pre ensão, transform ação, arm azenam e nto e utilização da s
inform ações, no plano da cogniçã o.

APRENDIZAGEM
O proce sso de orga nização das inform a ções e de integra çã o do
m aterial à estrutura cognitiva é o que os cognitivistas denom inam
aprendizagem.
A aborda gem cognitivista diferencia a a prendiza gem m e cânica da
aprendizage m significativa.
a. Aprendizagem mecânica — refe re-se à apre ndiza ge m de
novas inform ações com pouca ou nenhum a associação com
conceitos já e xistentes na estrutura cognitiva. V ocê se le m bra da
nossa am iga que decorou a poesia em francês? É um e xe m plo
deste tipo de aprendizage m , pois o conteúdo não se rela ciona va
com nada que ela já possuísse em sua estrutura cognitiva (por isso
ela não e ntendia o que dizia, ape nas sabia a poesia de cor). O
conhecim ento assim adquirido fica arbitrariam ente distribuído na
estrutura cognitiva, sem se ligar a conceitos espe cíficos. [pg. 117]
b. Aprendizagem significativa — processa-se quando um novo
conteúdo (idéias ou inform a ções) relaciona-se com conceitos
rele vantes, claros e disponíveis na estrutura cognitiva, sendo assim

2
M. A. Moreira e E. F. S. Masini. Aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. p. 3.
assim ila do por ela. E stes conceitos disponíveis são os pontos de
ancora gem para a a prendizagem . P or e xem plo, nós estam os aqui
aprese ntando a você um novo conce ito — o de a prendizagem
significa tiva. P ara que este conceito seja assim ilado por sua
estrutura cognitiva, é necessário que a noção de apre ndizage m
aprese ntada pelos cognitivistas já e steja lá, com o ponto de
ancora gem . E esta nova noção de a prendizagem significativa ,
sendo assim ilada , se rvirá de ponto de ancorage m pa ra o conteúdo
que se seguirá.

OS PONTOS DE ANCORAGEM
O s pontos de ancorage m são
form ados com a incorporação, à
estrutura cognitiva , de elem entos
(inform a ções ou idéias) rele vante s para
a aquisição de novos conhecim entos e
com a organizaçã o destes, de form a a,
progressivam ente, generalizare m -se,
form ando conceitos. P or exem plo,
crianças pequena s podem , inicialm ente,
ter contato com sem entinhas, que,
plantadas num canteiro, surgem com o
folhinhas; ter contato com anim ais, que
O contato com o mundo permite geram novos anim ais; e ainda ter
incorporar elementos relevantes.
contato com a s pedras e a areia da rua.
E stes contatos podem ser e xplorados até que as crianças tenham
condições cognitivas de perceber as dife renças entre os sere s e, a ssim ,
adquirir as noções de seres vivos — ve getais e animais — e sere s
inanim a dos. A partir da a quisição desta s noções básicas, a s crianças
estarão aptas a aprender outros conte údos e a difere nciar e categorizar
os diferentes seres. P odem os, entã o, dizer que as noções de seres vivos
e não-vivos são pontos de a ncora gem pa ra outros conhecim e ntos.
O e xem plo a cim a poderá dar a im pre ssão de que fala m os de
pontos de ancorage m apenas na aprendizage m realiza da por crianças.
N ão, falam os de aprendiza gem significativa e de pontos de ancoragem
sem pre que algum conteúdo novo deva ser a prendido. Assim , na
disciplina de F ísica, com certe za seu professor trabalha inicialm ente a
noção de ene rgia e/ou eletricida de, para desenvolver os outros
conteúdos que supõem com preensão de sses conceitos. [pg. 118]
E , indo um pouco m ais alé m , podem os dizer que não estam os
falando apenas da a prendizagem que se dá na escola. P ense em alguém
que nunca tenha visto, ne m ouvido falar do jogo de futebol, isto é, nã o
tenha pontos de a ncoragem para as inform ações que lhe chega m
atra vés da tele visão na transm issão de um a partida. C om certeza, não
entenderá nada ou, aos poucos, com ba se em inform a ções que possua
de outros jogos, com eçará a orga nizar as inform a ções rece bidas, vindo
m esm o a ente nder o que se passa.

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A partir de conce pções, com o esta de Ausube l, sobre o processo
de aprendizagem , alguns pesquisa dores desenvolvera m teorias sobre o
ensino, procurando discutir e sistem atizar o processo de organização
das condiçõe s para a aprendizagem .
E ntre e sses teóricos, ressaltarem os a contribuição de Jerom e
Bruner.
Bruner concebeu o processo de aprendizagem com o “ca pta r as
relaçõe s entre os fa tos”, adquirindo novas inform ações, tra nsform ando-
as e transferindo-as para novas situações. P artindo da í, ele form ulou
um a teoria de ensino.
O ensino, para Bruner, envolve a organização da m até ria de
m aneira eficiente e significativa para o aprendiz. Assim , o professor de ve
preocupar-se não só com a e xtensã o da m atéria, m as, principalm e nte,
com sua estrutura.
A ESTRUTURA DA MATÉRIA
A aprendizage m , que de ve ser sem pre capaz de nos le var adiante,
está na dependê ncia de com o se dom ina a estrutura da matéria
estuda da, isto é, a natureza geral do fe nôm eno; as idéia s m ais gerais,
elem entares e essenciais da m atéria. P ara se garantir este “ir adiante ”, é
necessário ainda o desenvolvim ento de um a atitude de inve stigação.
P ara se dar conta do prim eiro a specto (estrutura da m até ria),
Bruner propõe que os especialista s nas disciplina s auxiliem a estruturar o
conteúdo de ensino a partir dos conceitos m ais gerais e essenciais da
m atéria e, a partir da í, desenvolvam -no com o um a espiral — sem pre dos
conceitos m ais gerais para os particulare s, aum entando gradativam e nte
a com ple xidade das inform ações. P or e xe m plo, em F ísica é necessário
com eçarm os pela noção de energia, e m P sicologia pela noção da vida
psíquica e em H istória pelas noções de H om em , N atureza e C ultura. [pg.
119]
Q uanto à atitude de inve stigação, Brune r sugere que se utilize o
método da descoberta com o m étodo básico do trabalho educacional. O
aprendiz tem plena s condições de percorrer o cam inho da descoberta
científica, investigando, fazendo pergunta s, e xperim entando e
descobrindo.
O ensino, para Bruner, de ve estar volta do para a compreensão.
C om pre ensã o das relações entre os fatos e entre as idéias, única form a
de se garantir a transferê ncia do conteúdo aprendido para novas
situações. E ste princípio geral norteia a proposta de Bruner até no que
diz respeito a o tra balho com o erro do aprendiz. O erro deve ser
instrutivo, diz Bruner. O professor de verá reconstituir com o aprendiz o
cam inho de se u ra ciocínio, para encontrar o m om e nto do erro e, a partir
daí, reconduzi-lo a o raciocínio correto.
Bruner ainda postula que
         
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
P ara que isto seja possível, é necessário que o professor
aprese nte a m atéria à criança em term os da visualiza ção que ela tem
das coisas. Isto é, a criança poderá aprender qualquer coisa, se a
linguagem do profe ssor lhe for ace ssível e se seus conhecim e ntos
anteriores lhe possibilitarem a com pre ensão do novo conteúdo. O
trabalho do professor é um verda de iro trabalho de tra dução: da
linguagem da ciê ncia para a linguage m da criança. P ara isto, Brune r
propõe que o professor se utilize da teoria de P iage t, onde as
possibilidade s e lim ites da criança e m cada fase do desenvolvim ento
estão claram ente definidos. Bruner e P iaget podem a uxiliar m uito o
professor na organização de seu e nsino, m as será sem pre necessário
que o professor conheça a re alida de de vida de seu aluno — sua classe
social, suas e xperiê ncias de vida, suas dificuldades, a realidade de sua
fam ília e tc. — para que o program a possa ter algum significado e
im portâ ncia para e le; isto é, não ba sta conhecer teoricam ente o
educando, é preciso conhecê-lo concreta m ente.


A m otivação continua sendo um com ple xo tem a para a P sicologia
e, particularm ente, para as teorias de a prendiza gem e ensino.
Atribuím os à m otivação ta nto a fa cilida de quanto a dificuldade para
aprender. Atribuím os às condições m otivadoras o sucesso ou o fracasso
dos profe ssores a o tentar ensinar algo a seus alunos. E , [pg. 120]
apesar de dificilm ente detectarm os o motivo que subjaz a algum tipo de
com portam ento, sa bem os que se m pre há algum .
O estudo da m otiva ção considera três tipos de variá veis:
1. o ambiente;
2. as forças internas ao indivíduo, com o nece ssida de, desejo, vonta de,
interesse, im pulso, instinto;

3
J. S. Bruner. O processo da educação, p. 31.
3. o objeto que atrai o indivíduo por ser fonte de satisfação da força
interna que o m obiliza.
A m otivação é, porta nto, o processo que m obiliza o orga nism o para
a açã o, a partir de um a rela ção estabelecida e ntre o am biente, a
necessidade e o objeto de satisfa ção. Isso significa que, na base da
m otivação, está sem pre um organism o que apresenta um a necessidade,
um desejo, um a intençã o, um interesse, um a vontade ou um a
predisposiçã o para a gir. N a m otivaçã o está tam bé m incluído o am biente
que estim ula o orga nism o e que ofe rece o objeto de sa tisfação. E , por
fim , na m otivação está incluído o objeto que apa rece com o a
possibilidade de satisfação da ne cessida de.
A gíria possui um te rm o basta nte apropriado para a significa ção de
m otivação: “estar a fim ”. Q uando dize m os “estam os a fim de ”, estam os
expressando nossa m otivação. E veja m os num e xem plo: “E stou a fim de
ler este livro todo” (e speram os que não seja um e xem plo absurdo!) — o
livro a parece com o o elem ento do a m biente que satisfará m inha
necessidade ou desejo de conhece r um pouco de P sicologia. O próprio
am biente, de algum a form a, gerou em m im este intere sse, ou porque li
outros livros que falavam do assunto, ou porque m eu colega citou a
P sicologia com o um a ciência interessante, ou porque vi um a psicóloga
em um film e e m e interessei. Am biente — organism o — interesse ou
necessidade — objeto de satisfa ção. E stá m ontada a cadeia da
m otivação.
R etom a ndo, pode m os dizer que a motivação é um processo que
relaciona ne cessida de, am biente e objeto, e que pre dispõe o orga nism o
para a ação em busca da sa tisfação da necessidade. E , quando esse
objeto não é encontrado, falam os em frustração.

MOTIVAÇÃO E O PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM


A m otivaçã o está presente com o processo em todas as esfe ras de
nossa vida — no tra balho, no lazer, na e scola.
A preocupa ção do e nsino tem sido a de criar condições tais, que o
aluno “fique a fim ” de aprender. S e m dúvida, não é fácil, pois aca bam os
de dize r que precisa ha ver um a nece ssidade ou de sejo, e o objeto
precisa surgir com o soluçã o para a necessidade. [pg. 121] D uplo
desafio: criar a ne ce ssidade e apresenta r um objeto ade quado para sua
satisfação.
R esolver este proble m a é, sem dúvida, a tare fa m ais difícil que o
professor enfrenta. C onsiderarem os aba ixo alguns pontos:
a. um a possibilida de é que o
trabalho educaciona l parta sem pre
das ne cessidades que o aluno já
traz, introduzindo ou associando a
elas outros conteúdos ou m otivos;
b. outra possibilidade , nã o
exclude nte, é criar outros interesses
no aluno.
Motivar o aluno é um dos desafios do trabalho
educacional.

E como podemos pensar em criar interesses?


1. P ropiciando a descoberta. Bruner é de fensor desta proposta. O aluno
de ve ser desafiado, para que de seje sa ber, e um a form a de criar este
interesse é dar a ele a possibilida de de de scobrir.
2. D esenvolver nos alunos um a atitude de investigação, um a atitude que
garanta o de sejo m a is duradouro de saber, de querer sa ber sem pre .
D esejar sa ber de ve passar a ser um e stilo de vida. E ssa a titude pode
ser desenvolvida com atividades m uito sim ples, que com eçam pelo
incentivo à observa ção da realidade próxim a ao aluno — sua vida
cotidiana — , os objetos que faze m parte de seu m undo físico e social.
E ssas observações sistem atizada s vão gerar dúvidas (por que a s
coisas são com o sã o?) e aí é preciso inve stigar, descobrir.
3. F alar a o aluno sem pre num a linguagem a cessível, de fácil
com pre ensão.
4. O s e xercícios e tarefas de verão ter um grau adequado de
com ple xidade. T arefas m uito difíceis, que gera m fracasso, e tarefas
fáceis, que não desafiam , le va m à perda do interesse . O aluno não
“fica a fim ”.
5. C om pre ende r a utilidade do que se está aprendendo é tam bé m
fundam ental. N ão é difícil para o profe ssor estar sem pre retom ando
em suas aulas a im portância e utilida de que o conhecim ento tem e
poderá ter para o aluno. S om os sem pre “a fim ” de aprende r coisas
que sã o úteis e tê m sentido para nossa vida. [pg. 122]


As teoria s de V igotski e P iaget (que e m basaram a produção de
E m ília F erreiro) sã o, hoje, referência na questã o da aprendizagem e, o
m ais interessante, é que essas dua s teorias são m uito antiga s na
P sicologia.

VIGOTSKI
E ste autor produziu toda a sua obra no início do nosso século, pois
m orreu cedo, deixa ndo a os colega s de trabalho a tare fa de com pleta r
sua teoria. H oje, 6 0 anos depois de sua m orte, o autor volta à tona com o
m erecido reconhecim ento pela sua contribuição à E ducação e a
P sicologia.
N a déca da de 20 e início dos anos 30, V igotski dedicou-se à
construção da crítica à noção de que se poderia construir conhe cim ento
sobre as funçõe s psicológicas superiores hum anas a partir de
experiê ncias com a nim ais. E le criticou, tam bém , as conce pções que
afirm a va m se rem as propriedades intele ctuais dos hom ens resultado da
m aturação do organism o, com o se o dese nvolvim ento estivesse
predete rm ina do e, o seu afloram ento, vinculado ape nas a um a que stão
de te m po. V igotski buscou as origens sociais desta s capacidade s
hum anas. Além disso, via o pensam e nto m arxista com o um a fonte
científica de grande valor para a solução dos paradoxos científicos
fundam entais que incom oda vam a P sicologia no início do século.
Alguns pontos da concepção de V igotski valem a pena ser
sistem atizados aqui (para com plem entar, faça a leitura do ca pítulo 7):
• O s fenôm enos de vem ser estudados e m m ovim ento e com preendidos
com o em perm ane nte transform açã o. N a P sicologia, isso significa
estudar o fenôm eno psicológico em sua origem e no curso de seu
desenvolvim e nto.
• A história dos fenôm enos é caracteriza da por m udanças qualitativa s e
quantitativas. Assim , o fenôm e no psicológico transform a -se no decorrer
da história da hum anida de, e proce ssos ele m entares tornam -se
com ple xos.
• As m udanças na “natureza do hom em ” são produzidas por m udança s
na vida m aterial e na sociedade.
• O sistem a de signos (a linguagem , a e scrita, o sistem a de núm e ros) é
pensado com o um sistem a de instrum e ntos, os quais fora m criados
pela sociedade, ao longo de sua história . E sse sistem a m uda a form a
social e o nível de desenvolvim ento cultural da [pg. 123] hum anida de.
A internalização desses signos provoca m uda nças no hom em .
S eguindo a tra dição m arxista, V igotski considera que as m uda nças que
ocorrem em ca da um de nós têm sua raiz na socieda de e na cultura.
V igotski tem parte de sua obra de dicada às questões e scolares e é
por isso que, neste capítulo, vam os reunir algum as considera ções
im porta ntes feitas por ele e que pode m contribuir para olharm os os
cham ados “problem as de aprendizagem ” sob um a nova perspectiva : a
das relações sociais que caracterizam o processo de ensino-
aprendizage m .
P ara V igotski, a aprendiza gem sem pre inclui relações entre as
pessoa s. A relação do indivíduo com o m undo está se m pre m edia da pelo
outro. N ã o há com o aprender e apreender o m undo se não tiverm os o
outro, a quele que nos fornece os significados que perm item pensar o
m undo a nossa volta . V eja bem , V igotski defende a idéia de que nã o há
um dese nvolvim ento pronto e pre visto dentro de nós que vai se
atualiza ndo conform e o tem po passa ou recebe m os influência e xterna. O
desenvolvim e nto nã o é pensado com o algo natural nem m esm o com o
produto e xclusivo da m aturação do orga nism o, m as com o um processo
em que estão prese ntes a m aturação do orga nism o, o contato com a
cultura produzida pe la hum anidade e as relações sociais que perm ite m a
aprendizage m . E aí aparece o “outro” com o alguém funda m ental, pois
este outro é quem nos orienta no processo de a propriação da cultura.
P ara V igotski, o de senvolvim ento é um processo que se dá de fora
para de ntro. É no processo de e nsino-apre ndiza gem que ocorre a
apropriação da cultura e o conseqüente desenvolvim ento do indivíduo.
A aprendizagem da criança inicia-se m uito antes de sua entra da na
escola, isto porque desde o prim eiro dia de vida, ela já está e xposta a os
elem entos da cultura e à presença do outro, que se torna o m ediador
entre ela e a cultura . A criança vai apre ndendo a fa lar e a gesticular, a
nom ear objetos, a adquirir inform a ções a respeito do m undo que a
rodeia, a m a nuse ar objetos da cultura; ela vai se com porta ndo de a cordo
com as necessida des e a s possibilida des. E m toda s essas ativida des
está o “outro”. P arce iro de todas as hora s, é ele que lhe diz o nom e das
coisas, a form a ce rta de se com portar; é ele que lhe e xplica o m undo,
que lhe responde a os “porquês”, e nfim , é o seu grande intérprete do
m undo. S ão esse s ele m entos apropriados do m undo e xterior que
possibilitam o desenvolvim ento do organism o e a aquisição das
capacidades superiores que caracteriza m o psiquism o hum a no.
A escola surgirá, então, com o luga r privilegia do para este
desenvolvim e nto, pois é o espaço em que o contato com a cultura é [pg.
124] fe ito de form a sistem ática, intencional e planejada. O
desenvolvim e nto — que só ocorre quando situações de a pre ndizagem o
provoca m — tem se u ritm o acelera do no am biente escolar. O professor e
os cole gas form am um conjunto de m edia dores da cultura que possibilita
um grande a vanço no dese nvolvim ento da criança.
A criança nã o possui instrum entos endógenos pa ra o seu
desenvolvim e nto. O s m ecanism os de desenvolvim ento são de pende ntes
dos processos de aprendizagem , e stes, sim , responsáveis pela
em ergê ncia de cara cterística s psicológicas tipicam ente hum anas, que
transce ndem à program ação biológica da espécie. O contato e o
aprendizado da escrita e das operações m atem áticas fornecem a base
para o desenvolvim ento de processos internos altam ente com plexos no
pensam ento da criança. O a prendizado, quando a dequa dam ente
organizado, resulta em de senvolvim e nto m ental, pondo em m ovim e nto
processos que seriam im possíveis de acontecer. E sses princípios
diferenciam -se de visões que pensam o desenvolvim ento com o um
processo que a nte cede à aprendizagem , ou com o um processo já
com pleto, que a viabiliza.
A partir destas concepções, V igotski construiu o conceito de zona
de desenvolvimento proximal, referindo-se à s pote ncia lidades da
criança que podem ser desenvolvida s a partir do ensino sistem ático. A
zona de de senvolvim ento proxim al é a distâ ncia entre o nível de
desenvolvim e nto re al, que se costum a determ inar a tra vés da solução
indepe ndente de problem as pela cria nça, e o nível de desenvolvim ento
potencial, determ ina do pela soluçã o de problem as sob a orientaçã o de
um adulto ou e m colaboração com com panheiros. E ste conceito é
im porta nte porque nos possibilita delinea r o futuro im e diato da criança e
seu estado dinâm ico de desenvolvim ento. Além disso, perm ite a o
professor olhar se u educando de outra perspectiva, bem com o o tra balho
conjunto entre colegas. Aliás, V igotski a creditava que a noção de zona
de desenvolvim ento proxim al já esta va presente no bom senso do
professor, quando este planeja va seu trabalho.
Assim , V igotski insistia na im portância de a E duca ção pensar o
desenvolvim e nto da criança de form a prospectiva, e não re trospectiva,
com o era feito. S ua crítica foi contunde nte. S egundo V igotski, a escola
pensa a criança e planeja o ensino de form a retrospectiva por conside rar,
com o condição para a aprendizagem , o nível de dese nvolvim ento já
conquistado pela criança. N o se u e ntender, a escola de veria inverter
esse raciocínio e pe nsar o ensino da s possibilidades que o aprendizado
já obtido traz. O bom ensino é aquele que se volta para a s funções
psicológicas em erge ntes, potenciais, e pode ser facilm ente estim ulado
pelo contato com os colegas que já apre nderam determ inado conteúdo.
[pg. 125]
A aprendizagem é, portanto, um proce sso esse ncialm ente social,
que ocorre na intera ção com os adultos e os colegas. O desenvolvim ento
é resultado desse processo, e a e scola, o lugar privile gia do para essa
estim ula ção. A E ducação passa, entã o, a ser vista com o processo socia l
sistem ático de construção da hum anida de .
S intetizando, poderíam os dizer que, para V igotski, as relações
entre a prendizagem e desenvolvim ento são indissociá veis. O indivíduo,
im erso em um contexto cultural, tem seu desenvolvim ento m ovido por
m ecanism os de a pre ndizagem acionados externam ente. A m a téria-prim a
deste desenvolvim ento encontra-se, fundam entalm ente , no m undo
externo, nos instrum entos culturais construídos pela hum anidade. Assim ,
o hom em , a o buscar respostas para a s necessidades de seu tem po
histórico, cria, junto com outros hom ens, instrum e ntos que consolidam o
desenvolvim ento psicológico e fisiológico obtido até então. O s hom ens
de outra geraçã o, a o m anusearem este s instrum e ntos, a propriam -se do
desenvolvim e nto ali consolidado. E les a prende m e se de se nvolvem ao
m esm o tem po, adquirindo possibilida des de responder a novas
necessidade s com a construção de novos instrum entos. E assim
cam inha a hum anida de...
A partir desta s concepções de V igotski, a escola torna-se um novo
lugar — um espa ço que de ve privilegiar o conta to social entre seus
m em bros e torná -los m ediadores da cultura. Alunos e professores de vem
ser conside rados pa rceiros nesta tarefa social. O aluno jam ais poderá ser
visto com o alguém que não aprende, possuidor de algo interno que lhe
dificulta a a prendizagem . O desafio está colocado. T odos são
responsá veis no processo. N ã o há aprendizage m que não gere
desenvolvim e nto; não há dese nvolvim ento que pre scinda da
aprendizage m . Apre nder é estar com o outro, que é me diador da cultura.
Q ualquer dificuldade neste processo de ve rá ser a nalisa da com o um a
responsabilidade de todos os e nvolvidos. O professor torna-se figura
fundam ental; o colega de classe, um parceiro im portante; o pla nejam e nto
das atividade s torna -se tarefa esse ncial e a escola, o lugar de construção
hum ana.

JEAN PIAGET
P roduziu um a e xtensa obra entre 191 8 e 1980. P rocurou e xplicar o
aparecim ento de inova ções, m uda nças e transform a ções no percurso do
desenvolvim e nto intelectual, assim com o dos m eca nism os responsá veis
por estas transform ações. P or tais [pg. 126] atributos, sua teoria é
classificada com o construtivista. E ste caráter da obra de P iaget torna-se
m arcante a pa rtir da déca da de 70, quando passa a trabalhar,
exclusivam ente, com inve stigações sobre os m ecanism os de tra nsiçã o
que e xplicam a e volução do de senvolvim ento cognitivo. P ara P iaget, a
form açã o das opera ções cognitivas no hom em está subordinada a um
processo ge ral de equilibração para o qual tende o dese nvolvim e nto
cognitivo, com o um todo.
É preciso le m brar que, naquela época, as teorias a ssociacionista s
e em piristas enfatizavam o pa pel da e xperiência com os estím ulos do
am biente. S em deixar de reconhecer e ste pa pel, P iaget assentou, em
sua obra, a e xistência de um a organização própria dos sujeitos da
experiê ncia sensível, organização que subm ete os estím ulos do m eio à
atividade inte rna do sujeito.
O hom em , dotado de estruturas biológicas, herda um a form a de
funcionam ento intelectual, ou seja, um a m aneira de interagir com o
am biente que o le va à construção de um conjunto de significados. A
interaçã o deste sujeito com o am biente perm itirá a orga niza ção desses
significa dos e m estruturas cognitivas. D urante a vida, serã o vários os
m odos de orga niza ção dos significados, m arcando, a ssim , diferente s
estágios de desenvolvim ento. A cada estágio corresponderá um tipo de
estrutura cognitiva que perm itirá form as diferentes de interação com o
m eio. S ão as diferentes estruturas cognitiva s que pe rm item prever o que
se pode conhecer na quele m om ento da e volução.
P iaget utilizou, para a construção de suas idéia s, o modelo
biológico: o hom e m é guia do pela busca do equilíbrio entre as
necessidade s biológicas fundam entais de sobre vivê ncia e as agressões
ou restrições colocadas pelo m e io para a sa tisfa ção destas
necessidade s. N esta relação, a organização — e nqua nto ca pacidade do
indivíduo de condutas seletivas — é o m ecanism o que perm ite a o
hom em ter condutas eficientes para a tender às suas nece ssidades, isto
é, à sua dem anda de adapta ção.
A adaptação — que envolve a assim ilação e a a com odaçã o num a
relação indissociá vel — é o m ecanism o que perm ite a o hom em não só
transform ar os elem entos assim ilados, tornando-os parte da e strutura do
organism o, com o possibilitar o ajuste e a acom odação deste orga nism o
aos ele m entos incorporados.
N este sentido, a inteligência é um a adaptaçã o — é assim ilação,
pois incorpora dados da e xperiência do indivíduo e, a o m e sm o te m po,
acom odação, um a vez que o sujeito m odifica suas estruturas m enta is
para incorporar os novos elem entos da e xperiência. [pg. 127]
O dese nvolvim ento intelectual resulta da construção de um
equilíbrio progressivo entre assim ilação e acom odação, o que propicia o
aparecim ento de novas e struturas m e ntais. Isso é um processo em
evoluçã o.
N o decorre r de sua evoluçã o, a inteligência apresenta form as
diversas (estágios) e essas form as vão caracterizando as possibilidades
de rela ção com seu m eio a m biente. Assim , o hom em aprende o m undo
de m aneira diversa a cada m om ento de seu de senvolvim ento.
P iaget não desenvolveu um a teoria do processo de e nsino-
aprendizage m , m as form ulou referências claras que, na década de 80,
seriam utiliza das por E m ília F erre iro na elaboração da sua teoria sobre a
aprendizage m da escrita. P iaget, na verdade, foi e é re ferência para
m uitos te óricos na P sicologia, m as dada a im portâ ncia atual do trabalho
de F erre iro, va m os destacá-lo aqui.

EMÍLIA FERREIRO
E sta autora tem suas idéias publica das a
partir dos anos 80 . Argentina de nascim ento,
psicope dagoga de form açã o, doutorou-se em
G enebra, orientada por Jean P iaget. N a década
de 80, esta beleceu-se na cidade do M é xico, onde
ve m traba lhando até hoje. S eus tra ba lhos de
pesquisa dem onstram um a preocupa ção em
integrar os objetivos científicos a um com prom isso
com a realidade social e cultural da Am érica
Emília Ferreiro vem
produzindo conhecimentos
Latina. S ua s análise s sobre o fra casso e scolar das
que demonstram popula ções m arginaliza das — atribuído a um
compromisso com a
realidade latino-americana. problem a social — dem onstram este
com prom isso.
F erreiro contribuiu significa tivam ente para a com preensã o do
processo de aprendizagem , de m onstrando a existência de m e canism os
no sujeito que aprende, m e canism os estes que surgem da interação com
a linguage m escrita, e que em ergem de um a form a m uito particular e m
cada um dos sujeitos. Assim , as cria nças interpretam o ensino que
recebe m , transform ando a escrita conve ncional e produzindo escrita s
estranhas ao a dulto. S ão, na verda de, do ponto de vista de F erreiro,
aplicações de esque m as de assim ilaçã o ao objeto de aprendizagem ; são
form as de inte rpretar e com preender o m undo das coisas. [pg. 128]
P ara F erreiro, e xiste um sujeito que conhece e que, pa ra conhecer,
em prega m eca nism os de aprendizage m . H á, na sua concepção, um
papel ativo do sujeito na interaçã o com os objetos da re alidade. D essa
form a, o que a cria nça aprende nã o corresponde ao que lhe é ensina do,
pois e xiste um espaço aberto de elaboração do sujeito. O e ducador de ve
estar atento a esses processos para prom over, ade qua dam ente, a
aprendizage m .
Além disso, F erreiro entende que a aprendiza gem da escrita te m
um caráter e volutivo, no qual é relativa m ente tardia a de scoberta de que
a escrita repre senta a fala, não sendo ne cessário que se esta beleça, de
início, a associaçã o entre letras e sons. O utro a specto im portante nesta
evoluçã o refere-se ao aspecto conceitual da escrita. P ara que as
crianças possam descobrir o caráte r sim bólico da escrita , é preciso
oferecer-lhes situa ções em que a e scrita se torne obje to de seu
pensam ento. E ste a prendizado é considerado fundam ental, ao lado de
outras habilidades que as conce pções tradicionais já fora m capaze s de
apontar, com o as relaciona das à perce pção e à m otricidade.
F erreiro valoriza, assim , as histórias ouvidas e conta das pela s
crianças (que de vem ser escritas pelo professor), be m com o a s
tentativas de escre ve r seus nom e s ou bilhetes. E ssas atividade s
assum e m grande im portância no processo, pois são geradoras de
espaço para a descoberta dos usos sociais da linguagem — que se
escre ve. É im portante colocar a criança em situações de aprendizagem ,
em que possa utiliza r suas próprias ela borações sobre a linguagem , sem
que se e xija dela ainda o dom ínio das técnicas e convenções da norm a
culta. O objetivo de F erreiro é integrar o conhe cimento espontâne o da
criança ao ensino, dando-lhe m aior significado.
A noção do caráter e volutivo da e scrita tam bém pode ser be m
aproveitada para elim inar o caráter patológico de algum as expressões
infantis. S a ber, por exem plo, que os prim eiros registros da sílaba são
feitos com apenas um a letra, à qual se a gregarã o outras, posteriorm e nte,
levou F erreiro à interpreta ção de que estes são fa tos naturais do
percurso, ou seja , são erros naturais e necessários à construçã o da
aprendizage m .
E m ília F erreiro trouxe, assim , grande contribuição a o processo de
alfabetização, indica ndo a necessidade de conhece r o processo de
aprendizage m em todas as suas form as evolutivas. “D espatologizou” os
erros com uns entre as crianças; va lorizou a participação delas no
processo de ensino-aprendizage m ; apropriou-se das ativida des infantis
com o form as de e nsino; enfim , E m ília F erreiro re volucionou a form a de
se conceber e trabalhar na alfabe tização de crianças. [pg. 129]

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C laudius C eccon et alii. A vida na escola e a escola da vida.
P etrópolis, V ozes, 1 986. p. 66-7.

1. O QUE APRENDEU HOJE NA ESCOLA?


I
Q ue aprende u hoje na escola,
Q uerido filhinho m e u?
Q ue aprende u hoje na escola,
Q uerido filhinho m e u?
Aprendi que W ashington nunca m entiu,
Aprendi que um soldado quase nunca m orre,
Aprendi que todo m undo é livre,
F oi isso o que o m e stre m e e nsinou,
E foi o que a prendi hoje na escola ,
F oi o que na escola eu apre ndi.

II
Q ue aprende u hoje na escola,
Q uerido filhinho m e u?
Q ue aprende u hoje na escola,
Q uerido filhinho m e u?
Aprendi que o policia l é m eu am igo,
Aprendi que a justiça nunca m orre,
Aprendi que o assassino tem o se u castigo,
M esm o que a gente se equivoque às vezes,
E foi o que a prendi hoje na escola ,
F oi o que na escola eu apre ndi.

III
Q ue aprende u hoje na escola,
Q uerido filhinho m e u?
Q ue aprende u hoje na escola,
Q uerido filhinho m e u?
Aprendi que o nosso governo de ve ser forte,
Q ue está sem pre certo e nunca erra,
Q ue os nossos che fe s são os m elhores do m undo
E que os ele gem os um a e outra ve z,
E foi o que a prendi hoje na escola ,
F oi o que na escola eu apre ndi. [pg. 130]

IV
Q ue aprende u hoje na escola,
Q uerido filhinho m e u?
Q ue aprende u hoje na escola,
Q uerido filhinho m e u?
Aprendi que a guerra não é tão ruim assim ,
Aprendi sobre as gra ndes e m que entra m os,
Q ue lutam os na F ra nça e na Alem anha,
E que, talvez um dia, eu tenha a m inha chance,
E foi o que a prendi hoje na escola ,
F oi o que na escola eu apre ndi.
N eil P ostm an e C ha rles W eingartner.
Contestação — nova fórmula de ensino. T rad. Álvaro C a bral.
R io de Janeiro, E xpressão e C ultura, 1 97 1. p. 11 -2.

2
M inha e xperiência vinha m e ensinando que o educando precisa de
se assum ir com o tal, m as, assum ir-se com o educando significa
reconhecer-se com o sujeito que é ca paz de conhe cer e que quer
conhecer em rela ção com outro sujeito igualm ente ca paz de conhece r, o
educador e, entre os dois, possibilita ndo a tarefa de am bos, o objeto de
conhecim ento. E nsinar e aprender sã o assim m om e ntos de um processo
m aior — o de conhecer, que im plica re conhecer. N o fundo, o que eu
quero dizer é o que o educando se torna realm ente e duca ndo quando e à
m edida que conhece, ou vai conhe cendo os conteúdos, os objetos
cognoscíveis, e nã o à m edida que o e ducador vai depositando nele a
descriçã o dos objetos, ou dos conteúdos.
O educando se reconhece conhece ndo os objetos, de scobrindo
que é ca paz de conhe cer, assistindo à im ersão dos significa dos e m cujo
processo se vai tornando ta m bém significa-dor crítico. M ais do que ser
educando por causa de um a razã o qualquer, o educando pre cisa tornar-
se educa ndo assum indo-se com o sujeito cognoscente e não com o
incidência do discurso do educador. N isto é que re side, em últim a
análise, a grande im portância política do ato de ensinar. E ntre outros
ângulos, este é um que distingue um a educadora ou educador
progressista de se u colega reacionário.
“M uito bem ”, disse em resposta à intervenção do cam ponês.
“Aceito que eu sei e vocês nã o sabem . D e qualquer form a, gostaria de
lhes propor um jogo que, para funcionar bem , e xige de nós absoluta
lealdade. V ou dividir o quadro-negro e m dois pe daços, e m que ire i
registra ndo, do m eu lado e do lado de vocês, os gols que fare m os eu, e m
vocês; você s, e m m im . O jogo consiste em ca da um pe rguntar algo a o
outro. S e o perguntado não sabe responder, é gol do pergunta dor.
C om eça rei o jogo fa zendo um a prim eira pergunta a vocês.”
A essa altura, precisam ente porque assum ira o “m om e nto” do
grupo, o clim a era m ais vivo do que quando com eçára m os, antes do
silêncio.
P rim eira pergunta:
— Q ue significa a m aiêutica socrá tica?
G argalhada geral e e u registrei o m eu prim eiro gol.
— Agora cabe a vocês fazer a pergunta a m im — disse.
H ouve uns cochichos e um deles lançou a questão:
— Q ue é curva de nível?
N ão soube re sponde r. R egistrei um a um .
— Q ual a im portância de H e gel no pe nsa m ento de M arx? [pg. 131]
D ois a um .
— P ara que serve a calage m do solo?
D ois a dois.
— Q ue é um verbo intransitivo?
T rês a dois.
— Q ue relaçã o há e ntre curva de nível e erosão?
T rês a três.
— Q ue significa epistem ologia? Q uatro a três.
— O que é a dubaçã o verde ?
Q uatro a qua tro.
Assim , sucessivam e nte, até chegarm os a dez a dez.
Ao m e de spedir deles lhes fiz um a sugestão: “P ensem no que
houve esta tarde aqui. V ocês com eçara m discutindo m uito bem com igo.
E m certo m om ento ficaram silenciosos e disse ram que só eu poderia
falar porque só eu sabia e vocês nã o. F izem os um jogo sobre sabere s e
em pata m os dez a dez. E u sa bia de z coisas que você s nã o sabiam e
vocês sabiam dez coisas que eu não sabia. P ensem sobre isto”.
P aulo F reire. Pedagogia da esperança.
R io de Janeiro, P a z e T erra, 1992 . p. 4 7-9.



1. Q uais são os dois grupos em que poderíam os dividir as teorias da
aprendizage m ?
2. Q ua is as principais controvérsias entre as duas concepçõe s de
aprendizage m ?
3. O que é cogniçã o?
4. O que é a prendiza gem , pa ra os cognitivistas?
5. O que é a prendiza gem m e cânica? E aprendiza gem significativa ?
6. O que é fundam ental para que a aprendizage m seja significativa?
7. Q ual a concepção de aprendizagem , segundo Bruner?
8. C om o que o professor de ve se preocupar ao orga nizar a m atéria de
ensino?
9. O que Bruner propõe para orga nizar a estrutura da m atéria ?
10. E quanto à atitude de investigação?
11. Q ua l o princípio geral que norteia a proposta de Bruner?
12. E xplique a fra se: qualque r assunto pode ser e nsina do com eficiência
a qualquer criança.
13. Q ua is os tipos de variá veis considera das no e studo da m otiva ção?
14. C ite duas form a s de se criar interesse .
15. Q ua is as três m aneira s de se ve r a relação desenvolvim ento-
aprendizado a ponta das por V igotski e com o ele vê essa relação? [pg.
132]
16. O que é zona de dese nvolvim ento proxim al, e quais a s
conseqüências de sse conce ito pa ra o ensino?
17. Q ua l a contribuição de E m ília F erreiro para o trabalho de
alfabetização de cria nças?

1. O te xto com plem e ntar é um a poesia crítica sobre a e scola am erica na.
D iscuta com seus colegas o que a poe sia critica na escola.
2. Agora, com a a juda de todo o conteúdo do te xto e da discussão que a
equipe fez sobre a poesia do te xto com plem entar, faça m um a refle xã o
sobre o processo ensino-aprendizagem que nossas escolas têm -nos
propicia do.
3. H á um te xto de teatro de R oberto Atha yde intitulado “Apareceu a
M argarida”, que pode gerar debate s m uito interessante s. O te xto é um
m onólogo no qual um a professora conve rsa com se us alunos em itindo
opiniõe s sobre o que é a escola — sua im portância na vida da s
pessoa s, o que de ve ensinar aos alunos etc. — e tudo é dito de form a
m uito rica e m otivadora. V ale a pe na buscar o te xto para que seja lido
e debatido. S ugerim os os tem a s: O que de ve ser e nsina do na escola?
Q ue relação os conteúdos escola res de vem m anter com a vida?
4. E xercício de sim ulação: form em grupos de trabalho para definir o que
de ve ser ensinado nesta escola , a partir do ano que vem . Q uais
conteúdos vocês indicariam ? Justifiquem as escolhas feitas.
5. O te xto de P a ulo F reire nos m ostra com o esse brilhante educador
aprendeu com o povo. A partir do te xto, identifiquem e e xpliquem o
principal apre ndiza do que P aulo F reire nos re vela.

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Para o aluno
P ara um a profundam ento da teoria do condiciona m ento, sugerim os
Aprendizagem: teoria do reforço, de F red Keller (S ã o P aulo, E P U ,
1973), com o um livro de fácil com pree nsã o e que tra z todos os conceitos
básicos da te oria.
P ara o aprofundam ento da teoria cognitivista, o livro
Aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel, de M arco A.
M oreira e E lcie F . S . M asini (S ão P aulo, M oraes, 19 82), que aprese nta a
teoria que abordam os no capítulo, com um a linguagem a cessível e m uita
precisã o. O utra leitura im portante: Reflexões sobre alfabetização, de
E m ília F erreiro (S ão P a ulo, Autores Associados, 19 8 5, C oleção
P olêm icas do N osso T em po). [pg. 133]

Para o professor
O livro Psicologia da aprendizagem, de G eraldina P . W itter e
José F erna ndo Lom onaco (S ão P aulo, E P U , 1984), contém as duas
teorias cita das: te oria do condiciona m ento e a cognitivista. O s capítulos 2
e 7 referem -se à te oria com portam entalista, e os capítulos 3 e 5, à te oria
cognitivista. N este m esm o livro, no ca pítulo 4, encontram os tam bém a
questã o da m otivaçã o. O capítulo 1 discute a natureza da a prendiza gem
e a dificuldade em defini-la.
H á ainda o livro Psicologia aplicada à educação, de M aria
Aparecida C oria-S abini (S ão P a ulo, E P U , 1986), que aborda, no prim eiro
capítulo, as duas te orias cita das e, no capítulo 3 , discute a questã o da
m otivação.
P ara dese nvolve r m elhor a teoria de J. S . Bruner, indicam os dois
livros de a utoria do próprio teórico; sã o eles: Uma nova teoria de
aprendizagem (R io de Janeiro, Bloch, 1973) e O processo da
educação (S ão P aulo, N acional, 19 71), que dos dois é o m ais sim ples e,
ao m esm o tem po, o m ais com pleto.
D entre os livros de V igotski e seu grupo suge rim os: Linguagem,
desenvolvimento e aprendizagem, de L. S . V igotski; A. R . Luria e A. N .
Leontie v (S ão P aulo, C one, 19 91), com e special atençã o para o capítulo
6, e A formação social da mente, de L. S . V igotski (S ão P a ulo, M artins
F ontes, 1 984), com ênfase para os ca pítulos que com põe m a parte
“Im plicações e duca cionais”.
D ois pequenos livros com idéias im portantes de P ia get sobre a
E ducação m ere cem ser lidos: Para onde vai a Educação? (R io de
Janeiro, José O lym pio, 1980 ) e Psicologia e Pedagogia (R io de Janeiro,
F orense U niversitá ria, 1982). R ecom enda m os tam bé m Piaget,
Vygotsky, Wallon: Teorias psicogenéticas em discussão, de Y ves de
La T aille (S ão P aulo, E d. S um m us, 1 992). N esta obra, os autores
discute m a questã o dos fatores biológicos e sociais no de senvolvim ento
da inteligência e a questão da afetividade e cogniçã o para P iaget,
V igotski e W allon. Piaget/Vygotsky: novas contribuições para o
debate, de J. A. C atarina, E m ília F erreiro, D . Lem er e M . K. O liveira (S ã o
P aulo, Ática, 1 996), traz um e xcelente de bate sobre a relação entre este s
dois im portantes a utores. Ensino: as Abordagens do Processo, de M .
G . N . M izukam ida (S ão P aulo, E P U , 19 86, C oleçã o T em as Básicos de
E ducação e E nsino), é um bom te xto para se tra balha r com os alunos,
pois apresenta vá ria s teorias de ensino sobre diversos te m as e aspectos
da E ducaçã o, trabalhando-os com parativam ente. É de fácil linguagem e
m uito didático.
N ão podería m os term inar e stas indicações se m acrescenta r que
qualquer livro do prof. P a ulo F reire é sem pre um bom livro sobre
E ducação. O conhe cim ento da e xtensa obra deste autor é fundam ental
para a form ação de nossos educadores e de nossos cidadãos. Q ualque r
um de seus livros vale a pena !

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Sociedade dos poetas mortos. D ire ção P eter W eir (E U A, 19 89) –
E xcelente film e sobre o processo educacional num a escola
conservadora , nos a nos 5 0, nos E U A, e m que um professor rom pe com a
visão tra dicional.
P ode ser bem a proveitado para o de bate sobre o processo de
ensino-aprendizage m e a m otivação dos educa ndos. [pg. 134]
C AP ÍT U LO 9

A Psicologia social

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Psicologia social é a área da P sicologia que procura estudar a
interaçã o social. E assim que Aroldo R odrigues, psicólogo brasileiro,
define e ssa área. D iz ele que a P sicologia social é o estudo das
“m anifestaçõe s com portam e ntais suscitadas pela interaçã o de um a
pessoa com outras pessoas, ou pela m era e xpectativa de ta l interaçã o”1 .
A intera ção social, a interdepe ndência entre os indivíduos, o
encontro social são os objetos investigados por essa área da P sicologia.
Assim , vam os falar dos principais conce itos da P sicologia social a partir
do ponto de vista do encontro social.
D essa perspectiva , os principais conceitos são: a percepção social;
a com unicação; as atitudes; a m udança de atitude s; o processo de
socializa ção; os grupos socia is e os papéis sociais.

PERCEPÇÃO SOCIAL
N ós, autores deste livro, encontra m o-nos com você. E ssa é nossa
suposição e nosso ponto de partida. O prim eiro proce sso desencade ado
é o da percepção social. P erce bem o-nos um ao outro. E percebe m os

1
Aroldo Rodrigues, Psicologia social, p. 3.
não só a presença do outro, m as o conjunto de características que
aprese nta, o que nos possibilita “ter um a im pressã o” dele. [pg. 135]
E ssa im pressão é possível porque,
a partir de nossos contatos com o m undo,
va m os organiza ndo estas inform ações e m
nossa cogniçã o (organiza ção do
conhecim ento no nível da consciência), e
é esta organiza ção que nos perm itirá
com pre ender ou categorizar um novo fato.
Assim , se você e stive r vestido de calça
jeans, cam iseta, tênis e com ca dernos e
livros nas m ãos, a sua aparê ncia nos
perm itirá percebê-lo com o um estudante.
E nós, com o dobro de sua ida de e um
A percepção do outro é uma forma de estilo se m elha nte de vestir, serem os
comunicação que depende da
atribuição de significado à situação categorizados com o professores.
vivida.
A perce pção é, pois, um processo
que vai desde a recepção do estím ulo pelos órgãos dos sentidos até a
atribuição de significado ao estím ulo.

COMUNICAÇÃO
Q uando percebe m os (condição para o encontro), podem os dize r
envolve codificaçã o (form ação de um sistem a de códigos) e
decodificaçã o (a form a de procurar entende r a codificação) de
m ensagens. E ssas m ensagens perm ite m a troca de inform a ções entre os
indivíduos.
— M uito prazer, dize m os nós a você. E sta é a m ensagem que lhe
enviam os. P ara isso utilizam os o código que é com um entre nós. V ocê
recebe esta m ensa gem , decodifica-a e então tem condições de nos
responder: — E u tam bé m te nho prazer em conhe cê-los (nova
m ensagem , no m esm o código, e que, por sua vez, será de codificada por
nós).
A com unicação nã o é constituída apenas de código verbal.
T am bém utilizam os para a com unicação e xpressões de rosto, gestos,
m ovim e ntos, desenhos e sinais.
A partir deste e squem a básico da com unicação: tra nsm issor
(aquele que codifica), m ensa gem (transm itida utilizando um código),
receptor (aquele que decodifica), a P sicologia social e studou o proce sso
de interdepe ndência e de influência entre as pessoas que se com unicam ,
respondendo a que stões do tipo: com o se dá a influência, quais as
características da m ensage m , com o aum entar nosso poder de persuasão
atra vés da com unica ção e quais os processos psicológicos envolvidos na
com unicação? [pg. 136]

ATITUDES
A partir da percepçã o do m eio social e dos outros, o indivíduo vai
organizando estas inform ações, relaciona ndo-as com afetos (positivos ou
negativos) e de senvolvendo um a predisposição para a gir (favorá ve l ou
desfa vora velm ente) em rela ção às pe ssoas e aos obje tos presente s no
m eio social. A essas inform ações com forte carga afetiva, que
predispõem o indivíduo para um a determ inada ação (com portam ento),
dam os o nom e de atitudes.
P ortanto, para a P sicologia social, diferentem ente do senso
com um , nós não tom am os atitude s (com porta m ento, ação), nós
desenvolvem os atitudes (cre nças, va lores, opiniões) em relação a os
objetos do m eio social.
As atitudes possibilitam -nos um a certa regularida de na re laçã o
com o m eio. T em os atitudes positivas e m relação a de term ina dos objetos
ou pessoas, o que nos predispõe a um a ação fa vorá vel e m re lação a
eles. Isto porque os com ponentes da atitude — inform ações, afe to e
predisposiçã o para a ação — tendem a ser congruentes.
Assim , se você se apresenta com o estudante e traz em sua s m ãos
este livro e scrito por nós, a possibilidade de dese nvolverm os um a atitude
positiva em relação a você é m uito grande, pois já te m os anteriorm e nte
inform ações e afetos positivos em relação a estudante s, principalm ente
aos que e stão lendo nosso livro. D essa form a, é de se esperar que nosso
com portam ento em relação a você seja “favorá ve l”: irem os cum prim entá-
lo, convidá-lo para tom ar um café na cantina etc.
As atitudes são, assim , bons preditores de comportamentos.
N o entanto, nã o é com tanta facilida de que conseguim os prever o
com portam ento de a lguém a partir do conhecim ento de sua atitude, pois
nosso com portam e nto é resultante tam bé m da situação dada e de várias
atitudes m obilizadas em determ inada situação. E ntão, por e xe m plo, se
estam os atrasados para um com prom isso no m om ento em que
encontram os você, é possível que nossa pre visão de com portam e nto
fa vorá vel não se concretize, pois a situação da da apre senta outros
elem entos que m odificam o com portam e nto esperado.

MUDANÇA DE ATITUDES
N ossas atitudes podem ser m odifica das a partir de nova s
inform ações, novos afetos ou novos com portam e ntos ou situa ções.
Assim , podem os m udar nossa atitude em re laçã o a um
determ inado objeto porque descobrim os que ele faz bem à sa úde ou nos
[pg. 137] ajuda de algum a form a . P or exem plo, se você desenvolveu
um a atitude ne gativa em relação a o nosso livro porque nã o gostou da
capa, espera m os que após sua leitura você possa m odificá-la pe la
constatação de que ele o ajuda, de algum a form a, a com pre ender m elhor
o m undo.
P odem os ainda m udar um a atitude quando som os obrigados a nos
com portar e m desacordo com ela. E xe m plo: você não gosta dos rapaze s
que m oram no seu prédio (atitude ne gativa), m a s será obrigado a
conviver com eles, porque passaram a estudar na m esm a classe. P ara
evitar um a tensão constante, que o le varia a um conflito, você tentará
descobrir aspectos positivos neles (com o o fato de serem bons alunos ou
m uito requisitados pelas garotas), que perm itam um a aproxim ação e a
m udança de atitude (atitude positiva).
E xiste um a forte te ndência a m anter os com ponentes das atitude s
em consonância. Inform ações positivas sobre os rapazes, por exem plo,
levarão a afeto positivo. Inform a ção positiva e afe to positivo le va m a um
com portam ento fa vorá vel na direção do objeto.

PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO
N esse nosso encontro, vim os que nossas atitudes sã o im portantes,
pois, e m certo se ntido, sã o ela s que norteiam nosso com portam ento.
Ainda há a influência dos m otivos, interesses e necessida des com que
nos apre senta m os na situaçã o. E ste conjunto de a spectos psicológicos
perm ite-nos com pre ender, atribuir significado e responder ao outro.
E você de ve estar então se pergunta ndo: “D e onde vem este
conjunto de aspectos tão im portantes?”.
A form ação do conjunto de nossas cre nças, va lores e significações
dá-se no processo que a P sicologia social de nom inou socialização.
N esse processo, o indivíduo torna-se m em bro de um determ inado
conjunto social, apre ndendo seus códigos, suas norm as e regras básicas
de relacionam ento, apropriando-se do conjunto de conhecim entos já
sistem atizados e acum ulados por esse conjunto.

GRUPOS SOCIAIS
C laro que e xistem as
organizações ou elem entos
que servem de interm ediários
entre o conjunto social m ais
am plo e o indivíduo. E ssa
interm e diaçã o é feita pelos
grupos sociais. [pg. 138]
Assim , quando se dá
esse nosso encontro,
podería m os dizer que estã o-se encontra ndo re prese ntantes de diferente s
grupos sociais: você , representa ndo sua fam ília, seus grupos de am igos,
seu grupo racial, seu grupo religioso etc. e, de outro lado, nós,
represe ntando nossos grupos de perte ncim ento ou de referência, que
são a que les a que perte ncem os ou e m que nos refe renciam os para
saber com o nos com portar, o que dizer, com o pe rcebe r o outro, do que
gostar ou nã o gostar.
O s grupos sociais são pequenas organizações de indivíduos que ,
possuindo objetivos com uns, de senvolve m açõe s na dire ção desses
objetivos. P ara gara ntir essa organizaçã o, possuem norm as; form as de
pressionar seus integrante s para que se conform em às norm as; um
funcionam ento determ inado, com tarefa s e funções distribuídas entre
seus m e m bros; form as de cooperação e de com petiçã o; aprese ntam
aspectos que atra em os indivíduos, im pedindo que abandonem o grupo.
A P sicologia social dedicou gra nde parte de seus estudos à
com pre ensão desse s processos grupais, com o verem os no capítulo 15.

PAPÉIS SOCIAIS
E para term inarm os esse nosso encontro social precisam os fala r
um pouco ainda dos papéis sociais.
E ntendida a sociedade com o um conjunto de posições sociais
(com o a posiçã o de m édico, de professor, de aluno, de filho, de pai),
todas as e xpe ctativas de com portam ento estabelecidas pelo conjunto
social para os ocupantes da s diferentes posiçõe s sociais de term ina m o
cham ado papel prescrito. Assim , sabe m os o que esperar de alguém
que ocupa um a dete rm inada posição.
P ortanto, no nosso encontro, ao saberm os que você é um
estuda nte, saberem os tam bé m alguns com porta m entos que de vere m os
esperar de você, e, por sua vez, você saberá o que esperar de nós,
professores.
T odos os com porta m entos que m anifestam os no nosso encontro
são cham ados, na P sicologia socia l, de papel desempenhado. T ais
com portam entos, por sua vez, podem ou não estar de a cordo com a
prescrição social, isto é, as norm as prescrita s socialm e nte para o
desem penho de um determ inado papel. [pg. 139]
O s papéis sociais perm item -nos com pre ender a situa ção social,
pois são re ferências para a nossa perce pção do outro, ao m e sm o te m po
que são re ferência s para o nosso próprio com portam e nto. S e no
encontro social nos apresentam os com o ocupa ntes da posição de
professores ou autores de um livro, sabem os com o nos com portar,
porque aprendem os, no decorrer de nossa socialização, o que está
prescrito para os ocupante s dessas posições. S e form os convidados a
proferir um a palestra na sua escola, não irem os vestidos com o se
estivéssem os indo para o clube.
E aqui vale a pe na ressaltar que, qua ndo aprendem os um pape l
social, aprende m os tam bém o pa pel com ple m entar, isto é, quando
aprendem os a nos com porta r com o alunos, de sde o início de nossa vida
escolar, estam os ta m bém aprende ndo o papel do outro com quem
interagim os — o pa pel do professor.
O s diferentes papéis sociais e a nossa e norm e plasticidade com o
seres hum a nos perm item que nos ada ptem os às diferente s situaçõe s
sociais e que se ja m os capazes de nos com portar diferentem ente em
cada um a dela s. Aprender os nossos papéis sociais é, na realida de,
aprender o conjunto de rituais que nossa socieda de criou.
P ara finalizar, gostaríam os de deixar re gistrado que cada e ncontro
social, cada m om e nto de com unicação e interaçã o entre as pessoas sã o
sem pre m om entos de nosso processo de socializa ção, que é ininterrupto
no decorrer de nossas vidas.
E assim nos despedim os: — F oi um prazer conhecê-lo e
espera m os nos encontrar novam e nte. O brigado pela a tençã o.

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Aqui um novo encontro se inicia, pois tem os algum as coisas a
dizer sobre o nosso encontro passado.
A teoria da P sicologia social, que orientou o nosso encontro
anterior, te m recebido, hoje em dia, inúm eras críticas. Aponta m os agora
as principais:
a. É um a P sicologia social basea da e m um m étodo descritivo, ou seja,
um m étodo que se propõe a descre ver a quilo que é observá vel, fatual.
É um a psicologia que orga niza e dá nom e aos processos observá veis
dos encontros sociais.
b. É um a P sicologia social que tem seu desenvolvim e nto com prom e tido
com os obje tivos da sociedade norte-a m ericana do pós-guerra, que
precisa va de conhecim entos e de instrum entos que possibilitassem a
intervenção na re alidade, de form a a obter resulta dos [pg. 140]
im ediatos, com a intençã o de recuperar um a nação, garantindo o
aum ento da produtividade econôm ica . N ão é para m enos que os
tem as m ais desenvolvidos foram a com unicação persuasiva, a
m udança de atitudes, a dinâm ica grupal etc., voltados sem pre para a
procura de “fórm ulas de ajusta m ento e adequa ção de
com portam entos individuais ao conte xto social”2 .
c. É um a P sicologia social que parte de um a noção estreita do social,
E ste é considerado apena s com o a relação entre pessoas — a
interaçã o social — , e não com o um conjunto de produções hum a nas
capaze s de, a o m e sm o tem po em que vã o construindo a realidade
social, construir tam bém o indivíduo. E sta concepção será a referência
para a construção de um a nova P sicologia social.

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C om um a posiçã o m ais crítica em re la ção à realidade social e à
contribuição da ciência para a transform ação da socieda de, ve m se ndo
desenvolvida um a nova P sicologia social, busca ndo a supera ção das
lim itaçõe s apontadas anteriorm ente.

2
S. T. M. Lane. O que é Psicologia social, p. 76.
A P sicologia social m anté m -se aqui com o um a á re a de
conhecim ento da P sicologia, que procura aprofundar o conhe cim ento da
natureza social do fe nôm eno psíquico.
O que quer dizer isso?
A subjetivida de hum ana
surge do contato e ntre os ho-
m ens e dos hom e ns com a
N atureza, isto é, esse m undo
interno que possuím os e suas
expressões são construídas
nas rela ções sociais.
Assim , a P sicologia
A Psicologia social, hoje, busca romper com uma
social com o área de ciência que contribuiu apenas para a manipulação e
conhecim ento, passa a massificação da sociedade.

estudar o psiquism o hum a no,


objeto da P sicologia , busca ndo com pree nder com o se dá a construção
desse m undo interno a partir das relações sociais vivida s pelo hom em . O
m undo objetivo passa a ser visto nã o com o fator de influê ncia para o
desenvolvim e nto da subjetividade , m as com o fator constitutivo. [pg. 141]
N um a concepçã o com o essa, o com portam ento deixa de ser “o
objeto de estudo”, para ser um a das e xpressõe s do m undo psíquico e
fonte im portante de dados para a com preensão da subjetividade, pois ele
se encontra no nível do em pírico e pode ser observado; no entanto, essa
nova P sicologia social prete nde ir além do que é observá ve l, ou seja,
além do com portam ento, buscando com preender o m undo invisível do
hom em .
Além disso, essa P sicologia social a bandona por com pleto a
diferença entre com portam ento em situação de intera çã o ou não-
interaçã o. O hom em é um ser social por natureza. E ntende-se aqui que
cada indivíduo apre nde a ser um hom e m nas relações com os outros
hom ens, quando se apropria da re alidade criada pelas gera ções
anteriores, apropria ção que se dá pelo m anuseio dos instrum entos e pelo
aprendizado da cultura hum a na.
O hom e m com o um ser social, com o um ser de relações sociais,
está em perm ane nte m ovim ento. E sta m os se m pre nos transform ando,
apesar de a parente m ente nos m anterm os iguais. Isso porque nosso
m undo interno se alim enta dos conteúdos que vêm do m undo e xterno e,
com o nossa rela çã o com esse m undo e xterno não cessa, estam os
sem pre com o que fazendo a “dige stão” desses alim entos e, portanto,
sem pre em m ovim ento, em processo de transform ação.
O ra, se estam os e m perm ane nte m ovim ento, nã o pode m os ter um
conjunto te órico onde os conceitos paralisam nosso objeto de estudo. S e
nos lim itarm os a falar das atitude s, da percepção, dos pa péis sociais e
acredita rm os que com isso com pree nde m os o hom em , não estarem os
percebendo que, ao desem penha r esse papel, a o perceber o outro e ao
desenvolver ou fala r sobre sua atitude, o hom em estará em m ovim e nto.
P or isso, nossa m etodologia e nosso corpo teórico de vem ser capazes
de captar esse hom e m em m ovim ento.
E , supe rando esse conceitual da antiga P sicologia social, a nova
irá propor, com o conceitos básicos de análise, a atividade, a consciência
e a identida de, que são as propriedades ou características e ssenciais do
hom em e e xpressam o m ovim ento hum ano. E sses conceitos e
concepções foram e vê m sendo dese nvolvidos por vários autores.
C itam os, e ntre eles: V igotski, Ale xis Leontie v e Luria, autore s soviéticos
que produziram até a década de 60; S ilvia Lane e Antônio C iam pa, que
são bra sileiros e tra balham a tivam ente na P U C -S P .

ATIVIDADE
É a unidade básica fundam ental da vida do sujeito material. É
atra vés da atividade que o hom e m se a propria do m undo, ou seja, é a
atividade que propicia a transição daquilo que está fora do hom em [pg.
142] para dentro dele. P ense na cria nça, onde isso tudo fica m ais
evidente. E la se apropria do m undo engatinhando, a ndando ou
percorre ndo com os olhos o m undo circundante. E la m anuseia os
objetos, desm onta-os
(infelizm ente, nós com pree ndem os
isso, às veze s, com o destruição),
m onta-os, bala nça, lam be, ouve,
vê , enfim , do ponto de vista da
P sicologia social, coloca-os para
dentro de si, tra nsform a-os em
im agens e em idéias que passam a
habitar seu m undo interno.
A prática hum a na, ou, com o

estam os cham a ndo aqui, a Para existirmos, precisamos atuar sobre o


mundo, transformando-o de acordo com as
atividade hum ana, é a base do nossas necessidades.
conhecim ento e do pensam ento do
hom em . E stam os considerando que os indivíduos aprese ntam um a
necessidade de m a nter um a relação ativa com o m undo e xterno. P ara
existirm os, precisam os atuar sobre o m undo, transform ando-o de acordo
com nossas ne cessidades. Ao fazer isso, estam os construindo a nós
m esm os.
E spera m os que você tenha notado que o hom em constrói o se u
m undo interno na m edida em que atua e transform a o m undo e xterno.
M undos e xterno e interno são, porta nto, im bricados, pois são construídos
num m e sm o processo, e a e xistência de um depende da do outro.
Atuar no m undo é um a propriedade do hom em , isto é, a atividade é
um a da s suas dete rm inações.

CONSCIÊNCIA
A consciência hum ana e xpressa a form a com o o hom e m se
relaciona com o m undo objetivo. As a ranhas constroem suas teias e
reagem à vibra ção nelas produzida por insetos que ali ficam presos.
E ssa é a form a com o as aranhas reage m ao m undo e xte rno. As abe lhas,
os pássaros, os peixe s e todos os anim ais apresentam um a m a neira
específica de relaçã o com o m undo. O hom em tam bém apre senta o se u
m odo de re agir ao m undo objetivo: ele o com pre ende, isto é, transform a-
o em idéias e im agens e estabelece re lações entre essa s inform ações,
de m odo a com pre ender o que se produz na realidade am biente. A
consciê ncia é , assim , um certo saber. N ós reagim os ao m undo
com pre ende ndo-o, “sabendo-o”. [pg. 143]
A consciência não se lim ita a pena s ao saber lógico. E la inclui o
saber das em oções e sentim entos do hom em , o saber dos desejos, o
saber do inconscie nte.
C om o m aneira de reagir ao m undo, a consciência está em
perm anente m ovim e nto.
E com o será que ela surge?
A consciência não é m anifestação de algum a ca pacidade m ística
no cérebro hum ano. A consciê ncia do hom em é produto da s relaçõe s
sociais que os hom ens estabelece m . S em dúvida, foi necessário um
aperfeiçoam e nto do cérebro hum ano para que se torna sse capaz de
pensar o m undo atra vé s de im agens, sím bolos e de estabelecer relaçõe s
entre os objetos desse m undo, tornando-se m e sm o capa z de antecipar a
realidade. M a s acre dita-se que som ente o aperfeiçoa m ento do cére bro
não seria suficiente para propicia r o surgim ento da consciê ncia hum ana,
ou m elhor, que esse aperfeiçoam ento nã o teria lugar, se não houvesse
condições e xternas ao hom em que o e stim ulasse m .
E ssas condições e xternas estão hoje pensadas com o o traba lho, a
vida social e a lingua gem .
A consciência , com o produto subjetivo, com o a propriação pelo
hom em do m undo objetivo, produz-se em um processo ativo, que tem
com o ba se a atividade sobre o m undo, a linguagem e as re lações
sociais.
O hom e m encontra um m undo de objetos e significados já
construídos pelos outros hom ens. N a s relações sociais, e le se apropria
desse m undo cultural e dese nvolve o “sentido pessoa l”. P roduz, assim ,
um a com pre ensã o sobre o m undo, sobre si m esm o e os outros,
com pre ensão construída no processo de produção da e xistência,
com pre ensão que tem sua m atéria-prim a na realidade obje tiva e na
realidade social, m a s que é própria do indivíduo, pois é re sultado de um
trabalho seu.
E você agora de ve e star perguntando: e com o eu posso estudar a
consciê ncia dos indivíduos, se ela é invisível, da do que é m undo interno
e não tem um a form a corpórea, física?
E studa-se a consciê ncia atra vés de sua s m ediações. N o m undo
observá vel, vam os encontrar, por e xe m plo, as repre senta ções sociais,
veicula das pela linguagem , que são e xpressões da consciência. Q uando
alguém discursa ou sim plesm e nte fala sobre algum assunto, está se
referindo ao m undo real e e xpressa sua consciência atra vés das
represe ntações sociais. A repre sentaçã o social é a denom inação dada
ao conjunto de idéia s que articula os significados sociais, isto é, o sentido
construído coletivam ente para o objeto, [pg. 144] com o sentido pessoal.
E nvolve crenças, va lores e im age ns que os indivíduos constroem , no
decorrer de suas vidas, a pa rtir da vivência na socieda de.

IDENTIDADE
O utro conceito im portante ne ssa nova P sicologia social é o de
identidade (veja ca pítulo 14).
Se a consciê ncia está em m ovim ento, se o hom em ,
conseqüente m ente, está em m ovim ento, a consciência que desenvolve
sobre o “eu m esm o” não poderia estar parada. E la tam bé m está em
m ovim e nto.
O indivíduo, nessa concepção, é um eterno tra nsform ar-se, m esm o
que a parentem e nte continue com os m esm os olhos, cabelos e até
consiga m anter seu peso. Isso é só apa rência. E stam os nos
transform ando a ca da m om e nto, a cada nova rela ção com o m undo
social e sabem os disso. A consciência que desenvolvem os sobre “quem
sou eu” acom panha esse m ovim ento do real, às vezes com m ais
facilida de, às veze s com m e nos, m as acom panha.
Identidade é a denom inaçã o dada às representações e
sentim e ntos que o indivíduo desenvolve a respe ito de si próprio, a partir
do conjunto de suas vivências. A ide ntidade é a síntese pessoal sobre o
si-m esm o, incluindo dados pessoais (cor, se xo, ida de), biografia
(trajetória pessoal), a tributos que os outros lhe conferem , perm itindo um a
represe ntaçã o a re speito de si.
E ste conceito supera a com pree nsã o do hom em enquanto
conjunto de pa péis, de valores, de ha bilidade s, de atitude s etc., pois
com pre ende todos estes aspectos integrados — o hom em com o
totalida de — e busca captar a singularidade do indivíduo, produzida no
confronto com o outro.
A m udança nas
situações sociais, a m udança
na história de vida e na s
relaçõe s sociais determ inam
um processar contínuo na
definiçã o de si m esm o.
N este sentido, a
identidade do indivíduo deixa
de ser algo estático e
O conflito social expressa tanto as condições objetivas
acabado, para ser um quanto a subjetividade de seus atores.

processo contínuo de
represe ntações de seu “esta r sendo” no m undo. [pg. 145]

UMA ÚLTIMA QUESTÃO


Q ue diferença há e ntre essa nova P sicologia social e aque la do
início do capítulo?
H á m uitas diferença s. A do início do capítulo é um a P sicologia
descritiva. P rocura organizar e dar nom e aos processos obse rvá veis que
ocorrem nas intera ções sociais. A nova proposta busca ser e xplicativa ou
com pre ensiva . D eseja-se e xplicar/com pre ender a re lação que o indivíduo
m antém com a sociedade e os processos subjetivos que vã o ocorre ndo
nessa relaçã o.
O utro a specto basta nte significativo, que m erece destaque nessa
diferenciação, é a m aneira de concebe r o hom em . A P sicologia social
tradicional pensa o hom em com o um ser que rea ge às e stim ulações
externa s, atribui-lhe s significa do e se com porta. O hom em é um ser no
espaço social. A nova P sicologia social o concebe com o um ser de
natureza social. O hom em é um ser social, que constrói a si próprio, a o
m esm o tem po que constrói, com os outros hom e ns, a socie dade e sua
história. A nova P sicologia social de svincula-se da tradição norte-
am erica na de ciê ncia pragm á tica, com intenções de pre ver o
com portam ento e m anipulá-lo, optando por um a ciê ncia que, ao m elhorar
a com pree nsão que se tem da realidade social e hum a na, perm ita a o
hom em tra nsform á-la. Assim , é um conhecim ento que se busca produzir
para ser divulga do, distribuído, discutido por um núm ero m aior de
pessoa s, e xtrapolando os m uros das unive rsida des. E sse s aspectos sã o
m uito im portantes, porque abrem a possibilidade para um a ciê ncia
com prom etida com a transform ação, aba ndona ndo de vez os m odelos de
ciência que servem para justificar a desum anidade e xistente em nossa
socieda de, por considerar naturais todas as desigualdades e form as de
explora ção.
E ssa nova P sicologia social perm ite que se com preenda o que
acontece conosco na socie dade brasileira, pois ela parte desta rea lidade
para com pre ender os ele m entos do m undo interno que e stão se ndo
construídos: com o estam os re prese nta ndo a juventude ou a infância ?
com o e stam os re presenta ndo a nossa se xualidade? nosso traba lho?
quem som os nós, os brasileiros? P ara responder a que stões com o
essas, a P sicologia social va i recorrer aos conceitos de atividade,
consciê ncia e identidade, prom ovendo um estudo sobre o fazer, o pensar
e o agir dos hom ens em nossa socieda de, e será a articulação entre
esses elem entos que perm itirá a resposta à que stão. [pg. 146]

1. TODA A PSICOLOGIA É SOCIAL
E sta afirm ação nã o significa re duzir as áreas específicas da
P sicologia à P sicologia social, m as sim cada um a assum ir de ntro da sua
espe cificidade a na tureza histórico-social do ser hum ano. D esde o
desenvolvim ento infantil até a s patologias e as técnicas de intervenção,
características do psicólogo, de vem ser analisadas critica m ente à luz
desta conce pção do ser hum ano — é a clareza de que não se pode
conhecer qualquer com portam ento hum a no isolando-o ou fra gm enta ndo-
o, com o se este e xistisse em si e por si.
T am bém com esta afirm ativa nã o nega m os a e specificida de da
P sicologia social — ela continua tendo por objetivo conhecer o indivíduo
no conjunto de suas relações sociais, ta nto na quilo que lhe é espe cífico
com o na quilo e m que ele é m a nifestação grupal e social. P orém , agora a
P sicologia social poderá responder à questão de como o hom em é
sujeito da H istória e transform ador de sua própria vida e da sua
socieda de, a ssim com o qualquer outra área da P sicologia.
S ilvia T . M . Lane. A P sicologia social e um a nova concepção do hom em
para a P sicologia. In: S ilvia T . M . Lane e W anderley C odo (org.). Psicologia social:
o homem em movimento. S ão P aulo, Brasiliense, 1984. p. 19.

2. COMIDA
Bebida é água.
C om ida é pasto.
V ocê te m sede de quê?
V ocê te m fom e de quê?
A gente não quer só com ida,
A gente quer com ida , diversã o e arte.
A gente não quer só com ida,
A gente quer saída para qua lquer parte .
A gente não quer só com ida,
A gente quer bebida, diversã o, balé.
A gente não quer só com ida,
A gente quer a vida com o a vida quer.

Bebida é água.
C om ida é pasto.
V ocê te m sede de quê?
V ocê te m fom e de quê?
A gente não quer só com er,
A gente quer com e r e quer fazer am or.
A gente não quer só com er,
A gente quer prazer pra aliviar a dor.
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer dinheiro e felicidade .
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer inteiro e não pela m etade.

Arnaldo Antunes, M a rcelo F rom er & S érgio Britto.


C om ida. In: T itãs. Jesus não tem dentes no país dos banguelas.
LP . S ão P aulo, BM G Ariola, 670.4 033. [pg. 147]


1. C om o Aroldo R odrigues define a P sicologia social?
2. O que é percepçã o social? E com unicação?
3. O conhecim ento da atitude gara nte um a pre visão do com portam ento?
E xplique.
4. O que é processo de socialização?
5. O que significa a prender papéis sociais?
6. Q uais as principais críticas que são fe itas hoje à P sicologia social?
7. Q uais os conceitos que estão sendo dese nvolvidos num a nova
P sicologia social?
8. P ara a nova P sicologia social, o hom em é um ser social que está em
perm anente m ovim e nto. C om o você com preende essa conce pção?


1. A partir da letra da m úsica dos T itãs (C om ida), discutam :
a. Q uais as e xpecta tivas socia is (papel prescrito) para os jove ns, e m
nossa socieda de, e qual a identidade que os T itãs apresenta m para
a juventude?
b. C onsidere m agora as atividades dos jovens e m nossa sociedade e
as repre sentações ou im age ns que vigoram hoje, para fazer um a
análise da identidade do se u grupo de jove ns.
2. C aracterizem e discutam a cooperaçã o e a com petição presentes na s
relaçõe s sociais na sua sala de aula. Q ual a e xpe ctativa do grupo
sobre o dese m penho do professor diante dessa situaçã o?


Para o aluno
U m livro acessíve l é o de S ilvia T . M . Lane, O que é Psicologia
social, da coleção P rim eiros P assos (S ã o P aulo, Brasiliense, 1986).

Para o professor
E xistem vários livros de fácil a cesso para o dese nvolvim e nto e
aprofundam e nto dos diversos conceitos da P sicologia social
aprese ntados neste capítulo. O tradicional m anual Psicologia social
(P etrópolis, V ozes, 1972), de Aroldo R odrigues, apresenta os conceitos
de tal form a, que nos perm ite estudá-los separadam ente. O utro livro m ais
atual e que tam bé m traz os diversos conceitos é o de H elm uth Krüger,
Introdução à Psicologia social, da coleçã o T em as Básicos de
P sicologia (S ão P a ulo, E P U , 1986 ). E ste livro aborda a P sicologia social
do ponto de vista da teoria cognitivista. N esta m esm a aborda gem , e xiste
ainda o tradicional m a nual de Dinâmica de grupo: pesquisa e teoria,
de C artwright e Z ander (S ão P aulo, E P U /U S P , 197 5), que aborda todos
os aspectos de grupo estudados pela P sicologia social. [pg. 148]
O livro Psicologia social, de F reedm an, C arlsm ith e S ears (S ão
P aulo, C ultrix, 1 970 ), perm ite um aprofundam ento dos conceitos de
atitude, m udança de atitude e percepçã o.
N ão podem os deixar de indicar um a bibliografia em P sicologia
social que apre sente as crítica s que se têm feito aos conhe cim entos
desenvolvidos nesta área, enfocando a P sicologia social crítica, de form a
em brionária.
N esta perspectiva, um a das obras é Psicologia social: o homem
em movimento, organiza da por S ilvia T . M . Lane e W anderle y C odo
(S ão P a ulo, Bra silie nse, 198 4), com a contribuição de vários autores. A
obra traz, na introdução, um a nova concepção de hom e m e, nos te xtos
da parte 2, os conceitos indicados por nós: representa ção social,
identidade e consciê ncia social.
R ecentem ente, a vertente crítica da P sicologia social ganhou
novos e im porta ntes títulos, com o é o caso de Novas veredas da
Psicologia social, trabalho organizado por S ilvia T . M . Lane e Bader B.
S owaia (S ão P aulo, Brasilie nse, 1995); Psicologia social
contemporânea, de M arlene N . S tre y et alii (R io de Jane iro, V ozes,
1998); Psicologia social comunitária, de R egina H elena de F . C am pos
(org.) (R io de Janeiro, V ozes, 1996); O conhecimento do cotidiano: as
representações sociais na perspectiva da Psicologia social, de
M aryjane S pink (org.) (S ão P a ulo, Brasiliense, 1 993) e Estudos sobre
comportamento político: teoria e pesquisa, de Leôncio C am ino,
Louise Lhulher, S alvador S andoval (org.) (F lorianópolis, Letras
C ontem porâneas, 19 97).

O pescador de ilusões. D ire tor T erry G illiam (E U A, 199 1) – U m
radialista bem -suce dido, se m com prom issos éticos, vive um a crise de
consciê ncia e encontra em seu cam inho um m e ndigo que m uda sua
trajetória de vida.
E ste film e m ostra com o os valores e atitudes m uda m o
com portam ento das pessoas. P ode se r analisa do, com sucesso, em
am bas as abordagens da P sicologia socia l. [pg. 149]
C AP ÍT U LO 1 0

A Psicologia como profissão

Até o m om ento, a bordam os a P sicologia com o ciência. U m a


ciência que fala do hom em a partir de seu m undo interno, sua
subjetividade , que é fonte de m anifesta ções do indivíduo, suas açõe s,
seus sonhos, seus desejos, suas em oções, sua consciê ncia e se u
inconsciente.
N este capítulo va m os abordar a P sicologia com o profissão, isto é,
a P sicologia enqua nto prática, enquanto aplicaçã o do conhe cim ento
produzido pe la ciê ncia psicológica.


A P sicologia, no Brasil, é um a profissã o reconhecida por lei, ou
seja, a Lei 4.11 9, de 1962, reconhece a existência da P sicologia com o
profissã o. S ão psicólogos, habilitados ao e xercício profissional, aquele s
que com pletam o curso de graduação e m P sicologia e se registram no
órgão profissional com petente.
O exercício da profissão, na form a com o se apresenta na Le i
4.119, e stá relacionado ao uso (que é privativo dos psicólogos) de
m étodos e técnicas da P sicologia para fins de diagnóstico psicológico,
orientação e seleção profissional, orienta ção psicope dagógica e solução
de problem as de ajustam ento.
M as essa s são “form alidades da profissão” que você nã o precisa
saber em profundidade. Aqui, nosso papo pode ser outro. P ode m os
refletir, a partir de questões form uladas por jovens que estã o escolhe ndo
seu futuro profissional, ou por estudantes que fazem a disciplina e m
cursos de 2º ou 3 º graus, ou, ainda , pelos próprios alunos dos cursos de
P sicologia. E ntão, va m os às questões: [pg. 150]
O psicólogo a divinha o que os outros pensam ?
Q uando fazem os um curso de P sicologia, passa m os a nos
conhecer m elhor?
Q ue diferença há e ntre a ajuda pre stada por um psicólogo e um
bom am igo?
O que difere ncia o trabalho do psiquiatra do trabalho do psicólogo?
Q ual a finalidade do trabalho do psicólogo?
Q uais a s área s e os locais e m que o psicólogo atua?
H á usos e ta m bém a busos da P sicologia. C erto?
C laro que não pre tendem os e sgotar todas as dúvida s sobre
P sicologia e xistentes entre os estudantes. M a s acreditam os se rem essas
as m ais fre qüentes. E spera m os que as suas estejam de ntre essas, pois
gostaría m os m uito de ajudá-lo a esclare cê-las. E ntão, va m os ao desafio
das respostas.
Antes, porém , gostaríam os de alertá -lo de que as nossa s
respostas e xpressa m posições pessoais dos autores. P or isso, sem pre
que você encontrar um psicólogo, não se aca nhe e volte a levantar sua s
dúvidas.

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P sicólogo não tem bola de cristal ne m é bruxo da sociedade
contem porânea. E le dispõe, ape nas, de um conjunto de té cnicas e de
conhecim entos que lhe possibilitam com preender o que o outro diz,
com pre ender as e xpressões e gestos que o outro faz, inte grando tudo
isso e m um quadro de análise que busca descobrir as razõe s dos atos,
dos pensa m entos, dos desejos, das em oçõe s. O psicólogo possui
instrum e ntos teóricos para desve ndar o que está im plícito, encoberto,
não-aparente e, nesse sentido, a pessoa, grupo ou instituição tem um
papel fundam ental, pois o psicólogo não pode ver nada na bola de crista l
ou nas ca rtas. P ara poder tra ba lhar, ele precisa que as pessoas fale m de
si, contem sua história, dia loguem , exponham suas re fle xões. O
psicólogo pode, junto com o paciente, desvendar razões e com pree nder
dificuldades, caracte rizando-se, assim , sua intervençã o.
P odería m os dizer, de um a form a talvez um pouco e xagerada, que
as pessoas sabe m m uito sobre si m e sm as; no e ntanto, o psicólogo
possui instrum entos adequados para auxiliar o indivíduo a com preender,
organizar e aplicar esse sa ber, pe rm itindo a sua transform ação e a
m udança da sua a çã o sobre o m eio. [pg. 151]

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
A P sicologia, com o ciência hum ana , perm itiu-nos ter um
conhecim ento abrangente sobre o hom em . S abe m os m ais sobre sua s
em oçõe s, se us se ntim entos, seus com portam entos; sa bem os sobre seu
desenvolvim e nto e suas form as de aprender; conhe cem os sua s
inquietações, vivências, angústia s, a legrias. Apesa r do grande
desenvolvim e nto a lcançado pela P sicologia, ainda há m uito o que
pesquisar sobre o psiquism o hum a no e, tentar conhecê-lo m elhor, é
sem pre um a form a de tentar conhece r-se m elhor. M as é im portante
fazerm os aqui alguns esclarecim e ntos sobre isso...
O s conhe cim entos científicos, construídos pelo hom em , estã o
todos voltados para ele. M esm o a quele s que lhe pare cem m a is distantes
foram construídos para perm itir ao hom em um a com pree nsão m aior
sobre o m undo que o cerca, e isso significa saber mais sobre si m esm o.
O que e stam os querendo dividir com você é a idéia de que o
aprendizado dos conhecim e ntos cie ntíficos possibilita se m pre um m elhor
conhecim ento sobre a vida hum ana. A Biologia , por e xem plo, perm ite-
nos um tipo de conhecim ento sobre o hom em : se u corpo, sua
constituição e sua origem . A H istória possibilita-nos com preender o
hom em enquanto parte da hum a nidade, isto é, o hom e m que, no
decorrer do tem po, foi construindo form a s de vida e , porta nto, form as de
ser. A E conom ia a brange outro conhe cim ento sobre o hom em , na
m edida e m que nos ajuda a com preender as form as de construção da
sobre vivência . N ão há dúvida: todos os conhecim e ntos pe rm item um
saber sobre o m undo e, porta nto, aum entam seu conhe cim ento sobre
você m e sm o.

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
O apoio de qualquer
pessoa pode, sem dúvida
algum a, ter um a função de ajuda
para a superaçã o de dificuldade s
— assim com o fazer ginástica,
ouvir m úsica, dançar, tom ar um a
cervejinha no bar com os am igos. A intervenção do psicólogo é intencional, planejada
e feita com a utilização de conhecimentos
[pg. 152]
N o entanto, o psicólogo, em se u trabalho, utiliza o conhe cim ento
científico na interve nção técnica. A P sicologia dispõe de té cnicas e de
instrum e ntos a propriados e cientifica m ente elabora dos, que lhe
possibilitam diagnosticar os proble m as; possui, tam bém , um m odelo de
interpretação e de intervençã o.
A intervenção do psicólogo é inte ncional, planeja da e feita com a
utilizaçã o de conhecim entos específicos do cam po da C iência. P orta nto,
difere do am igo que nã o pla neja sua interve nção, não usa
conhecim entos específicos nem pretende diagnosticar ou intervir e m
algum a specto perce bido com o crucial.
M esm o quando os psicólogos não atua m para curar, m as para
prom over a saúde já e xiste nte, eles o fazem a partir de um planeja m ento
e da pe rspectiva da C iência.
F azer giná stica pode ser algo m uito prazeroso e pode ta m bé m
ajudá-lo a aliviar te nsões e preocupa çõe s do seu dia-a-dia. M as não é
um a atividade psicoterapêutica porque não está sendo feita a partir de
um planejam ento terapêutico nem foi iniciada com um psicodiagnóstico.
C laro que, se o psicólogo utilizar a ginástica com o instrum ento de
intervenção psicoterapêutica, aí sim , a ginástica passa a fa zer parte de
um a atividade com e ssa finalidade.
V ale a qui le m brar que, se a ginástica for utilizada com outra
finalida de terapêutica que não a de interve nção no processo psicológico
do sujeito, ela deixa de ser psicotera pê utica e passa a ser, de acordo
com a nova finalida de, fisiote rapê utica, por e xem plo.
N o entanto, pode m os não ser tão rigorosos e dizer que os hom ens
construíram , a o longo de sua história, form as de ajudare m uns aos
outros na busca de um a vida m elhor e m ais feliz. Am igos são, sem
dúvida, um a “invenção” m uito boa (já dizia o poem a: “Am igo é coisa pra
se guardar, do lado esquerdo do peito...”). As religiõe s e as ciências
tam bém sã o tentativa s hum a nas de m elhorar a vida. N ão devem os,
contudo, confundir estas tentativas com a atuação espe cializada do
psicólogo.
O psicólogo é um profissional que dese nvolve um a intervenção no
processo psicológico do hom em , um a intervençã o que tem a finalidade
de torná-lo saudá vel, isto é, capa z de enfrentar as dificuldade s do
cotidiano; e fa z isso a partir de conhecim e ntos acum ulados pe las
pesquisas cie ntíficas na áre a da P sicologia.
A P sicologia, em seu desenvolvim ento histórico com o ciê ncia, criou
teorias e xplicativa s da realidade psicológica (por e xe m plo, a P sicanálise),
ou descritivas do com portam ento (por e xe m plo, o Beha viorism o), bem
com o m étodos e técnicas próprias de investiga ção da vida psicológica e
do com portam ento hum ano. [pg. 153]
H oje, a P sicologia possui instrum entos próprios para obter dados
sobre a vida psíquica, com o os te stes psicológicos (de personalidade, de
atençã o, de inteligê ncia, de interesse s etc.); as técnicas de entre vista
(individual ou grupal); as té cnica s aprim oradas de observação e registro
de dados do com portam ento hum a no.
Os dados coletados por m eio de testes, entre vista s ou
observa ções de ve m ser com preendidos a partir de m odelos psicológicos,
isto é, ca da teoria e m P sicologia te m ou se constitui em um m ode lo de
análise dos dados coletados. P or exe m plo, num a abordagem
psicana lítica, a análise dos sonhos poderá ser feita a partir da
associa ção livre do paciente cora cada um dos elem entos presente s no
sonho que relata, e estes da dos analisados a partir da teoria do apa relho
psíquico postulada por F reud.
C om a cole ta e a nálise dos dados, o psicólogo pensará sua
intervenção, que pode ser um a tera pia (e xistem inúm eras: a rogeriana, a
psicana lítica, a com portam ental, o psicodram a etc.), um treina m ento, um
trabalho de orientação de grupo ou qua lquer outro tipo de intervençã o
individual, grupal ou institucional, no se ntido da prom oção da saúde.



A P sicologia e a P siquiatria sã o áreas do saber fundada s e m
cam pos de preocupa ções difere ntes. D esde W undt, a P sicologia tem seu
objeto de estudo m arcado pela busca da com pre ensão do funcionam ento
da consciência, e nquanto a P siquiatria tem traba lhado pa ra construir e
catalogar um saber sobre a loucura, sobre a doença m ental. O s
conhecim entos alcançados pela P sicologia perm itiram realçar a
existência de um a “norm alidade”, bem com o com preender os processos
e o funcionam ento psicológicos, não a ssum indo com prom isso com o
patológico. A P siquiatria, por sua vez, desenvolveu um a sistem atiza ção
do conhecim ento e, m ais pre cisam ente, dos aspectos e do
funcionam ento psicológicos que se de svia vam de um a norm alida de,
sendo entendidos e significados socialm ente com o patológicos, com o
doença s. D e certa form a, poderíam os dizer, corre ndo o risco de um certo
exagero ou reducionism o, que, e nqua nto a P siquiatria se constitui com o
um sa ber da doença m ental ou psicológica, a P sicologia tornou-se um
saber sobre o funcionam ento m ental ou psicológico.
O m édico S igm und F reud, com suas te orizações, foi responsá vel
pela aproxim açã o e ntre e ssas dua s áre as por ter da do continuidade a o
funcionam ento norm al e patológico. F reud postulou que o patológico [pg.
154] não era m ais do que um a e xacerbação do funciona m e nto norm al,
ou seja, um a e xacerbação entre o que e ra norm al e doentio no m undo
psíquico, ocorrendo apenas um a diferença de grau. C om isso, as dua s
áreas esta va m articuladas e as respectiva s prá ticas se a sse m elhara m e
se aproxim ara m m uito, a ponto de esta rm os aqui ocupando este espaço
para esclarecerm os a você as diferenças entre elas.
M as se F re ud aproxim ou esse s saberes em suas preocupações, a
década de 50 , no sé culo 20, traria o de senvolvim ento da
psicofarm acologia, o qual foi responsá ve l por um a re tom a da das ba ses
biológicas e orgânicas da P siquia tria, tributária dos m étodos e das
técnicas da M e dicina. Assim , ocorre u um novo distanciam e nto entre a
P sicologia e a P siquiatria, sobretudo em relação a os m étodos e técnicas
de interve nção utilizados por estas duas especialidades profissionais. A
P sicologia deu continuidade à e xpansã o de seus conhecim entos por
outros ca m pos, se m pre m arcada pela busca da com preensão dos
processos de funcionam e nto do m undo psicológico, dedicando-se a
processos, com o o da aprendizagem , o dos condicionam e ntos, o da
relação entre os com portam entos e as relações sociais, ou entre os
com portam entos e o m eio am biente, o do m undo afetivo, o das diversa s
possibilidade s hum a nas; enfim , centrou-se nos varia dos aspectos que
foram se ndo a pontados com o constitutivos do m undo subjetivo, do
m undo psicológico do hom e m .
As fronteiras entre a P sicologia e a P siquiatria, e xcetuando-se as
práticas profissionais farm acológicas, tendem a diminuir no cam po
profissional no que diz respeito às intervenções nos processos
patológicos da subje tividade hum ana. O s afazeres de sses profissionais
realm ente se aproxim am m uito. O s psiquiatra s têm busca do m uitos
conhecim entos e técnicas na P sicologia, e os psicólogos têm se
dedica do m ais à com pree nsão das patologias para qualificar seus
afazere s profissionais. Q ua ndo se tom a, especificam e nte, a patologia, a
loucura, a doe nça m ental ou os distúrbios psicológicos com o tem as ou
objetos de trabalho, os pontos de contato dessas áreas sã o m uitos e o
desenvolvim e nto de um trabalho interdisciplinar tem sido a m eta de
am bos os profissionais. M as, se sairm os desse cam po e e ntrarm os no
cam po da “norm alidade”, da saúde, do desenvolvim e nto, os psicólogos
aparecerão a com pa nhados de outros profissionais, com o os assiste ntes
sociais, os pedagogos, os adm inistradores, os sociólogos, os
antropólogos e outros m ais. N este ca m po, as possibilida de s teóricas e
técnicas da P sicologia são outras: interve nçõe s nas relações sociais e
nas relações institucionais; de senvolvim e nto de trabalhos em E ducaçã o
e de program a s de intervenção no trânsito, nos esportes, na s questõe s
jurídicas, em projetos de urbaniza ção, nas artes; enfim , a P sicologia
pretende contribuir com a prom oçã o da saúde. [pg. 155]

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
U m a da s concepçõe s que vêm ganhando espa ço é a do psicólogo
com o profissional de saúde. U m profissional que, ao lado de m uitos
outros, aplica conhe cim entos e técnicas da P sicologia para promover a
saúde.
S egundo a O rganização M undial de S aúde (O M S ), saúde é o
“estado de bem -e sta r físico, m ental e social”. Am pliando um pouco essa
concepção, a o falarm os de sa úde, estam os fazendo referência a um
conjunto de condições, criadas cole tivam ente, que pe rm item a
continuidade da própria socieda de. E stam os falando, portanto, da s
condições (de alim e ntação, de e ducaçã o, de lazer, de participação na
vida social etc.) que perm ite m a um conjunto social produzir e reproduzir-
se de m odo saudá ve l.
N essa
perspectiva, o
psicólogo, com o
profissional de
saúde, de ve
em pregar se us
conhecim entos de
P sicologia na
prom oção de
O conceito de saúde envolve condições que permitem uma condições
comunidade produzir e reproduzir-se de modo saudável.
satisfatórias de
vida, na socie dade em que vive e trabalha , isto é , e m que e stá
com prom etido com o cidadã o e com o profissional.
Assim , o psicólogo tem se u trabalho relacionado às condiçõe s
gerais de vida de um a socieda de, em bora a tue enfocando a
subjetividade dos indivíduos e/ou suas m anifestaçõe s com portam entais.
P ensar a saúde dos indivíduos significa pensar a s condições objetiva s e
subjetivas de vida, de m odo indissociado.
R eafirm am os que a profissão do psicólogo de ve-se ca racteriza r
pela aplicação dos conhecim entos e técnicas da P sicologia na prom oção
da saúde . E ste trabalho pode estar se ndo realiza do nos m ais diversos
locais: consultórios, escolas, hospita is, creches e orfa natos, em presas e
sindicatos de tra balhadores, bairros, presídios, instituições de
reabilita ção de deficientes físicos e m entais, am bulatórios, postos e
centros de sa úde e outros. [pg. 156]
N este ponto, é im portante lem brar que o com prom isso do
psicólogo cora a prom oção da saúde nã o o im pedirá de inte rvir quando
se defrontar com a doença e a necessidade da cura. Isto é, depara ndo-
se com indivíduos que apresentem certa ordem de distúrbios e
sofrim entos psíquicos, que ne cessitem de um a intervenção curativa,
poderá buscar a cura atra vés de terapias verbais ou corporais (o
psicólogo não pode valer-se de m e dica m entos, pois esta é um a prática
restrita a os m é dicos — no ca so, os psiquiatras).
Assim , a prática do psicólogo com o profissional de saúde irá
caracterizar-se pela aplicaçã o dos conhecim entos psicológicos no
sentido de um a intervençã o específica junto a indivíduos, grupos e
instituições, com o objetivo de autoconhecim ento, dese nvolvim e nto
pessoal, grupal e institucional, num a postura de prom oção da saúde.
M as o que significa trabalha r para a prom oção da saúde?
M antendo o parâm e tro colocado no tre cho anterior, de que pensar
a saúde dos indivíduos significa pensar as condições objetivas e
subjetivas de vida, de m odo indissociado, podem os especifica r um pouco
m ais essa questão, quando nos referim os ao psicólogo ou à P sicologia.
Condições
subumanas de
vida prejudicam o
desenvolvimento
do indivíduo.
Pensar a saúde
significa pensar as
condições
objetivas e
subjetivas de vida.

A P sicologia te m , com o objeto de estudo, o fenôm eno psicológico,


com o já vim os no capítulo 1. E sse fe nôm eno se refe re a processos
internos ao indivíduo. E a subje tivida de , o seu m undo inte rior, que é,
com o não podem os deixar de lem brar, construído no decorre r da vida, a
partir da s relações sociais com toda sua riqueza, com toda s as suas
possibilidade s e lim itações. Aqui vam os falar de saúde m ental dos
indivíduos, significando a possibilida de de o indivíduo pe nsa r-se com o
ser histórico, perceber a construção da sua subjetividade a o longo de
um a vida. P e rcebe r a si próprio é, aqui, sinônim o de com preender-se
com o síntese de m uitas determ inações. [pg. 157] T er e m anter um a
condiçã o sa udá vel do psiquism o é conseguir pensar-se com o um
indivíduo inserido e m um a sociedade, num a teia de relações sociais, que
é o espaço onde ele torna-se hom em .
Assim , a saúde m e ntal do indivíduo está diretam e nte liga da às
condições m ateriais de vida, pois a m iséria m aterial caracterizada por
fom e, falta de habitação, de sem prego, analfabetism o, altas taxas de
m ortalidade infa ntil torna-se, nessa visã o, a condição que prejudica o
desenvolvim e nto do indivíduo. P odería m os usar a se guinte im agem para
tornar m ais claro nosso pensam ento: com o construir um m undo psíquico,
se não há m atéria -prim a ade quada? As construções se rão frágeis.
R etom a ndo e sintetizando, o psicólogo trabalha para prom ove r saúde,
isto é, trabalha para que as pessoas desenvolvam um a com pree nsã o
cada vez m aior de sua inserção na s relações sociais e de sua
constituição histórica e social enquanto ser hum ano. Q uanto m ais clareza
se tiver sobre isso, m aiores serão as possibilida des de o indivíduo lidar
com a situação cotidiana que o e nvolve, decidindo o que fazer,
projeta ndo intervenções para alterar a realidade, com preendendo a s
relaçõe s que vive e , portanto, com pree ndendo a si m esm o e a os outros.

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C oloca da a finalida de do trabalho do psicólogo, podem os agora
falar da s área s e locais nos quais ele tra balha.
N os consultórios, na s clínicas psicológica s, hospitais, am bula tórios
e centros de saúde, para citar apenas algum as instituiçõe s de saúde, os
psicólogos estarão atuando para prom over saúde. N e sse s locais, a
doença poderá estar presente, m erecendo intervençõe s te rapêuticas. Aí
o psicólogo precisa rá do conhecim ento da P sicologia para fazer um
diagnóstico, intervir e a valia r. A a tuaçã o do psicólogo ne sse cam po é
m uito conhecida; conhecem os m uita s de suas técnicas, com o testes,
entre vistas e terapia s. E sse tipo de atua ção aparece nas novelas, nos
film es e nos livros. As pessoas com um e nte se referem a esse psicólogo
com o “o terapeuta”.
N a escola ou nas instituições educa cionais (creche s, orfanatos
etc.), o processo pedagógico vai se colocar com o realida de principal.
T odo o tra balho do psicólogo estará em função deste processo e para ele
direcionado. E isso irá obrigá-lo a escolhe r técnica s em P sicologia que se
adaptem aos lim ite s que sua interve nção terá, dada a realidade
educacional. E stará sendo psicólogo porque estará utilizando o
conhecim ento da ciê ncia psicológica para com pre ende r e intervir, só que,
neste caso, com o objetivo de prom ove r sa úde num espaço que é
educacional. [pg. 158]
N a em presa ou indústria, as relaçõe s de tra balho e o processo
produtivo vão ser colocados com o re alidade principal do psicólogo.
P ortanto, os conhe cim entos, as técnicas que utilizará estarã o em função
da rea lidade e das exigências que elas colocam para o profissional. A
prom oção da saúde naquele espaço de trabalho é seu obje tivo m aior.
S em pre que fala m os nessa área, citam os as e m presa s e
indústrias, isto porque são as organizações m ais conhecidas do trabalho
dos psicólogos. M as, na verda de, se m pre que estiverm os pe nsando em
prom over sa úde a partir da intervenção nas relaçõe s de tra balho,
estarem os dentro desse cam po. H oje já existem psicólogos que faze m
trabalhos junto a sindicatos, centrais sindicais, centros de referência dos
trabalhadore s, núcle os de pesquisa do trabalho etc. S ão psicólogos que
têm com o re alidade principal de intervenção o processo de trabalho ou
as relaçõe s de traba lho. S e pensarm os assim , esse profissional poderá
estar atuando num hospital ou num a escola, de sde que sua intervençã o
se dê no proce sso de trabalho, e não no proce sso de tratam ento da
saúde ou no processo educacional.
E stam os querendo dizer, com isso, que não há um a P sicologia
C línica, outra E scolar, e ainda outra O rganizacional, m as há a
Psicologia, com o corpo de conhecim e nto cie ntífico, que é aplica da a
processos individuais ou a relações entre pessoa s, nas e scolas, nas
indústrias e nas clínicas, assim com o em hospitais, pre sídios, orfanatos,
am bulatórios, ce ntros de saúde etc. C laro que nã o podem os nega r que,
na m e dida em que os psicólogos iniciam suas a tuações nesses cam pos,
passam a desenvolve r discussõe s e refle xõe s que especificam um a
intervenção. Isso pode le var, tem le vado e é desejá vel que leve à
construção de conhe cim entos específicos de cada ca m po: sua clientela ,
seus processos, sua problem á tica, criando assim , com o áreas de
conhecim ento de ntro da P sicologia, a P sicologia E ducacional, com todos
os seus ra m os: aprendizagem , alfabetização, relação profe ssor-aluno,
análise institucional do espaço escolar, fracasso escolar, educação de
deficientes etc. a P sicologia
C línica, cora todo seu
conhecim ento sobre populações
específicas, com o a P sicologia da
gra vide z e do puerpério, a
P sicologia da terce ira ida de etc.
seus conhe cim entos sobre os
estados psíquicos altera dos, sobre A Psicologia do trabalho busca promover a
a angústia , a ansie dade, o luto, o saúde a artir da intervenção nas relações e

suicídio etc. E a P sicologia do T rabalho, tam bém com se us


conhecim entos: o stress, conseqüência s psíquicas do trabalho, a saúde
do trabalha dor, as técnicas de seleção, treina m ento, a valiaçã o de
desem penho etc. [pg. 159]
H á, ainda, a possibilidade de o psicólogo se dedicar a o magistério
de ensino superior e à pesquisa. E sses profissionais estão m ais
ligados à C iência P sicológica enquanto corpo de conhecim entos,
produzindo-os ou tra nsm itindo-os. E ssas são considera das atuações de
base na profissão, pois, para atuar, os psicólogos de pende m da
produção do conhecim ento e da form a çã o de profissiona is. E tam bém ao
magistério do ensino profissional (antigo ensino técnico), com o pode
ser o caso de se u professor. E sse profissional tra balha no sentido de
contribuir com a form ação dos jovens, dando-lhes m ais um a
possibilidade de e nriquecer a leitura e com preensão que tê m do m undo.
D e vido aos conhecim entos que possui sobre o psiquism o hum a no,
o psicólogo tem sido requisita do tam bé m para o trabalho nas áreas de
publicidade — na produção de im a ge ns (de políticos, por e xem plo);
M arketing, pesquisa s de m erca do etc. E le está conquistando espaços na
área esportiva, junto à Justiça, nos presídios e na s instituiçõe s cham adas
de reeducaçã o ou re abilitação. P ode-se citar, tam bém , um a área m enos
acessível para o psicólogo, m as na qual sua contribuiçã o tem sido
prestim osa, que é a de planejam ento urbano.
F ica claro, porta nto, que a P sicologia possui um conhecim ento
im porta nte para a com preensão da re alidade e por isso é utilizada, pelos
psicólogos ou por outros profissionais, e m vários locais de trabalho, e m
vá rios cam pos. M as os psicólogos tam bé m precisam dos conhecim e ntos
de outras áreas da ciência para construir um a visão m ais globalizante do
fenôm e no e studa do. N a E ducação, por e xem plo, o psicólogo tem
necessidade dos conhecim entos da P edagogia, da S ociologia e da
F ilosofia .
N a m aioria dos locais de trabalho, os psicólogos não estão
sozinhos. N esses locais, o profissional necessita com por-se em equipes
m ultidisciplinares, onde cada um , com seu conhecim e nto espe cífico,
procura inte grar suas a nálise s e te r, assim , um a com preensão
globalizante do fe nôm eno e studa do e um a prática inte grada .

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A P sicologia, além de usada pelos psicólogos, tem sido ta m bém
“abusa da” por eles. O sentido do abuso, ou m elhor, o crité rio do abuso
da P sicologia pode ser dado pelo fato de não e star se ndo usado o
conhecim ento para a prom oção da saúde da coletivida de.
N ão gostaríam os aqui de apontar locais ou processos onde esse
fato estaria ocorre ndo, pois ele poderá a contece r em qualque r prática de
qualquer psicólogo — na clínica, na escola, no hospital psiquiátrico ou na
em presa. N o e ntanto, um deles não de ve deixar [pg. 160] de ser citado:
a utilização da P sicologia para práticas repressivas, que podem e xistir
nas escolas, pre sídios, instituições e ducaciona is e/ou de reabilita ção,
hospitais psiquiátricos etc.
Isto se torna possível porque o conhecim ento da P sicologia , ao
perm itir que saibam os prom over a saúde m ental, permite ta m bém que
saibam os prom ove r a loucura, o m e do, a insegurança, com o objetivo de
coagir o indivíduo.


O psicólogo, com o profissional de sa úde, prom otor de saúde, é um
profissional que de ve em pre gar seus conhecim entos de P sicologia para
que sua sociedade tenha as condições necessárias e a dequadas para
existir, para produzir e se reproduzir, para que impere neste conjunto
social o bem -estar físico, m ental e social. E nfim , atua para que haja
saúde em sua socie dade. M a s nem sem pre as coisa s acontecem desta
m aneira ...

1. O HOMEM QUE FOI COLOCADO NUMA GAIOLA


C erta noite, o soberano de um país dista nte esta va de pé à janela ,
ouvindo vagam ente a m úsica que vinha da sala de rece pçã o, do outro
lado do palácio. E sta va cansa do da re cepção diplom ática a que acabara
de com pare cer e olhava pela janela , cogitando sobre o m undo em geral e
nada e m particular. S eu olhar pousou num hom e m que se encontra va na
praça, lá em baixo — aparentem ente um elem ento da cla sse m édia,
encam inhando-se para a esquina, a fim de tom ar um bonde para casa,
percurso que fazia cinco noites por se m ana, há m uitos a nos. O re i
acom pa nhou o hom em em im aginação — fantasiou-o che ga ndo a casa,
beijando distra idam e nte a m ulher, faze ndo sua refeição, indagando se
tudo esta va bem com as crianças, lendo o jornal, indo para a cam a,
talvez se entre gando ao ato do am or com a m ulher, ou talvez nã o,
dorm indo, e le vanta ndo-se para sair nova m ente para o tra balho no dia
seguinte.
E um a súbita curiosidade a ssaltou o rei, que por um m om ento
esqueceu o ca nsaço. “Q ue aconteceria se conservasse m um a pessoa
num a gaiola, com o os anim ais do zoológico?”
N o dia seguinte, o re i cham ou um psicólogo, falou-lhe de sua idéia
e convidou-o a obse rvar a e xperiência. E m seguida , m andou trazer um a
gaiola do zoológico e o hom e m de classe m édia foi nela coloca do.
A princípio ficou ape nas confuso, repetindo para o psicólogo que o
observa va do lado de fora: “P reciso pegar o trem , preciso ir para o
trabalho, veja que horas são, chegarei atrasado!” À tarde com eçou a
perceber o que esta va a conte cendo e protestou, veem e nte: “O rei não
pode fa zer isso com igo! É injusto, é contra a lei!” F a la va com voz forte e
olhos fa iscantes de raiva.
D urante a sem a na continuou a recla m ar com ve em ência. Q uando
o rei passa va pela gaiola, o que acontecia diariam ente, prote sta va dire to
ao m onarca. M as este respondia: “V ocê está bem alimentado, tem um a
boa ca m a, não precisa trabalhar. E stam os cuidando de você. P or que
reclam a ?” Após alguns dias, as objeções do hom em com eçara m a
dim inuir e a caba ra m por cessar totalm ente. F ica va sorum bático na
gaiola, recusando-se em geral a falar, m as o psicólogo via que seus
olhos brilha vam de ódio.
Após várias se m anas, o psicólogo notou que ha via um a pausa
cada ve z m ais prolonga da depois que o rei lhe le m bra va diariam ente que
esta vam cuidando bem dele — durante um segundo o ódio era afasta do,
para depois voltar — com o se o hom e m pergunta sse a si m esm o se seria
ve rdade o que o rei ha via dito.
M ais algum as sem a nas pa ssara m -se e o prisioneiro com eçou a
discutir com o psicólogo se se ria útil dar a alguém alim ento e abrigo, a
afirm ar que o hom e m tinha que viver se u destino de qualquer m aneira e
que era sensato ace itá-lo. Assim , quando um grupo de profe ssores [pg.
161] e alunos veio um dia observá-lo na gaiola, tratou-os cordialm e nte,
explica ndo que escolhera a quela m aneira de viver; que ha via grande s
va ntagens em estar protegido; que ele s veriam com certeza o quanto era
sensata a sua m aneira de a gir etc. Q ue coisa estranha e patética,
pensou o psicólogo. P or que insiste tanto em que aprove m sua m aneira
de viver?
N os dias se guinte s, quando o rei passava pelo pá tio, o hom em
inclina va-se por detrás das barras da gaiola, agradecendo-lhe o alim ento
e o abrigo. M as qua ndo o m onarca nã o esta va presente o hom em não
percebia estar sendo observa do pelo psicólogo, sua e xpressão era
inteiram ente diversa — im pertinente e m al-hum orada. Q uando lhe
entrega vam o alim ento pe las grades, às vezes deixa va cair os pratos, ou
derram a va a á gua, e depois fica va em baraça do por ter sido desajeita do.
S ua conversação pa ssou a ter um único sentido: e m vez de com plicadas
teorias filosóficas sobre as vanta gens de ser be m trata do, lim ita va-se a
frases sim ples com o: “É o destino”, que repetia infinitam ente. O u então
m urm ura va apenas: “É ”.
D ifícil dizer quando se esta beleceu a últim a fase, m a s o psicólogo
percebeu um dia que o rosto do hom em não tinha e xpressã o algum a: o
sorriso de ixara de se r subserviente, torna ra-se vazio, sem sentido, com o
a care ta de um bebê aflito com ga ses. O hom em com ia , troca va algum a s
frases com o psicólogo, de vez em quando. T inha o olhar vago e distante
e, em bora fita sse o psicólogo, parecia nã o vê-lo de verdade .
E m suas rara s conversas deixou de usar a pala vra “eu”. Aceitara a
gaiola. N ão sentia ira , zanga, não racionaliza va. E sta va louco.
N aquela noite, o psicólogo instalou-se em seu ga binete ,
procura ndo escre ve r o relatório final, m as a chando dificuldade em
encontrar os term os corretos, pois se ntia um grande va zio inte rior.
P rocura va tra nqüilizar-se com as pala vras: “D izem que nada se perde,
que a m atéria sim plesm ente se transform a em energia e é assim
recuperada”. C ontudo, nã o podia afastar a idéia de que algo se perdera ,
algo fora rouba do ao universo naquela e xperiência. E o que re sta va era o
va zio.

R ollo M a y. O homem à procura de si mesmo.


9. ed. P etrópolis, V ozes, 19 82. p. 121-3 (C oleçã o P sicanálise v. II).

2. CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO


Princípios Fundamentais:
I — O psicólogo baseará o se u trabalho no respeito à dignidade e
integridade do ser hum ano.
II — O psicólogo trabalhará visando prom over o bem -esta r do
indivíduo e da com unidade, be m com o a descoberta de m étodos e
práticas que possibilitem a consecução desse objetivo.
III — O psicólogo, e m seu trabalho, procurará sem pre de senvolve r
o sentido de sua responsabilidade profissional atra vés de um consta nte
desenvolvim e nto pessoal, cie ntífico, técnico e ético.
IV — A atuação profissional do psicólogo com pree nderá um a
análise crítica da re a lida de política e social.
V — O psicólogo e stará a par dos estudos e pesquisa s m ais a tuais
de sua áre a, contribuirá pessoalm ente para o progresso da ciência
psicológica e será um estudioso das ciências afins.
V I — O psicólogo colaborará na criação de condições que visem a
elim inar a opressão e a m arginalização do ser hum ano.
V II — O psicólogo, no e xercício de sua profissã o, com pleta rá a
definiçã o de suas re sponsabilida des, direitos e de veres, de acordo com
os princípios esta belecidos na D eclaração U niversal dos D ireitos
H um anos, aprovada em 10/12/1948 pela Assem bléia G eral das N açõe s
U nidas.

C onselho F e deral de P sicologia. Psicologia-Legislação.


Brasília, 1995 . nº 7. p. 100. [pg. 162]

3. O PAPEL DO PSICÓLOGO
O trabalho profissional do psicólogo de ve ser definido em função
das circunstâncias concretas da população a que de ve atender. A
situaçã o atual dos povos centro-am erica nos pode ser ca racterizada por:
a) a injustiça estrutural, b) as guerras ou quase-guerra s re volucionárias,
e c) a perda da soberania nacional. Ainda que o psicólogo não seja
cham ado para resolver tais problem as, e le de ve contribuir, a partir de sua
especificidade, para buscar um a resposta. P ropõe-se com o horizonte do
seu que fazer a conscientização, isto é, ele de ve ajudar as pessoas a
superarem sua identidade alie nada, pe ssoal e social, ao transform ar as
condições opressiva s do seu conte xto. Aceitar a conscientização com o
horizonte nã o e xige tanto m udar o cam po de tra balho, m as a perspectiva
teórica e prática a partir da qual se tra ba lha. P ressupõe que o psicólogo
centro-a m ericano re coloque seu conhecim ento e sua prá xis, assum a a
perspectiva da s m aiorias populare s e opte por acom pa nhá-las no se u
cam inho histórico e m direçã o à libertaçã o.

Ignácio M artín-Baró. In: Estudos de Psicologia. 1 997.


1. O psicólogo adivinha o que os outros pensam ?
2. O curso de P sicologia auxilia as pessoas a conhecere m -se m elhor?
E xistem outras form as de se obter esse conhecim ento?
3. Q ue diferença há entre a ajuda pre stada por um psicólogo e por um
bom am igo?
4. E m que se difere nciam a prática do psicólogo e do psiquiatra?
5. Q ual a finalidade do trabalho do psicólogo? Q uais as áre as e os locais
em que atua ?
6. H á a busos no uso da P sicologia? Q uais?

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1. D iscuta com seus colegas o conceito global de saúde.
2. U sando o te xto com plem entar nº 1 com o referência, discutam a
fabricação da loucura e procurem encontrar, em nosso m e io social,
situações em que a loucura estaria sendo produzida.
3. O que é ser psicólogo? D iscuta m em grupo esta questão e,
posteriorm ente, fa ça m um painel com os resultados das discussões
dos diversos grupos, enfocando a que stão: qual a importância do
psicólogo em nossa socieda de?
4. E m que a disciplina de P sicologia te m contribuído para sua form ação
com o se r hum ano?
5. C onvidem um psicólogo para conversar com a classe, responde ndo a
questões e e sclare cendo dúvida s sobre a profissão.
6. A partir dos textos com plem e nta res nº s 2 e 3, discutam a s
responsabilidades do psicólogo no e xercício de sua profissão. [pg.
163]

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Para o professor
A bibliogra fia aqui indicada é apenas pa ra o professor, pois não há
nada acessíve l para o aluno e m torno desta que stão. N o entanto, dos
livros aba ixo cita dos, alguns capítulos ou trechos pode m se r indicados
para os alunos.
P ara um a a valiaçã o crítica do trabalho dos psicólogos nas
diferentes áre as de atua ção profissiona l, o livro Psicologia social: o
homem em movimento (S ã o P a ulo, Brasiliense, 19 84), organizado por
S ilvia T . M . La ne e W anderle y C odo, aprese nta um a parte intitulada
“Práxis do psicólogo”, onde quatro autores a nalisa m critica m ente cada
um a das áreas — a Psicologia educacional, analisada por José C arlos
Libâne o; a Psicologia clínica, por Alfredo N affah N eto; a Psicologia
industrial, por W anderle y C odo; e a área da Psicologia na
comunidade, por Alberto Abib Andery.
E xistem algum as boas fontes de inform ação, pa ra o professor
desenvolver m ais com seus alunos as características da profissão ou
fornecer m ais inform ações a respeito. São elas: Psicólogo,
informações sobre o exercício da profissão, do S indicato dos
P sicólogos no E stado de S ão P a ulo (S ão P aulo, C ortez, 198 7 ) e O perfil
do psicólogo no estado de São Paulo, do S indicato dos P sicólogos no
E stado de S ão P a ulo e C onselho R egional de P sicologia — 6ª região
(S ão P aulo, C orte z, 1984); do C onselho F ederal há duas boa s
publica ções: Quem é o psicólogo brasileiro? (S ão P aulo,
E dicon/E duc/Scientiae et Labor, 198 8) e, bem m ais re cente, a publicação
Psicólogo brasileiro: práticas emergentes e desafios para a
formação (S ã o P a ulo, C asa do P sicólogo, 1994 ).
U m a refle xão m ais a profundada sobre a P sicologia já está indicada
na bibliografia do ca pítulo 1, a cresce nta ndo-se a introdução do volum e
do livro Crítica dos fundamentos da Psicologia, de G eorges P olitzer
(Lisboa, P re sença, 1975) e Aventuras do barão de Münchhausen na
Psicologia, de Ana M . B. Bock (S ão P aulo, E duc, 19 99), que traz um
debate interessante sobre o conceito de fenôm eno psicológico entre os
psicólogos e nas publicações das entida des profissiona is da categoria.

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O Príncipe das marés. Direção Barbra S treisand (E U A, 1 99 1) – É
um film e rom â ntico que retrata o trabalho de um a psicóloga, m as, com o
acontece na m aior parte dos casos, aborda apenas o trabalho clínico, em
consultório. M as pode ajuda r!
Gênio indomável. D ireção G us V an S a nt e outros (E U A, 1 9 97) –
O film e m ostra a vida de um jovem m uito intelige nte, que apresenta
conduta social basta nte inadequada . V ários profissionais tentam atendê-
lo sem , contudo, obter sucesso. S ua vida m uda quando um psicólogo
consegue re alizar o tratam ento. [pg. 164]
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CAPÍTULO 11 • A MULTIDETERMINAÇÃO DO HUMANO: UMA VISÃO EM

PSICOLOGIA
CAPÍTULO 12 • A INTELIGÊNCIA

CAPÍTULO 13 • VIDA AFETIVA

CAPÍTULO 14 • IDENTIDADE
CAPÍTULO 15 • PSICOLOGIA INSTITUCIONAL E PROCESSO GRUPAL
CAPÍTULO 16 • SEXUALIDADE [pg. 165]
C AP ÍT U LO 1 1

A multideterminação do humano:
uma visão em Psicologia

“Eu sou eu e a minha circunstância”


O rtega Y G asset

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“P au que nasce torto, não te m jeito, m orre torto!”
E is aqui um provérbio popular que e xpressa por inteiro o que
pretendem os questionar e discutir neste capítulo.
E não é só na crença popular que está presente a idéia de que o
ser hum a no nasce já dotado das qualidades que , no decorrer de sua
vida, irão ou não se m anifestar. N a F ilosofia encontrarem os, em diversas
corrente s, idéias se m elhantes a esta.
Bleger, em seu livro Psicologia da conduta, siste m atiza pelo m enos
três mitos filosóficos, que influenciara m as ciência s hum a nas em geral
e a P sicologia em particular, e que a pre sentam a idéia de que o hom em
nasce pronto.
• O mito do homem natural: concebe o hom em com o possuidor de um a
essência original que o caracteriza com o bom , possuindo qualidades
que, por influência da organização social, se m anifestariam , perderiam
ou m odificariam , isto é, o hom e m nasce bom , m a s a sociedade o
corrom pe.
• O mito do homem isolado: supõe o hom em com o, originária e
prim itiva m ente , um ser isolado, não-social, que desenvolve
gradualm ente a nece ssidade de relaciona r-se com os outros indivíduos.
Alguns teóricos consideram nece ssário, para e sse relaciona m ento, um
instinto espe cial, que Le Bon, um dos pioneiros da P sicologia social,
denom inou instinto gregário. S em e sse instinto, o hom em não
conseguiria rela cionar-se com seus sem elhante s, e seria im possível a
form açã o da socie da de.
• O mito do homem abstrato: nessa concepçã o, o hom em surge com o
um ser cujas cara cterísticas independe m das situações de vida. O ser
está isolado das situações históricas e prese ntes em [pg. 167] que
transcorre sua vida. O hom em é estudado com o o “homem em geral”, e
seus atributos ou proprie dades passa m a ser apresenta dos com o
universais, independentes do m om ento histórico e tipo de socieda de
em que se insere e das relações que vive. N este ca so, um a pe ssoa que
viveu na época do Brasil C olônia não diferiria de um a pessoa do Brasil
atual, com o se o dese nvolvim ento econôm ico e te cnológico não
interferisse na form a ção do indivíduo.
S ob o nosso ponto de vista, o hom e m não pode ser conce bido
com o se r natural, porque e le é um produto histórico, ne m pode se r
estuda do com o ser isolado, porque ele se torna hum a no em função de
ser social, nem ser concebido com o ser abstrato, porque o hom em é o
conjunto de sua s relações sociais. E é disto que irem os tratar neste
capítulo.

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E ssa pergunta tem instigado poetas, filósofos, cie ntistas e hom ens
de todos os tem pos, e m ais um a ve z nos depara m os com ela .
O poeta C arlos D rum m ond de Andrade, tam bém preocupa do com
o hom e m , pergunta em sua poesia:

M as que coisa é hom em ,


que há sob o nom e:
um a ge ografia?

um ser m etafísico?
um a fábula sem
signo que a desm onte?

C om o pode o hom e m
sentir-se a si m esm o,
quando o m undo som e?

C om o vai o hom em
junto de outro hom e m ,
sem perder o nom e ?

E não perde o nom e


e o sal que ele com e
nada lhe acrescenta

nem lhe subtrai


da doa ção do pai?
C om o se faz um hom em ?

Apenas deita r,
copular, à espera?
de que do a bdôm en

brote a flor do hom e m ?


C om o se fazer
a si m esm o, a ntes

de fazer o hom em ?
F abricar o pai
e o pai e outro pai

e um pa i m ais rem oto


que o prim eiro hom e m ?
(...) 1 [pg. 168]

E ntão, quem é o hom em ?


V árias re spostas podem ser dada s a esta pergunta, e xpressando
diferentes pontos de vista ou difere ntes visões de hom em .
N ós escolhem os um a delas pa ra apre sentar aqui, e que é, na
ve rdade, a concepçã o de hom em que fundam enta este livro:

O H O M E M É U M S E R S Ó C IO -H IS T Ó R IC O

M as, para que e ssa concepçã o fique m ais clara, é nece ssário
desenvolvê-la m elhor.
A prim eira coisa que podem os dizer sobre o hom em é que ele
pertence a um a espécie anim al — Homo sapiens. T odos nós
dependem os dos genes que re cebe m os de nossos ance strais para
form ar nosso corpo, obedecendo às cara cterística s de nossa espécie .

A evolução do
homem

1
Carlos Drummond de Andrade. Especulações em torno da palavra homem. In: Obra completa. Rio de
Janeiro, José Aguilar, 1967. v. único. p. 302.
N o entanto, a Biologia já nos ensinou que os genes se m a nife stam
sob determ inadas condições am bientais (físicas e sociais). E xperiê ncias
dem onstram que peixe s com dete rm ina do gene para cor de olho, quando
nascidos em um m eio e xpe rim ental distinto de seu m eio natura l,
aprese ntam olhos de outra cor. É por isso que se diz que todos os traços,
físicos ou m entais, norm ais ou não, sã o ao m esm o tem po genéticos e
am bientais.
T em os, porta nto, um conjunto de traços herdados que, em contato
com um am bie nte determ inado, têm com o resulta do um se r específico,
individual e particular.
O que a natureza (o biológico) dá ao hom em quando ele nasce
não basta, porém , para gara ntir sua vida em sociedade. [pg. 169] E le
precisa adquirir várias aptidõe s, aprender
as form as de satisfa zer as necessidades,
apropriar-se, enfim , do que a socieda de
hum ana criou no decurso de se u
desenvolvim ento histórico.
S e você pensar nas coisas que sabe
fazer — escovar os dentes, com er com
talhe res, beber água no copo, jogar futebol
e video game, escre ver, le r este te xto,
discuti-lo — , com preenderá que nossa s
aptidõe s, nosso saber-fazer, não são
transm itidos por hereditariedade biológica,
A criança aprende e reproduz o curso m as adquiridos no de correr da vida , por
do desenvolvimento histórico da
humanidade. um processo de apropriaçã o da cultura
criado pelas geraçõe s prece dente s.

O HOMEM APRENDE A SER HOMEM


N ão querem os dize r com isso que o hom em esteja subtraído
do cam po de ação das leis biológicas, m as que as m odificaçõe s
biológicas hereditárias não determ ina m o dese nvolvim e nto sócio-
histórico do hom e m e da hum a nidade: dão-lhe suste ntação. As
condições biológica s perm ite m ao hom em apropriar-se da cultura e
form ar a s capacida des e funções psíquicas.

A única a ptidã o inata no hom em é a aptidão para a form açã o de


outras a ptidões.

E ssas aptidões se form arão a partir do contato com o m undo dos


objetos e com fenôm enos da re alida de objetiva, resultado da e xperiência
sócio-histórica da hum anidade. E o m undo da ciê ncia, da arte, dos
instrum e ntos, da tecnologia , dos conceitos e idéia s. P ara se apropriar
desse m undo, o hom em dese nvolve atividades que reproduzem os
traços esse nciais da atividade acum ulada e cristalizada nesses produtos
da cultura. S ão e xe m plos esclarece dore s a aprendiza gem do m anuseio
de instrum entos e a da linguage m .
O s instrum entos hum anos le vam em si os traços característicos da
criação hum ana . E stão neles fixa das as operações de tra balho [pg. 170]
historica m ente ela boradas. P ense num a enxada ou em um lá pis. A m ã o
hum ana, que produziu esses objetos, subordina-se a eles, reorganiza ndo
os m ovim e ntos naturais do hom em e form ando capacidades m otoras
novas, capacidades que fica ram incorporadas nesses instrum entos.
T am bém o dom ínio da linguagem não é outra coisa se não o
processo de apropriação das significações e das operações fonéticas
fixadas na língua.
Assim , a assim ilação pelo hom em de sua cultura é um processo de
reprodução no indivíduo das proprieda des e aptidõe s historicame nte
form ada s pela espé cie hum ana. A criança, colocada dia nte do m undo
dos objetos hum anos, de ve agir adequa dam ente nesse m undo para se
apropriar da cultura, isto é, de ve aprende r a utilizar os objetos. T orna-se ,
então, condição fundam ental para que isso ocorra, que as relações do
indivíduo com o m undo dos objetos seja m m ediadas pelas re lações com
os outros indivíduos. A criança é introduzida no m undo da cultura por
outros indivíduos, que a guiam ne sse m undo.
H . P iéron resum e esse pe nsam ento em um a frase bastante
interessante:
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D uas im agens são interessantes aqui: a inda que coloquem os os
objetos da cultura hum ana na gaiola de um anim al, isso não torna
possível a m a nifesta ção das proprieda de s específicas que e stes obje tos
têm para o hom em . O anim al não se apropria desses objetos e das
aptidõe s cristalizada s neles. P ode m anuseá-los, m a s eles nã o passarã o
de elem entos do m eio natural. O hom em , ao contrá rio, aprenderá com os
outros indivíduos a utilizá-los, e xtraindo do objeto aptidões m otoras.
O utra im agem é a de um a catá strofe no planeta que elim inasse
todos os adultos e preservasse as cria nças pequenas. A história seria
interrom pida, com o a firm a Le ontie v.
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S e retom arm os agora a form ação biológica de cada indivíduo, com
cargas genéticas diferentes, poderem os postular aqui que a s disposições
inatas que individualizam ca da hom e m , deixando m arcas no seu
desenvolvim e nto, não interferem no conteúdo ou na qualida de das
possibilidade s de desenvolvim e nto, m as ape nas em alguns tra ços
particulares da sua atividade. Assim , a partir do aprendizado ou da
apropriação de um a língua tonal, os indivíduos, independentem ente de
suas cargas hereditárias, form arã o o ouvido tonal (ca paz de discernir a
altura de um com plexo sonoro e distinguir as relações tonais). N o
entanto, ne ssa população, alguém poderá ter herdado de seus pais

2
Apud A. Leontiev. O desenvolvimento do psiquismo. p. 238.
3
A. Leontiev. Op. cit. p. 272.
ouvido a bsoluto, o que lhe dará um a acuida de auditiva diferencia da,
possibilitando-lhe tornar-se um m úsico brilhante.
E ssas difere nças entre os indivíduos e xistem , m as não sã o elas
que justificam a s grandes diferenças que tem os e m nossa socieda de.
P ois, re petindo, essa s difere nças biológicas gera m ape nas a lguns tra ços
particulares na atividade dos indivíduos. O u seja, todos aprendem a
fazer, só que colorem se u fa zer com alguns traços particulares,
singulares, individua is. As nossas diferenças sociais são m uito m aiores
— tem os crianças que sabem fazer e outras que nã o aprendera m e,
portanto, nã o desenvolvera m certas aptidões. E ssas difere nças estã o
fundadas no a cesso à cultura, que em nossa sociedade se dá de form a
de sigual. E xiste m crianças que não têm brinquedos sofisticados, e até
aquela s que não tê m os m ais com uns; crianças que nã o m anuse iam
talheres ou lápis; crianças que não a ndam de bicicleta, ou que nunca
via jaram . T em os até m uitos a dultos que não apre nderam a ler e escre ver
e, portanto, nunca leram um livro; que nunca saíram do local onde
nascera m e não sa bem que o hom e m já vai à Lua; nunca vira m um
avião, nem im agina m o que seja um com putador. E sse s são alguns
exem plos. N ão precisam os nos alongar, porque você, com certeza, já
percebeu essas diferenças. O ra, se dese nvolvem os nossa hum anida de a
partir da apropriaçã o das rea lizações do progresso histórico, é cla ro que,
num a sociedade onde essa igualda de não ocorre, fica excluída a
possibilidade de igua ldade e ntre os indivíduos.
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
podendo ca da um desenvolver seu potencial para que se
expressem suas particularida des. [pg. 172]

4
A. Leontiev. Op. cit. p. 257.
As relações sociais e as
atividades do homem no
mundo são as
responsáveis pela sua
configuração como ser.

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Q uando nos coloca m os essa questão, e stam os quere ndo e xplicitar
as proprieda des ou características que fazem do anim al hom em um ser
hum ano. O que nos distingue dos outros seres? Q uais são nossa s
particularidades enquanto seres hum a nos?

O HOMEM TRABALHA E UTILIZA INSTRUMENTOS


Inicialm e nte, salienta m os com o caracte rística hum a na o tra balho e
o uso de instrum entos. Alguns anim ais, talvez a m aioria dele s, executa m
atividades que se a ssem elham ao trabalho hum a no: a aranha que tece a
teia, a abelha que fa brica a colm éia e as form igas que incessantem e nte
carrega m folhas e restos de anim ais pa ra sua “cida dela”. E podería m os
dizer que as operações desses anim ais se assem elham às de
trabalhadore s hum a nos — tecelões, arquitetos e operários. M as o m ais
inábil traba lhador hum ano difere do m ais “habilidoso” anim al, pois, antes
de iniciar seu trabalho, já o pla nejou e m sua ca beça. N o térm ino do
processo de trabalho, o hom em obtém com o resultado algo que já e xistia
em sua m ente. O trabalho hum a no está subordinado à vonta de e ao
pensam ento conceitual.
O uso de instrum e ntos tam bém nã o é exa tam e nte um a novidade
no m undo anim a l. O castor, o
m acaco, algum as e spécies de
aves tam bém faze m uso de
instrum e ntos. M as esse uso
está m arca do pelo fato de o
anim al não te r consciê ncia
disso. S e um m aca co [pg. 173]
vê à sua frente um peda ço de
pau, poderá com ele tenta r
apanhar um a fruta em local
Apesar de manipular a máquina fotográfica à
semelhança do homem, o macaco não tem consciência pouco acessíve l, m as, se não
de sua utilidade.
há nenhum instrum e nto à vista,
ele fica sem a fruta. O m acaco não tem condições de raciocinar: “P oxa, e
aque le pauzinho que eu usei onte m , onde será que eu deixe i?”.
O m acaco tem a im agem do instrum ento, m as não tem o conceito
de instrum ento. E le aprende a utilizá-lo, m as não pode dizer ou pensa r
para que serve.
Uma bre ve história de um e xperim ento pode rá ajudar a
entenderm os esta afirm açã o de que o m acaco aprende m as não
conceitua.

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V eja só, o m acaco aprendeu a usar o conteúdo do balde para


apagar o fogo, m a s não foi capa z de conceitualizá-lo, já que nã o
percebeu que o conteúdo do balde era o m esm o do tanque. E ntre tanto,
se estivesse com se de, ele beberia indistintam e nte tanto o conteúdo do
tanque com o o do ba lde.
E ntão, para que o instrum ento seja considerado um instrum e nto de
trabalho, é necessário que a sua repre se ntação na mente [pg. 174] seja
conceitualiza da e, desta m aneira , transform e-se em um prim eiro da do de
consciê ncia.

O HOMEM CRIA E UTILIZA A LINGUAGEM


P ara o psicólogo Ale xis Le ontie v, a linguagem é o ele m ento
concreto que perm ite ao hom em ter consciência das coisas. M a s, para
chegar até a lingua gem , houve alguns antece dente s. S e ra ciocinarm os
em term os e volutivos (teoria e volucionista de D arwin), o hom em te ve sua
origem a partir de um antropóide.
As condições para que o hom em chegasse até a linguage m foram
as seguintes:
1. esse a ntropóide aprendeu a a ndar sem usar a s m ãos, ficou ereto e
com as m ãos livres;
2. esse a ntropóide vivia em grupo (com o ocorre u com m uitas espé cies
de m acacos);
3. esse grupo de antropóides tinha dedo opositor, o que perm itia a
utilizaçã o de instrum entos (por e xem plo, um pedaço de pau para
apanhar alim entos);
4. o sistem a ne rvoso dispunha de suporte m ínim o para o
desenvolvim e nto da linguagem .
N o decorrer da e volução do hom e m atual (são ce rca de 5 m ilhõe s
de anos desde o a parecim ento do australopithecus aferensis, prim eiro
antropóide ou m acaco com características hum anóides, a té o homo
neanderthalensi e o homo sapiens prim itivos — nossos antepassa dos
diretos, que prova velm ente surgiram há 30 m il a nos), aprendem os a
transform ar o instrum ento em instrum ento de trabalho (instrum ento com
objetivo de term inado), a registrá-lo sim bolicam ente em nosso sistem a
nervoso central (a parecim ento da consciência) e a denom iná-lo
(aparecim ento da linguage m ).
E ste dese nvolvim ento foi, evidente m ente, m uito lento (5 m ilhões de
anos repre senta m m uito, m as m uito tem po m esm o...). C ada a vanço
represe ntou um a enorm e conquista para o desenvolvim ento da
hum anidade. A descoberta de que a vocalizaçã o (transform a ção de um
grunhido em som com significado) poderia ser usada na com unicação
equivale, nos tem pos atuais, à de scoberta dos chips eletrônicos.
O fato é que o instrum ento de trabalho induz o aparecim ento da
consciê ncia (isso ocorre de form a concom itante) e cria a s [pg. 175]
condições para o surgim e nto da linguagem — três condições que
im pulsionam o dese nvolvim e nto hum ano.

O HOMEM COMPREENDE O MUNDO AO SEU REDOR


T odos nós já obse rvam os o com porta m ento de um a peque na
aranha na sua teia. A teia é te cida pa ra garantir sua alim enta ção e ,
quando um de sa visa do inseto bate nessa teia, fica preso a ela . P ronto, o
alm oço está gara ntido! O inseto, que tam bém luta pela sobre vivê ncia,
debate-se tentando escapar da arm adilha. E sta vibração é um a espécie
de a viso para a aranha, que dispara em direção a ela e envolve o inseto,
aplicando-lhe seu veneno. S e nós pega rm os um dia pasão e vibrarm os
esse instrum ento junto à teia da aranha, estare m os sim ulando um a
situaçã o parecida com a vibração causada pelo inseto. O resultado é que
a ara nha irá ao encontro do ponto de vibração e envolverá com seu fio
aquele ponto vibrante sem nenhum inseto. E sta sim ples e xperiência
dem onstra que o com portam ento da aranha é predeterminado,
geneticam ente m arcado.
O hom e m , diferente m ente, com preende o que ocorre na rea lidade
am biente. Q uando percebe m os algo, refletim os esse real na form a de
im agem e m nosso pensam e nto. M uitos anim ais a prese ntam essa
possibilidade . M as nós, hom ens, com preende m os — rela cionando e
conceituando — o que está a nossa volta.
A consciência reflete o m undo obje tivo. É a construção, no níve l
subjetivo, da realida de objetiva. S ua form ação se de ve ao traba lho e às
relaçõe s sociais surgidas entre os hom e ns no decorrer da produção dos
m eios necessários para a vida.
E ste fator fundam e ntal, a consciência, separa o hom e m dos
outros anim ais e é o que lhe dá condições de a valiar o m undo que o
cerca e a si m e sm o. S ó o hom e m é capaz de fazer um a poesia
perguntando um a coisa m uito difícil de responder: Q ue m sou e u? D e
onde vim ?
S em dúvida, a com preensã o ou o saber que o hom em desenvolve
sobre a realidade a m biente não se encontra todo com o sabe r conscie nte
— conhe cim ento. O hom em sabe seu m undo de várias form as: atra vés
das em oções e sentim entos e atra vés do inconsciente. P ortanto, essas
form as tam bé m se constitue m com o cara cterísticas do hum a no.
A consciência (incluída a consciência de si), sentim entos e
em oçõe s, o inconsciente podem ser re unidos no que cha m am os, e m
P sicologia, subjetividade ou mundo interno. [pg. 176]

AFINAL, QUEM É O HOMEM?


Agora te m os condições de retom ar o provérbio “pau que nasce
torto, não te m jeito, m orre torto”, que introduziu nosso capítulo, e
questioná-lo. E sse provérbio abandona por com pleto a noção de se r
histórico, social e concreto, quando liga definitivam ente o ser que nasce
ao ser que m orre, ou seja, supõe que não há transform ação desse
hom em . As e xperiê ncias concreta s de vida em determ inada época,
cultura, classe social, grupo étnico, grupo religioso etc. são, na
concepção do prové rbio, a bsolutam e nte inofe nsiva s, inúteis, se m
influência algum a sobre o ser que nasce. O ser que m orre nã o é pensado
com o resultante de toda um a vida re al, de todo um conjunto de
condições m ate riais experie nciadas, que de term inam o desenvolvim ento
do ser que nasceu.
As propriedades que fazem do hom e m um ser particula r, que
fazem deste anim a l um ser hum a no, são um suporte biológico
específico, o trabalho e os instrumentos, a linguagem, a s relações
sociais e um a subjetividade caracterizada pela consciência e
identidade, pe los se ntim entos e em oçõe s e pelo inconsciente. C om isso,
quere m os dizer que o hum ano é determ inado por todos esses
elem entos. E le é multideterminado.


1. E xplique os m itos do hom e m natural, do hom e m isola do e do hom e m
abstrato.
2. E xplique a concepção a prese ntada do hom em com o ser sócio-
histórico.
3. P or que H . P iéron diz que a criança ao nascer não pa ssa de um
candidato à hum a nidade?
4. O que cara cteriza o hum a no? F ale um pouco de ca da aspe cto.


1. D iscuta com seu grupo respondendo à pergunta: Q uem é o hom em ?
U tilizem a form a de expressão que desejarem . Apresentem para a
classe o resultado da discussão.
2. D iscutam a afirm a ção: O hom e m apre nde a ser hom em .
3. “P au que na sce torto, não tem jeito, m orre torto.” D iscutam essa frase
a partir da conce pção da m ultideterm inação do hom em, utilizando o
film e Trocando as bolas com o base para um debate entre grupos
que de fenda m posições contrárias. [pg. 177]

S obre e ste te m a, nã o há um a bibliografia introdutória para o a luno.
C om o leitura que aprofunda aspectos abordados ne ste te xto,
indicam os: A ideologia alemã, de K. M arx e F . E ngels (Lisboa ,
P resença; S ão P a ulo, M artins F ontes, 1980). D e ste livro, destaca m os
para leitura o capítulo 1 do 1 a volum e.
Psicologia da conduta, de J. Bleger (P orto Alegre, Artes M é dicas,
1987), e O desenvolvimento do psiquismo, de A. Leontiev (Lisboa,
Livros H orizonte, 19 78), sã o livros que aborda m o dese nvolvim ento do
psiquism o considera ndo diferente s ordens de determ inaçõe s.
O aspecto a borda do no final do te xto da hum aniza ção do hom e m
poderá ser aprofundado com a le itura do te xto “Humanização do macaco
pelo trabalho”, do livro A dialética da Natureza, de F . E ngels (R io de
Janeiro, P a z e T erra , 197 6), e do livro Pensamento e linguagem, de L.
S . V igotski (Lisboa, Antídoto, 19 75).


A guerra do fogo. D ireçã o Jean-Jacques Annaud
(F rança/C ana dá, 19 81) – U m film e épico, quase antropológico, sobre o
hom em prim itivo e a descoberta do fogo.
P ode propiciar um bom debate sobre o processo de hum anização.
Trocando as bolas. D ireção John Landis (E U A, 1983) – U m a
com édia em que dois irm ãos m ilionários aposta m que podem transform ar
um corretor de sua em presa e m um vagabundo e, a o m e sm o tem po,
colocar um m e ndigo vigarista em seu lugar. [pg. 178]
C AP ÍT U LO 1 2

A inteligência

A inteligência é a solução de um problema novo para o

indivíduo, é a coordenação dos meios para atingir um certo fim, que


não é acessível de maneira imediata; enquanto o pensamento é a

inteligência interiorizada e se apoiando não mais sobre a ação direta,

mas sobre um simbolismo, sobre a evocação simbólica pela

linguagem, pelas imagens mentais etc. (...)1


S om os se res pe nsa ntes. P e nsam os sobre as coisas passadas,
projeta m os nosso futuro, resolvem os problem a s, criam os, sonha m os,
fantasia m os, som os até ca pazes de pe nsar sobre nós m e sm os, isto é,
som os capazes de nos tornar objetos da nossa própria inve stigação.
F azem os ciência, poesia, m úsica, construím os m á quina s incríveis,
transform am os o m undo em sím bolos e códigos, cria ndo a lingua gem
que nos perm ite a com unicação e o pensam ento. N ão há dúvida de que
som os um a incrível espécie de seres!

1
Jean Piaget. A epistemologia genética; Sabedoria e ilusões da Filosofia; Problemas de Psicologia
genética, p. 216 (Col. Os Pensadores).
E ssa capacidade de pensar, da qual som os dotados, sem pre foi
objeto de curiosida de dos filósofos, dos cientistas e, dentre eles, dos
psicólogos.
C om o pensam os? C om o resolvem os os problem as que se nos
colocam ?
F oi a partir de que stões assim que se iniciaram investigaçõe s
científicas para a com preensão da gêne se do pensam e nto hum ano, ou
seja, de com o se ela bora, com o se estrutura esta capacida de.
U m dos m ais pe squisados aspectos do pensam ento foi a
inteligência. [pg. 179]


Q uino. Toda Mafalda. S ão P aulo, M artins F ontes, 1991 . p. 1 95 .

Inteligência e habilidade são aspectos diferentes.

“... um a decisã o inteligente.” P rova velm ente você conhece um


com ercial de cigarros que utiliza esse slogan. N este com ercial pode m os
identificar um a das concepções que o senso com um aprese nta sobre a
inteligê ncia: qualidade que as pessoas possuem pa ra re solve r
corretam ente um problem a . O com ercial coloca com o problem a o
excesso de nicotina e de alcatrão que os cigarros possuem , o qua l seria
intelige ntem e nte resolvido pela m udança de m arca de cigarro, pois a
anunciada possui (a ssim ele s dizem ) m enos a lcatrã o e m enos nicotina ,
“sem tirar o pra zer de fum ar”.
O utras concepções de inteligência inclue m a qualidade de adaptar-
se a situaçõe s novas e apre nder com fa cilidade.
As concepções científicas da inteligência não sã o m uito dife rentes
destas do senso com um . G ohara Y ehia conta no livro Avaliação da
inteligência que, e m um
         
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
G rosso m odo pode m os dizer que os psicólogos dividiram -se e m
dois grandes blocos, quanto à com preensão desse aspecto do
pensam ento (cognição) hum ano: a abordagem da P sicologia dife rencial e
a abordagem dinâ m ica. [pg. 180]

A ABORDAGEM DA PSICOLOGIA DIFERENCIAL


A P sicologia difere ncial, baseando-se na tradiçã o positivista ,
acredita que a tare fa da ciência é estudar a quilo que é observá ve l
(positivo) e m ensurável. P orta nto, a inteligência, para ser estudada ,
de ve-se tornar observá vel. E sta ca pacida de hum ana foi, entã o,
decom posta em inúm eros aspe ctos e m anifestações. N ós não
observa m os dire tam ente a inteligência , m as pode m os m edi-la atra vé s
dos com porta m entos hum anos, que são e xpre ssões da capacidade
cognitiva.
Assim , “ve m os” e m edim os a inteligência das pessoas a tra vés de
sua capa cidade de verbalizar idéias, com preender instruções, perceber a
organização espacia l de um desenho, re solver problem as, adaptar-se a

2
Gohara Y. Yehia. A natureza e o conceito de inteligência. In: Marília Ancona-Lopez. Avaliação da
inteligência I. p. 3.
situações novas, com portar-se cria tivam ente fre nte a um a situação.
A inteligência, ne sta abordagem , seria um com posto de
habilida des e pode ria ser m e dida por m eio dos conhecidos testes
psicológicos de inteligência.

OS T E S T E S D E IN T E LIG Ê N C IA

E m 1904 , na F ra nça, Alfred Binet (1 85 7-1911) criou os prim eiros


testes de inteligê ncia, que tinham com o objetivo verificar os progre ssos
de crianças deficie ntes do ponto de vista intelectual. P rogram as
especia is eram re alizados para o progre sso de ssas crianças, e os teste s
tornara m -se ne cessá rios para que se pudesse a valiar a eficiência desse s
program as, isto é, o progresso obtido.
Binet partiu daquilo que as crianças poderiam re alizar em cada
idade. V ários ite ns ou proble m as era m colocados para a s crianças, e, se
a m aioria delas, num a certa idade, conseguisse realizá-los e a m aioria
das cria nças de um a faixa de ida de inferior não conse guisse, esses itens
eram considera dos com o discrim inatórios, isto é, esta va ca racteriza da a
realização norm al de criança s daquela idade.
Ao se e xa m inar um a criança , torna va-se possível a valiar se seu
desenvolvim e nto intelectual acom pa nha va ou nã o o das cria nças de sua
idade.
O s resulta dos de quase todos os te stes de inteligência são
aprese ntados pelo que se denom inou Quociente Intelectual (Q.I.). E ste
quocie nte é obtido relacionando a idade da criança com o seu
desem penho no te ste, ou seja, verifica-se se ela está no nível de
desenvolvim e nto inte lectual considerado norm al para sua idade.
S abem os que um a das curiosida des m ais com uns entre os leigos é
saber se o quocie nte intelectual m odifica-se ou nã o no decorrer de
nossas vidas. M oreira Leite responde a e sta curiosidade afirm ando que

 [pg. 181]
    
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PROBLEMAS DOS TESTES DE INTELIGÊNCIA


C om a utilizaçã o dos testes de inteligê ncia, alguns
questionam e ntos foram surgindo:
a. O te rm o inteligência era com preendido de difere ntes m aneiras pelos
psicólogos construtores dos testes e os testes refletia m essas
diferenças. E , apesa r de diferentes teste s serem considerados com o
avaliadores da inteligência, o que se viu na prática é que esta vam
m edindo fatores parecidos ou com pletam ente diferentes. Alguns
testes a valia va m , fundam entalm ente, o aspecto ou fator verbal,
enqua nto outros, o fator perce pção e spacial. Assim , um m esm o
indivíduo poderia ter um alto quociente intelectual aqui e um baixo ali.
b. A utilização freqüe nte dos testes le vantou um outro questiona m ento —
a rotula ção ou classificação das criança s. Avaliadas pe los testes de
inteligê ncia e cla ssificadas com o deficientes, normais ou
superdotadas, as crianças era m fechadas dentro destas
classificações, os pa is e profe ssore s passa vam a agir e m função da s
expectativas que as classificações gera vam , e a criança era induzida
3
Dante Moreira Leite. Psicologia diferencial, p. 31-2.
a corre sponder à s expecta tivas, com portando-se de acordo com o
novo papel im posto.
c. Os teste s sofreram ta m bém sérios que stionam e ntos pela
tendenciosidade que apresenta vam , pois eram construídos em funçã o
de fatores valorizados pela socie dade , ou seja, fatore s que os grupos
dom ina ntes a prese ntavam e que eram considera dos com o de sejá veis.
F alar bem , resolver problem as com fa cilidade, a prese ntar facilidade
para aprender. [pg. 182]

A ABORDAGEM DINÂMICA
A abordagem clínica da personalidade, que questionou
fundam entalm ente a decom posição da totalida de hum ana e m diversos
aspectos ou fatore s, introduziu, na P sicologia, um a nova form a de
interpretar os dados obtidos por m eio dos testes psicológicos.
           
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Assim , nesta abordagem , o term o inteligência é questionado,
porque supõe um a e xistência distinta do organism o na sua totalidade. A
inteligê ncia e xistiria com o algo, ou algum fator no indivíduo, que poderia
ser m edido e a valia do. N esta abordage m dinâm ica, a inte ligência pa ssa
a ser um adje tivo — inteligente — que qua lifica a produção cognitiva e
intelectual do hom e m . P or isso, nesta a bordagem , os da dos obtidos nos
testes não são m e didas da inteligência, m as m e didas da eficiência
intelectual do indivíduo.
C abe ressaltar ainda que os níveis baixos nos testes nã o im plicam
pouca inteligência, pois nesta abordagem o indivíduo é visto na sua
globalidade. A cria nça que apresenta dificuldade s de ve rbalizar, de
resolver problem as, ou de aprende r o que lhe é ensina do de ve ser

4
4. Marília Ancona-Lopez. O uso dos testes de inteligência. In: Avaliação da inteligência I. p. 52.
com pre endida, não com o um a criança deficiente intelectua l ou pouco
[pg. 183] inteligente , m as com o um a criança que, prova ve lm ente, vive ,
na quele m om e nto, dificuldades psicológicas, conflitos rela cionados ao
seu de senvolvim e nto, sendo um de seus sintom as um rebaixa m ento da
produção intele ctual. E sta criança de ve ser recuperada em todas as sua s
capacidades, na sua globalidade.

Na abordagem dinâmica, a inteligência passa a ser um adjetivo — inteligente.

O s testes passam a ser instrum e ntos auxiliares na identifica çã o de


dificuldades, as quais são encarada s com o sintom as de conflitos;
tornam -se instrum entos para iniciar um trabalho de recupe ra ção, e não
instrum e ntos para finalizar um trabalho de cla ssifica ção. Além disso,
nesta a borda gem , os testes tornam -se m uitas vezes dispensá veis.
O estudo do com portam ento inte lectual ou cognitivo do indivíduo,
ou outro qualquer, é feito em função de sua personalidade e de seu
conte xto social. O indivíduo faz parte de um m eio, no qual age, m a nipula ,
transform a, de senvolvendo concom itantem e nte suas estruturas
psíquicas.
A inteligê ncia deixa de ser estudada com o um a capacidade
isolada, para se r pe nsada com o ca pacidade cognitiva e intelectual que
integra a globalidade hum ana. Assim , quando é enfocada um a produção
intelectual do hom em , esta é analisada nos se us com ponentes
cognitivos, afetivos e sociais.
A inteligência nesta abordagem não te m lugar de desta que. A
noção de unidade do orga nism o e totalidade de re açõe s enfatizou a
im possibilidade de se decom por a personalidade em funções isolada s.
A inteligê ncia, com preendida com o capacidade cognitiva ou
intelectual, não pode ser estudada, analisa da, nem com preendida ,
isolada da totalida de de aspectos, aptidões, capacida des do ser hum a no.
T odas as expressões do hom em sã o carrega das de ele m entos
psíquicos, decorrentes de sua capacida de cognitiva, afetiva, corporal. E
os atos, que sã o a djetivados com o inteligentes, não estão isentos de
com ponentes afetivos, além dos cognitivos.
N esta abordagem dinâm ica, supõe-se que o indivíduo, quando
está bem do ponto de vista da vida psíquica, conse guindo lidar
adequadam ente com seus conflitos, tem todas as condições para
enfrentar o m undo, realizando atos “inteligentes”, ou seja, resolvendo
adequadam ente problem a s que se aprese ntam , sendo criativo,
ve rbalizando bem suas idéia s etc.
E aqui é fácil da r um exem plo: quando você tem algum a
preocupação ou algum conflito que tom a grande pa rte de seu
pensam ento, você apresenta m aior dificuldade para a prender um
conteúdo novo ou resolver proble m as ou, m esm o, para e xpressar se us
pensam entos. [pg. 184]



C om a afirm açã o a cim a, de O rtega y G asset5 , gostaríam os de
enfatiza r o aspecto histórico na de term inação das capacidade s
5
Ortega y Gasset. Apud Dante Moreira Leite. Psicologia diferencial, p. 103.
intelectuais do hom e m .
F oi o trabalho, a atividade, a ação do hom em sobre o m undo rea l
que possibilitou o surgim ento da espécie hum ana com o seres pensantes,
com o vim os no capítulo anterior; e foi tam bém a açã o sobre o m undo que
possibilitou a gênese do pensa m ento em cada um de nós, no decorrer de
nosso de senvolvim e nto. E , sem dúvida, o inverso tam bém se deu. Ao
transform ar-se em ser pensante, o hom em m odificou sua form a de agir
no m undo. S ua a çã o passou a ser um a ação consciente , seu trabalho
proposital e não m ais instintivo, com o nos anim ais.

A produção dos
homens tem a
marca dos seus
sonhos.

M arx com parou, assim , o trabalho hum a no ao tra balho anim al:

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E m ca da indivíduo, o aspecto histórico de ve estar se m pre
presente. P ara com preenderm os a expressão de um ser, seus
com portam entos e dificuldade s, de ve m os sem pre inseri-lo em sua
história pessoal, em sua história social.

6
Karl Marx. Apud H. Braverman. Trabalho e capital monopolista, p. 49.
C itam os entã o M . M annoni:
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A INTELIGÊNCIA DA CRIANÇA BRASILEIRA
A pesquisa de cam po e a produçã o de conhe cim ento sobre a
inteligê ncia da cria nça brasileira têm sido desenvolvidas com m aior
intensidade nas duas últim a s déca das, pelos diferentes cientista s e
profissionais. E stes têm dedicado atenção particular à s criança s
pertencentes a setores de baixa renda que, ao vive rem num a situaçã o de
carência ge neraliza da, le vanta m a se guinte inda gaçã o: com o esta s
crianças poderão desenvolver sua inte ligência e se torna rem assim
agente s do processo de conscientiza çã o sobre si m esm as e sobre o
m undo?
(...) o déficit cognitivo (quando se afasta a hipótese de
com prom etim e nto orgânico) de ve ser atribuído sim ultaneam ente à
interrupção do desenvolvim ento endógeno das estruturas de pensam e nto
e à precarie dade de estim ulação do conte xto sociocultural, com o
acontece com os indivíduos de baixa renda. Q ua ndo se com para m as
crianças de ste nível com as outras de re nda m ais alta, constata-se que
as prim eiras estão em situação de desva ntagem cognitiva real porque
não tivera m a oportunidade de serem solicita das pe lo conte xto
sociocultural e ne m puderam de se nvolver suas pote ncialida des
cognitivas, em bora esta defasagem possa ser tem porária, desde que
sejam estim ula das a superá -la, num a fase etária ade qua da. Assim ,
conclui-se que qua lquer déficit ou de senvolvim ento da inteligê ncia
depende da interaçã o do indivíduo com o conte xto que, nesta dinâm ica
de interação, constrói a inteligência. (...)

7
Mannoni. Apud Abordagem clínica da inteligência. Dina Galletti M. de Oliveira & Mary Dolores E.
Santiago. In: Marília Ancona-Lopez. Avaliação da inteligência I. p. 102.
P ara P iaget, a cognição é a própria inteligê ncia, e depende da
troca do organism o com o m eio. S e um a criança tem qualquer “defeito”
na cognição, pode-se dizer que houve algum problem a nessa troca, e é
preciso com pensar a deficiência ha vida na troca. Isso acontece quando a
criança não representa adequa dam e nte o que já viveu, quando se
expressa m al, ou nã o sabe fa lar. H á quem diga que estas crianças da
periferia — classificadas por m im com o “sem discurso” — têm “outro
código” e por isso pensam os que elas se e xpressa m m uito m al. E u não
concordo que se tra ta de “outro código”. E ssas crianças realm ente nã o
sabem fa lar a re spe ito do que faze m , a respeito do que vivem , porque
não foram solicitadas de form a ade quada. U m a vez corrigida esta
solicitação, ela s podem superar esse “dé ficit” e tornarem -se capazes de
pensar e falar com o qualquer um de nós. (...)
N os prim eiros a nos de vida , as cria nças de classe s m enos
privilegiadas estão m ais adiantadas do que as criança s das classes
m édia e alta, no que diz respeito às construções espaço-tem porais e
causais. E las têm m uito m ais de senvoltura nas açõe s, para correr, pular
e cum prir tarefas práticas. Às vezes, um a criança dessas, aos cinco
anos, já sabe preparar seu alm oço, ou cuidar do irmão m ais m oço. [pg.
186]
N a fase seguinte, quando a criança adquire a possibilidade de
elabora r sua vivência em nível da representaçã o, as cria nças de classe s
m édia e alta passam à frente. E sta s têm m ais solicita ções, m ais
conversas, m ais pe rguntas, m ais livros, enfim m ais possibilidades de
elaborar suas ativida des e vivências.
As cria nças de baixa renda tê m , e m m é dia, um “dé ficit” cognitivo,
ou seja, não são capazes de verbalizar suas ações atra vé s de um
discurso coerente. C onsidero isso um “déficit” e não a penas um a
“diferença”. Isso nã o significa que ela s sejam inferiores: superando este
“dé ficit” elas podem ir até m ais longe do que as outras. E sta s crianças
estão em situação de infe rioridade em relaçã o a sua capacidade de
expressão, porque a troca do organism o com o m eio nã o foi adequada.
E sta troca com o m e io foi adequa da em nível prá tico e m aterial, m as e m
nível abstrato não foi. Q uer dizer, e las não são inferiores, m as estã o
inferiore s. S ó que seu problem a precisa ser superado na época
adequada. S e e las passara m dos de z a nos, a situa ção se com plica. S e
chegarem à vida a dulta, aí a situação fica difícil m e sm o.
T recho de um a entrevista com a professora Z élia R amozzi C hiarottino,
do Instituto de P sicologia da U S P
In: Psicologia, ciência e profissão. Brasília, C onselho F ederal de P sicologia,
1987, ano 7, n a 1. p. 20, 22-3.


1. O que é a inteligê ncia para o senso com um e para a ciência?
2. Q uais a s dua s a bordagens de inteligência que o te xto aprese nta?
Q uais a s principais diferença s entre ela s?
3. O que é quocie nte intelectual?
4. O quocie nte inte lectual pode-se m odificar no decorrer da vida do
indivíduo? E xplique sua resposta.
5. Q ua is os três questionam entos feitos aos testes, a partir de sua
utilizaçã o prática?
6. C om o a inteligência é vista , na abordagem inte gradora do hom em ?
7. C om o os te stes sã o vistos e utilizados nessa a bordagem ?

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1. D iscutam a frase “O hom em não tem natureza, o hom em te m história”,
procura ndo focalizar o aspecto cognitivo do ser humano.
2. N a nossa socieda de, alguns preconceitos perm eiam nossa s relações,
com o, por e xem plo, m ulher é burra e não sabe dirigir autom óvel,
negro só sa be sam bar e jogar futebol, japonês é sem pre bom em
M atem ática. Aponte m outros preconceitos (que você me sm o tem ) e
procure m com pree nder, .na história desses grupos e em sua inserçã o
na sociedade, a e xplicação de tais fatos.
3. U sem o te xto com plem e ntar com o referência para discutir o que é
estar inferior e ser inferior, do ponto de vista intelectual.
4. R ealizem pesquisas e organizem um debate sobre um te m a polê m ico
e atual: inteligência emocional. [pg. 187]


Para o professor
T odo o conteúdo a bordado neste capítulo pode ser m ais bem
desenvolvido atra vé s da leitura de Psicologia diferencial, de D a nte
M oreira Le ite (S ão P aulo, Ática , 198 6. S érie F undame ntos, 11), e
Avaliação da inteligência, de M arília Ancona -Lopez, org. (S ão P aulo,
E P U , 1 987. C ole ção T em as Básicos de P sicologia, I). N e ste s dois livros
o professor vai e ncontrar um a visão crítica da P sicologia diferencial e da
aborda gem m ais psicanalítica da inteligência, de form a introdutória e
sim plifica da. Leituras m ais aprofundadas poderã o ser feitas e m
Psicologia diferencial, de Anne Anastasi (S ão P aulo, H erder, 1965),
que é um m a nual pa drão de P sicologia diferencial e acessível por ter fins
didáticos. Ainda da m esm a autora, há Testes psicológicos (S ão P aulo,
E P U , 197 7). D entro da abordagem clínica as fontes ta m bém sã o
diversas. Indicam os Psicologia da conduta, de J. Bleger (P orto Alegre,
Artes M édicas, 198 7), Diagnóstico e tratamento dos problemas de
aprendizagem, de S ara P ain (P orto Alegre, Artes M édica s, 1986), e
outros livros da autora.


Rain man. D ireção Barry Le vinson (E U A, 198 8) – U m jove m , que
vive de ne gócios pouco lícitos, descobre que tem um irm ão autista,
interna do num a clínica.
D iscussão interessa nte sobre o nível de consciê ncia da realidade e
capacidade intelectual. Ao m esm o te m po, perm ite discussã o sobre o
preconceito e a questioná vel noçã o de nível de inteligência.
Gênio indomável. D ireção G us V an S ante outros (E U A, 1997 )
[pg. 188]
C AP ÍT U LO 1 3

Vida afetiva

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“O coração te m razões que a própria ra zão desconhe ce.”
Q uais são essas ra zões?
S ão nossos afetos que dão o
colorido especial à conduta de ca da
um e às nossas vida s. E les se
expressam nos desejos, sonhos,
fantasia s, e xpe ctativas, nas pala vras,
nos gestos, no que faze m os e
pensam os. É o que nos faz viver.
P ara falarm os de a fetos, se ria
preferível da r a palavra a os poetas.
E stes sim , e xpressam -nos de um a
m aneira tã o cla ra, tão precisa, que
traduze m com perfeição estados
Os afetos podem ser duradouros ou
passageiros. internos que não cabe m na
racionalidade científica:

Q uanto m ais desejo


U m beijo seu
M uito m ais eu vejo
G osto e m vive r. 1 [pg. 189]

P or que os psicólogos precisam falar da vida afetiva?


P orque ela é parte integrante de nossa subjetividade . N ossa s
expressões não podem ser com preendidas, se não considerarm os os
afetos que as acom panham . E , m esm o os pensa m entos, as fantasia s —
aquilo que fica contido em nós — só têm sentido se sabem os o afeto que
os acom panham . P or e xem plo, aquela idéia de que o m elhor am igo irá
se sair m al e m um a com petição, só adquire se ntido quando descobrim os
que sua orige m está na inveja que se tem dele. O P sicólogo, e m se u
trabalho, não pode deixar de lado esse aspecto constitutivo da
subjetivida de — a vida afetiva — e estudar apenas a vida cognitiva e
racional dos indivíduos. Agindo a ssim , certam ente não irá com pree ndê-
los em sua totalida de.

P or tanto am or
P or tanta em oção
A vida m e fez assim
D oce ou atroz
M anso ou feroz
E u, caçador de m im . 2

P ense e m qua ntas vezes você já progra m ou um a form a de agir e ,


na hora “H ”, com portou-se com pletam e nte diferente. P or e xe m plo, um a
jovem soube algo de seu nam orado que a aborre ceu, m as ela
racionalm ente resolveu nã o criar caso e pensou: “Q uando e le che gar,
vou ser ca rinhosa e não vou deixar tra nspare cer que m e aborreci” e , de
repente , quando o tem à sua frente, ela se vê esbra vejando, agredindo,
encium ada. S eus afetos a tra íram . F oi difícil ou, no ca so, im possível
contê-los. T anto nesse e xem plo, com o e m m uitas situações de vida, nã o
1
Djavan. Pétala. In: Luz. LR Rio de Janeiro, CBS, 138251, 1982. L. A. F. 1.
2
Sérgio Magrão e Luís Carlos Sá. Caçador de mim. In: Caçador de mim. Milton Nascimento. LP.
Diadema, Ariola, 201632, 1981. Outro lado. F. 1.
há a m edia ção do pensa m ento — sã o os afetos que de term inam nosso
com portam ento. É nesta circunstância que se ouve aquela frase tão
corriqueira: “C om o e le é im pulsivo!”.
P or isso, os afetos são im portante s para os psicólogos.
M arx afirm ou “que o hom em se de fine no m undo objetivo nã o
som ente em pensa m ento, senão com todos os sentidos (...). S entidos
que se afirm am , com o forças e ssenciais hum anas (...). N ão só os cinco
sentidos, m as os se ntidos espiritua is (am or, vontade...)”3 . [pg. 190]


O estudo da razão tem sido privile giado no interesse dos hom ens,
principalm ente na ciência, pois os a fetos têm sido vistos com o
deform a dores do conhecim ento objetivo. M esm o na P sicologia, nã o sã o
todas as teoria s que consideram a im portância da vida afe tiva, tendo,
m uitas delas, priorizado ape nas o estudo da cognição, das funções
intelectivas.
C onsideram os que estudar a pena s alguns aspectos do hom em é
conside rá-lo com o um ser fragm e ntado, correndo-se o risco de deixar de
analisar aspe ctos im portantes.
C om o diz Bader S a waya:
“O hom em se afirm a no m undo objetivo, não só no ato do pe nsar,
m as com todos os sentidos, até com os sentidos m e ntais (vontade ,
am or e em oçã o)”4 .
M inha m ãe acha va e studo
A coisa m ais fina do m undo,
N ão é.
A coisa m ais fina do m undo é o sentim e nto.
Aquele dia de noite, o pai fa zendo serã o,

3
K. Marx. Manuscritos econômicos e filosóficos, p. 149-50.
4
B. Sawaya. A consciência em construção no trabalho de construção da existência. São Paulo, PUC,
1987, tese de doutoramento (mimeo.).
E la falou com igo:
“C oitado, até essa hora no serviço pesado”.
Arrum ou pão e café, deixou tacho no fogo com
Água quente.
N ão m e falou em a m or,
E ssa pa la vra de luxo. 5
A vida afetiva, ou os afetos, aba rca m uitos esta dos perte nce ntes à
gam a pra zer-de sprazer, com o, por e xe m plo, a a ngústia em seus
diferentes aspectos — a dor, o luto, a gratidão, a despersonalizaçã o —
os afetos que suste ntam o tem or do aniquilam e nto e a afâ nise, isto é, o
desapa recim ento do desejo se xua l.
Ao procura rm os com pree nder a vida afetiva, é im portante
adotarm os a term inologia ade quada por tratar-se de um a áre a de estudo
repleta de nua nce s. P ortanto, se a té o século 1 9 usa vam -se,
indiscrim inada m ente , term os com o em oção e sentim ento, hoje, no
estudo da vida afetiva , já faze m os um a distinção m ais precisa entre
esses te rm os:
• a emoção: estado agudo e transitório. E xem plo: a ira .
• o sentimento: estado m a is ate nuado e durá vel. E xem plo: a
gratidã o, a le aldade. [pg. 191]

OS AFETOS
O s afetos podem se r produzidos fora do indivíduo, isto é, a partir
de um estím ulo e xte rno — do m eio físico ou social — a o qual se atribui
um significa do com tonalidade afetiva: a gradá vel ou desagradá vel, por
exem plo. A origem dos afetos pode ta m bém na scer, surgir do interior do
indivíduo.
O universo dos a fetos é com unicá vel na m edida que as
represe ntações de coisa e pala vra form a m , com os afetos, um com ple xo
5
Adélia Prado. Ensinamento. In: Bagagem. 2. ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1979. p. 124 (Coleção
Poiesis).
psíquico inteligível. É im portante lem bra r aqui que, para a P sicaná lise ,
não há afeto se m represe ntaçã o, isto é, sem idé ia. S e a ssim fosse,
podería m os ter a im pressão que e xiste a feto solto dentro de nós — um a
sensação de m al-estar, por e xem plo — , isso porque a idéia à qual o
afeto se refere pode estar inconsciente.
O pra zer e a dor são as m a trizes psíquicas dos afetos, ou se
constituem em a fetos originários. E ntre estes dois e xtre m os encontram -
se inúm era s tonalida des, intensidade s de afetos, que podem ser va gos,
difíceis de nom ear ou discrim inados.

C om açúcar, com afeto


F iz seu doce predileto
P ra você para r em casa. 6

E xistem dois afetos que


constituem a vida afetiva: o am or e o
ódio. E stão sem pre prese ntes na vida
psíquica — de m odo m ais ou m e nos
integra do —, associados aos
pensam entos, às fa ntasias, a os sonhos
e se expressa m de diferentes m odos na
conduta de cada um .
F reud, quando postulou a teoria do
C om ple xo de É dipo, concebeu-o com o
Entre o prazer e a dor há inúmeros conflito desses afetos básicos
matizes de afeto.
(am bivalência de se ntim entos), pois um a
das suas principais dim ensões é a
oposiçã o e ntre “um a m or fundam enta do e um ódio não m e nos justifica do,
am bos dirigidos à m esm a pessoa”7 .

As aparência s enganam

6
Chico Buarque de Hollanda. Com açúcar, com afeto. In: Chico Buarque de Hollanda. LP. São Paulo,
RCA-Abril Cultural, 1970 (MPB, 4). L.1. F. 2.
7
Freud. Apud J. Laplanche e J.-B. Pontalis. Vocabulário da Psicanálise, p. 51.
Aos que odeiam e a os que am am
P orque o am or e o ódio
S e irm a nam na fogueira das paixões 8 . [pg. 192]

O s afetos ajudam -nos a a valiar


as situações, serve m de critério de
valoração positiva ou negativa para as
situações de nossa vida ; eles
prepara m nossas ações, ou seja,
participam ativam ente da percepção
que tem os das situa ções vivida s e do
planeja m ento de nossas reações ao
m eio. E ssa função é caracterizada
com o função adaptativa.

Q uando olha ste bem


N os olhos m e us
E o teu olhar era de adeus
Qual o afeto oculto por esta expressão?
Juro que não acre ditei
E u te e stranhei
M e debrucei sobre o teu corpo
E duvidei
E m e arrastei. 9

O s afetos tam bé m têm um a outra ca racterística — eles estão


ligados à consciência, o que nos perm ite dizer ao outro o que sentim os,
expressando, atra vé s da linguagem , nossas em oções. E é isso o que
fazem , incessantem ente, os poe tas, até m esm o quando não quere m
falar:

8
Tunai e Sérgio Natureza. As aparências enganam. In: Saudade do Brasil. Elis Regina. LP. Rio de
Janeiro, Elektra, 32054, 1980. v. 1. L. B. F. 2.
9
Chico Buarque de Hollanda e Francis Hime. Atrás da porta. In: O melhor de Elis. LP. Rio de Janeiro,
Polygram, 6470625, 1979. L. 2. F. 3.
N ão quero falar,
P ois sinto.
N ão tenho de am a r,
P ois am o. 10

C ontudo, m uitas ve zes os afetos são e nigm áticos para que m os


sente. E xem plos: quando tem os m uitos m otivos para não gostar de
alguém de quem gostam os; ou quando de vería m os ser gratos a algué m
de quem te m os raiva . H á m otivos dos afe tos que estã o fora do cam po da
consciê ncia; nem m esm o quem os vivê ncia consegue e xplicar — só
sente a estra nheza daquele sentim ento que pare ce “fora do lugar”.

E u queria fica r triste


M as nã o consigo parar de rir... 11 [pg. 193]

O s afetos tam bém podem ser enigm áticos para aqueles que os
supõem em nós a partir de algum a expressão, isso porque, m uitas
ve zes, nossa re ação não condiz com o que sentim os (com que o outro
espera va), ou seja, nem sem pre o com portam ento está e m conform idade
com os nossos afetos, os quais nã o quere m os (ou nã o pode m os)
dem onstrar.

N ada ficou no lugar


E u quero quebrar essas xícaras
E u vou enga nar o diabo
E u quero acordar sua fam ília
E u vou escre ver no seu m uro
E violentar o seu gosto
E u quero roubar no seu jogo
E u já arranhe i os se us discos.

10
Paulo Benedito Pinheiro (Lentomar de Cascais). Eternidade. In: Marvento. São Paulo, Taba, 1981.
11
Alvin L. e Vinícius Massena. Casa e Jardim. Cantada por Marina Lima.
Q ue é pra ver se você volta
Q ue é para ver se você vem
Q ue é pra ver se você olha pra m im 12 .

AS EMOÇÕES
As em oções são e xpressõe s afetivas acom panhadas de rea çõe s
intensa s e bre ves do organism o, em resposta a um acontecim e nto
inesperado ou, às veze s, a um acontecim ento m uito aguardado
(fantasiado) e que, quando acontece...
N as em oções é possível observar um a relação e ntre os afetos e a
organização corpora l, ou seja, as reações orgânicas, as m odificações
que ocorrem no organism o, com o distúrbios gastrointestinais,
cardiorre spiratórios, sudorese, trem or. U m exem plo com um é a alteraçã o
do batim ento cardíaco.

M eu coração
N ão sei por quê
Bate feliz
Q uando te vê. 13 [pg. 194]

D urante m uito tem po, acre ditou-se no coração com o o luga r da


em oção, talvez pelo fato de, ao m a nifestar-se, vir freqüentem ente
acom pa nhada de fortes batim e ntos cardíacos. P or isso, até hoje
desenham os corações para dizer que estam os a paixonados.

Am igo é coisa pra se guarda r


D ebaixo de sete cha ve s
D entro do coração. 14

O utras re açõe s orgânicas a com panha m as em oções e revela m


12
Adriana Calcanhoto. Mentiras.
13
Pixinguinha. Carinhoso. In: Pixinguinha. LR São Paulo, RCA-Abril Cultural, 1970 (MPB, 2). L. 1. F.
2.
14
Milton Nascimento e Fernando Brant. Canção da América. In: Saudade do Brasil. Elis Regina. LP Rio
de Janeiro, Elektra, 32054, 1980. v. 2. L. A. F. 4.
vivência s ou esta dos em ociona is do indivíduo: tre m or, riso, choro,
lágrim as, e xpre ssõe s faciais etc. As re a ções orgânicas foge m ao nosso
controle. P ode m os “segurar o choro”, m as não conseguim os deixar de
“chorar por de ntro”, sentindo aquele nó na garganta e, às vezes,
tentam os, m as não conse guim os se gurar dua s ou três lá grim as que
escorre m , traindo-nos, dem onstrando nossa em oção.
Assim com o o riso e a
acelera ção dos batim entos
cardíacos, o choro —
cantado e recantado pelos
poetas com o e xpressão de
am or, sa udade e de sejo —
é um a das reaçõe s m ais
freqüentes e com uns em
nossa cultura.
É possível dissimular as emoções.
V ocê partiu
S auda des m e deixou
E u chorei15 .

Q uem parte le va sa udades


D e alguém que fica 16 .

T odas essas re ações de que vim os falando são im portante s


descargas de tensã o do organism o em ociona do, pois as e m oções [pg.
195] são m om e ntos de te nsão em um organism o, e as reações orgânica s
são descarga s em ocionais.

S e eu chorasse
T alvez desabafasse
O que sinto no peito
E não posso dizer
15
Alcebíades Barcellos e Armando V. Marçal. Agora é cinza. In: Carnaval, confete e serpentina. Rio de
Janeiro, Coopim, 1985.
16
Henricão e Rubens Campos. Está chegando a hora. In: Carnaval, confete e serpentina. Rio de Janeiro,
Coopim, 1985.
S ó porque não sei chorar
E u vivo triste a sofre r17 .

Infelizm ente, nossa cultura estim ula algum as reações em ocionais e


reprim e outras. O s hom ens sabe m be m disso. “H om e m não chora” é
um a das frases m ais com uns na educação de nossos jovens.
Infelizm ente, o senso com um não foi sensível para aprender com os
poetas que se chora , sim , e que choro é e xpre ssão de vida afetiva, de
am or e de ódio; de força de um orga nism o que se adapta a um a situaçã o
de tensão — nunca sinal de fraqueza !
P or outro lado, a s reações em ocionais orgânicas são, até certo
ponto, aprendidas, ou seja, nosso orga nism o pode responder de diversas
m aneira s a um a situação, m as a cultura “escolhe” algum as form as com o
sendo m ais a dequa das a determ inada s situações ou tipo de pessoa s
(por e xem plo, de a cordo com a idade, o sexo ou a posição social).
D urante nossa socializaçã o, apre nde m os essas form a s de e xpressã o
das em oções aceitas pelo grupo a que pe rtencem os.
Assim , passam os a associar rea ções do organism o às em oções,
as quais podem os distinguir. P or e xe m plo, distinguim os o choro de
tristeza do choro de alegria; o riso de ale gria do riso de nervoso.
As em oções são m uitas: surpresa, raiva, nojo, m edo, vergonha ,
tristeza, despre zo, alegria, pa ixão, a traçã o física — ora são m ais difusas,
ora m ais consciente s; às vezes encoberta s, às vezes não.
As em oções, por estarem liga das diretam ente à vida afetiva — aos
afetos bá sicos de a m or e ódio — estão ligadas tam bém à se xua lidade
(am or). [pg. 196]

Q uando transm ites o calor


D e tua m ão para o m eu corpo
Q ue te espera
M e deixas louca
17
Max Bulhões e Milton de Oliveira. Não tenho lágrimas. In: Carnaval, confete e serpentina. Rio de
Janeiro, Coopim, 1985.
E quando sinto que teus bra ços
S e cruzaram e m m inhas costas
D esapa recem as palavras
O utros sons e nche m o espa ço
V ocê m e abra ça
A noite passa
M e deixas louca. 18

N ão tem os por que esconder nossas e m oções. E las sã o nossa


própria vida, um a espécie de linguagem na qual e xpressa m os
percepções internas; são sensações que ocorrem e m resposta a fatores
geralm e nte e xternos. S ão fortes, passageira s; inte nsas, m as não
im utá veis. Isto quer dizer que o que hoje nos em ociona, poderá a m anhã
não nos em ocionar m ais.
E ssa força e m utabilidade foi e xpressa ne ste poem a de V inícius de
M oraes:

D e tudo, ao m eu a m or serei atento


Antes, e com tal zelo, e sem pre, e tanto
Q ue m e sm o e m face do m aior encanto
D ele se enca nte m ais m eu pensa m ento

Q uero vivê-lo em ca da vão m om e nto


E em se u louvor he i de espalhar m eu canto
E rir m eu riso e derra m ar m eu pranto
Ao seu pesar ou seu contentam e nto

E assim , quando m ais tarde m e procure


Q uem sabe a m orte , angústia de quem vive
Q uem sabe a solidã o, fim de que m am a

18
A. Manzanero. Me deixas louca. Ver. Paulo Coelho. In: Trem azul. LR Rio de Janeiro, Som Livre,
4116006, 1982. Disco 1. L. B. F. 5.
E u possa m e dizer do am or (que tive):
Q ue nã o seja im ortal, posto que é cham a
M as que seja infinito enqua nto dure. 19 [pg. 197]

OS SENTIMENTOS
O s afetos básicos (am or e ódio), alé m de m a nifesta rem -se com o
em oçõe s, podem e xpressar-se com o se ntim entos.
O s sentim entos diferem das em oções por serem m ais dura douros,
m enos “e xplosivos” e por não vire m acom panhados de rea ções
orgânicas intensas.
Assim , consideram os a paixão um a em oção, e o enam ora m e nto, a
ternura, a am izade, conside ram os sentim entos, isto é , m anifestações do
m esm o afeto básico — o am or. 96 4677 85
O im porta nte é com preender que a vida afetiva — em oções e
sentim e ntos — com põe o hom em e constitui um aspe cto de funda m ental
im portâ ncia na vida psíquica. As em oções e os sentim entos são com o
alim entos de nosso psiquism o e estão prese ntes em todas as
m anifestaçõe s de nossa vida. N ecessitam os deles porque dão cor e
sabor à nossa vida, orienta m -nos e nos ajudam na s decisões. E nfim , são
elem entos im portantes para nós, que não podem os nos com preender
sem os sentim entos e as em oções.

S ocorro, não estou sentindo nada.


N em m e do, nem calor, nem fogo.
N ão vai dar m ais pra chorar.
N em pra rir.

S ocorro, algum a alm a, m esm o que penada,


m e em preste suas penas.
Já não sinto am or ne m dor,
19
Vinícius de Moraes. Soneto de fidelidade. In: Antologia poética. Rio de Janeiro, José Olympio, 1987. p.
77.
Já não sinto nada.

S ocorro, alguém m e dê um coraçã o,


Q ue esse já não bate nem a panha.
P or fa vor, um a em oção pequena,
Q ualquer coisa.

Q ualquer coisa que se sinta,


T em tantos se ntim e ntos,
D e ve ter algum que sirva.

S ocorro, algum a rua que m e dê sentido,


E m qualquer cruza m ento,
Acostam ento,
E ncruzilhada.
S ocorro, eu já não sinto nada. 20 [pg. 198]

S aber e com preende r o m undo que nos rodeia é funda m ental para
que possam os estar nele. A apreensão do real é feita de m odo sensível e
refle xivo e, portanto, realizada pelo pensa r, sentir, sonhar, im a ginar.
P ara finalizar e ste capítulo — o poeta não poderia estar a usente !
— escolhem os o trecho de um a poe sia cujos versos destacam a
im portâ ncia da vida afetiva:

O que pode o sentim ento


não pode o saber
nem o m ais claro proceder
nem o m ais a m plo pensam e nto.
(...)

S ó o am or com sua ciência


nos torna tão inocentes. 21
20
Arnaldo Antunes e Alice Ruíz. Socorro. In: Um som.
21
Violeta Parra. Volver a los 17. In: Geraes. LR S. Bernardo do Campo, EMI-Odeon, 12973, 1976. L.
1.F. 3.
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O ENAMORAMENTO
Q uando nos ena m oram os, por m uito te m po continua m os a dizer a
nós m esm os que nã o o estam os. P assa do o m om e nto em que se re velou
o aconte cim ento extraordinário, retornam os à vida quotidiana e
pensam os que tudo foi passa geiro. M a s, para nosso e spa nto, esse
m om ento nos volta à m ente, nos cria um desejo, um a ânsia que só se
aplaca m quando re-ve m os a pessoa am ada ou escuta m os sua voz. M as
tudo volta logo a de sapa recer, e dizem os a nós m esm os que foi ape nas
um a e xaltação que não te m im portâ ncia algum a. T alvez haja um pouco
de verda de nisso, pois no com eço não se distingue be m se é realm ente
um ena m oram ento ou se tudo nã o passa de um a reestrutura ção radical
do m undo social em que vivem os, e que faz parte orgânica de todos nós.
M as se esse desejo reaparece, e torna a rea parecer e se im põe, entã o
estam os verdadeira m ente ena m orados. O ena m oram ento é um processo
no qual a outra pessoa, aque la que e ncontram os e que nos
corresponde u, se nos im põe com o o objeto pleno do de sejo. E sse
acontecim ento nos im põe a reorga nização de tudo, e esse fato obriga-
nos a repe nsar tudo, especialm ente o nosso passado. N a rea lida de, não
é um repe nsar, m a s um refazer. É , com efeito, um renascim ento. O
estado nascente (do enam oram e nto ou dos m ovim entos sociais) tem a
extraordinária propriedade de re fazer o passado. N a vida quotidiana, não
podem os refazer o passado. N osso passado e xiste com suas desilusões,
suas re corda ções, suas a m arguras. (...) As pessoa s ena m orada s (e
m uitas ve zes am bas conjuntam ente) re vêem o pa ssado e se dão conta
de que o que aconteceu foi assim porque, naquele m om e nto, fizeram
opções, que elas quiseram e a gora não querem m ais. O passado não é
negado ne m oculto, é priva do de valor. É verda de que am ei e odiei m eu
m arido, m as não o odeio m ais; enga nei-m e, m as posso m udar. E ntã o o
passado se configura com o [pg. 199] pré-história, e a verda deira história
com eça agora . D esse m odo term inam o ressentim ento, o rancor e o
desejo de vinga nça. N ão se pode odiar o que não tem m ais valor ne m
im portâ ncia. E ssa e xperiência m uitas vezes provoca nos e nam ora dos
um a angústia, um a inquietação. A pessoa am ada fala na m inha fre nte
sobre o se u pa ssado, sobre seus am ores e sobre a pe ssoa com que m se
casou ou com que m vive. D e início fala com ra ncor, num desabafo;
depois, pouco a pouco, quase com ternura. D iz: “E le foi m a u para m im ,
m as m e am a; gosto dele, não quero fa zê-lo sofrer, gostaria que fosse
feliz”. E ssa s pala vras indicam um distanciam ento que e xiste apenas
porque não há m ais tensão, nem m edo, nem vinga nça. M as podem ser
interpre tadas com o um am or que persiste e que, por vezes, provoca
ciúm e. A pessoa enam orada pode até relacionar-se com o m arido (ou
com a m ulher), se e ste não cria obstáculo, sem ra ncor, com afeto. S eu
passado adquiriu outro significa do à luz de seu novo am or. N o fundo,
pode a té continuar gostando do m arido ou da m ulher justa m ente por
estar apaixonada. A alegria desse am or a torna dócil, m eiga, boa. É
geralm e nte a outra pessoa ena m orada que nã o aceita esse fato, que não
acredita nele, que deseja a pessoa am a da som ente para si. C om o cada
um dos dois alm eja essa e xclusividade e essa certe za, a m bos se vêe m
obrigados m uitas ve zes a se m agoarem m ais do que cada um desejaria.
(...)

F rancesco Alberoni. Enamoramento e amor.


T rad. Ary G onzales G alvão. R io de Janeiro, R occo, 19 86. p. 1 8-9.

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1. P or que os psicólogos estudam as em oções?
2. P or que, por vezes, as em oções são consideradas com o
deform a doras da rea lidade?
3. O que são os afetos?
4. Q uais os dois afetos básicos de nossa vida psíquica ?
5. O que é a am bivalência de sentim entos?
6. O que são em oções?
7. P or que se pensa va que o lugar das e m oções era o coraçã o?
8. Q uais tipos de re a ções orgânicas acom panham as em oções?
9. Q ual a im portância dessa s reações orgânicas para a sa úde?
10. C om o se e xplica a funçã o adaptativa das em oções?

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1. D escre va para se us cole gas um m om ento de em oção que você viveu,
procura ndo com pleta r a descrição com as reaçõe s orgânica s que você
sentiu.
2. Q ual a im portância das em oções e se ntim entos na nossa vida? F ale m
de situa ções que vocês viveram .
3. D iscutam a influê ncia da socialização na e xpressã o dos afetos. V ocê s
conhecem algum a cultura em que as pessoas e xpressem
diferentem ente de nós os se us afetos? [pg. 200]
4. E scolham um a e m oção ou um sentim e nto e pronunciem -se sobre:
• o que aquele afeto significa para você;
• quando e com o você o sente?
5. D ebata m se os nossos sentim entos e as nossas em oções são
sentidos da m esm a form a por todos nós. As pessoas sentem
em oçõe s sem pre da m esm a form a?
6. D e acordo com o te xto com ple m entar, respondam : que é o
enam oram ento e o que acontece quando nos enam ora m os?
7. D iscutam um film e visto por vocês e que os tenha em ocionado. F ale m
sobre a em oção se ntida e suas ca usas.

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Para o aluno
É interessante e xplorar com os alunos a sua própria vivência
afetiva, fa vore cendo a troca de e xperiências entre eles. A literatura e m
P sicologia sobre o assunto não é m uito adequada para e sta fase da
escolarização. T em os, no enta nto, “Emoção e afetividade”, te xto de
S olange N ogueira Buono, publicado no livro Psicologia no ensino de 2º
grau, coordenado pelo S indicato dos P sicólogos e C R P -06 (S ão P aulo,
E dicon, 1986). H á ainda o ca pítulo 5 do livro Motivação e emoção, de
E dward M urra y (R io de Ja neiro, Z aha r, 1971). E , sem dúvida, gra nde
parte dos livros de P sicologia abordam este aspecto, podendo o
professor sele ciona r te xtos m ais sim ples que com plem entem o trabalho.

Para o professor
P ara os alunos aprofundarem o estudo do tem a deste capítulo,
sugerim os a leitura de Teoria das emoções: introdução à obra de
Henri Wallon (Lisboa, M oraes, 198 1), de M . M artinet. O discurso vivo
— uma teoria psicanalítica do afeto (R io de Janeiro, F ra ncisco Alve s,
1982), de André G re en, aborda a vida afetiva na obra de F re ud e na dos
pós-freudianos, com o Lacan e M elanie Klein, alé m de dese nvolver um a
teoria sobre os afetos basea da na P sicanálise.

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O cinem a é um e xcelente m eio de provocar e re viver em oções.
Q ualquer film e pode ser visto com proveito para o debate da vida afetiva .
[pg. 201]
C AP ÍT U LO 1 4

Identidade

V em os um a pessoa
desconhecida em um a festa, no pátio
da escola ou no ponto de ônibus. N ão
sabem os nada a se u respeito. É um
enigm a a se r desve ndado. S erá? N em
tanto... A partir do m om ento que a
olham os, já com eça m os a conhe cê-la:
discrim inam os seu se xo (hom e m ou
Quem é ela? m ulher), sua fa ixa etá ria (criança ,
jovem , a dulto), sua e tnia.
E , se prestam os m ais atenção, podem os perce ber alguns
“detalhes” que forne cem outros indicadores sobre este desconhecido, ou
seja, o m odo de se vestir e os piercings o situam em de term inado grupo;
o broche na roupa — um a estrela verm elha — “fala” de sua opção por
determ inado partido político...
Aí, nos aproxim am os da pessoa e vem a “fam osa” pergunta:
— Q ual o seu nom e ?
D epois dessa prim e ira pergunta, podem os fazer m uitas outras...
m ais ou m e nos com o aquelas da ficha para procurar e m pre go, do
form ulário pa ra fa zer crediário ou da s entre vistas inicia is com o psicólogo
— onde m ora e estuda, a idade , a religião, se tra balha ou não, o que
gosta e o que não gosta de fazer, e nfim , um roteiro que pode se r
interm iná vel e se referir ao prese nte, ao pa ssado e ao futuro desse
desconhecido que com eça a deixar de sê-lo.
C onhecer o outro é querer sa ber quem ele é.
— Q uem é você? Q uem sou eu?
P erguntas não tã o sim ples de serem respondidas e que
acom pa nham a história da hum anidade .
N a G récia Antiga, na cidade de D elfos, ha via o oráculo do deus
Apoio, em cujo frontispício ha via o lem a: “C onhece-te a ti [pg. 202]
m esm o”. N a fam osa tragédia de S ófocle s (Édipo rei), em dúvida quanto à
sua origem , É dipo procura este orá culo para saber quem ele é — sua
identidade — e a resposta é aterradora: É dipo é aque le que dorm iria com
a própria m ãe e m a taria o pai.
M uitos séculos depois, S hakespeare e scre veria um a peça —
Hamlet — cujo m ote se vulgarizou: “ser ou nã o ser... eis a questão”. N o
início de ste sé culo, M achado de Assis escre ve um rom ance — Dom
Casmurro — que é um prim or enquanto desafio para a com preensã o de
quem é a persona ge m principal, C apitu.
P ortanto, sa ber que m é o outro é um a questão aparentem ente
sim ples e se constitui desafio em cada novo encontro e, m esm o nos
antigos, porque as pessoas m uda m , em bora continue m elas m esm as.
P ara com pre ender e sse processo de produção do sujeito, que lhe
perm ite a prese ntar-se ao m undo e reconhecer-se com o a lguém único, a
P sicologia construiu o conce ito de identidade.
E ste conceito, com o m uitos outros e m P sicologia, tem vá ria s
com pre ensõe s e utiliza contribuições de outras áre as do conhecim ento.
V am os elencar as principais.
C arlos R . Brandão, antropólogo e educa dor1 , diz que a identidade
explica o sentim ento pessoal e a consciê ncia da posse de um eu, de um a

1
Carlos Rodrigues Brandão. Identidade e etnia. São Paulo, Brasiliense, 1986. p. 38.
realidade individual que torna cada um de nós um sujeito único dia nte de
outros e us; e é, ao m esm o te m po, o reconhe cim ento individual de ssa
exclusividade : a consciência de m inha continuidade e m m im m esm o. A
referência do a utor ao eu em oposição aos outros eus, le va-nos a
conside rar algo ba stante im portante : é em relação a um outro —
diferente de nós — que nos constituim os e nos reconhe ce m os com o
sujeito único. E ste aspecto será a bordado qua ndo fa larm os de iden-
tificação e identida de: dois conceitos que, no senso com um , m uitas
ve zes são usados com o sinônim os, m as se referem a processos
bastante dife rente s.
S egundo o psicanalista André G re en, o conceito de identidade
agrupa várias idéia s, com o a noçã o de perm anê ncia, de m a nutençã o de
pontos de referência que não m uda m com o passar do te m po, com o o
nom e de um a pe ssoa, suas relações de parente sco, sua na cionalida de.
S ão aspectos que, geralm ente, as pessoas carrega m a vida toda. Assim ,
o term o identidade aplica-se à delim ita ção que permite a distinçã o de
um a unidade. P or fim , a identidade perm ite um a re lação com os outros,
propicia ndo o reconhecim ento de si. [pg. 203]
E ntreta nto, tais proprie dades — constância, unidade e
reconhecim e nto — descre vem um determ inado m om ento da identida de
de algué m , m as nã o são capazes de a com panhar o proce sso de sua
produção e de sua transform ação.
V árias corre ntes da P sicologia (e a P sicanálise, inclusive) nos
ensina m que o reconhecim ento do eu se dá no m om ento em que
aprendem os a nos diferenciar do outro. E u pa sso a ser alguém quando
descubro o outro e a falta de tal reconhecim ento não m e perm itiria sa ber
quem sou, pois não teria elem entos de com para ção que perm itissem a o
m eu eu destacar-se dos outros e us. D essa form a, podem os dizer que a
identidade, o igual a si m esm o, depe nde da sua diferenciação em relaçã o
ao outro.
O prim eiro “outro” im portante é a m ãe (sem pre ela !), de quem o
bebê vai se difere nciando, aprende ndo que não é um a e xtensão dela .
S ão duas pessoa s e , ao m e sm o tem po, é
o olhar da m ãe sobre o bebê que vai
dando a ele o seu valor com o pessoa. P or
isso, as prim eiras relações são tã o
im porta ntes na vida de toda s as pe ssoa s.
N este processo de diferenciaçã o, a
criança com e ça a escolher outras pessoa s
com o objeto de identificação, isto é,
pessoa s significativa s que funcionam
com o m odelo em relação ao qual o sujeito
vai se apropria ndo de algum a s
características, atra vé s do processo de
Mãe-filho: matriz de identidade. identificação, e vai form ando sua
identidade: o que sou e quero ser, sendo
que o que quero se r (o futuro!) já constitui o que sou (o presente). É
im porta nte, a qui, esclarecer que o conjunto de e xperiência s, a o longo da
vida, perm ite a cada um “m ontar” o se u próprio m odelo do que prete nde
ser com o hom e m ou m ulher, com o profissional, com o cidadão etc. Isto
porque, o que quero ser com o m ulher, por exe m plo, te m com o referência
vá rias m ulhe res que foram im portantes para m im , ao longo de m inha
vida: é um am álgam a de características de m inha m ã e, daquela
professora tão espe cial, da heroína de um rom a nce e da m ãe de um a
am iga m inha. E ste é um m odelo com o qual m e identifico e vou
procura ndo construir m inha identidade.
C om o continuo vive ndo e tendo e xpe riê ncias com novas pe ssoas,
posso alterar e ste m ode lo e, neste m om ento, podem os perguntar:
alguém é sem pre igual a si m esm o? H á a possibilidade de m udança de
identidade? S e a resposta for afirm ativa , estará ocorrendo perda de
identidade? [pg. 204]
E stas pergunta s são im portantes porque introduzem a idéia
fundam ental de que a identidade é algo m utá vel, e m perm anente
transform ação. Assim , chegam os a um ponto basta nte interessante !
C om o é possível alguém m udar e continuar se ndo igual a si m esm o? E é
exatam ente isso o que acontece. P e nse em si até onde sua m em ória
alcança e repare que você e as pessoas nunca duvidaram que você seja
você m as, a o m esm o tem po, quantas m udança s ocorreram ! V ocê deixou
de ser filho único, nã o é m ais o prim eiro aluno da classe; você descobriu
que pe nsa diferente de seus pais em m uitas coisas e se de u conta que
seu corpo m udou m uito — você, que se m pre sonhou e m se r aerom oça
ou bailarina, agora está penando seria m ente em se profissionalizar na
área de enferm agem ... e quantas m uda nças ainda ocorrerão!
P ara com preender esse proce sso do ponto de vista teórico, o
professor da P U C -S P , Antonio da C osta C iam pa, de senvolveu um a
concepção psicossocial da identidade em que esta apare ce em sua
dim ensão de processo. P ara e ste autor, a identida de tem o caráter de
m etam orfose, ou seja, está em constante m udança. E ntreta nto, ela se
aprese nta — a ca da m om ento — com o em um a fotografia, com o
“estática ”, com o não-m etam orfose, esca m oteando sua dinâ m ica real de
perm anente transform ação. E sta s tra nsform a ções refere m -se ta nto
àquela s que são ine xorá veis: a passage m da infância para a
adolescência e, posteriorm ente, ida de adulta, com o à quelas que
dependem das oportunidades sociais e do acesso a os bens culturais: a
possibilidade de estudar, de cursar um a fa culdade, de via jar e de ter
acesso a outras e xperiência s culturais, por e xem plo.
P ara esclarecer m elhor este aspe cto, o autor utiliza o belíssim o
poem a de João C abral de M elo N e to, Morte e Vida Severina.
Ao dar nom e a alguém , torno esse alguém dete rm inado,
substantivo. N o poe m a, o retirante se a presenta ao leitor dize ndo assim :

O m eu nom e é S e ve rino,
não tenho outro de pia.
C om o há m uitos S e verinos,
que é santo de rom a ria,
deram e ntão de m e cham ar
S e verino de M aria;
com o há m uitos S e verinos
com m ã es cha m ada s M aria,
fiquei sendo o da M a ria
do fina do Z a carias... [pg. 205]

As mudanças são incorporadas na identidade

P ara não ser confundido com outros tantos S e verinos, o re tirante


procura definir, de um a form a substantiva, quem ele é — um
determ inado S e verino. M as, ao falar de sua ide ntida de, e le ta m bém está
falando de um a realidade social. A rea lidade social e m que e stá inse rido,
as condiçõe s de vida no sertão do N ordeste brasileiro. E le fala de com o a
fam ília se estrutura fragilm ente (a falta de sobrenom e — não tem outro
nom e de pia, isto é, de batism o), fala da religiosidade do nordestino (o
nom e do santo de rom aria, a quem se pe de e se hom enageia dando seu
nom e aos filhos), da m orte prem atura das pessoas nessa regiã o (o
S e verino da M aria do finado Z acarias).
Ao falar do conte xto social, ele perce be que, cada vez m ais, é
sem elhante a tantos outros S e ve rinos e que não tem com o se
aprese ntar. A sua substantivaçã o não é suficiente para definir sua
identidade. E le só consegue e xpressar a sua particularidade quando, no
final de sse tre cho, nos diz:

M as, para que m e conheçam


m elhor V ossa s S enhorias
e m elhor possam se guir
a história de m inha vida,
passo a ser o S e ve rino
que em vossa prese nça em igra.

Assim , ficam os sa bendo e xata m ente quem é esse S e verino, nã o


na sua definição, na sua substa ntivaçã o, m as na sua açã o, na sua
predica ção.
É a atividade que constrói a identidade. A predica ção é a
predica ção de um a a tividade anterior, que “presentifica” o ser. E ntre tanto,
pelo fato de estarm os inseridos nas orga nizaçõe s, a ação é fragm entada .
E u sou o que faço naquele m om ento, e não é possível repor o tem po
todo m inhas outras facetas, m inha ação em outros grupos. N a escola,
sou re conhecido com o um bom estudante ou um bom jogador de
basque te; no m e u e m prego sou um bom arquivista e, junto a os am igos,
sou um bom conse lheiro. O bom conselheiro não inclui o arquivista ,
em bora am bos se re firam a m im .
A ativida de “coisifica-se” sob a form a de personage m . A form a
com o apresenta m os o exem plo já denuncia isso. S ou arquivista porque
arquivo e um bom conselheiro porque dou conselhos. S e desistir de
arquivar, não serei m ais arquivista.
E ntreta nto, a construção da personage m congela a ativida de, e
perco a dinâm ica de m inha própria tra nsform açã o. A identida de, então,
que é m etam orfose , aprese nta-se com o não-m eta m orfose.
A identida de é sem pre pressuposta m a s, ao m esm o tem po, tal
pressuposiçã o é negada pela ativida de, já que, ao fa zer, eu m e
transform o, [pg. 206] o que fa z da identidade um processo em
perm anente m ovim ento. C om o a personage m que e u re presento é
congelada pela pre ssuposição, eu procuro re por a m inha identidade
pressuposta durante a atividade. O processo de reposição cria a ilusão
de que “o m esm o” está produzindo esta nova ação. Isso gera a
identidade-mito (pe rsonagem congelada, independe nte da ação), e m
que a atividade apa rece padronizada previam e nte, e passo a ter um a
certa ilusão de substancialidade. A personage m subsiste m e sm o que já
não e xista m ais a atividade, com o é o ca so de S e verino, que, chegando
à cida de, é visto com o la vrador — um lavrador que já não la vra, que
agora la va carros, trabalha com o peão na construção civil ou recolhe
sucata nas ruas.

É im portante que tenha ficado
claro que a identida de é um processo
de construção perm anente, em
contínua transform a ção — desde ante s
de nascer até a m orte ! — e, neste
processo de m udança, o novo — quem
sou, agora — am algam a-se com o
velho — quem fui ontem , quando era
adolescente, criança ! E isto que dá o fio Quino. Toda Mafalda. São Paulo,
da história de ca da um , m esm o que, Martins Fontes, 1991.

pela aparê ncia, seja difícil discernir, por trás do pre sidente neolibera l, o
sociólogo m a rxista perse guido pela ditadura ou, por trás do a presenta dor
de T V m ilionário, o antigo cam elô das ruas de S ão P aulo. U m olhar
atento, para além das aparê ncias e dos preconceitos, perce berá que o
antigo está no novo.
C ontudo, há situa ções em que esse processo de m udança
contínuo ocorre de m odo intenso, confuso e, m uita s vezes, angustiante e
doloroso. F alam os, e ntão, e m crise de identidade.
S ão m om entos, períodos im porta ntíssim os da vida de um a pessoa
em que ela procura , com m aior ou m e nor grau de consciê ncia dessa
crise, redefinir ou ratificar seu m odo de ser e e star no m undo... sua
identidade: para si e para os outros.
U m ca so e xem plar de crise de identida de, em função inclusive de
seu caráter ine xorá vel, e que pode ser vivida com m ais ou m enos
sofrim ento, é a adole scência. E ste período de vida m arca a pa ssagem da
infância para a juve ntude quando, inde pende ntem e nte da vonta de do
indivíduo, grandes m udanças ocorrem em todos os níve is: o corpo
transform a-se, o funciona m ento bioquím ico altera-se, a capacidade
intelectual re aliza-se com m aior fle xibilidade — a capacidade [pg. 207]
de operar com abstrações, de pe nsar sobre o pensa m ento — os inte-
resses m udam ; o m undo não se restringe ao universo fam ilia r e escolar,
e os grupos de pe rtencim e nto passa m a ter outras e xpe ctativas de
conduta sobre o adolescente, com o a a utonom ia, o saber cuidar de si,
enfim , ocorre um a revoluçã o! E com o dar conta de tudo isso que ocorre
dentro e fora de m im ?! N ão sou m ais criança, não quero ser e, ao
m esm o tem po, gosto de deitar no colo da m inha m ãe. P osso ou não
posso? N ão quero desagra dar m eu pai e tenho um a curiosida de enorm e
de fum ar m aconha, no que sou ince ntivado pelos m e us am igos. C om o
dou conta disso? S ou a única garota da m inha turm a que ainda não
transou, tenho m edo da AID S , m eu nam orado vive m e pressionando
para dorm irm os juntos e eu tam bé m m orro de tesão e ... de m edo! F ui
prepara do, m esm o antes de nascer, para ser a sétim a geração de
advoga dos da m inha fam ília, que já te ve até um m inistro da justiça e,
neste m om e nto, o que m ais quero é estudar m úsica, ser m úsico. C om o
enfrentar a fa m ília inteira com o m e u dese jo?
Q uantos conflitos! Q uanta s dúvidas! “Ser ou não ser, eis a
questã o!”
E m bora m arca da por intensa “turbulência interna”, essa crise pode
significar — e, na m aioria das vezes, o é — um período de “confusão”
criadora , em que há o luto da perda do corpo infantil e a estranheza
quanto àquele corpo adulto (e le m esm o!) que o adolescente desconhece
e deseja, e que vai se constituindo, ine xora velm ente. Às m udanças do
corpo correspondem m uda nças em sua subjetividade . “O novo corpo é
habitado por um a nova m ente” (José O uteiral, Adolescer — estudos
sobre adolescência, ed. Artes M édicas, P orto Alegre, 199 4). N ova s
influências am algam adas: o grupo de pares; persona gens do m undo
intelectual, artístico, esportivo, político; aquele professor fa ntástico; os
pais que, sem dúvida, continuam sendo im porta ntes figuras de
identificação.
E , de tudo isso produz-se alguém novo, com rupturas m a is ou
m enos inte nsas com a sua história pregressa m as que, sem dúvida,
estará inscrita na sua biografia e, portanto, será constitutivo de sua
identidade tudo o que já vive u.
A crise de identidade na adolescência é algo ine vitá vel, contudo,
existem outras crise s que sã o construídas e produzidas pelo próprio
indivíduo e/ou por circunstâncias sociais e biográficas.
U m a situaçã o de ssa é de scrita por M aria Lúcia V . V iola nte no livro
O Dilema do Decente Malandro, qua ndo estuda a situa ção dilem á tica
vivida por jovens autores de ato infracional abrigados em um a instituiçã o
de privação de liberdade, em S ã o P aulo: ser “m a landro”, isto é ,
perm anecer na crim inalida de, ou “de cente”, isto é, rom per com a
trajetória da crim inalidade e escolher um projeto de vida de inserção na
coletividade. A situa ção de conflito é concretiza da [pg. 208] pelas duas
referências de identificação que se tornam igualm ente im portantes: o
discurso dos educa dores e o discurso dos colegas do se u grupo de
referência. N ão é fácil decidir: do ponto de vista deste jove m , há perda s e
ganhos em qualquer um a da s opções.

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Uma introdução ao
estudo da identidade não seria
com pleta se não
abordá ssem os o estigma. O
que é isso? O estigm a refere-
se as m arca s — atributos
sociais que um indivíduo, grupo
ou povo carregam e cujo va lor
Ku-Klux-Klan: expressão radical da violência contra os
pode ser ne gativo ou negros.
pejorativo. Im a gine o que
significa para um indivíduo, em term os pe ssoais e sociais, se r egresso da
prisão ou de instituição psiquiátrica ; ser hom osse xual, prostituta ou
portador do vírus H IV ? Im agine o que significou, para o indivíduo, ser
judeu na Ale m anha nazista, ou negro na África do S ul durante o
Apartheid?
E stes são atributos facilm ente reconhecíveis com o carregados de
um va lor nega tivo para a m aioria das pessoa s e determ inam , para o
indivíduo, um destino de e xclusão ou a perspectiva de reivindica ção
social pelo direito de ser bem tratado e ter oportunidades iguais. O
estigm a re vela que a sociedade tem dificuldade de lidar com o diferente.
E sta dificulda de é “perpetua da”, ao longo das ge rações, pela educação
fam iliar, pela escola, pelos m eios de com unicação de m assa, por ca da
um de nós em nosso cotidia no, o que le va à construçã o de um a carreira
m oral para o indivíduo estigm atizado, isto é, sua identida de vai incorporar
este atributo ao qual corresponde um valor social negativo. U m e xem plo
chocante e ilustrativo dessa incorporação ocorreu na década de 9 0,
quando um a m enina de se is anos foi proibida de freqüe ntar um a pré-
escola e, e xpulsa de outra, por ser porta dora do H IV . E xiste m inúm eros
exem plos com o esse, cujo m odo de a socieda de lidar vai de m onstra ndo
que há um percurso, um destino que esta s pessoas de vem a ssum ir.
U m aspecto basta nte im portante desse processo, que pode
envolve r um indivíduo, um grupo ou um povo inte iro e acom panhar o
indivíduo desde o seu nascim ento (um a característica física, por
exem plo) ou se r adquirido a o longo da vida (assum ir a própria
hom osse xualida de) é o atributo negativo pode se r internalizado pelo
indivíduo e constituir aspecto im portante de sua auto-im agem e auto-
estim a. [pg. 209]
N esse sentido, é im porta nte prestar atenção a situaçõe s
sem elhantes ao processo de estigm atização que pode perm ear a vida
cotidia na. E xem plo: na escola, a professora que reiteradas vezes afirm a
que determ inado aluno “tem dificuldades”, “é burro”, “ca beça-dura”,
“difícil de aprender”, sem dúvida poderá ser um a e xperiê ncia m arcante
para ele, que, se internalizar tais com entários, passa rá a ver a si próprio
da form a com o a professora o vê e diz ser, e este aluno, que não te m
dificuldades, poderá realizar a profecia de fracasso pregada por ela.
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Agora que você conhece os vá rios fatores e proce ssos envolvidos
na construção da identida de, im a gine um encontro casua l com um a
pessoa desconhe cida. Ao vê-la, você saberá responder à s perguntas:
Q uem é ela? Q ual a sua ide ntida de? — N ão. M as, você já sabe algum as
“coisas” im portantes. E , um a delas, é que a aparência (que inclui o
com portam ento observá vel) é um ponto de partida para conhecer e sta
pessoa.
O s atributos visíveis da identida de sã o sinais im portante s para
iniciar a longa trajetória de descoberta do outro. M as, não sã o
suficientes. Lem bre -se: as a parê ncias podem e nganar ou... as pessoas
estão e m contínuo processo de m udança...

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O G R AN D E M O T IM

N os dias de hoje, a cultura se diluiu em entrete nimento e


publicidade; a juve ntude, a rebeldia, a autenticidade são tra duzidas em
im agens que se podem com prar e vestir.

S om ente o crem e Ba rbalho


T ornará todo grisalho
V osso cabelo juve nil;
G arantindo-lhe o re speito
D e um a r sisudo e senil
E m cargos de grande efeito!

Nicolau Sevcenko2
T oda um a linha de outros produtos se propunha , no início do
século, a ate nder a grande de m anda pelo e nvelhecim e nto precoce.
T ônicos para encorpar e ganhar peso, corantes para barbas e bigode s

2
Nicolau Sevcenko é professor de história da cultura do Departamento de História da USP.
ralos, óculos e m onóculos de vidros grossos e até um a sinistra pom ada
para a m arelar de ntes e unhas! Isso sem contar todo o repertório de
recursos destina dos a m anifestar veneranda austerida de: suíças, cãs,
casacas, cartola s, bengalas, cebolões, charutos, a néis [pg. 210] de
cabochão, polainas e com endas. U m va sto arsenal, cujo efeito
cum ulativo de ve ria som ar a m ais a va nçada ida de possível para o
portador. A re gra era sem pre m entir para m ais, m uito m a is!
P arece bizarria ou perversão, m as era um im perativo social. N a
socieda de de arrivistas da belle époque, a cena pública foi inva dida por
um a legião de “recém -e nrique cidos”, os bene ficiários dos efeitos
som ados da re volução científico-te cnológica de fins do século, da
expansão im perialista e da G ra nde D epressão. N a pressa de substituir
as elites senhoriais, na correria pelo assalto dos cargos e posições, na
ganância pela m ultiplicaçã o de suas posses e capitais, na sanha para
transform ar em poder e privilégios a sua força econôm ica, era preciso
disfarçar tanto a obscuridade da sua origem , qua nto o caráte r repentino
de sua arribaçã o. E ra preciso recobrir-se de um a patina que sim ula sse
estirpe, tradição e a utorida de. N a ausê ncia da aura do tem po, apela va-
se, com o era bem o caso, para a arte da sim ulaçã o e a truculência do
esnobism o. O m e rcado logo perce beu que o artigo em m aior dem anda
era o pastiche do ar senhoril. N ovas fortunas se fizeram , do dia para a
noite, vende ndo pacotes de velhice insta ntânea.
C om o ne sse m undo patriarcal e m achista não se supunha que a
m ulher tivesse sequer visibilidade pública, seu destino era acom panhar o
padrão estabele cido pelos va rões. D aí, no ca so delas tam bém , todo um
com plica do acervo de enchim entos, anquinha s, nádegas e seios de
borracha, espartilhos, cam ada s sucessiva s de com binações, anáguas e
saiotes, forros, estofos, rendas e m usselinas, coroa do pelos cabelos
presos e enrodilhados em pericotes, cobe rtos pelo véu ou por um chapéu
que oculta va o rosto sob a gaze fina. C om o se espera va que as m ulheres
casasse m m uito ce do, de preferência com hom ens m uito m ais velhos,
de veria m , assim que consorciadas, a ssum ir ares de m atrona s. Ainda que
ficassem solteira s por m ais tem po, de veriam inve stir num a aparência
senhorial, ta nto para e vitar a pecha degradante da “S olteirona”, qua nto
para nã o serem tom adas por “raparigas”.
A prim eira m uda nça dram ática nesse ce nário veio com o cinem a.
O u, m ais precisam e nte, com D a vid W ark G riffith. E le inventou o close-up,
e o close-up tornou a juventude um im pe rativo. Am pliado na tela giga nte
e todo ilum inado, o rosto tinha que ser jove m .
Intensificando os efe itos da luz, ele vislum brou a m ágica essencial
do cine m a, seu poder de espiritualizar a s im age ns, de atribuir um a aura
lum inosa, transform a ndo sua s linda s adolescente s em a njos irradiantes.
U m desenvolvim ento posterior dos e stúdios, a a rte ilusionista da
m aquia gem , lhe s pe rm itiu fazer atrizes a dultas parecere m jove ns. A era
das estrela s fazia a sua aparição epifânica, hipnotizando as im agina ções
e difundindo o sex-appeal. A re volução passou num instante das tela s
para as pratele iras das perfum arias e daí para a s ga vetas e bolsas de
todas as m ulheres. O m undo nunca m ais seria o m esm o. Ainda assim ,
até o fim da S egunda G uerra, o padrã o dom inante é o dos adultos de
aparência jovial. C intilam o glam our, o charm e, a sedução das “femmes
fatales”, um universo de desejos e traições, m as um m undo de gente
m adura, que conhece os códigos e distingue sem proble m as o bem e o
m al. S e optam pelo erro, é por contingência ou perversão, nunca por
ignorância ou ingenuidade. S eus dram as envolve m em oções
com plica das e dile m as m orais de envergadura trá gica. P odia-se rir ou
chorar com eles, am á-los ou odiá-los, identificar-se com eles ou rejeitá-
los, porque nas voltas e re vira voltas de suas ações eles representa va m
um m undo que e ra aquele de todo m undo. S endo adultos e jovens, eles
represe nta va m um a socieda de segura de seus valores e confiante na
sua capacida de de construir o futuro, segundo suas m ais caras
convicções.
A grande m udança veio de pois da G uerra. As condiçõe s do
recrutam ento, a e xtensão e dura ção do conflito e os e ntra ves à
readaptação à vida civil tiveram um enorm e im pacto sobre a estrutura
fam iliar, que repercutiu na geraçã o seguinte. Ao m esm o tem po, o boom
da prospe ridade no pós-guerra provou ser alta m ente seletivo. E ra
possível a todo jove m conseguir um em prego, m a s as unive rsidade s, os
altos cargos, os m elhores salários, os investim entos gara ntidos, as
inform ações privilegiadas, a parte do le ão, e nfim , esta vam reserva dos
para as fam ílias dom inantes ou os grupos organiza dos. A terra da
oportunidade prom etia m ais do que conseguia cum prir. Às m argens da
grande festa consum ista iam ficando os despreza dos de sem pre: [pg.
211] os brancos sem acesso à educa ção, os negros, os índios, os latinos
e as legiõe s de im igrantes flagelados pelo furacão da guerra. F oi dessa
horda de re nega dos que partiu a re ação. S e a socieda de filistéia os
segrega va, eles tom aram a inicia tiva da secessã o unilateral e passaram
a viver num m undo só se u. E esse m undo fica va deba ixo do tapete para
onde a Am érica tinha varrido tudo o que ela odia va, te m ia ou abom ina va.
O ano cha ve foi 19 5 6. D ura nte a e xibiçã o dos film es “Blackboard
Jungle” e “Rock Around the Clock”, os jovens por toda parte se punha m a
dançar sobre as poltronas até arrebe ntarem os cine m as. E sta va m
respondendo aos apelos instintuais e m anados de m úsicos ne gros, com o
C huck Berry, Bo D iddle y e Little R icha rd, ou de vozes em ergindo da
sucata do “white trash” sulista, com o E lvis P resle y, G e ne V incent e E ddie
C ochra ne. P oeta s boêm ios com nom es esdrúxulos de imigrantes nã o
integra dos — Kerouac, C orso, F erlinghetti, G insberg — tom a vam de
assalto a recé m -a berta Route 66, procura ndo nos aldeam e ntos
indígenas, nos gue tos e nos prostíbulos a verda deira Am érica. N a
Broadway, Jerom e R obbins estrea va o bom bá stico “West Side Story”,
unindo a tra dição cubista dos Ballets Russes a o “jive” e “jitterbugging”
dos gue tos ne gros e ao “Hot Rhythm” dos Zoot Suiters chica nos. E ra a
fusão da tradição anarquista com o “dirty dancing” e o “indecent
shouting”. P ara os jove ns era a insurreição contra a hipocrisia, a
desigualdade e a estupide z consum is-ta. P ara os guardiãe s da ordem
eram o paganism o, a delinqüência e a s tre vas. E lvis foi queim ado em
efígie por todo o território. E ra a guerra civil e o fim do conse nso cultural.
E sse m otim alcançou um pico em 196 8, com a “freak generation” e
a resistência à guerra do V ietnã, e se consum ou num espa sm o com o
gesto punk de 76. Q uando Andy W arhol equiparou, nas suas séries de
serigrafias gigantes de 63 a 67, a garrafa de coca-cola, M arlon Bra ndo,
as notas de dólar, M ao T sé-tung, a la ta de sopa, os fugitivos m ais
procura dos, o drops furado, a bom ba atôm ica, sua própria m ãe e E lvis
P resle y, a m ensage m esta va clara. A extinção de um quadro fixo e
consensual de valores im plodiu a possibilidade de quaisquer ne xos
coerentes e hege m ônicos de significaçã o.
N o conte xto da e xpa nsão das com unicações, a im age m se libertou
dos sentidos. A cultura se diluiu em e ntretenim ento e publicidade . A
juventude, a re beldia , a autenticida de são tra duzidas em im a gens que se
podem com prar e vestir. Assim tam bém a seriedade, a com postura e a
em páfia . O m elhor portanto é com por um bocadinho de ca da um a, com o
a receita ideal para a adm iração e o suce sso. Adultescente: o m elhor dos
dois m undos, sem m ais com prom issos além da nota fiscal.
Folha de S. Paulo, 2 0 de setem bro de 19 98.

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1. Q ual a concepção de ide ntidade de C a rlos R odrigue s Brandão?
2. Quais as propriedades do conceito de identidade proposto por André
G reen?
3. F ale da im portâ ncia do “outro” na form ação da ide ntida de. Q uem são
esses “outros”?
4. Q ual a concepção psicossocial de ide ntidade?
5. C om o se caracteriza a diferença e ntre m udança (metam orfose) e crise
no processo de identidade?
6. O que é estigm a? Q uais os se us efeitos na trajetória de vida do
indivíduo ou grupo e stigm atizado?
7. Q ua l o papel dos sinais aparentes (observá veis) na re de scoberta do
outro? [pg. 212]


1. D iscuta m e ca racterize m a situa ção de crise de identida de
(adolescência) pela qual vocês aca baram de passar ou estão
passando.
2. C aracterizem o e stigm a em relaçã o a o “m enino de rua” e converse m
sobre a s possíveis conseqüência s sobre sua trajetória de vida futura.
3. As biografia s constituem m aterial inte ressante para o estudo do tem a
deste capítulo. Alé m das publicadas, é possível tra balha r com a
própria história de vida ou a de um a pessoa próxim a. P rocure m
analisar os da dos que m arcam a continuidade e as m uda nças na
identidade.
4. C om o te xto com plem e ntar, selecionam os um artigo de N icolau
S e vcenko que nos fornece, em um a perspectiva crítica, inform ações
sobre vá rios m om e ntos histórico-culturais que produziram efeitos
sobre a conduta de indivíduos. O te xto propõe o de ba te e a
com pre ensão de um a personagem socia l do final do século 20 — o
“adultescente ”. P ara vocês, quem é ele ? Q ual a sua identidade?
5. T endo com o refe rência o te xto com plem enta r, procurem arrolar as
novas ide ntida des que estã o sendo produzidas no conte xto atual.
Justifiquem .


Para o professor
S obre o tem a da ide ntidade , e xiste um livro bastante difundido, de
E rik H . E rikson, Identidade — juventude e crise (R io de Janeiro, Z a har,
1976), que aborda a questão do ponto de vista da P sicanálise. E m bora
m uito difundido, sua com pree nsão im plica um dom ínio da teoria
psicana lítica. S obre o m esm o tem a , existe um livro, do psicólogo
brasileiro Antônio da C osta C iam pa, A estória do Severino e a história
da Severina (S ã o P aulo, Brasiliense , 1987). E sse livro utiliza, com o
ponto de partida, o poem a de João C abral de M elo N eto, “Morte e vida
Severina”, e a história verídica de um a m igrante norde stina. É um a
análise bonita e crítica da construção da identidade, m as, para aproveita r
a leitura, é ne cessá ria certa fam iliaridade com o tem a. N ão é um livro
introdutório.
S obre o estigm a, há o livro clássico de E rvinj G offm an — Estigma:
notas sobre a manipulação da identidade deteriorada (R io de Janeiro,
Z ahar, 1 982).

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O selvagem da motocicleta. D ireção F rancis C oppola (E U A,
1983)
Vidas sem rumo. D ireção F rancis C oppola(E U A, 1983)
F ilm es sobre gangues de jove ns am ericanos, que fala m de
conflitos gerados pela ruptura instituciona l, pelas crises nos grupos e por
crises de identidade.
Esposamante. D ire ção M arco V icario (Itália, 1 978) – Belíssim o
film e sobre a transform açã o de identida de de um a m ulher, no início do
século 20, que tem seu m arido da do com o m orto. [pg. 213]
C AP ÍT U LO 1 5

Psicologia institucional e
processo grupal

A nossa vida cotidia na é de m arca da pe la vida e m grupo. E stam os


o tem po todo nos relacionando com outras pessoas. M esm o quando
ficam os sozinhos, a referência de nossos de vaneios são os outros:
pensam os e m nossos am igos, na próxim a atividade — que pode ser
assistir a aula de inglês ou realizar nova tarefa no tra ba lho (que,
prova ve lm ente, envolverá m ais de um a pessoa); pensa m os no nosso
nam oro, em nossa fam ília. R a ram e nte e ncontrare m os um a pessoa que
viva com pletam ente isolada, m esm o o m ais asceta dos erem itas le vará,
para o e xílio voluntário, suas le m branças, seu conhecim e nto, sua cultura.
P or encontrarm os determ inante s socia is em qualquer circunstância
hum ana 1 , podem os afirm ar que toda P sicologia é, no fundo, um a
P sicologia S ocial.
T alvez se ja por isso que nossas vidas encontram sem pre um a
certa re gularidade, que é ne cessá ria para a vida em grupo.

1
Silvia Lane é a autora contemporânea da Psicologia Social que melhor fundamentou esta afirmação (in
Lane, S. T. M. & Codo, W. Psicologia Social: o homem em movimento. São Paulo, Ed. Brasiliense,
1982), contudo, Sigmund Freud, em 1921, já afirmava que “na vida mental individual aparece integrado
sempre, efetivamente o ‘outro’, como modelo, objeto, auxiliar ou adversário, e deste modo, a psicologia
individual é ao mesmo tempo e desde o principio uma psicologia social, no sentido mais amplo, no
entanto, plenamente justificado.”(ln Freud, Sigmund. Psicologia de Ias Masas y Analisis del Yo. Obras
Completas, v. III. Madrid, Ed. Biblioteca Nueva, 1973. 3ª ed. p. 2563.)
As pessoas precisam com binar algum as regras para vive re m
juntas. S e estiver num ponto de ônibus às sete horas da m anhã, eu
preciso ter algum a certeza de que o transporte a guardado pa ssará por ali
m ais ou m e nos neste horário. Alguém com binou isso com o m otorista.
D ependem os do outro em nosso cotidiano. U m funcionário precisou a brir
o portão da escola, cujas depe ndências já esta vam de vidam ente lim pas;
um professor nos e spera; ao che gar à escola, encontro colegas que
tam bém têm aulas no m e sm o horário. A esse tipo de regularidade
norm atizada pela vida em grupo, cham a m os de institucionalização.
D ada a im portâ ncia da vida dos grupos (e em grupo) e do processo
de institucionalizaçã o,, estes dois te m a s têm se destacado [pg. 214]
ultim am ente no cam po da P sicologia S ocial. O prim eiro é re corrente e
pode-se dizer que, apesar de sua atualidade, é um te m a clá ssico.
E stam os falando da P sicologia dos G rupos, a qual preferim os cham ar de
Processo Grupal. O segundo tem a — Psicologia Institucional — só é
encontrado na literatura especializada a partir da m e tade do século 20.
D e certa m aneira, e stes tem as estã o interligados, e isso nos le vou a
abordá-los e m um m esm o ca pítulo.

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P ara ente nderm os a P sicologia Institucional, precisam os, prim eiro,
conhecer o proce sso de instituciona lização que ocorre em nossas
socieda des. N a realidade, vivem os m ergulhados em instituições e, por
isso, ante s de entrarm os no a ssunto, de vem os desfaze r algum as
confusões m uito com uns geradas pelos vá rios entendim entos do que
seja “instituiçã o”. O term o é utiliza do, de form a corriqueira, para designar
o local onde se pre sta um determ ina do tipo de serviço — geralm e nte
público, com o os se rviços de saúde e social. F re qüentem ente ouvim os
alguém m encionar que trabalha na instituição tal, ou som os orientados a
procurar de term inada instituiçã o para re solver um tipo de problem a. E o
caso dos hospitais e centros de saúde, ou dos locais que atende m a
crianças e adole scentes. O term o instituição ta m bém pode ser
em pregado para determ inadas orga nizações sociais, com o a fam ília —
“A fam ília é um a instituição m odelar” — frase m enciona da com certa
freqüência. E ntretanto, quando falarm os aqui no term o instituição, nã o
estarem os nos referindo a esses sentidos m ais conhecidos e utilizados
no nosso dia-a-dia. M as, antes de definirm os o te rm o, vam os identificar a
origem do processo de instituciona lização da socieda de, o que nos
perm itirá entender m elhor a referência teórica na qual e stam os nos
fundam entando.

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O processo de institucionalização, de acordo com Berger e
Luckm a nn — autore s m uito usados para definir com o se dá a construção
social da nossa realidade — com eça com o estabele cim ento de
regularidade s com portam e ntais. As pessoa s vão, aos poucos,
descobrindo a form a m ais rápida, sim ple s e econôm ica de de sem penhar
as tarefas do cotidia no. V am os im a ginar o hom em prim itivo: no m om ento
em que com eçou a ter consciência da realidade que o cerca va, ele
passou a esta belece r essas regularidade s. U m grupo social que vivesse,
fundam entalm ente , da pesca, esta beleceria form as práticas que
garantissem a m aior eficiência possível na realização [pg. 215] da tarefa.
P ode-se dizer que um há bito se estabelece quando um a de ssas form as
repete-se m uitas ve zes. U m hábito esta belecido por razões concretas,
com o pa ssar do te m po e da s gera ções, transform a-se em tradição. E o
que acontece? As bases concretas, estabe lecidas com o decorrer do
tem po, nã o são m ais questionadas. A tradição se im põe porque é um a
herança dos antepa ssados. S e eles de term inara m que e ssa é a m elhor
form a, é porque tinham algum a ra zã o. Q ua ndo se passam m uitas
gerações e a regra estabe lecida perde essa referência de origem (o
grupo de antepassados), dizem os, então, que essa re gra social foi
institucionalizada.
A m onogam ia — o casam e nto som ente entre duas pe ssoas —
pode se r considerada um a dessas instituições. É sabido que as
socieda des prim itivas não a
conheciam . O s casa m entos era m
poligâm icos. A m onogam ia surge,
então, na G récia antiga e no
O riente M édio com o estabele -
cim ento da proprie dade privada e
a descoberta da paternida de
biológica. E ntre os povos
prim itivos, o papel de pai era
A repetição de uma tradição é a base do processo
atribuído ao irm ã o m aterno m ais de institucionalização.
velho; as fam ílias eram
m atriline ares (base adas na linha gem m aterna ) e, prova velm e nte ,
im pera va o m atria rcado. N o início do m odo de produção escravagista da
organização social a ntiga (com o foi o ca so da G ré cia), o surgim ento da s
cidades, da propriedade privada e a descoberta da paternidade biológica
coloca vam o hom e m da época diante de um a questão: a herança. As
pessoa s (no caso, os hom ens) que acum ula vam riqueza s durante sua
vida não tinha m para quem deixá-las. A fa m ília paterlinear e o casam e nto
m onogâm ico foi a form a de organização e ncontrada que definia,
claram e nte, um a m aneira de perpe tuar a propriedade atra vés da
herança. O filho passou a ser o herdeiro dos bens pa ternos. P ara isso,
estes hom e ns proprietários passaram a estabelece r, com o regra, que
suas m ulheres de veriam m anter relações se xuais som ente com ele s
próprios (e m funçã o da descoberta do funcionam ento da paternidade
biológica) e, assim , teriam certe za de que o filho lhes perte ncia. H oje,
qualquer pe ssoa de nossa sociedade ocidental, se questiona da sobre a
m onogam ia, dirá que o casam ento se dá desta form a porque “é natural”.
C uriosam ente , ainda hoje tem os culturas, com o a m uçulm a na, que não
adotam a m onoga m ia com o regra e, apesar dessa e vidência contrá ria,
alguém de nossa cultura continuará considerando a m onoga m ia natural.
A este fenôm eno cham am os de instituiçã o. [pg. 216]
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
A instituição é um valor ou re gra social reproduzida no cotidia no
com estatuto de verdade, que serve com o guia bá sico de com portam ento
e de padrão ético pa ra as pessoa s, em geral. A instituição é o que m ais
se reproduz e o que m enos se perce be nas relações sociais. Atravessa,
de form a invisível, todo tipo de organização social e toda a relaçã o de
grupos socia is. S ó recorrem os claram e nte a e stas regras quando, por
qualquer m otivo, são quebra das ou de sobedecidas.
S e a instituição é o corpo de re gras e va lores, a base concre ta da
socieda de é a organização. As organizações, ente ndida s a qui de form a
substantiva, representam o aparato que reproduz o quadro de
instituições no cotidiano da socieda de. A organiza ção pode ser um
com ple xo orga nizacional — um M inistério, com o, por e xe m plo, o
M inistério da S a úde; um a Igreja, com o a C atólica ; um a grande em presa,
com o a V olkswagen do Brasil; ou pode estar reduzida a um pe queno
estabelecim e nto, com o um a creche de um a e ntida de filantrópica. As
instituições socia is serão m antidas e reproduzidas na s orga nizações.
P ortanto, a organiza ção é o pólo prático das instituições.
O elem e nto que com pleta a dinâm ica de construção social da
realidade é o grupo — o luga r onde a instituiçã o se re aliza. S e a
instituição constitui o cam po dos valores e das regras (portanto, um
cam po abstrato), e se a orga nizaçã o é a form a de m aterializa ção destas
regras atra vés da produção social, o grupo, por sua vez, realiza as regras
e prom ove os valore s. O grupo é o sujeito que reproduz e que, em outras
oportunidades, reform ula tais regras. É tam bém o sujeito responsá vel
pela produção dentro das orga nizaçõe s e pe la singularidade — ora
controla do, subm etido de form a acrítica a essas regras e valores, ora
sujeito da tra nsform a ção, da rebeldia, da produção do novo.
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Q uando falam os em grupos, e stam os abordando um tem a que , de
certa form a, é o tem a fundante da P sicologia S ocial. O s prim eiros
estudos sobre os grupos foram re aliza dos no final do século 19 pela
então denom inada P sicologia da s M assas ou P sicologia da s M ultidões.
U m dos prim eiros pe squisadores deste a ssunto foi G usta v Le Bon, autor
de um conhe cido tratado intitulado “P sicologia das M assa s” (Psicologie
des Foules, no francês). P ode-se dizer que, de um a certa m aneira , os
pesquisadores do final do século 19 foram [pg. 217] influenciados pela
R e volução F rancesa 2 e, m ais precisam e nte, pelo im pa cto que causou
nos pe nsadores do século 18 (com o foi o caso de H egel). O s
pesquisadores se pergunta vam o que teria sido capaz de m obilizar
tam anho continge nte hum ano, com o o que fora m obilizado durante e ssa
re volução.
O que se
pergunta va no cam po da
P sicologia era o que
leva ria um a m ultidão a
seguir a orie ntaçã o de
um líder m e sm o que,
para isso, fosse preciso
colocar em risco a
própria vida . Q ual
fenôm e no psicológico

O que pode levar uma multidão a seguir um líder? possibilitaria a coesão


das m assas? E stas
perguntas não eram descabidas com o, infelizm ente, foi possível observa r
2
Este fenômeno, hoje tão comum, era novidade na época. A Revolução Francesa espalhou uma vaga
revolucionária que atingiu toda a Europa, principalmente a Alemanha, ecoando até mesmo na América
Latina, com lutas de libertação nacional, como a ocorrida no Peru. A despeito do processo de
independência dos Estados Unidos da América do Norte haver ocorrido um pouco antes da Revolução
Francesa, estes dois episódios inauguraram os governos democráticos modernos.
durante o processo de ascensão do governo do 3 º R eich — Adolf H itler
— na Ale m anha, na década de 30. E ste triste episódio, que le vou o
m undo à 2ª G ra nde G uerra (de 1 9 39 a 1945), e xe m plificou as
possibilidade s de m a nipulação das m assas.
O caso da Ale m anha nazista foi surpree ndente porque de m onstrou
até que ponto é possível produzir um a form a de hipnotism o coletivo.
E ntreta nto, nem sem pre os episódios de m obiliza ção popular podem ser
conside rados um fenôm e no irra cional em que as pessoas perde m
m om entanea m ente sua capa cida de de discernir a realidade , ficando à
m ercê de um líder carism ático que, na verdade, tenciona m anipulá-la s
em função de intere sses particulares ou políticos. H oje, sabem os que,
em diversas ocasiõe s, as pessoas se une m e form am m assa s com pactas
m uito organiza das e autônom as, com objetivos claros e racionais. U m
exem plo dessa capa cidade de m obilização ocorreu em nosso P aís, em
1984, por ocasiã o da cam pa nha das D iretas Já, episódio im portante para
a queda da ditadura m ilitar. M ilhões de pessoas que foram às ruas e aos
com ícios esta vam conscientes de sua participaçã o. [pg. 218]
Apesar de a P sicologia S ocial
surgir com o e studo das m assas,
será com grupos m e nores, os quais
possue m objetivos claram ente
definidos, que se desenvolverá a
pesquisa de grupos. E sse
desenvolvim e nto ocorre a partir de
1930, com a chega da, aos E stados
U nidos, de Kurt Le win — professor
alem ão refugiado do nazism o.
Le win passou a pesquisar no
M assachusetts Institute of
T echnology (M IT ) — um renom ado
instituto am erica no — onde
desenvolveu a prim eira teoria consistente sobre grupos. E ssa teoria
influenciou tanto a P sicologia, que a partir dela surgiu um cam po na
P sicologia S ocial denom inado Cognitivismo. O trabalho de Lewin
tam bém influenciou basta nte o de senvolvim ento de um a te oria
organizacional psicológica que, nas e m presas, é aplicada no estudo das
relaçõe s hum anas no trabalho.
A possibilidade de aplicação im ediata desta teoria a o cam po
organizacional im pulsionou o desenvolvim ento dos estudos sobre grupos
nos E stados U nidos. T anto as indústrias quanto a s F orça s Arm adas
investira m recursos financeiros na produção de pesquisas que
re velassem com o os grupos funcionavam e com o poderiam ser
m otivados para o trabalho. N a década de 30, E lton M a yo realizou um a
pesquisa que se tornaria o para digm a dos estudos m otiva cionais na áre a
organizacional. Aplicada na fábrica H awthorne, da W estern E lectric
C om pa ny (e m presa am ericana de eletricidade), tinha, com o objetivo,
estudar a rela ção de fadiga
nos operários a partir de
um a série de variaçõe s
experim entais [pg. 219]
introduzidas na relação de
trabalho, com o a fre qüência
de pausa para descanso, a
quantidade de horas
A Psicologia contribui para o desenvolvimento do estudo trabalhadas, a natureza dos
das relações humanas no trabalho.
incentivos salariais. No
entanto, M a yo e seus colaboradores depara ram -se com um outro
fenôm e no: o das re lações inte rpessoais (entre os operários, entre os
operários e a adm inistração). A observa ção dessas rela ções deu novo
rum o à pesquisa, que priorizou o estudo da organização social do grupo
de trabalho, das relações sociais entre o supervisor e os subordina dos,
dos pa drões inform ais que dirigem o com portam ento dos participantes
num grupo de traba lho, dos m otivos e das atitudes dos operários no
conte xto do grupo 3 . E sta pesquisa praticam ente inaugurou a área da
3
Dorwin Cartwright & Alvin Zander. Dinâmica de Grupo: Pesquisa e Teoria. EPU/EDUSR São Paulo,
1975. 2 vol., 3ª reimp., p. 18.
P sicologia O rga niza cional e m udou, considera velm e nte, o pensam ento
sobre os problem as industria is.

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E xem plos m ais detalhados da teoria dos grupos elaborada por
Le win e le vada a dia nte por se us cola boradores podem ser e ncontra dos
no com pêndio escrito por C artwright e Z ander, edita do pela prim eira vez
em 1953, nos E sta dos U nidos. O s dois volum es trazem um a síntese de
tudo o que foi produzido sobre dinâ m ica de grupo a partir dos estudos
iniciais de Kurt Le win. E xem plos de tem as aborda dos: coesão do grupo
(condições necessárias para a sua m anutençã o); pressões e padrão do
grupo (argum entos reais ou im aginários, m anifestos ou velados que seus
m em bros utilizam pa ra gara ntir a fidelida de dos demais aos objetivos do
grupo e ao pa drão de conduta estabelecido); m otivos individuais e
objetivos do grupo (elem entos que garantem fidelida de e que estã o
relacionados com a escolha que cada indivíduo faz ao decidir participa r
de um grupo); lidera nça e realização do grupo (força de conve ncim e nto
— carism a — e xercida por um ou m ais indivíduos sobre os outros e o
tipo de a tivida de e xe rcida pelo grupo); e, por fim , as proprieda de s
estruturais dos grupos (padrõe s de com unicação, desem penho de
papéis, relações de poder e tc.).
C om o já foi dito a nteriorm ente, as pe ssoas vive m , em nossa
socieda de, e m cam pos instituciona lizados. G eralm ente m ora m com suas
fam ílias, vão à escola, ao em pre go, à igreja, ao clube; convivem com
grupos inform ais, com o o grupo de am igos da rua, do bar, do centro
acadêm ico ou grêm io estudantil etc. Em alguns ca sos, a
institucionalização nos obriga a conviver com pessoa s que não
escolhe m os. Q uando conhecem os nossa prim eira classe no ensino
m édio ou na universidade, de scobrim os que va m os conviver com um
grupo de 20, 30 ou 40 pessoa s com as quais — com o geralm ente [pg.
220] acontece — não tínham os nenhum contato. A essa form a de
convívio que indepe nde da nossa escolha cha m am os de solidariedade
mecânica. A afiliaçã o a um grupo inde pende da nossa vontade no que
diz respeito à escolha dos seus integrantes. A solidariedade orgânica é
a form a de convívio na qual nos afiliam os a um grupo porque
escolhe m os nossos pares. É o ca so do grupo de am igos que se reúne
nos finais de sem a na para jogar futebol ou que decide form ar um a
banda. A a finida de pessoal é le vada e m conside ração para a escolha do
grupo. N os grupos em que predom ina a solidariedade m e cânica,
geralm e nte form am -se subgrupos que se caracterizam pela solidarie dade
orgânica, com o é o caso da s “pa nelinha s” em sala de aula ou do grupo
de am igos em um a fábrica ou escritório.
N o cam po te órico a té aqui m enciona do, pode-se de finir o grupo
com o um todo dinâ m ico (o que significa dizer que ele é m ais que a
sim ples som a de seus m em bros), e que a m udança no estado de
qualquer subparte m odifica o e stado do grupo com o um todo. O grupo se
caracteriza pela reunião de um núm ero de pessoas (que pode variar
bastante) com um de term ina do obje tivo, com partilhado por todos os seus
m em bros, que pode m dese m pe nhar dife rentes papéis para a e xecução
desse objetivo.
Q uando um grupo se esta belece (um a “panelinha” na sala de aula,
um grupo religioso ou um a gangue de adolesce ntes), os fenôm enos
grupais anteriorm e nte m encionados pa ssam a a tuar sobre as pessoas
individualm ente e sobre o grupo, ao que cham a m os de processo
grupal. A coesão é a form a encontrada pelos grupos para que seus
m em bros sigam as
regras estabelecidas.
Q uando alguém
com eça a pa rticipa r de
um novo grupo, terá
seu com portam e nto
avaliado para
ve rificação do gra u de

A torcida organizada é um exemplo de grupo que impõe regras


adesão. O s m em bros
para a participação de seus membros. m ais antigos já não
sofrem esse tipo de avaliaçã o e se, e ventualm ente, que bra m algum a
regra (que nã o seja m uito im portante), não são cobrados por isso. O corre
que, no caso dos m em bros m ais a ntigos, é conhecido o grau de
aderência ao grupo e sabe-se que eles não jogam contra a m anute nçã o
do grupo. E sta “certeza” da fidelidade dos m em bros é o que cham am os
de coesão grupal. O s grupos, de acordo com suas caracte rísticas,
aprese ntam m aior ou m e nor coesã o grupal. [pg. 221] U m a torcida
organizada de fute bol, com o as do F lam engo, C orinthia ns, Atlético
M ineiro ou G rê m io (para cita r algum as), exigirá de seus m e m bros um
grau de fidelida de be m forte porque nece ssita de um grau de coesão alto
para m a nter o grupo. Já um grupo de jovens que participam de reuniões
religiosa s nos finais de sem ana num a igreja católica, precisaria de
algum a coe são para m anter o grupo, m a s não em alto gra u. G rupos com
baixo gra u de coesã o tende m a se dissolve r, com o geralm ente aconte ce
com associaçõe s de pais em colégios. Além de reunirem -se
eventualm ente, poucos m em bros participam das reuniões (por isso,
carinhosam e nte cha m am os o grupo de “grupo dos que vê m ”).
É possível notar que, de certa form a, os outros ele m entos, com o
pressõe s e pa drão do grupo, m otivos individuais e objetivos do grupo, já
estão presente s na definiçã o da coesão. A fidelidade ao grupo
dependerá do tipo de pre ssão e xercida pelo grupo em relação aos
novatos e a os outros m em bros visando m anter a concepção central, ou
seja, os objetivos que le varam à sua fundação. O s m otivos individuais
são im portantes para a adesão ao grupo. Alguém que pretenda ingre ssar
num grupo jovem de góticos (jove ns que costum am a ndar cora roupa s
escuras, visitar cem itérios, ouvir m úsica do gê nero gótico etc.) está se
dispondo, individualm ente, a m udar o seu m odo de ser. O utro aspe cto
que e nvolve a individualida de é a resposta que o grupo dá às difere nça s
individuais. E las serão adm itidas desde que nã o interfiram nos obje tivos
centrais do grupo, na sua idéia ce ntral ou nas suas ca racterísticas
básicas. O participa nte de um a torcida organizada não pode que rer
m udar de tim e (virar a casaca) e argum entar que se tra ta de um a
questã o individual. S eria, e vidente m ente, excluído do grupo. M as pode ria
ir ao jogo se m a ca m isa do clube, argum entando não ter tido te m po de
passar em casa e se preparar. O s objetivos do grupo irão se m pre
pre vale cer aos m otivos individuais, m as depende ndo desse objetivo, a s
diferenças individua is pode rão ser adm itidas. Q uanto m a is o grupo
precisar ga rantir sua coe são, m ais ele im pedirá m anifestações individuais
que nã o estejam claram ente de a cordo com seus objetivos.
A questã o da lidera nça pode repre sentar um capítulo à pa rte na
discussão sobre a teoria dos grupos. F oi entre 1 935 e 194 6 que Kurt
Le win desenvolve u um a teoria consistente, que a valia va o clim a grupal e
a influência da s lideranças na produção da atm osfera dos grupos. Le win
argum e nta va que o clim a dem ocrático, autoritário ou o laissez-faire
dependiam da vocação do grupo e do estabelecim ento de lide ranças que
os viabilizassem . Assim , um grupo com vocaçã o autoritária (entenda-se :
um grupo cujos m em bros acreditasse m nesta [pg. 222] form a de
organização na sua relação grupal) nece ssitaria de um líder autoritário.
U m grupo de m ocrático exigiria um a liderança de m ocrática e um grupo
sem preocupações com sua orga nização, ou não teria liderança, ou teria
um líder que nã o lhe daria dire ção (se ria um estilo anárquico, no sentido
m ais geral do te rm o). O im portante desta classificação feita por Le win foi
a descoberta de que os grupos dem ocráticos são, a longo pra zo, os m ais
eficientes. Já os autoritários têm um a eficiência im ediata, na m edida e m
que são m uito centralizados e depende m praticam ente de seu líder. M as
são pouco produtivos, pois funcionam a partir da dem anda do líder, e
seus m em bros são, geralm ente, cum pridores de tarefas. O s grupos
dem ocráticos e xige m m aior participaçã o de todos os m e m bros, que
dividem a re sponsa bilidade da realizaçã o da tarefa cora sua lidera nça.
E ste tipo de grupo pode torna r-se m ais com petente ainda quando sua
liderança for em erge nte, isto é, quando se desenvolver de acordo com o
objetivo ou ta refa proposta pelo grupo.
M uitos fora m os autores que suce dera m Le win na discussão da
estrutura e do funcionam ento dos grupos. N este livro, você tom ou
conhecim ento das dive rsas form as que podem os definir a P sicologia. O
m esm o ocorre com a definição de grupo, do qual tere m os um a visão de
acordo com a teoria em pauta. S eria m uito e xtenso e cansativo relatar
aqui toda a história das definições de grupo no cam po da P sicologia. M as
algum a s são m uito im portantes para quem quiser se aprofundar nesse
assunto, com o a de Jacob M oreno (P sicodra m a), a de D idier Anzie u
(vale conferir sua discussão sobre grupos), e a de W . Bion (visã o
psicana lítica).

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M ais rece ntem ente , o francê s P ichon-R ivière, radicado na
Argentina, desenvolve u um a abordage m de trabalho em grupo (a qual
denom inou “G rupos O perativos”) basea do tanto na tra dição legada por
Le win qua nto nos conhecim entos psicanalíticos. D e acordo com o
psicólogo S aidon, estudioso da obra de P ichon-R ivière,
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 [pg. 223]
N a verda de, o grupo operativo configura-se com o um m odo de
intervenção, organização e resolução de problem as grupais, baseado em
um a teoria consiste nte, desenvolvida por P ichon-R ivière e conhecida
com o Teoria do Vínculo. T al abordage m transform ou-se num poderoso
instrum e nto de inte rvenção em situa ções organizacionais e é m uito
usada hoje em dia. Atra vés de sua a plicação, é possível a com panhar
determ inado grupo durante a re alização de tare fas concre tas e a valiar o
cam po de fantasias e sim bolism os encobertos nas relações pessoais e
organizacionais dos seus diferentes m e m bros.

4
Osvaldo I. Saidon. O Grupo Operativo de Pichon-Rivière. In Baremblitt, Gregório (Org.). Grupos:
Teoria e Técnica. Graal, Rio de Janeiro, 1982. p. 183.
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O dese nvolvim ento de um a P sicologia S ocial C rítica, a partir de
1970, le vou tanto S ilvia Lane qua nto M artin-Baró 5 , cada um a seu m odo,
a desenvolver um a consiste nte crítica a os m odelos teóricos e xiste ntes.
T al crítica procura resguardar aspe ctos funcionais da dinâm ica dos
grupos — no que concordam com Le win. N o entanto, Lane e Baró
questionam os a utores cognitivistas (os seguidores de Le win) pela
m aneira estática com o enquadra m o grupo. D a m esm a form a,
conside ram positivo o enquadram ento psicanalítico, o qual le va em conta
a dinâ m ica interna dos grupos, criticando, contudo, a visã o anistórica
destes te óricos. A teoria de P ichon-R ivière tam bém sofrerá algum as
críticas. O fundam e ntal nesta visã o é considerar que não e xiste grupo
abstrato m as, sim , um processo grupal que se reconfigura a cada
m om ento. S ilvia Lane detecta ca tegoria s de produção grupal, que define
com o:
1. Categoria de produção — a produçã o das satisfações de
necessidade s do grupo está diretam ente relacionada com a produçã o
das relações grupais. O proce sso grupal caracteriza-se com o
atividade produtiva de caráte r histórico.
2. Categoria de dominação — os grupos tendem a reproduzir as form as
sociais de dom inação. M e sm o um grupo de ca racterísticas
dem ocráticas tende a reproduzir certa s hierarquias com uns ao m odo
de produção dom inante (no nosso caso, o m odo de produção
capitalista).
3. Categoria grupo-sujeito (de a cordo com Lourau) — trata-se do nível
de resistência à m udança apresentada pelo grupo. G rupos [pg. 224]
com m e nor resistê ncia à a utocrítica e, portanto, com capacidade de
crescim e nto atra vé s da m udança, são considerados grupos-sujeitos.
O s grupos que se subm ete m cega m ente às norm as institucionais e
aprese ntam m uita dificuldade para a m udança sã o os grupos-

5
Importante psicólogo social espanhol que desenvolveu sua obra em El Salvador — país da América
Central.
sujeitados.
A categoria de produção pode ser entendida com o a influência
subjetiva da dinâm ica do grupo no seu produto final, na rea lização de
seus objetivos. M as é ta m bém o resultado da influência das rela çõe s
concretas possíveis num a determ inada sociedade. U m grupo que se
organiza para form ar um conjunto de rap estará, necessariam e nte,
subm etido às condições históricas do m om ento de sua organização. P or
exem plo, o grupo certa m ente terá, com o objetivo, a lgum ga nho
financeiro, já que é um im perativo do tipo de sociedade em que vive m os
(a sociedade ca pitalista) a com ercializaçã o da produção social. E ste fator
interfere na dinâ m ica do grupo, que terá de discutir a form a de cobrir as
suas despesa s e a divisão do lucro. Q uem com põe a m úsica, ou quem
tem m aior prestígio e ntre os fãs, de ve ganhar m a is que os outros ou esse
lucro se rá dividido igualm ente entre todos? C onform e a de cisão, poderá
surgir um tipo de hie rarquia no grupo. A base da produção da hierarquia
não pre cisa ser pecuniária, podendo advir do prestígio de alguns
m em bros do grupo. O vocalista pode e xigir algum as regalias, com o te r
sua foto em desta que, e isso tam bém se rá fator de hierarquização. C om
isso, querem os dizer que a construção das liderança s e do clim a
dem ocrático ou autoritário de pende da condiçã o histórica e concreta do
tipo de produçã o do grupo e de com o e la se insere no contexto social.
U m grupo de rap terá algum as opções, m as o grupo form ado no
escritório de um a em presa m ultinacional terá um a ordem de organiza ção
determ inada pelos objetivos ligados à produção daquela em presa. E aqui
já entram os na se gunda categoria descrita por Lane: a dom inaçã o. A
hierarquiza ção dos grupos de form a m ais ve rticalizada ou horizontaliza da
dependerá de com o estão inseridos no sistem a produtivo. D e acordo
com a m aneira com o a socieda de de fine seu siste m a produtivo, ela
estabelece valores sociais que, de um a m a neira geral, serão
reproduzidos pelos grupos, estejam ele s m ais ou m e nos diretam ente
ligados ao sistem a produtivo. Assim , quando se trata do tra balho num a
fábrica, o grupo tenderá a ser basta nte verticalizado (diretor, gerente,
chefe, encarregado e operários) e e sta ve rticalização poderá ser
transferida, com o valor, para o grupo fam iliar do operário (o pa i, a m ã e, o
filho m ais velho e os m ais novos). [pg. 225]
E ntreta nto, e xiste a possibilidade de o grupo (ou alguns de seus
m em bros) e xercer a negação de ste processo de im posiçã o social (na
realidade, é isso que cria um a dinâm ica social m ais rica e va riada).
C hega m os à terceira cate goria: grupo-sujeito. O grupo-sujeito é aquele
que critica as form a s autoritárias de organizaçã o e procura estabelecer
um a contranorm a. Isto som ente é possível quando o grupo consegue
esclarecer a base de dom inaçã o social, historica m ente dete rm inada , e
encontra form as de organização alternativa s (com o é o caso das form as
autoge stioná rias de organização grupa l).

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D IM E N S ÃO É T IC O - AF E T IV A D O AD O E C E R D A C LAS S E T R ABALH AD O R A

P rom over a saúde equivale a conde nar todas a s form as de


conduta que violenta m o corpo, o se ntim e nto e a razão hum a na gerando,
conseqüente m ente, a servidão e a heteronom ia. S egundo Betinho,
coorde na dor da atual C am panha contra a F om e no Brasil: “O brasileiro
tem fom e de ética e passa fom e por falta de ética ”.
P or isso, no âm bito desta refle xão, retom a-se o conceito de
“sofrim e nto psicossocial6 “, apresentado no capítulo 3 da 1 ª parte, para
analisá-lo à luz de um a pesquisa participante rea lizada em um a fa vela da
cidade de S ão P aulo, onde o referido conceito apareceu,
m etaforicam e nte denom inado “tem po de m orrer”. 7
A pesquisa tinha com o objetivo analisar o processo da consciência
das m ulhe res que vivia m em condiçõe s subum a nas e sofriam o desprez o
público, sendo discrim inada s com o o re botalho da classe trabalha dora ,
um aglom era do sujo, pre guiçoso, incapaz de pe rceber o próprio
6
Sofrimento psicossocial é aqui entendido como sintoma de uma das carências mais profundas da
modernidade: não saber conviver com a diferença, não reconhecer que nossa integridade depende da
integridade alheia, permitindo que o conflito atinja o ponto de ameaçar a sobrevivência de todos. (José
Gianotti. Folha de S. Paulo, 10/10/1993. Tendências e Debates)
7
Mais uma expressão que se soma às citadas no capítulo 3, p. 50-51, para referir-se ao sofrimento
psicossocial, como zero afetivo, servidão voluntária, desamparo, doença dos nervos, alienação.
sofrim ento, sendo, por isso, quase im possível acordá-las de seu torpor.
M as e ssas m ulhere s surpreenderam a socie dade ao organizare m e
participarem de m ovim entos que conseguiram prom over, apesar de
restritas, m uda nças na atitude do poder público m unicipal e m relação à
fa vela.
A análise da consciência re velou o processo psicossocial atra vé s
do qual a s m ulhe res são atingidas ta nto na sua integridade física qua nto
psíquica e que não há possibilidade de dizer que danos físicos ca usa m
m ais sofrim ento que danos m entais e, portanto, sejam m ais relevantes
no processo saúde-doença.
D esde pequenas, essas m ulheres sofrem a falta de a m paro
externo real (falta de controle absoluto sobre o que ocorre) e a falta de
am paro subjetivo (fa lta de recursos e m ocionais para agir). Adquiriram ,
nas relações socia is cotidianas, a certeza da im possibilidade de
conquistar o objetivo deseja do e de senvolvera m a consciê ncia de que
nada podem fa zer para m elhorar se u estado. D e sde ce do, a prenderam
que lutar e enfrentar é um processo infrutífero e, as que ousaram ,
receberam com o prê m io m ais sofrim ento. [pg. 226]
Assim , o pe nsar de scolou-se do faze r e tornou-se sinônim o de
tristeza e m edo. P ara elas, pe nsar é sofrer, é tom ar conhecim ento da dor
e da m iséria, e o agir é infrutífero. S ão m ulheres subm etidas à “disciplina
da fom e” (D ejours, 1 988), têm o te m po todo tom ado pela luta incessa nte
para a m anutenção da vida, se m o conseguir dignam e nte. O trabalho
estafante re dunda e m nada para ela s e para os filhos. U m trabalho que
deixa um gosto am argo na boca.
P ara referirem -se a este estado subjetivo e objetivo que foi
descrito, as m ulhere s fa vela das usa m a expressão “tem po de m orrer” e m
contraposiçã o ao “te m po de viver”, recorrendo a um a m arcação tem poral
afetiva para dividire m suas histórias de vida e assim redistribuíre m ,
em ocionalm e nte, diferentes parce las do tem po biológico e cronológico.
E m todos os relatos, o tem po de m orrer é um tem po na voz
passiva. N ele a s pe ssoas não têm poder ne nhum sobre si e sobre os
acontecim entos. A im agem m ais usada para de screvê-lo é a de prisão,
cujas grades são as relaçõe s que com põem o cotidiano das pessoas que
a representa m .
O “tem po de m orrer” é caracterizado pela falta de recursos
em ocionais, de força para a gir e pe nsar e pelo de sânim o e m relaçã o à
própria com pe tência. É um a uto-a ba ndono aos próprios recursos
internos, e a consciência de que nada se pode fa zer para m elhorar se u
estado. É a cristaliza ção da angústia.
O com portam e nto e m ocional que caracteriza o tem po de m orre r
pode ser definido com o um esta do letárgico de apatia, que va i ocupando
o lugar das e m oções até anulá-las totalm ente, um esta do de tristeza
passiva que transform a o m undo num a realidade afetivam e nte neutra,
reduzindo o indivíduo ao “ze ro afetivo” (S artre, 19 65:6 0) e ativo.
N o “tem po de m orrer”, o sofrim ento é a vivê ncia de pressiva que
condensa os sentim entos de indignida de, inutilida de e desqualificação.
E le é dom ina do pelo cansaço que se origina dos esforços m usculares e
da paralisaçã o da im aginação e do adorm ecim e nto intelectual necessário
à realiza ção de um trabalho sem se ntido e que nã o cum pre sua função
de e vita r a fom e.
P ara a m aioria dela s, o início da vida não coincide com o m om ento
do nascim ento, m as com o início do “tem po de viver” que é a superação
do “tem po de m orre r”, ao qual estão aprisionada s desde o nascim ento.
“T em po de viver” é o tem po de agir com m ais cora gem e audácia,
é tem po e m que se despertam as e m oções, quer sejam elas positiva s ou
negativas.
O “tem po de viver” não se confunde com o viver bem , ele é um
tem po de convite à vida, m esm o se ndo um a vida sofrida. E o m om ento
da transform açã o da s relações objetivas que aprisionam as e m oções, a
aprendizage m , a hum anida de e a sensa ção de im potê ncia se transform a
em energia e força para lutar. T em po de viver nã o é o tem po do
desapa recim ento da angústia, aliás nunca se chega a isto. T rata-se de
tornar possível a luta contra ela , para re solvê-la, e ir e m dire ção a outra
angústia. (D ejours, 1 986)
A passagem do tem po de m orrer para o tem po de viver não é dada
por um acontecim ento ou por um a m udança de atividade. E stes fatos
podem colaborar, m as o fundam ental é a m udança na relação entre o ser
e o m undo, é o restabelecim e nto do ne xo psico/fisiológico/socia l
supera ndo a cisão e ntre o pensar/sentir/agir.
P ara que ocorresse essa transição na vida das m ulheres fa veladas
foi preciso um princípio de força, que e la s encontraram nas a tividade s a
que se dedicaram : nas aulas de artesa nato na Associação dos
M oradores, e nos m ovim e ntos reivindicatórios. U m a ve z vislum brado
esse princípio de força, libera m -se as e m oções e o desejo. A sensação
de im potência pode repentinam ente se tra nsform ar em energia e força de
luta.

Bader Burihan S awaia. D im ensão ético-afetiva do adoecer da classe trabalhadora.


In: A/ovas veredas da Psicologia Social. S ão P aulo, E D U C /Brasiliense, 1995. [pg. 227]


1. Q ual a função das regularidade s do cotidiano?
2. C om o e atra vés de que ocorre a m ediação entre a realida de objetiva e
o indivíduo?
3. C om o “algo” se institucionaliza ?
4. O que é instituição?
5. Q ual a fina lidade do processo de institucionalizaçã o?
6. P or que a P sicologia passa do estudo das m assa s para o estudo dos
pe quenos grupos?
7. N o início do século 20, qual era a perspectiva da P sicologia social
cognitivista para o estudo dos grupos?
8. Q ual a rela ção e ntre instituição, orga nização e grupo social?
9. C om o se define o processo grupal?


D iscuta m as três categorias do processo grupal propostas por
S ilvia La ne a valiando o processo grupal que representou a passage m do
“tem po de m orrer” para o “tem po de viver”, e xposto no te xto
com ple m entar de Ba der B. S a waia .


Para o professor
O livro Psicologia social: o homem em movimento, organizado
por S ilvia T . M . La ne e W anderley C odo (S ão P aulo, Bra siliense, 1984 ), é
um a coletâ nea de artigos sobre tem as e m P sicologia social, em que se
encontra o te xto “O processo grupal”, de S ilvia Lane.
S obre grupos sociais, e xiste o m anual de C artwright e Z a nder,
Dinâmica de grupo: pesquisa e teoria (S ão P aulo, H erder, 1967), que
aborda os processos e fe nôm e nos de grupo, com o relato detalhado de
experim entos e pesquisas na áre a. É um excelente livro de consulta s
para o professor no que tange à tra dicional P sicologia S ocial cognitivista.
S obre a construção da realidade socia l, tem os P eter Be rger e
T hom as Luckm ann, A construção social da realidade (P etrópolis,
V ozes).
S obre a P sicologia Institucional, recom endam os C re gório
Barem blitt, Compêndio de análise institucional (R io de Ja neiro, R osa
dos T em pos, 19 92); O svaldo S aidon e V ida R achel Ka mkhagi, Análise
Institucional no Brasil (R io de Jane iro, R osa dos T em pos, 1991); e
R ené Lourau, Análise institucional (P etrópolis, V ozes, 198 8).


O selvagem da motocicleta. D ireção F rancis C oppola(E U A, 1983)
Vidas sem rumo. D ireção F rancis C oppola (E U A, 1983 )
F ilm es sobre gangues de jove ns am ericanos, que fala m de
conflitos gerados pela ruptura instituciona l, pelas crise s nos grupos. [pg.
228]
C AP ÍT U LO 1 6

Sexualidade

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N osso desconhecim ento e,
portanto, nossas dúvidas sobre
a nossa se xualidade são
inúm era s. Apesar de ser a
nossa se xualida de, ela nos
aparece com o algo incógnito,
cheio de pre conceitos, de
m oralism o, de dúvidas, de
inform ações incorretas. E ste Desejo e moral criam um paradoxo que faz do sexo um
tabu.
paradoxo — do
desconhecim ento de algo tã o nosso — te m feito do se xo um tabu.
A inclusão da disciplina E ducação S e xua l nos currículos escolares
tem sido siste m atica m ente barrada por forças reacionárias, que não a
conside ram assunto de escola, ou acre ditam que educação se xual se
restrinja às inform ações da fisiologia e a natom ia do corpo e do
m ecanism o da reprodução.
M as se xo é m ais do que isto. S e xo é pra zer, é desejo. E é ta m bé m
proibiçã o, perigo, e rro e culpa.
A que stão se xual da juventude parece estar se m pre no lim ite entre
o desejo e a repre ssão.
V ocê já parou para pensar e discutir seria m ente com seus pais, ou
am igos, ou professores, o que sa be e o que não sabe sobre o se xo?
U m a pe squisa feita por C arm en Barroso e C ristina Bruschini, com
jovens paulistas, e m 1979, m ostra va que um dos saldos positivos das
sessões onde se de batia o se xo era a
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       [pg. 229]     

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
E , assim , o se xo fica com o um discurso nunca dito. V e m os na
tele visã o, no cinem a , lem os nos livros, vem os até mesm o na rua e nada
dizem os, nada perguntam os. N am ora m os e tem os vários receios e
dúvidas, m as preferim os nã o dizer.
O controle da reprodução, por e xem plo, é de interesse de qualque r
jovem que m antenha relacionam ento heterosse xual. D e cidir o grau de
intim ida de que se pe rm itirá dura nte o na m oro é um mom e nto difícil para
o jovem , pois entram aí inúm eros fatores: desejo, fa ntasia, m e do, falta de
inform ação, pressã o social do grupo de a m igos, pressã o da fa m ília etc.
N a pesquisa de Barroso e Bruschini, no ca pítulo sobre a
reprodução, te m os ainda aspe ctos m uito interessa ntes de serem
retom ados a qui. As pesquisadoras encontraram entre os jovens de clas-
se m édia e alta um a com binação de liberalism o e autoritarism o.
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1
Carmen Barroso e Cristina Bruschini. Educação sexual: debate aberto, p. 52.

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Além do controle da reprodução, m uitas outras questões ator-
m entam os jovens: o hom osse xualism o — doença, vício ou com por-
tam ento alte rnativo? O orga sm o — um privilégio m asculino? O aborto —
um crim e ou um a opção? O s m étodos contraceptivos, a m asturbação,
enfim , tudo o que diz respeito à nossa se xualidade é algo (des)
conhecido e produtor de ansiedade para a m aioria dos jovens. [pg. 230]
O crescim ento intelectual decorrente da inform ação, que
dem onstre a o jovem a variabilidade de com portam entos e valores, que
esclareça sobre a sexualidade, é esse ncial para a auto-ace itação sem
tem ores e angústia s.

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A P sicologia já sabe há um bom tem po que a questã o sexual,
pelos aspectos m ora is a ela vinculados, é fonte de a ngústia pa ra o jove m
que se inicia ne sses segredos. M as não é som ente o jovem que sofre
angústia cora a se xualidade; o adulto e o velho ta mbém . P rocurando o
cam inho para a placar essa angústia, nossa ciência tem te ntado superar
o m oralism o que e nvolve o te m a (nem se m pre com sucesso) e procurado
descobrir as fontes e os cam inhos da se xualidade.
M uitas áreas, alé m da P sicologia, trata m da se xua lidade hum ana :
a Biologia e a M e dicina dão conta dos seus aspectos a na tôm icos e

2
Id. ibid. p. 64.
fisiológicos; a Antropologia estuda sua e volução cultural; e a S ociologia e
a H istória m ostram -nos a gênese da repressão do comportam ento
se xual. H oje tam bé m encontram os um a área espe cífica de estudos da
se xualidade, que procura englobar diferentes áreas do conhecim e nto,
conhecida com o S e xologia.
C om o a questão se xual envolve m uita s disciplinas, a P sicologia
poderá responder só em parte às questões colocadas anteriorm ente. D e
acordo com a com petência da P sicologia, poderem os dizer o que é o
prazer, que sentim e ntos vê m junto com a se xua lida de e, m e sm o, qual a
diferença entre se xo e se xua lidade.

SEXO É INSTINTO?
Q uando sentim os um forte desejo se xua l, tende m os a associá-lo a
um a justificativa m uito com um : “Isso é natural, pois te m os um instinto
se xual”. É com o se fosse um a coisa anim al e de ve estar ligado à
preservação da espé cie.
N ão é bem assim que a coisa se dá. É ve rdade que e xiste um
instinto se xual e ntre os anim ais. Q ua ndo um a cadela se encontra no cio,
um cão não poderá recusá-la. E le lutará com outros prete ndente s e,
ve ncendo a luta, será o candidato escolhido. A cadela tam bém nã o
poderá recusar. E la apenas espera a definição do m ais [pg. 231] apto.
N enhum cachorro pensará em a bandonar a luta porque a cadelinha não
é m uito sim pática.
C om o hom em ocorre um fenôm e no diferente. Já vim os no ca pítulo
10 que o hom em difere dos outros a nim ais pela consciência. Isso
significa que a escolha do parceiro se xual, no ca so da nossa espécie ,
não é feita instintiva m ente, m as te m um com ponente racional que a valia
a escolha. P ouca coisa resta no hom em de cará ter instintivo, e a escolha
se xual é feita m ais pelo pra zer que ela nos dá individualm e nte do que
pela pressã o da necessidade de reproduzir a e spécie. Isto significa dize r
que o prazer passa a ser o dado fundam e ntal para a se xualidade
hum ana.
QUAL É A FONTE DO PRAZER?
F reud, um dos pione iros nos estudos da se xualidade hum a na nos
seus aspectos psicológicos, em sua obra Três ensaios sobre a teoria da
sexualidade, escrita em 1905, m ostra que a se xualidade ocorre na s
crianças quase desde o seu na scim e nto, e que a prática se xual entre os
adultos pode ser be m m ais livre do que supunham os teóricos m oralista s
do com eço do século.
E stas conclusões ca usaram im pacto na é poca, já que a puberdade
era conside rada com o o m arco inicial da vida se xual. Isso porque é na
puberdade que aparecem os caracteres sexuais secundá rios, com o os
pêlos pubia nos, a m enstrua ção e o crescim ento dos seios nas m eninas,
e o engrossa m ento da voz e crescim ento de pê los no corpo dos
m eninos. É tam bé m nessa fase que aparece o interesse se xual no
sentido genital. Acre dita va-se que o se xo, ante s da puberda de, estaria
inativo e que só seria ativado com o de sencadeam e nto de horm ônios
se xuais, por volta dos 11 anos de idade.
C om o alguém poderia dizer que um a criança de cinco, trê s, dois
anos e até recém -na scida tem vida se xual? As objeções ao pensam ento
de F re ud eram que o se xo sem pre estaria liga do à re produção da
espécie , e que qualquer prática que nã o a im plicasse se ria conside rada
com o de svio de conduta. A criança, m esm o F reud concordaria, não está
prepara da para re produzir-se se xualm e nte.
M as o psicanalista tinha outra visão da sexualidade.
A criança , assim que nasce, está prepa rada para lutar pela sua
sobre vivência . E la irá sugar o leite m aterno, auxiliada por um refle xo
conhecido com o reflexo de sucção. E ste refle xo é acom panhado do
prazer do contato da m ucosa bucal com o seio m aterno. P arece óbvio
pensar que tal função (alim entação), tã o fundam e ntal para o recém -
nascido, não pode ser desagradá vel, ainda m ais sa bendo [pg. 232] que
o refle xo de sucçã o logo desapa recerá. E m pouco te m po, a criança
aprenderá que o contato do se u próprio dedo com a boca tam bém causa
prazer. N este ca so, o prazer não está m ais vinculado à finalidade de
sobre vivência , m a s é apenas o prazer pelo prazer. F reud cha m a este tipo
de prazer de erotismo e considera se u apa recim ento com o a prim e ira
m anifestação da se xualidade.
O ra, essa tão singela e
inocente descoberta será
fundam ental para que a criança
percorra o cam inho que a le va rá
à busca do prazer se xual, que
tam bém e stá desvinculado de
suas finalida des, já que a relaçã o

se xual se dá pe lo prazer que ela O contato da boca com o seio materno, além de
obter o leite, é prazeroso.
ofe rece ao indivíduo, e não por
um refle xo da espé cie.

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P ara F reud, a busca do prazer é a m a neira que tem os para da r
va zão ao forte im pulso se xual que cham am os de libido. C onhece m os a s
regras sociais que perm item e norm atiza m tal vazão. S abe m os que em
determ inado m om ento da vida a se ntim os presente — nesse instante
tem os consciência da atração se xual por outra pessoa. E ntre tanto, esse
m om ento nã o acontece de m ane ira m á gica, m as, com o todos os outros
fenôm e nos psicológicos, de pende de desenvolvim ento e m aturação.
C ham a m os essa m a turação de de senvolvim ento da libido. E la te m
início de sde os prim eiros contatos da criança com o m undo e irá
com pletar-se na puberdade. Assim , com o ocorre com outros fatores do
desenvolvim e nto infantil (o falar, o andar), a criança irá de senvolvendo
paulatinam e nte a sua se xualida de. E la precisa apre nder a engatinha r ou
ficar e m pé a ntes de andar. Antes de aprender a investir libido num a
outra pessoa, isto é, ver o outro com o objeto erótico, ela precisa
aprender o que é o prazer.
Ao prazer oral, o prim eiro m om ento dessa m aturação, suce de-se o
prazer anal da rete nção e e xpulsão da s fezes e, m ais adiante ainda, o
prazer fálico que torna prazerosa a m anipulação dos ge nitais (o pênis, no
m enino, e o clitóris, na m enina). C om o crescim ento da criança, o
im pulso se xual vai ganha ndo um contorno cada vez m ais nítido. Aos
cinco anos de ida de a criança já tem a sexualidade razoa velm ente
definida. D os cinco a nos até a puberdade , [pg. 233] e la passa rá por um a
fase de a dapta ção cham ada pe la P sicanálise de fase de latê ncia, quando
realizará o a bandono do objeto se xual no interior das relações parentais
para, daí em diante, fazer sua escolha fora da fa m ília.
E essa história de que a ge nte sente a tração se xual pela própria
m ãe? Isso já não é um e xagero?
O ra, nã o podem os entender a atração se xual na criança com o
atração no se ntido genital, da m aneira com o ela ocorre depois da
puberdade. A se xua lidade no adulto, salvo algum a s e xceçõe s, buscará
sem pre que possível o contato genital. N a criança nã o e xiste a
se xualidade no se ntido genital, m a s seria m uito difícil dizer que o prazer
que criança s de três anos sente m ao m a nipular o pê nis ou o clitóris não é
se xual. E sse prazer da m a nipulação de m onstra o despertar das zonas
erógenas. A cria nça gosta do carinho e pedirá ca rinho. O corre que a
ligação afetiva m ais forte e a pessoa em quem ela m ais confia é a m ãe, e
neste caso não é e stranho que a criança espere e e xija seu carinho. E sta
ligação carinhosa e afetiva entre m ã e e filho (ou e ntre pai e filha) é que
irá propiciar a caracteriza ção do fam oso complexo de Édipo.
C om esse percurso, dem onstra-se que a se xualida de a pare ce no
ser hum a no de sde m uito ce do, e que a s suas prim eiras m a nifestações
não têm caráter ge nital, m as trata -se m ais da organização do im pulso da
libido, que, m ais tarde, será fundam enta l na busca do praze r se xual. É
por isso que costum am os denom inar sexualidade esse processo, para
dar-lhe um conteúdo m ais am plo que sexo, no sentido m ais estrito do
term o.
ESTAR AMANDO
N o decorrer de nossas vidas investim os energia se xua l ou libido
em diferentes objetos que nos dã o pra zer.
O outro, a quem am am os, é um objeto no qual investim os libido.
P or que investim os naquele objeto e nã o em outro? A resposta a
essa pergunta não pode ser dada a qui com o um a regra, pois os fatores
inconscientes envolvidos nessa escolha são m uitos e dife re m de pessoa
para pessoa. O obje to am ado pode ser, para o m e nino, alguém que se
assem elhe à figura m aterna e, para a m enina, à figura paterna; pode ser,
ainda, alguém que possua algo que se deseja e que nã o se possui, ou
alguém que possua o que a gente possui e, assim , am a-se a si próprio
no outro.
O objeto do de sejo é algo tã o difícil, que Jacques Lacan, fa m oso
psicana lista francês, disse que não é todo dia que encontram os [pg. 234]
aquilo que é a im agem e xata de nosso de sejo. M as, quando
encontram os, sabe m os identificar.
Assim , nós
tem os um a im age m
form ada de nosso
objeto de de sejo e
procura m os nos
objetos do m undo algo
que se a ssem e lhe a
ele. Q uando o
identifica m os,
O outro, a quem amamos, é um objeto no qual investimos libido. investim os libido nele
— nós o am a m os.

A PAIXÃO
E xiste ainda um estado do estar am a ndo que conhecem os com o
paixão. A paixã o é o extrem o do inve stim ento libidinal no outro, ou seja, o
indivíduo investe tanta libido no outro (objeto de de sejo) , que seu eu fica
em pobrecido e enfra quecido, a ponto de seguir e fa zer tudo o que o outro
desejar. É a entrega total ao outro.
N a paixão, ao contrário da ide ntificaçã o, o eu do indivíduo se
em pobrece e torna-se fraco, cego. É preciso que o indivíduo, num
m ovim e nto de defesa de seu eu, volte a investir libido em si próprio, o
que pode significar um am a durecim ento do se ntim e nto, que , de paixão
(entrega total), tra nsform a-se em a m or (investim ento libidinal com
enrique cim ento do e u).

A AMIZADE
O am igo, este que pode estar aí ao seu lado ne ste instante, é um
objeto em que investim os libido. M as a am izade é um investim ento de
libido que foi inibida em sua finalidade ge nital.
C om isso, quere m os dizer que toda rela ção afetiva, seja de am or
ou am iza de, é, do ponto de vista da P sicanálise, um investim ento de
energia se xual. Isto é relativam ente sim ples de entender se pensarm os
em term os e volutivos. O hom em atual (homo sapiens) ve m se
desenvolvendo nos últim os 30 m il anos e, ne sse período (pequeno, se
conside rarm os que a espécie homo tem 1,6 m ilhões de anos), foi
tam bém de senvolve ndo form as de relações afetivas a [pg. 235] partir do
que tinha em com um com o m undo a nim al — a atração se xual. Ao
estabelecer as relações de parentesco, o hom em apre ndeu a desviar a
form a instintiva de atração se xual aplicada no com portam e nto e afeto
necessários à corte (tanto da parte do m acho quanto da fêm ea).
T rabalham os, neste capítulo, com a hipótese de que a energia libidinal
aplicada ao com portam ento e afeto ligados à corte vai se ndo
paulatinam e nte “de sse xualizada”, ou seja, vai perdendo sua base de
atração se xual, transform ando-se em form a de afeto pare ntal e frate rnal
(relacionados à fam ília) e, posteriorm ente, na form a altruísta (am or a o
próxim o). Assim , e xpressam os afe to pelos am igos, por pessoas que nã o
conhecem os e , de um a form a gera l, pela hum anida de (quando, por
exem plo, ficam os condoídos com o de spejo de um a fam ília pobre da
periferia de um a gra nde cida de, fam ília que nunca vim os e cuja história
foi m atéria de jornal) . C om isso, pode m os dizer que e xistem vá rios tipos
de am or, todos originados da form a prim itiva de atração se xual, os quais
estão hoje tão dissociados dela (dizem os “inibidos em sua finalidade”)
que nã o conseguim os perce ber essa liga ção.
E ssa form a de elaboração do am or fraterno é funda m enta l para o
tipo de sociedade e de relação pessoal que e scolhem os na constituição
de nosso processo civilizatório. D enom inam os de identificação e ssa
form a de ela boração na qual investim os libido no outro de um a m aneira
diferente da usada no investim ento am oroso (se xualizado). É atra vés do
processo de identificação que enrique ce m os e form am os nossa própria
personalidade. É com o se “recolhêssem os parte” da pessoa e a
trouxéssem os para dentro de nosso psiquism o, construindo assim nossa
personalidade. V ocê é capaz de identificar este proce sso ocorrendo com
você m esm o, quando adm ira m uito alguém e passa a im itar ou a possuir
características que eram do outro e que, graças à identificação, agora
são sua s.
O processo de identificação reflete-se e m brincadeiras infantis nas
quais as crianças se fantasia m do super-herói fa vorito, na idola tria juvenil
por astros da m úsica pop e nos m odelos adultos de com portam ento e
ética tra nsm itidos, por e xem plo, pelos m eios de comunicação de m assa.

A HOMOSSEXUALIDADE
É o proce sso de ide ntificaçã o invertido (a form a de inversão não é
m uito conhecida e se dá de form a inconsciente) que ocorre durante a
form açã o do C om plexo de É dipo (veja capítulo sobre a P sicanálise),
portanto, por volta dos três anos. N esse processo, o m enino escolhe o
pai com o objeto de a m or e a m ãe com o objeto [pg. 236] de identificação,
o que e xplica a escolha hom osse xual (com a m e nina, ocorre o inverso:
ela escolhe a m ã e com o objeto de a m or e o pai com o objeto de
identificação). Assim , do ponto de vista psicológico, o hom oerotism o é
um a e scolha re aliza da pe la criança que não tem sentido patológico (nã o
é considerada doença ou desvio de com portam ento) e, m uito m enos,
m oral (um a escolha influenciada por m a us costum es). S e, por um lado,
não sabem os clara m ente o que determ ina e ssa “escolha” — aqui
colocada entre aspa s porque, rigorosam ente, nã o a percebe m os com o
um a escolha consciente, na qual a criança opta por alternativas
pre viam ente conhecidas — , por outro, sabem os que não se trata de
nenhum de svio com portam ental ou doença adquirida, ou m esm o de
disfunção neurológica. A própria O rganizaçã o M undial de S a úde
(organism o ligado à O N U ) reconhece isso. N este caso, pode m os afirm ar,
categoricam e nte, que se trata de um a opção legítim a de inve stim ento de
afeto e que, na socieda de atual, só enfrenta a intransigência e a
intolerâ ncia de grupos conserva dores que, por m otivos m orais, não
conseguem a ceitar um a escolha se xual diferente da conside ra da padrão.


E por que será que o se xo é algo tão com plica do, tã o che io de
restriçõe s em nossa socieda de?
U m a das respostas a esta questão foi dada pela P sica nálise . S em
entrar em m uitos dos detalhe s que F reud apresentou, é possível
com pre ender isto da seguinte m aneira: a energia se xual, para a
P sicaná lise, é a energia que utilizam os para tudo — pa ra trabalhar, ligar-
nos às outra s pessoas, divertir-nos, produzir conhe cim entos, enfim , a
energia responsá ve l pela criação do que conhece m os com o a
civilização humana. P ara que este fenôm eno seja possível, é pre ciso
transferir a e nergia se xual para estas produções hum ana s. P ortanto, a
civilizaçã o, criada pe lo hom em para gara ntir sua sobre vivê ncia, im põe a
ele restrições na utilização de sua energia se xual, desloca ndo-a para
outros fins que nã o o estritam ente se xua l.
A civilização consegue essa faça nha im pondo norm a s e
proibições. O casam ento m onogâm ico, a restrição na escolha dos par-
ceiros, as restrições sexuais im postas às criança s são e xem plos dos
m ecanism os que a civilizaçã o criou para obte r energia para se m anter
enqua nto civilização. F reud che ga m esm o a dizer que o hom em , e m
determ inado m om ento da sua história e nquanto e spécie, trocou o praze r
pela se gurança. [pg. 237]
A este m eca nism o de desvio da energia se xual pa ra fins não-
se xuais e im porta ntes, do ponto de vista social, cha m am os de
sublimação. N este m om ento em que você está lendo este livro,
estuda ndo para a a ula de P sicologia, você está desvia ndo sua energia
sexual, está sublim a ndo libido.
M arcuse , um teórico alem ão, considera que em nossa socie dade
capitalista, baseada na exploração do trabalho hum a no, há um a
repressão da energia se xual que vai além do necessário para nossa
sobre vivência . P ara que o capital pude sse dese nvolve r-se, foi necessário
desviar um quantum (qua ntida de) de energia se xual m uito grande. A
socieda de capitalista “desse xua lizou” o hom em , reprim iu sua libido e a
utilizou para a produção de riqueza s, de acordo com o intere sse de um
grupo dom inante na socieda de: os capitalistas.
R etom a ndo, entã o, diríam os que, para m anter a civilização com
todas as gara ntias de sobre vivê ncia para os seres hum anos, é preciso
reprim ir energia se xual. A dom inaçã o social e a e xplora ção levaram esta
repressão a um nível m ais ele va do do que o necessá rio — a este
fenôm e no M a rcuse dá o nom e de m ais repressão.
Assim , nossa sociedade te m um a m oral se xual repre ssiva.
Q uando, no de correr de nossa socialização, internaliza m os a s norm as e
regras sociais, esta m os tornando nossa essa m oral se xua l, com todos os
seus ta bus, necessários à m anutençã o da sociedade ca pitalista de
explora ção da força de trabalho hum ana, ou seja, e xploração da
se xualidade.
Internalizados os va lores, o jovem rapa z será pressiona do pelo
grupo e pela sua própria consciência a ser forte, sensual, potente e
experim entado. A garota viverá o dra m a da virginda de, o m edo da
gra vide z, as conseqüências da ine xperiê ncia se xual alia das a o fato de te r
um com panheiro que sabe tã o pouco de se xualidade e de prazer a dois
quanto ela.
Infelizes se xualm ente, nossos cidadã os poderã o dedicar-se, com
todo vigor, a o trabalho.

G lauco. Doçura. O ut./1987. p. 80.

A moral sexual repressiva nos traz temores e insegurança.


[pg. 238]

A LIBERDADE SEXUAL
M as nã o é verdade que sejam os tão re prim idos. V em os na tevê a
todo instante relações se xuais, hom ens e m ulheres que se nsualm ente
exibem seus corpos; vem os hom osse xuais, m ã es solteiras, re lações
se xuais fora e ante riores ao casa m ento e tc.
E isto significa que estejam os vivendo um a época de m a ior li-
berdade se xual?
N ão, não significa. C om o diz M ichel F oucault, filósofo fra ncês, o
dom ínio do discurso é tam bém um a form a de poder. D om ina-se a fala da
se xualidade hoje em dia, m as, quanto à prática da se xualidade, esta é
tão reprim ida ou tã o “liberada” quanto no século passa do.
O que ocorre em nossa era é um a program ação da utilizaçã o da
libido: as ca sas de m assagem , a s giná sticas, a “curtição do corpo”, a
possibilidade de m anterm os relaçõe s se xuais a ntes ou fora do
casam e nto não significa liberda de se xual, e sim que estam os nos
com portando se xualm ente e xa tam e nte da form a com o a socieda de
perm ite.
A sociedade capitalista foi ca paz de ajustar ta m bém o nosso
prazer. E esta é um a das arm as m ais poderosas para se e xerce r o
poder. T em os, a ssim , um a consciê ncia feliz, o que nã o significa
liberdade.
A possibilidade de um a se xualidade que corresponda aos nossos
desejos (m esm o considera ndo que, para ha ver civilização, de va ha ver
um nível de controle e repressão) de penderá de um a luta que o jovem
de ve enfre ntar por um a nova m oral se xual, que supe re o poder castrador
e passe para um a fa se do e ncontro entre o praze r e a responsabilida de.

POR UMA NOVA MORAL SEXUAL


À m edida que introjetam os os valore s sociais, não há m ais
necessidade de cintos de castidade, pois o policia m ento é interno a o
indivíduo. S e ele ape nas deseja, m esm o que não realize seu desejo, já é
suficiente para sentir culpa.
C ulpabilidade e se xo têm cam inhado juntos nesta passa ge m para
o terceiro m ilênio. N o final do século 20, o cam po da se xualidade — que
vinha quebrando tabus a partir da cham ada “re volução se xual”, inicia da
nos anos 60 — foi tom ado por um com ponente perverso: o aparecim e nto
do vírus H IV e, conseqüentem e nte, da S índrom e da Im unodeficiência
Adquirida — a AID S (do inglês Acquired [pg. 239] Immunological
Deficiency Syndrome). O H IV é contraído pelo conta to de fluidos
corpóre os (sangue, esperm a, corrim ento vaginal) que geralm ente ocorre
durante as relações se xuais, na s transfusões de sangue e no consum o
de drogas injetá veis. A força e a letalida de desse vírus influe nciaram de
form a significativa o com portam ento se xual do final do século 20. N unca
a se xualidade este ve tã o prese nte nos m eios de com unicação. A
necessidade de divulgar form as de pre venir o contá gio do H IV acabou
por dina m itar o que resta va do puritanism o e do m oralism o e m relaçã o à
se xualidade (e a o consum o de droga s, m as essa é um a outra história !).
O incentivo ao uso da cam isinha, com o principal form a de pre venção,
passou a fazer parte do nosso cotidia no. A cam isinha, de produto
ve ndido de form a “secreta”, quase clandestina, passou a ser divulgada
de form a m assiva, deixando de causar pudor m e sm o entre a s cam a das
m ais conservadoras da socieda de. Adm itiu-se o óbvio — os jovens, em
geral, m antinham relações se xuais e a possibilidade de que tais relações
ocorressem fora do casam e nto era bem m aior do que se supunha (dado
ve rificado pelo contá gio de parceiros de hom ens e m ulheres casados).
Ao m esm o tem po e m que era superado o falso m oralism o presente
em considerá veis e xtratos da socieda de, altera vam -se, pe lo m edo do
contágio, as form as m ais liberais de relação se xual e ntre parceiros
eventuais. A fidelidade e ntre os casais de nam orados passou a ser
cobrada de form a m ais intensa, valoriza ndo-se o parceiro fixo. O m edo
da contração do vírus, ao m esm o tem po que libera va a discussão sobre
a se xualida de, tam bém e xigia um com portam ento m ais conservador.
N este sentido, o cartum do G la uco, e xibido na página 2 38, ape sar da boa
piada, não está consoante com os novos tem pos. O erro do cartum está
no fato de a quela garota ter m antido relações se xuais com o nam ora do
sem ter usado cam isinha, caso contrário, não estaria preocupada com
um a possível gra videz indesejada. O s pais, por sua ve z, dem onstram
m uito m ais preocupa ção cora o fato de sua filha e star ou não m antendo
relaçõe s se xuais do que com o com portam ento im prudente da garota,
que a um enta o risco de contágio do H IV . E claro que, nas fa m ílias m ais
conservadoras, o risco do contágio será utiliza do com o um a form a de
pressão a m ais pa ra a m anutençã o de um com porta m e nto se xual
tam bém conservador (entenda-se: a bstinência). O “argum e nto”, agora,
apre senta um a objetividade m uito m a is convince nte que os a rgum entos
de ordem m oral: a m anutenção da própria saúde. T odavia, tanto os
jovens quanto os pais (e todas as pessoa s que m antê m relações sexuais
freqüentem e nte ou não) de vem se conscientizar de que o ca m inho m ais
razoá ve l é o da proteção, o do se xo seguro. D e ve-se fa lar franca e
abertam ente sobre se xualidade, introjetando os m eca nism os [pg. 240]
necessários para o sexo seguro (com o o uso da ca m isinha) e o cuidado
de nunca neglige nciá-los (nas relações e ve ntuais ou m esm o num a única
relação se xual).
E stas questões podem represe ntar fator de outros riscos para a
juventude no ca m po da se xualidade, particularm e nte a contra dição entre
a disse m inação do discurso sobre a se xualida de e a possibilida de de
crescim e nto da visã o m oralista sobre o tem a. A falta do diálogo fra nco e
aberto entre jovens, pais e educadores, coloca o jovem distante das
inform ações básica s sobre sua própria se xualidade. E m publicaçã o
recente 3 , a psicóloga e jornalista R ose ly S a yão responde a inúm eras
perguntas feitas, e m sua m aioria, por adolescente s.

GRAVIDEZ PRECOCE
É im pressiona nte com o os jovens desconhecem as inform açõe s
básicas sobre fecundação, prazer, se xo seguro etc. É provável que tal
desinform açã o seja um a da s causas do aum ento da gra videz precoce —
a gra vide z da adolescente. P recisam os considerar, no entanto, que hoje
em dia torna-se m ais fácil ide ntifica r a gra vide z precoce , pois sua
ocorrência já não é tão escam ote ada com o em outros tem pos. Aliás, não
de vem os recuar m uito no tem po porque, se voltarm os para o início do
século 20, consta tarem os que m uitas m ulheres casa vam m uito cedo (aos
13, 14, 15 anos) e logo engra vida va m , nã o existindo, contudo, o conceito
de gra vide z precoce . T rata-se, evidente m ente, de um conce ito para um
padrão social em que a m ulher tem filho por volta dos 2 0 anos de idade
(e cada vez m ais tarde). O fato é que a gra videz precoce tem se
m ostrado um proble m a pelas suas im plicações sociais e de corrências
pessoais para a adolescente, para o jovem pai do futuro be bê, para os
pais de a m bos (o que tem cham ado a atençã o de m é dicos, psicólogos,
assistentes socia is e outros profissionais da área de saúde). E a gravidez
indesejada ge ralm e nte é conse qüência da falta de inform a çã o e diálogo
sobre a se xualidade.
Q ue postura, então, assum ir nessas situações de conflito, e m que
desejo e culpa m uita s vezes se confunde m , deixando um a forte angústia
3
Rosely Sayão. Sexo. São Paulo, Escuta/Via Lettera, 1998.
com o re sultado?
A resposta ainda está por se fazer e você é pa rte dela. A discussã o
do papel da se xualidade nas nossas relações, a discussã o ética do
significa do das regra s sociais e sua justa ou injusta interdição do prazer
são que stões que, discutidas, ajudarão a superar a angústia da culpa,
que certam ente tra balha no território do não-sa ber. [pg. 241]


1. O DESAFIO DA SEXUALIDADE
1º) A nature za problem ática da se xualidade decorre do fato de que qual-
quer com porta m ento sexual te m , na sociedade, seu ponto de partida
e de chega da, isto é , nela tem suas raízes e sobre ela produz seus
efeitos. S e xo foi, é e será sem pre um a Q uestão S ocial, sem de ixa r de
ser tam bém um a Q uestão Individual.
2°) A luta — enqua nto form a de m obilização solidária, pre ocupada em
re volucionar e nã o m eram e nte reform ar os padrões se xuais vigentes
— tem um valor pe dagógico inestim á vel. M uito m ais do que qualquer
discurso, a pa rticipa ção num a luta ensina a se ntir o que deve se r
denunciado, a com preender as razões do repúdio e a criar
alternativas de solução. P or outras pala vras, a luta ensina que ousar
é preciso e é possível, m as que a eficácia da ação depe nde, não do
heroísm o, do vedetism o de cada um , e sim da coopera ção de todos...
3°) E m nossa socie dade, as lutas que é preciso assum ir, na áre a da
se xualidade hum a na , são as lutas:
A) contra o a utoritarism o se xual disfarça do de
— desigualdade se xual;
— violê ncia se xual;
— preconceito se xua l.
B) a fa vor, portanto, da liberdade se xual, que não se confunde com
libertina gem . Libe rdade que consiste no e xercício de um a
se xualidade libera da (da culpa, no plano pessoal) e libertada (da
opressã o, no plano social).
M . Am élia A. G oldbe rg. Educação sexual: uma proposta, um desafio.
3. ed. S ão P aulo, C ortez, 19 85. p. 82-3.

2. SEXO
Namoro há cinco meses, tomo anticoncepcional há quatro e
comecei a ter relações há dois. Nesses dois meses nunca houve
penetração sem camisinha, mas agora pintou uma vontade
enorme de experimentar, mas estamos com medo de a pílula
falhar. Nós dois sabemos que tanto a camisinha como a pílula
não são métodos 100% seguros, mas usando os dois juntos
ficamos bem tranqüilos. Gostaria de saber se podemos arriscar
sem grilo, pois nesses quatro meses nunca deixei de tomar um
só comprimido.
Q ue é isso, pare ce criança ! E se pinta um a vonta de enorm e de
você rolar esca da abaixo para ver qual a sensação, você rola ? S ó se for
louca, pois você sabe m uito bem que um tom bo pode quebrar ossos e
até m atar.
Agora nã o vá dize r que você não sabe que um a das m ais
im porta ntes form as de conta m inação da AID S é pela prática se xua l. É ,
bonitinha, não é ape nas a gra videz que é preciso e vitar. Já sei que e xiste
um a lengalenga que roda livre, le ve e solta pelas cabe cinhas da s
garotas: “m as a final ele era virgem , nã o usa drogas, e u ta m bém , então
não tem perigo”. S ei. T em perigo sim senhora, e vários.
P rim eiro: a grande m aioria dos adolescentes na m ora e term ina,
sabia? H oje você a té pode pe nsar que não, porque está a paixonada , ele
tam bém . M as tudo que com eça, bonitinha, term ina.
S egundo: você acre dita que o nam orado é um livro a berto para
você? C laro que nã o é. E le tem lá os segredos dele , assim com o você.
P ortanto, sem essa de im aginar que tudo o que você pensa e quer que
ele seja , acontece. [pg. 242]
E agora o perigo m a is perigoso de todos: se você transa com ele
sem cam isinha, de pois term ina , está abrindo a possibilida de de fazer de
novo com outro, de pois com outro e assim vai. T udo isso parece m uito
distante de você, nã o parece? M a s nã o e stá.
Aliás, pergunte para algum a garota que e ngra vidou sem querer se
ela pe nsa va que isso iria acontecer. P ergunte para algum jovem portador
do vírus H IV se um dia ele sonhou vive r o que vive agora. S e eles
tivessem pensado nisso, prova velm ente não estariam passa ndo pelo que
passara m ou passa m agora .
P ronto. F alei da santa borra chuda. Achara m que e u ha via
esquecido, m as não esque ci não. E espero que vocês não esqueçam :
se xo, só o m ais se guro. C om responsa, com m aturidade, com alegria e
prazer. E com m édico ginecologista para orientar a pílula, claro!
R osely S a yão. Sexo. S ão P a ulo, E scuta /V ia Lettera, 1 998. p. 91.


1. Q uais a s área s de conhecim ento que e studam a se xua lidade e qual a
especificidade dos e studos da P sicologia ?
2. O que é instinto sexual?
3. Q ual o da do funda m ental da se xualida de hum ana?
4. Q uais os argum e ntos pró e contra a existência da se xualidade na
criança ?
5. C om o se dá a erotização na cria nça?
6. Q uais as etapas do dese nvolvim ento sexual?
7. Q ual a rela ção e ntre sentim ento am oroso, paixão e am iza de?
8. P or que a civiliza ção im põe restrições à se xua lidade?
9. R elacione m oral sexual e AID S .


1. U sem o te xto com ple m entar de M aria Am élia G oldberg com o
referência pa ra um a discussão sobre as dúvidas e questões
referentes à se xua lidade na sua classe.
2. E m term os de se xualidade, quais as regras sociais que vocês
conside ram correta s? P or quê? Q uais as que considera m
inadequada s? P or quê? D iscuta com seus cole gas as divergê ncias de
posicionam e nto e de justificativas.
3. D iscuta m o te xto de R osely S a yã o e procurem tirar todas as
decorrê ncias possíveis desse te xto. E xponha m para a classe a
posição do grupo e suas dúvidas.


S obre o tem a se xua lidade, encontra m os um a vasta bibliogra fia e,
nesta, vários te xtos de caráter introdutório. A questão é que, por trata r-se
de tem a ligado à m oral, nem sem pre e ncontra m os um a postura crítica .
O s livros citados aqui têm a nosso ver essa postura crítica, e ntretanto os
livros críticos não se esgota m nele s. [pg. 243]

Para o aluno
Indicam os pa ra o aluno o livro de C arm en Barroso e C ristina
Bruschini, Sexo e juventude: como discutir sexualidade em casa e na
escola (S ão P aulo, Brasiliense, 19 85), que apre senta te xtos sobre a
anatom ia e a fisiologia se xual hum ana — m asturbação, na m oro, papéis
se xuais, aborto, hom osse xualism o etc. — de um a form a bastante
adequada para o jovem do 2- grau.
O livro de M aria Am élia A. G oldberg, Educação sexual: uma
proposta, um desafio (S ã o P aulo, C ortez, 1 984), é ótim o para quem
está com eçando a pensar no assunto.
U m outro livro, de caráter introdutório, m as com uma preocupaçã o
em inente m ente histórica, é o de C ésar A. N unes, Desvendando a
sexualidade (C am pinas, P a pirus, 1987 ).
Educação sexual: debate aberto (P etrópolis, V ozes, 1 982 ), de
C arm en Barroso e C ristina Bruschini, é um a pesquisa sobre a
se xualidade do jovem , de stina do à leitura de sse público, m as m uito
indicado tam bém para o professor.
Sexo (S ão P aulo, E scuta/V ia Lettera, 1998), de R osely S ayão,
discute dúvidas de jovens sobre a se xualidade de form a fra nca e direta .
V ale a pena conferir. O livro Sexo se aprende na escola (S ão P a ulo,
O lho D ’água, 19 95 ), coordena do por M arta S uplicy, tra z te xtos de
autores do grupo de tra balho e pe squisa em orie ntação sexual que
contam a e xperiência de im planta ção deste trabalho na rede m unicipal
de ensino de S ão P a ulo.

Para o professor
Repressão sexual: essa nossa (des)conhecida (S ã o P aulo,
Brasiliense, 1 985), de M arile na C hauí, pretendia ser um livro introdutório,
m as acabou se ndo um a das m ais com pleta s discussõe s sobre a
repressão se xual feita entre nós. O estudante pode arriscar sua leitura,
m as é um livro m ais indica do para o profe ssor.
C om o leitura m a is a vança da, destina da principalm ente ao
professor, cita m os:
De S igm und F re ud: “Três ensaios sobre a teoria da
sexualidade”, “Mal-estar na civilização” e “Psicologia de grupo e
análise do ego” — todos contidos na edição padrão das Obras
completas (R io de Janeiro, Im ago).
D e W ilhelm R eich: A revolução sexual (R io de Janeiro, Z ahar,
1983) e A função do orgasmo (S ã o P aulo, Brasiliense, 197 6).
D e M ichel F oucault: História da sexualidade, volumes I, II e III
(R io de Janeiro, G ra al).
D e D a niel G uerin: Um ensaio sobre a revolução sexual (S ão
P aulo, Brasiliense, 1 984).
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N a ve rdade, qualquer film e contém esse tem a. M esm o assim , su-
gerim os:
Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo e tinha medo
de perguntar. D ireção W oody Allen (E U A, 1972 )
S ão sete episódios aborda ndo e respondendo a que stões sobre
se xo. O film e com ce rteza será um bom chute inicial.
É im portante ressaltar que os debates sobre a AID S são hoje
indispe nsá ve is. Algum as instituições de pesquisa têm produzido bons
m ateriais sobre o a ssunto. A ABIA (Associação Brasile ira Inte rdisciplinar
de AID S ) produziu um e xcelente vídeo. [pg. 244]
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CAPÍTULO 17 • FAMÍLIA... O QUE ESTÁ ACONTECENDO COM ELA?


CAPÍTULO 18 • A FAMÍLIA
CAPÍTULO 19 • MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA
CAPÍTULO 20 • ADOLESCÊNCIA: TORNAR-SE JOVEM
CAPÍTULO 21 • A ESCOLHA DE UMA PROFISSÃO
CAPÍTULO 22 • AS FACES DA VIOLÊNCIA
CAPÍTULO 23 • SAÚDE OU DOENÇA MENTAL: A QUESTÃO DA
NORMALIDADE [pg. 245]
C AP ÍT U LO 1 7

Família... o que está


acontecendo com ela?

Até um
tem po atrás —
não faz m uito
tem po! — o
m odelo de fam ília
consistia em pai-
mãe-prole. E sse
m odelo de
estrutura fam iliar
era conside rado

ideal pelo m odo Esta ainda família existe?

dom ina nte de


pensar na socieda de e, por isso, bastante usado para classificar todos os
outros m odos de organização fa m iliar com o de se strutura dos,
desorganiza dos e problem áticos. N esta com pree nsão de fa m ília há, sem
dúvida, um julgam ento que não é cie ntífico, m as m ora lista, pois utiliza um
padrão com o referência e considera os outros inadequados.
Atualm e nte, é im possível não-enxergar — vários estudos
antropológicos e m e sm o re portagens em re vista s, jornais e T V m ostram
— que e xiste m m uitas e inúm era s form a s de estrutura fam iliar: a fa m ília
de pais sepa rados que re alizam nova s uniões das quais resulta um a
convivê ncia entre os filhos dos casam e ntos a nteriores de a m bos e os
novos filhos do casal; a fam ília chefia da por m ulher (em todas as classe s
sociais), a nuclea r, a e xte nsa, a hom osse xual, enfim , observa -se um a
infinida de de tipos que a cultura e os novos padrões de relações
hum anas vã o produzindo. Isso sem considerarm os culturas bastante
diferentes, com o os grupos indígenas, por e xem plo. [pg. 247]
P ara entenderm os a s m udanças na concepção de fam ília, a funçã o
social desta instituição (a fam ília é um a instituição social) e a produçã o
de subjetividade que ocorre e m seu interior, é necessá rio (com o se m pre !)
recorrer à história.
A fam ília m onogâm ica é um ponto de partida histórico — sem pre
precisa m os partir de um ponto! — , e m bora de vam os considerá-la com o
produto de m uitas e diversificada s form as a nteriores de o hom em
organizar-se para dar conta da sua reproduçã o e da sobre vivência da
espécie (desde o estado selvagem a té a barbá rie). P esquisas realizadas
pelo a ntropólogo a m ericano L. H . M organ (1 818-1 881) de m onstraram
que, de sde a origem da hum anida de, houve , suce ssiva m ente :
• a família consangüínea — interca sam ento de irm ãos e irm ãs carnais e
colatera is no interior de um grupo;
• a família punaluana — o casa m ento de várias irm ãs, carnais e
colatera is, com os m aridos de cada um a das outras; e, os irm ãos
tam bém se casa va m com as esposas de cada um dos irm ãos. Isto é,
o grupo de hom ens era conjuntam ente casado com o grupo de
m ulhere s;
• a família sindiásmica ou de casal — o casam e nto entre casais, m as
sem obriga ção de m orarem juntos. O casam e nto e xistia enquanto
am bos desejassem ;
• a família patriarcal — o casa m ento de um só hom em com diversa s
m ulhere s;
• e, finalm e nte, a família monogâmica, que se funda sobre o casa m ento
de duas pessoas, com obrigaçã o de coabitação e xclusiva... a
fidelida de, o controle do hom em sobre a esposa e os filhos, a garantia
de descendência por consangüinidade e, porta nto, a garantia do
direito de herança aos filhos legítim os, isto é, a garantia da
proprie dade priva da. A idéia de proprie da de — criar, possuir e regular
atra vés de direitos le gais sua tra nsm issã o here ditária — introduz esta
form a de orga nização fam iliar: é nece ssário ter certe za sobre a
paternidade dos filhos e de que o patrim ônio não irá sair da fa m ília, ou
seja, o reino, as terras, os castelos, os escra vos, a fábrica , o banco,
as açõe s da Bolsa etc.
V am os percebendo, então, que a fam ília, com o a conhe cem os
hoje, não é um a organização natura l nem um a de term inação divina. A
organização fam iliar transform a-se no de correr da história do hom em . A
fam ília está inserida na base m aterial da sociedade ou, dito de outro
m odo, as condiçõe s históricas e as m udança s sociais determ inam a
form a com o a fa m ília irá se organizar pa ra cum prir sua funçã o social, ou
seja, garantir a m anutençã o da proprie dade e do status quo das classes
superiores e a reprodução da força de trabalho — a procriação e a
educação do futuro trabalha dor — das classes subalte rnas. [pg. 248]
P or assum ir pa pel fundam ental na sociedade — é cham ada de
célula mater da sociedade — a fam ília é forte tra nsm issora de va lores
ideológicos 1 . A funçã o social atribuída à fam ília é tra nsm itir os valore s
que constituem a cultura , as idéia s dom inantes em determ inado
m om ento histórico, isto é, educar as nova s gera ções segundo padrões
dom ina ntes e he ge m ônicos de valores e de condutas. N e ste sentido,
re vela-se o caráter conservador e de m anutenção social que lhe é
atribuído: sua função social.
1
Ideologia é o sistema de representações e crenças que encobrem a realidade, falseando-a e não
permitindo que percebamos e questionemos as contradições de nossa sociedade. Um exemplo de
falseamento da realidade: responsabilizar crianças por não irem à escola (milhares ou milhões?!),
justificando que não o fazem porque não gostam, são vagabundas ou porque os pais não se preocupam em
dar-lhes educação. Outros exemplos de valores ideológicos transmitidos pelas famílias são os de “cada
um por si e Deus por todos”; da esperteza que deve prevalecer sobre a solidariedade; de que homens e
mulheres não têm os mesmos direitos; de que o valor de uma pessoa é dado pelo que tem e consegue
acumular de bens materiais.
N ão podem os nos e squecer de que a fa m ília — lugar reconhecido
com o de procriaçã o — é responsá vel pela sobre vivência física e psíquica
das criança s, constituindo-se no prim eiro grupo de m e diação do indivíduo
— daquele bebê, que está ali no berço — com a sociedade. É na fam ília
que ocorrem os prim eiros aprendiza dos dos hábitos e costum es da
cultura. E xe m plo: o a prendizado da língua , m arca da identida de cultural e
ferram e nta im prescindível para que a criança se a proprie do m undo à
sua volta. É na fa m ília que se concretiza, em prim eira instância, o
exercício dos direitos da criança e do adolescente : o direito aos cuidados
essenciais para seu crescim ento e desenvolvim ento físico, psíquico e
social.
A fam ília, do ponto de vista do indivíduo e da cultura, é um grupo
tão im portante que , na sua ausê ncia, dizem os que a criança ou o
adolescente precisam de um a “fam ília substituta ” ou de vem ser
abrigados em um a instituição que cum pra as funções m aterna e pa terna,
isto é, as funções de cuidado e de transm issão dos valores e norm as
culturais — condição para a poste rior participa ção na coletividade.
P ortanto, ine xistindo a
fam ília de origem —
consangüíne a, biológica — ,
outro grupo de verá dar conta
de sua funçã o.
Ao m esm o tem po,
observa m os que estas
funções sã o re partidas com
As funções da família são repartidas com outras
outras agências [pg. 249] agências socializadoras, como as instituições
educacionais.
socializa doras: as instituiçõe s
educacionais — cre ches, pré-e scolas, jardins-de-infâ ncia, e scolas — e
os m eios de com unicação de m assa (veja função socializadora da escola
e dos m eios de com unicação de m a ssa nos capítulos 18 e 19,
respectivam e nte). E m todas a s classes, as crianças estã o indo cada vez
m ais ce do para a s instituições e ducacionais. O s m otivos sã o os m ais
diversos, sendo que um deles de ve ser ressalta do: a entrada da m ulher
no m erca do de trabalho, quer para gara ntir a renda fam iliar, quer com o
projeto de vida profissional.
E aí estam os de novo diante de um a m udança cultural — no caso,
o pape l da m ulher — , um fator econôm ico produzindo efeitos no interior
da fam ília, na relaçã o m ãe-filho e na qualidade deste vínculo.
É interessa nte perceber com o a fam ília vive as inte rferências do
m undo social, de novas re alida des históricas que vã o produzindo
pessoa s diferentes e novas subjetividade s.
O utro aspecto rele va nte a ser observa do é o im porta nte pa pel que
os m eios de com unicaçã o de m assa (particularm ente a T V ) têm
cum prido na educa ção da criança e do adolesce nte, os quais estã o
expostos, cada ve z m ais cedo, às influências desta s agências
socializa doras. O bserve a criança de três anos vestida com o aque la
aprese ntadora fam osa da T V , ou a que pede de prese nte a roupa do
super-herói do m om ento.
M esm o que a função socializadora, de form ação das novas
gerações, não seja delega da e xclusiva m ente a estas instituições — es-
cola, m eios de com unicaçã o de m assa — constatam os que , cada vez
m ais, elas influe ncia m as novas geraçõe s: no seu m odo de ser e estar no
m undo... agora e m a is tarde.
Apontar e stas que stões em um ca pítulo sobre a fa m ília é
necessário para que possam os estar atentos — o tem po todo — às
m últiplas determ ina ções do hum ano, do m ais íntim o de si, desde o
nascim e nto. F acilita , tam bém , com pree nder por que o hom em que
nasceu em m eados do século 20 e passava os prim eiros anos de vida no
interior da fam ília, grudado a “barra da saia da m ãe”, sem ouvir
conversas de adulto, cora m uitos assuntos considerados tabus (doenças,
tragédias, se xo), é tão diferente do que hoje vai para o berçário com 12 0
dias, está e xposto a um a grande variedade de e stím ulos visuais e
auditivos desde que nasce e , precoce m ente, assiste às telenovelas,
“participa” de todas as conversas dom é sticas, e scolhe a roupa que va i
ve stir.
P ortanto, voltando a o tem a do capítulo — saím os dele ? — , há um a
citação do psicanalista francês Jacque s Lacan, em Os Complexos
Familiares, que perm ite sintetizar o que foi colocado até a qui e a va nçar.
Lacan define assim a fam ília: “E ntre todos os grupos hum anos, a fam ília
desem penha um papel prim ordial na transm issão de cultura. S e as
tradiçõe s espirituais, a m anutenção dos ritos e dos [pg. 250] costum es, a
conservação das té cnicas e do patrim ônio são com ela disputados por
outros grupos socia is, a fam ília pre valece na prim eira educação, na
repressão dos instintos, na aquisição da língua acertadam ente cham ada
de m aterna. C om isso, ela preside os processos funda m entais do
desenvolvim e nto psíquico”.
P or que Lacan afirm a que a fam ília preside os proce ssos
fundam entais do desenvolvim ento psíquico da criança ? Se
conside rarm os os três pontos le va nta dos pelo autor — a prim eira
educação, a re pressão do desejo e a aquisição da linguage m — terem os
a resposta.

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M esm o antes do na scim ento do filho, vem os a preocupa çã o dos
pais cora a cor de sua roupa.
E já podem os perguntar por
que azul e não rosa para o
m enino? O utra pre ocupação
refere-se à escolha do nom e:
do santo de de voção, daquele
avô tão querido ou do artista
de suce sso?
Antes de na scer, a
Este quarto é de menino ou de menina?
criança vai ocupando um lugar
na fam ília, no cenário social, e
o que a espera são os há bitos da cultura m eta boliza dos pela sua fa m ília,
já re vela dos no m odo diferente de esperar a che gada do m enino e da
m enina. Isto porque às diferenças biológicas sã o atribuídas re-
presentações socia is, e xpectativas de conduta pa ra ca da gê ne ro.
T udo parece tão na tural que é estranho, a qualquer um de nós,
im aginar um a luva de boxe com o e nfeite do quarto de m aternidade e m
que se encontra um a m enina , ou um a bonequinha pe ndurada na porta
do quarto de um m e nino.
É com essa naturalidade que se processa a prim eira educa ção.
T udo parece óbvio. O exem plo m ais claro é o da educação e m função da
diferença anatôm ica dos se xos. As crianças encontra m nos pais os
m odelos de com o os adultos com portam -se — com o atendem ao
telefone e às visita s; com o se portam à m esa, resolvem conflitos e lida m
com a dor; o que pensam sobre os acontecim entos do m undo e tc. O s
pais são os prim eiros m ode los de com o é ser homem e ser mulher:
padrõe s de conduta que, e m nossa cultura, são m arcadam e nte
diferentes. [pg. 251]
Assim , a fam ília reproduz, em se u interior, a cultura que a criança
internalizará. E im portante conside rar a qui o poder que a fam ília e os
adultos tê m no controle da conduta da criança, pois ela depende dele s
para sua sobre vivência física e psíquica. Basta lem brar que um a criança
de oito m eses depende de algué m pa ra obter alim entos e que um a
criança de três anos depende de alguém pa ra le vá-la ao m édico, A
criança ne cessita, ta m bém , das ligações afetivas estabelecida s com seus
cuidadores e as quais ela não quer (não pode !) perder. O m edo de
perder o a m or (e os cuidados) de sses adultos que lhe são tã o
im porta ntes é um poderoso controlador de sua conduta e ela, pela
“vigésim a” vez, recita para o vizinho aquela poesia que ta nto a aborrece ,
m as faz a ale gria do pai no e xercício de e xibição dos dotes do seu filho.
A im portância da prim eira educação é tã o gra nde na form a ção da
pessoa que podem os com pará-la ao a licerce da construção de um a
casa. D epois, ao longo da sua vida, virão novas e xperiências que
continuarão a construir a casa/indivíduo, relativiza ndo o poder da fam ília.
M as essa já é outra história (veja capítulo 20, Adolescência: tornar-se
jovem ).

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Ao nasce r, a criança encontra-se num a fase de indiferenciação
com o m undo — nã o e xiste m undo e xte rno (o outro) nem interno (o eu).
O m undo, neste m om ento da vida, significa a m ãe. E sta é a díade
fundam ental que cada pessoa vivencia ao nascer. A m arca de sta rela çã o
é a fusão, isto é, nã o e xiste, para quem acabou de nascer, o eu e o outro
(o m undo). E sta diferencia ção vai se e stabe lecendo paulatinam ente, e
um a e xperiê ncia im portante desse de senvolvim e nto é o te m po
(cronológico) que a criança espera para a satisfa çã o de suas
necessidade s. E la com eça a registrar que há um desconforto — a fom e,
por e xe m plo — e que este esta do nã o é autom atica m ente supera do; a
criança precisa espe rar que algo aconteça: o seio ou a m am a deira de ve
chegar... e, para isso, de pende de alguém — a m ãe ou sua substituta
nesta função.
A difere nciação do e go — m agistra lm ente descrita por F reud em A
Psicologia de massa e a análise do ego — é um processo em que, ao
princípio do praze r (que re ge o funciona m ento psíquico), interpola-se o
princípio da realidade, isto é, surge m os lim ites im postos pela realidade.
Assim , a satisfaçã o, para ser obtida, de ve ser postergada (esperar) e, à s
ve zes, substituída por outro objeto de satisfaçã o (ao invés do bico do
seio, aparece um a [pg. 252] chupeta... que estra nho!) ou (com
freqüência) ocorrem as prim eiras vivê ncias de frustraçã o, de não-
satisfação. A frustração m arca a e xperiência hum ana desde o
nascim e nto e é algo constitutivo da hum a nidade de todos nós.
Ao lado desse aspe cto intrínseco à constituição psíquica, e xiste
outro que vai construindo a subjetividade da criança e é funda nte da vida
psíquica: a interdição — lei social que se ancora na subje tividade a o
m arcar a re pressão do de sejo, seja dos im pulsos a gressivos, seja dos
im pulsos eróticos. E m nossa cultura, o tabu do incesto é um exem plo
clássico desta m arca da repressão. O filho não pode ter rela ções se xuais
com a m ãe, nem a filha com o pai, e m bora m ãe e pai sejam se us
prim eiros objetos de am or erótico (se gundo a P sicanálise, é claro!). E ste
desejo é inconsciente e a repressão coloca sua m arca neste
inconsciente; “é com o se nada houve sse e xistido”. N o jogo da vida
fam iliar, a cria nça irá incorporando outras proibições relativa s à obte nção
do prazer e à e xpre ssão de seus sentim entos hostis. “T ira a m ão daí, é
feio!” é um a frase que m uitas crianças ouvem quando estão se
m asturbando; ou esta outra: “N ão pode bater no am iguinho, tem que
conversar”.

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A linguagem é a condição básica para que a criança “entre” no
m undo, aproprie -se dele — do que significam as coisa s, os obje tos, as
situações — e nele interfira. Isso é o que realiza a dim ensã o hum a na e
social de ca da pe ssoa. A linguagem é um a fe rram e nta necessária e
im prescindível para a troca e com unica ção com o m undo e, tam bé m ,
para a relaçã o consigo m esm a. Atra vés da linguage m , a cria nça nom eia
seus afetos e desejos, troca-os com o outro e os com pree nde, dando
sentido ao que ocorre dentro de si.
N a fase anterior à a quisição da linguagem , os im pulsos e stão livres
e o inconsciente pre pondera. É no contato com a rea lidade — que se dá,
principalm ente, atra vé s da linguagem — e pela com preensão dos
m ecanism os que a regulam que a criança vai discrim inando o seu desejo
e o que é ou não perm itido satisfazer. A lingua gem é o instrum e nto
privilegiado que possibilita a com preensão dessa rea lidade. A fam ília,
com o prim eiro grupo de pertencim ento do indivíduo, é, por excelência,
em nossa sociedade , o espaço e m que e ste aprendizado ocorre, em bora
possa ocorrer tam bé m em qualquer grupo hum ano do qual participe em
seus prim eiros anos de vida. [pg. 253]

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1. P edro volta e m eia briga feio com F ra ncisco. Até já chegou a dar uns
tapas nele. H oje, P e dro brigou na escola com T iago porque e ste tira va
um “sarro” de F ra ncisco, num a rodinha de am igos. Q ual a relação de
parente sco e ntre P e dro e F rancisco?
N ão há dúvida... sã o irm ãos. U m a rela ção de am or, rivalidade, cui-
dado, hostilidade. U m a relação hum ana rica, cheia de am bivalência,
m ultifacetada; com desvanta gens — dividir o am or dos pais, a atenção
deles, o quarto, as roupas — e m uita s vantage ns — a possibilidade de
com panheirism o, de solidariedade, de cum plicidade e, principalm ente
(a vantage m invisíve l), de vive nciar, no cotidiano, a aprendiza gem das
relaçõe s sociais com iguais, algo e xtrem a m ente fa cilitador com o treino
de participação socia l nos m a is dife rente s grupos hum a nos.
E ste vínculo significativo e a característica da a m biva lência — a
existência do a m or e do ódio — denuncia m o que é próprio de todo o
vínculo em que e xiste proxim idade, intim idade : a possibilidade de
expressar o am or e, tam bém , a raiva . E m sum a, a garantia de que não
perderá o a m or e de que este pre valecerá sobre a raiva perm ite a
expressão da hostilidade.
E stas e xpre ssõe s de raiva e am or são reguladas pelos pais. H á um
lim ite para as brigas, ofensa s e agressões físicas. N este lim ite, cons-
tatam os com o essa relação é um m odelo de conduta de cada in-
divíduo em outras relações e ntre iguais a o longo da vida.
2. O vínculo, em se us aspectos biológico (o cordão um bilica l), social (o
grupo fam iliar e sua s responsabilidade s, inclusive legais) e afetivo (o
acolhim ento) é condição para o crescim e nto e de senvolvim e nto global
da criança. N ão há possibilidade de sobre vivência física e psíquica no
desam or. As doenças m enta is e m e sm o as físicas, em criança s
peque nas, denunciam a fragilida de de vínculos fa m iliares, a
dificuldade dos a dultos em criar um a m biente está vel e seguro — isto
é, am oroso — , a ne gligência, os m aus-tratos. Aborda r a im portância
deste e lo de ligaçã o, o vínculo, é dize r que sem pre e xiste ou de ve
existir um outro significativo que lhe a ssegura as condiçõe s de vida,
de crescim ento e desenvolvim ento (senão a criança a doece, m orre).
N esta pe rspectiva, é necessário dizer que o vínculo tem m ão dupla
para ser significativo, ou seja, a cria nça tam bém é im porta nte para os
pais, m uda suas vidas, ocupa-os. Aliás, por serem as crianças e os
adolescentes im portantes para os pa is é que estes tornam -se
im porta ntes para ele s. [pg. 254]
D ois e xem plos de situações bastante delicadas que dem onstram esta
ligação dos pa is com seus filhos: no prim eiro, os pais e xibe m o filho ou
aspectos dele com o se fossem seus; no segundo, projeta m no filho a
possibilidade de estes realizarem sonhos e projetos pessoa is que não
conseguiram realizar em sua s próprias vidas.
3. A fam ília, com o lugar de proteção e
cuidados, é, em m uitos ca sos, um
m ito. M uitas cria nça s e a dolescentes
sofrem ali suas prim eira s
experiê ncias de violência: a ne-
gligência, os m a us-tratos, a violência
psicológica, a agressão física, o
abuso se xual. As pesquisa s
dem onstram que, no inte rior da
fam ília, a principal vítim a da violência
física é o m enino e, do abuso se xual,
a m e nina. O pai biológico constitui-se
no principal a gressor.
A violência doméstica denuncia o mito da
família como lugar de proteção e cuidados.
O fenôm e no da violência dom éstica
é, infelizm e nte, unive rsal — atinge pa íses ricos e pobres — e pode se r
observa do em todas as classe s sociais — nã o ocorre e xclusiva m ente
nas fam ílias pobres. A violê ncia dom éstica não é um fenôm eno atual,
em bora sua intensificação e divulgação pelos m eios de com unicação a
transform em em algo dram ático e que tem cham ado a ate nção de
m uitas instituições e de autorida des da área da fam ília, da infância e
adolescência .
N o Brasil, um e xem plo do aspe cto histórico do fenômeno é o re lato
colhido por pesquisa dores em docum e ntos dos séculos 18 e 19 sobre
a vitim ação de crianças escra vas.
O utro dado m uito im portante, com provado por pesquisas na cionais e
internacionais, é que 90% dos agressore s foram vítim as de algum tipo
de violência na infância ou a dolescência. Isto dem onstra a
necessidade do tratam ento psicológico das crianças e dos
adolescentes vítim a s de violência, fa zendo-se ne cessário tam bé m
interrom per este ciclo de violência que, e m m uitos ca sos, é e ncoberto
pelo se gredo fam iliar ao longo de vá rias gerações.
4. O direito a ter um a fam ília e a im portância dela pa ra a criança estão
colocados no artigo 6 da D e claraçã o dos D ire itos da C riança
(20/11/1959), da qua l o Brasil é signatário. [pg. 255]

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 do Adolesce nte (E C A) — Lei 8 .0 69, de


13/7/19 90, que regula os direitos da cria nça e do a dolescente —
coloca, no C a pítulo 3 — “D o D ireito à C onvivência F a m iliar e
C om unitária” — , artigo 19: “T oda criança ou adolesce nte tem
direito a ser criado e educado no seio de sua fam ília e,
excepcionalm ente, e m fam ília substituta , assegurada a convivência
fam iliar e com unitária, em am biente livre da presença de pe ssoa s
dependente s de substâncias entorpece ntes”.
E sta lei de proteção dos direitos da criança e do adole sce nte é
conside rada um a da s m ais a vançada s do m undo. S ua importância
reside em vários a spectos. N o que concerne ao tem a deste
capítulo — fam ília — a lei garante, por e xem plo, a igualdade de
direitos aos filhos próprios da relação do casam e nto e aos filhos
adotivos (isto é, proíbe qualquer discrim inação). Além disso, afirm a
que o “pátrio poder será e xercido, e m igualdade de condições, pelo
pai e pela m ã e...”. A novida de aí é a inclusão da mãe.
N este se ntido, e sta lei acaba incorporando, na ordem jurídica, as
m udanças culturais e históricas que vã o se processando na
socieda de e repe rcutem na fa m ília . P ortanto, a fa m ília
m onogâm ica a prese nta-se diferente hoje. E , m ais, coe xiste com
outros m odos de organizaçã o fam iliar em que, com o foi sinalizado
no pará grafo a nterior, a m ãe pode ser considerada che fe da
fam ília.
Assim , o m odelo de fam ília pai-mãe-prole torna-se um entre vá rios
m odelos possíveis de estrutura e organização deste grupo
hum ano. [pg. 256]

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Além dos aspectos abordados aqui, poder-se-ia le vantar vá rios
outros conside rando a im portâ ncia de sta instituição, a com ple xida de e
riqueza dos processos sociais e psicológicos que nela se processam e,
principalm ente, o fato de as fam ílias apre sentare m m uitas se m elhanças e
tam bém m uita s, m uitas diferenças em sua dinâm ica interna.

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1. NOS EUA, MUDA AS REGRAS DO CASAMENTO
(...) Casamento — C asar-se costum a va ser um dos re quisitos
pré vios para as m ais im portantes decisõe s da vida: praticar o se xo, vive r
juntos e ter filhos. H oje é com um ver ca sais não-casados que decide m
m orar juntos, escolher louças de porcela na, com pra r um cachorro — e
até m esm o ge rar um filho — sem se pre ocupar com form alida des legais.
As regras do nam oro e da união se xual estã o constante m ente
m udando à m edida que o século vai che gando ao fim e até 20 25, quando
os filhos do m ilênio com eçarem a a ssentar a ca beça, a venerá vel
instituição do m atrim ônio poderá ser m ais flexível e m enos obrigatória do
que nunca.
E m bora os norte-a m ericanos em sua esm aga dora m aioria ainda
prefiram casar-se do que ficar solteiros, a coabitaçã o está a um enta ndo:
m ais de 4 m ilhões de casais heterosse xuais m ora m agora juntos, qua ndo
em 19 78 esse núm e ro era de cerca de 2 m ilhões. N aturalm e nte, ainda é
m uito fácil obter o divórcio, a pesar de um m ovim ento cre scente para
torná-lo m ais difícil. C om o conseqüê ncia , os sociólogos estim am a gora
que a porcenta ge m de norte-am ericanos que nunca se casa m irá
crescer, de 5 % para cerca de 10% da populaçã o, nos próxim os anos.
Carreira profissional — As forças sociais por trás destas
m udanças são profundas e durarão be m além do ano 20 00. A m ais
evidente é o advento de oportunidades m ais am pla s de carreira para a s
m ulhere s. N a déca da de 1950, disse Andre w C herlin, da U niversidade
Johns H opkins, “todo ganhador do pão precisa va de um a dona-de-casa
— ele s se ntiam que precisa vam um do outro e isso m antinha a união na
m aioria dos casam e ntos. H oje é m ais fá cil para ca da um dos cônjuges ir
em bora, se nã o se sentir feliz. N ão quer dizer que o casa m ento não seja
levado a sério hoje e m dia, m as é considerado m enos nece ssário”.
A coabitação está a um enta ndo porque os tabus sociais contra o
concubinato se enfraquece ram . M as a coabitação pode ser tam bém um
degrau para o casam ento e um a tentativa para reduzir o risco de
fracasso conjugai por m eio da construção do relacionam ento ante s do
com prom isso form al.
T odos os especialistas concordam que o casam ento sobre vive rá
— e a m elhor prova disso pode ser o fa to de que os norte-am erica nos
estão se ca sando com m uita fre qüência. E nquanto isso, estã o
aum entando a s provas de que o ca sam e nto significa “algo m ais” para a
m aioria das pessoa s. As pessoas casadas são geralm ente m ais felizes,
m ais sa udá veis e vive m m a is te m po, dizem os pesquisa dores S te ven
S tack e J. R oss E shlem an.
Companhia — A coabitaçã o está bem distante, em segundo lugar,
na criaçã o de um a sensaçã o de bem -estar. S e gundo o sociólogo da
U niversidade de W isconsin, Larry Bum pa ss, em m édia o rela cionam ento
entre casais que m oram juntos se m se casarem dura apenas cerca [pg.
257] de 18 m e ses. Isso significa que por volta de três quartos de todos
os filhos nascidos de casais não-casados que m oram juntos ve rão seus
pais se separare m , disse Bum pass, que se preocupa com as
“im plicações para as crianças dessa s relações fa m iliare s cada vez m ais
instá veis”.
E stas conclusões poderão le var a um novo destaque da eficácia do
m atrim ônio no novo m ilênio — um passo im porta nte para os a dultos, m as
especia lm ente para as crianças. (Newsweek)
O Estado de S. Paulo, 27 de dezem bro de 1998.

2. FAMÍLIA
Arnaldo Antunes e T ony Bellotto
F am ília, fam ília ,
P apai, m am ã e, titia,
F am ília, fam ília ,
Alm oça junto todo dia,
N unca perde essa m ania.
M as quando a filha quer fugir de casa
P recisa descolar um ganha-pão
F ilha de fam ília se não casa
P apai, m am ã e, nã o dão ne nhum tostã o.
F am ília ê
F am ília A
F am ília.

F am ília, fam ília .


V ovô vovó sobrinha.
F am ília, fam ília .
Janta junto todo dia,
N unca perde essa m ania.
M as quando o ne nê fica doe nte
P rocura um a farm ácia de plantão
O choro do nenê é e stridente
Assim não dá pra ve r tele visão.
F am ília ê
F am ília ê
F am ília.

F am ília, fam ília ,


C achorro, gato, galinha.
F am ília, fam ília ,
V ive junto todo dia ,
N unca perde essa m ania.
A m ãe m orre de m e do de ba rata
O pai vive com m edo de ladrão
Jogara m inseticida pela casa
Botaram um cadea do no portão.
F am ília ê
F am ília ê
F am ília.
T itãs. Acústico. W E A M usic Brasil, 1 997. [pg. 258]

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1. Atualm ente, com o se ca racteriza o m odelo tradicional de fam ília e a s
diferentes form as de estrutura fam iliar?
2. D o ponto de vista histórico, quais são a s diferentes form as de estrutura
e organizaçã o fam iliar?
3. C aracterize a fam ília m onogâm ica.
4. C om o o conte xto socioeconôm ico e cultural produz efeitos sobre a
fam ília?
5. Q uais as funçõe s da fam ília?
6. Q uais instituiçõe s cum prem ou com partilha m a função da fam ília ?
C om o isso ocorre?
7. E xplique a conceituação de fa m ília de Jacque s Lacan.
8. C om o se caracteriza a relação entre irm ãos e qual a sua im portância?
9. C aracterize vínculo e e xplique sua im portância na fam ília.
10. A fam ília é sem pre um lugar de prote ção e cuidado? Q uais avanços o
E statuto da C riança e do Adolescente ga rante nesta á rea?

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1. C om o o grupo se posiciona dia nte das idéias e dos conteúdos
aprese ntados no te xto com plem entar?
2. V ocês “reconhecem ” a sua fa m ília na letra da m úsica “F am ília”, dos
T itãs? E m quais aspectos?
3. A posição dos autores, colocada no te xto, defe nde que o ser hum ano,
em seus prim eiros a nos de vida , ne cessita pertencer a um grupo que
cum pra as funções da fam ília , o que lhe garantirá sua sobrevivência
física e psíquica. P ortanto, na ausê ncia da fa m ília biológica , de verá
pertencer a um grupo que cum pra a função substitutiva . V ocês
concordam com isso? Argum ente m .
4. F açam um a pe squisa bibliográfica ou de coleta de da dos (entre vistas)
sobre adoção — um tem a rele vante cujo eixo central é a questão da
fam ília. A partir dos dados coletados, de batam o assunto enfatizando
os m itos sobre adoção.
H á um e xcelente vídeo da T V C ultura (S ão P a ulo, F undaçã o P adre
Anchieta) sobre esse tem a, intitula do “O s filhos do cora ção”. [pg. 259]

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Para o aluno
S obre o tem a fa m ília, indica m os, em prim eiro lugar, o livro de
D anda P rado, O que é família (S ã o P a ulo, Brasiliense, 198 3).
H á um clássico que, apesar da dificuldade de leitura , poderia se r
lido pelo aluno. T rata-se da obra de F riedrich E ngels, A origem da
família, da propriedade privada e do Estado (R io de Janeiro,
C ivilização Bra sileira, 1975).
Bons livros para se com preender a fam ília nã o pre cisa m ser
teóricos, e os rom ances ensinam m uitas coisas sobre a s relações
fam iliare s, com o As irmãs inimigas, de G e orges S im enon (R io de
Janeiro, N ova F ronteira, 19 84), e as pe ças teatrais de E dward Albee,
Quem tem medo de Virgínia Woolf? (S ão P a ulo, Abril, 1 977), e de
E ugene O ’N e il, Longa jornada noite adentro (S ão P a ulo, Abril, 197 7).

Para o professor
D entro do tem a fam ília, sugerim os para o professor o te xto de José
R oberto T ozoni R eis, “Família, emoção e ideologia”, incluído no livro
Psicologia social: o homem em movimento (S ão P aulo, Brasiliense,
1984), de S . T . M . Lane e W . C odo; Os complexos familiares (R io de
Janeiro, Z ahar, 19 8 7), de Jacques Lacan; La muerte de Ia família
(Buenos Aires, P aidos, 1974), de D a vid C ooper, e A política da família
(Lisboa, P ortugália; S ão P a ulo, M artins F ontes, 1 973), de R . D . Laing.
H á ainda um a e xcelente coletânea de te xtos organizada por
M assim o C a ne vacci no Iivro Dialética da família — gênese, estrutura e
dinâmica de uma instituição repressiva (S ão P aulo, Brasiliense,
1981).
O Iivro Família brasileira — a base de tudo (U N IC E F /C ortez,
1997), organiza do por S ilvio M anovc Kaloustian, a prese nta capítulos que,
dependendo da a valiação do professor, podem ser usados com o leitura
com ple m entar para os alunos.


Kramer X Kramer. D ireção R obert Benton (E U A, 1 979) – É
interessante para de bater os pa péis sociais na fam ília.
Pai patrão. D ire ção P aolo e V ittorio T a viani (Itália, 197 7) – M ostra
o conflito de um jove m com seu pai conservador.
Anos dourados. D ireção R oberto T alm a (Brasil, 198 6) – E xce lente
seriado brasileiro, que perm ite o debate sobre os conflitos de jovens com
suas fa m ílias.
Festa de família. D ireção T hom as V interberg (D inam arca, 19 98) –
R etrato de conflitos fam iliare s, os qua is são re velados e m um a festa de
fam ília. [pg. 260]
C AP ÍT U LO 1 8

A escola

A escola apresenta -se, hoje, com o um a das m ais im portante s


instituições sociais por fa zer, assim com o outras, a m edia ção e ntre o
indivíduo e a socie dade. Ao transm itir a cultura e, com ela, m odelos
sociais de com porta m ento e valore s m orais, a e scola perm ite que a
criança “hum anize-se”, cultive-se, socialize-se ou, num a pala vra, eduque-
se. A criança, e ntão, vai deixando de im itar os comportam entos adultos
para, aos poucos, a propriar-se dos m odelos e va lores tra nsm itidos pela
escola, aum entando, assim , sua autonom ia e seu pertencim ento a o
grupo social.
S em a intenção de aprofundarm os o de senvolvim ento da e scola
em nossa socie dade, valeria a pena introduzirm os alguns ele m entos
desta história, pois a escola não e xistiu sem pre: ela é um a criação social
do hom em .
E ducar já significou, e talvez signifique ainda, em algum as re giões
do T erceiro M undo, apenas viver a vida cotidiana do grupo social a o qual
se pertence. Assim , acom panha va-se os adultos em sua s atividade s e,
com o pa ssar do tem po, a prendia-se a “fazer igual”. P la ntar, caçar,
localizar água, entender os sinais do tem po, escutar história s e participar
de rituais eram atividades do grupo adulto, as quais iam se ndo
acom pa nhadas pe la s crianças que, aos poucos, adquiriam instrum entos
de trabalho e interioriza vam va lores m orais e com portam entos
socialm e nte de sejados. N ão ha via um a instituiçã o espe cializada nessa s
tarefas. O m eio social, em seu conjunto, era o conte xto educa tivo. T odos
os adultos ensina vam a partir da e xperiência pessoa l. Aprendia-se
fazendo.
A partir da Idade M édia a e ducação tornou-se produto da e scola.
P essoa s espe cializa ram -se na tarefa de transm itir o sabe r, e espaços
específicos passara m a ser rese rvados para essa a tivida de. P oucos iam
à escola , que e ra destinada às elites. S erviu a os nobres e, depois, à
burgue sia. A cultura da aristocracia e os conhecim entos religiosos era m
o m aterial básico a ser transm itido. [pg. 261]
E nfim , as
atividades
desem penha das pelos
grupos dom inantes na
socie dade passa va m a
ser, cuidadosam ente,
ensina das e isso fe z da A industrialização favoreceu a universalização da escola, que
escola ora lugar de até então era privilégio da aristocracia e da igreja.

aprendizado da guerra,
ora das atividades cavalheirescas, ora do sa ber intelectual hum anístico
ou religioso. A escola desenvolvia-se com o um a instituição social
especia lizada, que atendia a os filhos das fam ílias de poder na socieda de.
C om as re voluçõe s do século 1 9, a escola passou por
transform açõe s, sendo a principal delas a tendência à universalização,
ou seja , ela de veria atender a todas a s crianças da socie dade (pelo
m enos e m tese). O que perm itiu tais tra nsform a ções? P or que a escola
precisou m udar?
O desenvolvim e nto da industrializaçã o foi, sem dúvida , o fator
decisivo das grandes m udanças ocorridas nos séculos 1 9 e 20. A
industrializaçã o deslocou o loca l do tra balho da casa para a fábrica,
transform ando, com isso, os espaços das casas e das cida des. N a casa ,
os lugares tornaram -se privativos, isto é, cada um conquistou seu espaço
individual, com o quartos, suítes, escritórios de estudo; na cida de, a
organização urba na ada ptou-se à existência das fá bricas e à
necessidade de os trabalhadores desloca rem -se de suas residência s
para os locais de trabalho. Assim , construíram -se vias públicas para os
transportes coletivos levarem os trabalhadores de um lugar a outro da
cidade. O trabalho ingressou na esfera pública, deixa ndo de ocupar os
espaços da casa.
O utra conseqüência desta m udança ocorreu na fam ília, que nã o
podia m ais, sozinha, preparar seus filhos para o trabalho e para a vida
social. E ra preciso e ntregar essa função a um a instituição que soubesse
educar, não m ais para a vida priva da, do círculo fam iliar e do trabalho
caseiro, m as para o traba lho que se encontra va no â m bito da vida
pública, cujas regras, leis e rotinas iam além dos conhecim e ntos
adquiridos pela fa m ília. A e scola torna va-se , assim, esta instituiçã o
especia lizada.
Além disso, a R e volução Industria l sofisticou o trabalho com a
im plantação das m á quinas, e xigindo do
trabalhador o aprendiza do da
tecnologia. E sta sofisticação do
trabalho le vou nova s funções para a
escola, com o a de preparar o indivíduo
para o tra balho, ensinando-lhe o
m anuse io de té cnicas até então
desconhecidas, ou a [pg. 262] de
fornecer-lhe os conhecim entos básicos
da língua e do cálculo. A escola ganhou
im portância e am pliou suas funções.
A luta pela dem ocratizaçã o da
escola em pree ndida pelas classes
trabalhadora s, até e ntão alijadas desta A industrialização levou à sofisticação
tecnológica, exigindo um aprendizado
instituição, foi outro fator gerador de cada vez mais especializado.
m udanças. As classes traba lhadoras, conform e foram se fortalecendo e
se organiza ndo, passaram a e xigir o dire ito de ter seus filhos na escola,
isto é, o direito de acesso à cultura e ao conhecim e nto dom inante s. A
escola, pressiona da, “abriu” suas porta s para atende r a outra s cam a das
sociais que não som ente a burguesia e a aristocra cia. A escola
universaliza va -se.
E stes fatores contribuíram para que a escola adquirisse a s
características que possui hoje e m nossa sociedade: um a instituição da
socieda de, trabalhando a serviço desta socieda de e por ela sustenta da a
fim de responder a necessidade s sociais e, para isso, a escola pre cisa
exercer funçõe s especializa das. A e scola cum pre , porta nto, o papel de
prepara r as criança s para viverem no m undo adulto. E las aprendem a
trabalhar, a assim ila r as re gras sociais, os conhecim entos básicos, os
valores m orais coletivos, os m odelos de com portam e nto considerados
adequados pela socieda de. A escola estabelece, assim , um a m edia çã o
entre a criança (ou jovem ) e a socie dade que é técnica (enquanto
aprendizado das técnicas de base, com o a leitura, a escrita , o cálculo, a s
técnicas corporais e m usicais etc.) e social (enquanto apre ndizado de
valores, de ide ais e m odelos de com portam e nto). Apree nder esse s
elem entos sem pre foi necessário. A escola é a form a m oderna de opera r
essa tra nsm issão.
Até aqui parece que tudo está perfeito. Q uais sã o os proble m as da
escola?

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S ão m uitos e vam os com entar alguns deles. P ara deixar m ais clara
a nossa apre senta ção, cham a m os a sua atençã o para dois aspectos
presentes nos proble m as da escola: o a specto te órico da educação, que
se refere às conce pções apresentadas nas teorias pe dagógicas, e o
prático, que se refere ao cotidiano da e ducaçã o escolar. O s proble m a s
da escola situam -se nestas dua s e sferas: nas concepções pe dagógicas e
na realidade cotidiana. [pg. 263]
A CLAUSURA ESCOLAR
As teorias pedagógicas, ao conce bere m a escola com o instituição
isolada da sociedade, criaram -lhe um dos seus principais problem a s. A
escola, que de veria fazer a m ediação e ntre o indivíduo e a sociedade ,
tornou-se um a instituição fechada, destinada a prote ger a criança desta
m esm a sociedade — construiu-se, entã o, um a fortaleza da infância e da
juventude. P ara proteger contra o quê? C ontra os perigos que advêm da
socieda de, re sponsa bilizada por todos os m ales e corrupções.
É inte ressa nte registrarm os aqui que a e scola, criada e suste nta da
pela sociedade com a finalida de de pre parar o indivíduo pa ra viver na
socieda de e cujos elem entos são todos advindos do m eio social —
conhecim entos, té cnicas, de safios — , pa ssa a ser pensada, nas te orias
pedagógicas, com o instituição isolada deste m eio, com o se nele não
estivesse im ersa. C riou-se, então, a ilusão de ser possível preparar o
indivíduo para viver o cotidiano da socie dade estando ele de fora deste
cotidiano, em um de svio — o desvio escolar. Assim pensa da , a escola
acaba por ensinar um conhecim ento distante da re alida de social. N esta
concepção, che ga-se, de fato, a ergue r m uros para que a re alidade não
entre na escola ; cria m -se regras diferentes das vigentes na socieda de,
enfim , substitui-se a realida de social pela realidade escolar.
E nclausuram -se as crianças e os jovens e m nom e da e ducaçã o.
A clausura escolar é ilusória, pois a re alidade socia l entra pela
porta dos fundos, inva de as salas de aula, podendo ser encontrada nos
livros, nos va lores ensina dos e nas a tividade s de senvolvidas. M as,
apesar de ilusória, e sta clausura determ ina o distancia m ento da escola
do cotidia no vivido pelos seus integra ntes. Assim , os conteúdos são
ensina dos com o se nada tivesse que ve r com a realida de socia l; as
regras são tom adas com o a bsolutas e na turais; a autorida de na escola é
inquestioná vel; a vida de cada um fica (m esm o que ilusoriam ente) do
lado de fora da escola. O s uniform es igualam a todos; a s notas de
aproveitam ento são tom adas com o re sultante s ape nas do trabalho
realizado na e scola e pela escola; o esforço pessoal torna-se fator
decisivo do sucesso ou do fracasso escolar. Aliás, o fracasso é e xplicado
basicam ente pela fa lta de em penho e esforço do aluno. N o m á xim o,
chega-se a responsabilizar os pais pelo insucesso do filho. N unca a
escola !, que sai ile sa destas a valia ções.
T alvez você esteja se perguntando: por que este distancia m ento
da escola em relaçã o à realidade social é visto como um proble m a? P or
dois m otivos. P rim eiro: porque este distanciam ento não é verdadeiro. A
escola reproduz os valores sociais, os m odelos de com portam ento, os
ideais da socieda de ; ensina o conteúdo que está se ndo aplicado na
produção da riqueza e da sobre vivência do [pg. 264] grupo social.
Q uando ensina este s conteúdos se m e xplicar que integram nossa vida
cotidiana, a escola dificulta o surgim ento dos questionam entos, ou seja ,
universaliza este saber, im pedindo que outros saberes possam ser
tam bém veiculados e valorizados — é com o se só e xistissem esses
saberes. S egundo: a escola, ao escolher este distancia m ento, opta
tam bém por um m odelo de hom em a educar — um hom em passivo
perante o seu m eio social, pois não sabe aplicar os conhecim entos
aprendidos na escola para m elhor ente nder o seu m undo e nele atuar de
form a m ais eficiente .
A escola nã o de ve ser pensada com o fortaleza da infância, com o
instituição que e nclausura se us alunos para m elhor pre pará-los. É
preciso articular a vida escolar com a vida cotidiana; articular o
conhecim ento escola r com os acontecim e ntos do dia-a-dia da socieda de.

O SABER É O INSTRUMENTO BÁSICO NA ESCOLA.


PARA QUÊ?
O utro problem a da escola é a form a com o concebe e lida com o
saber — seu instrum ento básico no trabalho de dese nvolver os
indivíduos. N o e ntanto, algo que parece tão sim ples — tra nsm itir o saber
acum ulado — pode se tornar fonte de variados problem as. U m prim eiro
já pode ser le vanta do: com o a escola entende a fina lidade de sua m issão
social? As finalidade s da escola são colocadas, nas teorias pedagógicas
e no cotidiano, com o sendo cultura is: transm itir o conhecim ento
acum ulado pela hum anidade para que as pessoa s possam se
aperfeiçoar e cum prir funções sociais im portantes. Assim , para as teorias
pedagógicas, o lugar social que o indivíduo ocupará na sociedade
depende do grau de cultura que adquirir. A escola a testa o sa ber atra vés
de diplom a s, que se torna m passaportes para a vida social. O gra u de
cultura que o diplom a atesta é tom a do com o a possibilidade de o
indivíduo diplom ado ocupar lugares na socieda de. H á m entiras no
discurso sobre a escola e esta é um a delas. Assim , um m édico e um
advoga do ocupam e stes lugares porque, por esforço próprio, adquirira m
o gra u de cultura ne cessário pa ra o e xercício dessa s funçõe s. C ontudo,
não é m enos e vide nte que o grau de cultura a dquirido pelo indivíduo
decorre do lugar social ocupa do por sua fam ília, ou seja, e ste lugar social
da fam ília define o grau de cultura que se u m em bro pode rá obter. Assim ,
o garoto da fa vela dificilm ente se rá advogado. M esm o que este garoto se
esforce para obter um m aior grau de cultura, dificilm ente alcançará seu
objetivo. E le terá de superar inúm eras dificulda des, com o m anter-se na
escola, entende ndo sua lingua gem e sua dinâm ica; arcar com todos os
gastos que ela aca rreta — condução, uniform e ou roupa adequada,
m aterial, atividade s externa s [pg. 265] etc. P or outro lado, o garoto da
fam ília rica ou de classe m édia , m e sm o que de cida não freqüentar a
escola, dificilm ente perderá seu pa drão de vida e seu lugar social. Assim ,
se de cidir ser m otorista de ca m inhão, logo poderá se tornar um
em presário do transporte.
U m outro problem a tam bém está relacionado cora a dificulda de
dem onstrada pela escola de lidar com o saber, pois, ou ensina as
respostas a os a lunos sem que eles tenham feito as perguntas, ou
estim ula as perguntas e m e nospreza a im portância de se obter
respostas. As escola s m ais tradicionais, por e xem plo, não acreditam que
seus alunos possam ter assuntos interessantes para contar ou pergunta s
estim ula doras para fazer. Assim , coloca m -nos quietos, olha ndo pa ra o
professor que, sobre um ta blado, ensina o conhecim ento nece ssário.
M as, para que serve este conhecim ento? E sta é a pergunta que fica. N as
escolas m ais renovadas, o problem a
aparece de form a invertida . D iversos
recursos são utilizados para estim ular
o aluno a fazer pe rguntas sobre os
m ais variados assuntos. O im portante
é perguntar. M uitas ve zes, no enta nto,
as criança s acaba m não tendo as
respostas adequa das para as suas
perguntas, e o ato de pergunta r vai se
esvazia ndo lentam ente, até pe rder
todo o seu sentido.
S aber é perguntar. S aber é
conhecer respostas. A escola precisa
A escola deve ensinar e estimular os alunos
não só a perguntar, mas a valorizar a
articular a de quada m ente estas duas
resposta. atividades.

A ESCOLA COMO MEIO QUE PREPARA PARA A VIDA


N as teorias pedagógicas e no cotidiano escolar, a escola ta m bé m
é definida com o um m eio que pre para pa ra a vida. M as com o pode fazer
isso se ndo um m eio fechado, que volta as costas para a realida de
social? A escola tem se orga nizado a partir, apenas e funda m e ntalm ente,
da noção de cultura. Acre dita que “cultivando” o indivíduo, isto é,
ensina ndo-lhe a cultura acum ula da pela hum anidade, conse guirá
desenvolver o que nele há de m elhor. V e ja bem , a e scola pre ssupõe que
há um indivíduo a ser dese nvolvido de ntro de ca da um de nós que, por
natureza, é bom . O u seja, tra zem os um a sem entinha dentro de nós que
desabrochará no contato com a cultura e nos tornará bons cidadãos. P or
isso as escolas para a infância se cham a vam [pg. 266] “jardim -de-
infância ”. P repara -se o indivíduo no que ele te m de bom para, após um
certo tem po, entre gá -lo à sociedade a fim de transform á-la na direção do
que é naturalm e nte bom nos hom ens. E um a leitura possíve l, não resta
dúvida. M as é preciso cuidado com ta l concepção, pois se perm ite
pensar a escola com o um a instituição que isola os indivíduos para
protegê -los, perm ite tam bém pe nsá-la de outra form a, ou seja,
apropriando-se deste discurso de proteção para criar indivíduos à
im agem e sem elha nça dos valore s sociais dom inantes.
N a verdade, a escola, com o instituiçã o social, estabelece um
vínculo am bíguo com a sociedade. É pa rte dela e, por isso, trabalha para
ela, form a ndo os indivíduos necessários à sua m anutenção. N o entanto,
é tarefa da escola ze lar pelo desenvolvim ento da socieda de e, para isso,
precisa criar indivíduos capaze s de produzir riqueza s, de criar, inventar,
inovar, transform ar. D iante desse de safio, a e scola não pode ficar presa
ao passa do, ao antigo, à tradição. E sta brecha abre a possibilidade para
o surgim ento de um a escola crítica e inovadora. E preciso ter clare za
desta am bigüidade da escola no trabalho e ducacional, pois esta
am bigüidade ao m e sm o te m po nos coloca a necessidade de estarm os
presos à realidade social e de serm os críticos e inova dore s. E sta é a
brecha da escola tra nsform a dora. A escola, com o dissem os no início, fa z
a m ediaçã o entre o indivíduo e a socieda de. C onhe cer a sociedade, se us
m odelos e seus valores é sua tarefa. Aprender os m odelos com o sociais
(e não com o naturais), que responde m às ne cessidades do m om ento
histórico, que variam no tem po e nos grupos sociais, é tarefa da escola
que se pre tende crítica. A vida escolar deve estar articulada com a
vida social.
O utros problem a s
ainda e xistem :
• A e scola surgiu para
responder a
necessidade s socia is de
preparo do indivíduo para
a vida pública. A fam ília
ficou apenas com a
A alfabetização capacita o indivíduo a integrar-se ao mundo
form açã o m oral de seus social.
filhos. H oje , a escola ocupa gra nde pa rte da vida de seus alunos.
E nsina técnicas, valores e ideais, ou seja, vem cada vez m ais
substituindo as fa m ílias na orientação pa ra a vida se xual, profissional,
enfim , para a vida com o um todo. A escola está preparada para essa
tarefa? O s professores dispõe m de m étodos e técnicas adequadas para
cum prir tal função? [pg. 267]
• C ada vez m ais aum enta a pressão pa ra a alfabetizaçã o precoce. As
crianças entra m no 1º ano do e nsino fundam ental sabe ndo ler e
escre ver. O que e xigiu essa a ntecipaçã o? E as crianças que não fre-
qüentaram as pré-e scolas? O s efeitos individuais e sociais da alfa-
betização pre coce ainda sã o desconhecidos.
É preciso com preender m elhor o fenôm eno que está m uda ndo a
escola para que possam os rea lizar o trabalho escolar conscientes das
novas tarefas que nos são colocadas.
• O utro conjunto de problem as refe re-se à conce pção de aluno. C om o o
professor o vê e o concebe? C om o as fam ílias e os alunos vê em e
concebem o professor? A form a de significar é im portante para
entenderm os a rela ção que se estabelece entre profe ssores e alunos.
— Alunos pode m se r vistos com o re ceptáculos, onde o conhecim ento
de ve se r deposita do.
— P rofessores pode m ser vistos com o a dultos autoritários que im põem
atividades e conte údos sem im portância ou valor.
E stas duas visões dificultam a relaçã o entre professores e alunos.
C onfrontos, violê ncia , abusos de autorida de, atos delinqüente s são fatos
que surgem no cená rio da escola, lugar designado pela sociedade com o
de preparo para a vida social.
O vínculo professor-aluno é o suste ntá culo da vida escola r. T al
vínculo de ve se estabelecer de form a a viabilizar todo o trabalho de
ensino-aprendizage m . P recisam os ter professores preparados, que
estabeleçam um a parceria com seus alunos, a qual pe rm ita o diálogo
com o conhecim ento.
M uitas ve zes o aluno é visto com o alguém que tem pouco a
contribuir no processo educacional, de ve ndo acom panhar, e m silêncio e
atento, o que o professor e nsina. C om o a geração da M T V (Music
Television) e da R á dio T ransam érica (cuja program a ção está voltada
para a dance music) poderá ficar tão para da por ta nto tem po? U m m undo
de silêncio e im obilidade tem caracterizado a escola.
• N ada que se refira às brincadeiras e ao lazer tem lugar na sa la de aula.
A seriedade deste e spaço opõe-se ao brinquedo, à brincadeira, ao riso,
ao lúdico. A escola ve m se tornando um lugar “carrancudo”, e ela não
precisa ser a ssim . P ode dese nvolver seu trabalho, com autoridade, e m
um am bie nte descontraído e ale gre. D e ve haver um a possibilidade de o
aluno ser feliz na e scola !
• A realidade dos jornais não é apre senta da na escola, pois pressupõe-se
que tal realidade nã o tem nada que ve r com o que se está a prende ndo
na sala de a ula. É preciso injetar realidade na escola. [pg. 268] É
preciso falar da vida cotidia na, pois o conhecim ento aprendido de ve
am pliar o conhecim ento que tem os do m undo e, conse qüe ntem ente,
contribuir para torná-lo um lugar ca da vez m elhor para se vive r.
• As regras m orais são
rigidam e nte cobradas. Ao
aluno cabe escutar,
obedecer, a creditar e
subm eter-se. Ao professor
cabe saber, ordenar, decidir,
punir. Am bos estão
predestinados a papéis
rigorosa m ente definidos.
A escola deve estar atrelada à vida.
S ançõe s estã o pre vista s
para os deslizes. As regras não podem ser ensinada s com o ve rdade s
absolutas. E la s precisam ser ensina das com o “acordos sociais” para
m elhorar nossas relações. E sta é a única funçã o das re gra s sociais.
M as se elas tornam -se instrum e ntos de tortura e fonte de conflitos, há
que se perguntar se algo nã o está erra do.
• A escola tem sido um a continuidade da vida das crianças das cla sses
m édia e alta de nossa sociedade. E las via jam , vão a m use us,
conhecem outros países, outras línguas, têm um a riqueza de
inform ações e estim ulações que pode se r trabalhada e aprofundada na
escola. N o enta nto, para as cria nças e os jovens que têm o m undo do
trabalho com o se u e spaço cotidiano, a e scola é um a quebra. As rotina s
escolares, as ativida des e os conteúdos aprese ntados estão distante s
de sua s vida s e não há com o ver na e scola qualquer utilida de para se u
desenvolvim e nto. Apenas o discurso da socie dade e a e xigência do
diplom a na hora de obter um em prego m e lhor lhes dão a certeza de
que é preciso insistir. A m aior parte de nossas crianças pobres sã o
“e vadidas” da escola. U m a se qüência de tensões, dificuldades,
fracassos, desinteresses dos profe ssores, de sencoraja m ento e
reprova ção afastam -nas da escola — um m undo que fala de coisa s
estranhas, e m linguagem e stranha, com andado por adultos estranhos.
É preciso faze r a escola para os alunos e não o inverso.
• As crianças não chegam às escola s e m pé de igualdade, pois tive ram
experiê ncias de vida m uito difere ntes. O s program a s universa is, cora o
discurso da busca da igualdade , cola boram para a m a nutenção das
desigualdades. O s progra m as e scolares não le va m em conta a s
diferenças sociais. E xigem os m esm os produtos, a va liam da m e sm a
form a, ensinam da m esm a m a neira a crianças que têm vidas m uito
diferentes. Ignorar a s diferenças é traba lhar para a profundá -las. [pg.
269]
M as se a escola é tã o ruim assim , por que m antê-la ? N os anos 60,
autores com o Iva n Illich, Bourdieu e P asseron pre garam o fim da escola.
Alega vam ser tal instituição um apa relho ideológico do E stado com a
finalida de de reproduzir a m ão-de-obra subm issa e a ideologia
dom ina nte. H oje, há argum e ntos convincentes para m anterm os a
credibilidade da escola e enveredarm os e sforços para transform á-la.
A escola constitui um im portante loca l de troca, de obtenção de
inform ação e de aprendizado da inve stigação. É na escola que
form ula m os gra nde parte da s respostas e das pergunta s necessárias à
com pre ensão de nossas vidas, de nossa socieda de e de nosso cotidiano;
é o espaço no qual podem os adquirir a idéia do tem po histórico e da
transform ação que a hum a nidade produziu. N a escola pode m os
aprender que nem todas as pe ssoas pensam e agem da m esm a form a e
que e ssa diferença no m odo de pensar e a gir de ve ser valorizada por
todos nós. M uito do aprendizado para o traba lho acontece no am biente
escolar. A escola precisa ser transform a da e a busca por tal
transform ação constitui um desafio que não pode ser confundido com a
defesa do fim desta instituiçã o.
P odem os retom ar a quela am bigüidade já citada e usá-la com o
prim eiro argum e nto de defesa da e scola : as contradições apresentada s
pela escola criam brechas para o traba lho crítico.
V alores básicos na socie dade capitalista, com o liberda de indivi-
dual, a utonom ia, criatividade e capacida de de tom ar decisões, e xigirão
da escola um a abertura em seu conserva dorism o e autoritarism o.
S egundo argum ento: entendem os a e scola com o um a das vá rias
instituições e xistentes na sociedade. P ortanto, ela não pode ser con-
siderada a única responsá vel pela criaçã o da m ão-de-obra subm issa e
pela reprodução dos valores dom ina ntes. A escola participa deste jogo
social, m as a s transform ações sociais ocorrem de form a m ais am pla,
abrangendo outras instituições sociais, com o a fa m ília, os m eios de
com unicação de m a ssa, o C ongresso N acional e as leis. O s educa dores
progressistas reivindicam para a e scola o direito de participa r deste jogo
social e contribuir para a transform ação da socie dade . N ão será
extinguindo a escola que tais anse ios serão alca nçados.
T erceiro e últim o argum ento: necessita m os da escola que , com o já
dissem os, faz a m e diação entre as cria nças e os m odelos sociais. A
escola pode e de ve ensiná-los de m a neira crítica. D e ve ensinar à s
crianças a historicidade dos m odelos e com o ele s foram se m odifica ndo
no tem po, conform e os hom e ns fora m transform ando suas form as de
vida e suas necessidades. A sim ples im ersão da criança e do jovem no
m eio social não lhe s gara ntirá um apre ndizado crítico dos m ode los. A
escola, nesta perspe ctiva, torna-se fa tor de m uda nça, de m ovim ento, de
transform ação. E la pode e de ve assum ir este pa pel. [pg. 270]
C om o você pôde perceber, se por um lado a escola apre senta
problem as — não são poucos! — , por outro não faltam propostas para
solucioná-los. E spe ram os tê-lo convencido do im portante pa pel
desem penha do por esta instituiçã o em nossa socieda de. Agora,
deixam os para você e para o seu profe ssor o de safio de e ncontrar um
jeito m ais gostoso, m ais lúdico, m otiva dor, interessante e socialm e nte
necessário de “fazer escola”. S abe m os que não é fácil, senão teríam os
colocado aqui todas as receitas. M as tam bém sabe m os que o difícil não
é im possível. P ara você não dizer que lhe deixam os a parte difícil,
colocam os, com o e stím ulo para o debate, algum a s considera ções:
• A escola precisa se r articula da com a vida.
• O conhecim ento acum ulado pela hum a nidade não é intocá vel, ou seja ,
de ve esta r sem pre se renova ndo e se reconstruindo. Afinal, fazem os
parte da hum a nida de que produz conhecim e nto, o qual de ve ser
aprendido com o resposta a perguntas feitas pelos hom ens no m om ento
em que o produzia m . Q ue perguntas os hom ens já se fizera m ? A que
perguntas os conhecim entos que esta m os aprendendo hoje
respondem ?
• Q uais sã o as principais regras que conduzem nossos com portam entos?
Q ue m odelos nossa sociedade valoriza e nos e nsina ? P or que tais
m odelos e regras? É im portante perceber as regras com o form as que
os hom e ns encontraram de m elhora r a convivência . E las são
necessárias, o que não nos im pede de com pree nder a que
necessidade s sociais procuram atender.
• Alunos e profe ssores de vem ser parceiros no diálogo com o
conhecim ento. P recisam os ver o tra balho escolar com o um diálogo com
o conhecim ento já a cum ula do. D ialogar é perguntar, ousar respostas,
tentar com preender por que algo é assim e não de outro m odo. É
preciso dialogar com o conhecim ento m e diado pelo professor, que de ve
ser visto com o parce iro no processo educacional.
• E scola para quê? É im portante trabalhar esta pergunta. N ã o é pre ciso
encontrar um a re sposta, m as “ensaiar” e ncontrá-la. O m esm o
procedim ento de ve ser adotado a cada conteúdo introduzido. P ara que
este conhe cim ento? D e ve-se ressaltar aqui que nem todos os
conhecim entos têm aplicação im edia ta. S ão úteis porque de senvolvem
a possibilidade da refle xão e aum enta m nossa com pre ensã o sobre a
realidade que nos ce rca.
• N ossa últim a consideraçã o: a realidade que nos cerca, esta sim , é a
finalida de da e scola . T odo o trabalho desta instituição social está e
de ve estar voltado para a rea lidade, da qual buscamos m elhorar nossa
com pre ensão para transform á-la perm anentem ente. Os hom ens
criaram a escola com essa finalidade, aperfeiçoara m-na para isso e
sucatea ram -na para im pedir a com pre ensão e a transform a ção da
realidade. C a be retom ar a finalida de prim eira da escola. [pg. 271]


1. NINGUÉM NASCE FEITO: É EXPERIMENTANDO-NOS
NO MUNDO QUE NÓS NOS FAZEMOS

N ingué m nasce feito. V am os nos faze ndo aos poucos, na prática


social de que tom a m os parte .
N ão nasci professor ou m arca do para sê-lo, em bora m inha infância
e adolescê ncia tenham estado sem pre cheias de “sonhos” e m que rara
ve z m e vi encarnando figura que não fosse a de professor.
“Brinquei” tanto de professor na adolescência que, ao dar as
prim eiras aulas no curso então cham a do de “a dm issã o” no C olé gio
O svaldo C ruz do R ecife, nos anos 40, não m e era fácil distinguir o
professor do im aginário do professor do m undo real. E era feliz em
am bos os m undos. F eliz quando puram ente sonha va dando aula e feliz
quando, de fato, ensina va.
E u tinha, na verdade , desde m enino, um certo gosto docente, que
jam ais se desfe z e m m im . U m gosto de ensina r e de a pre nder que m e
em purra va à prática de ensinar que, por sua vez, veio dando form a e
sentido àquele gosto. U m as dúvidas, um as inquietações, um a certeza de
que as coisas estão sem pre se fazendo e se refaze ndo e, e m lugar de
inseguro, m e sentia firm e na com preensão que, em m im , cre scia de que
a gente não é, de que a gente está sendo.
Às vezes, ou quase sem pre, lam enta velm ente, quando pensam os
ou nos perguntam os sobre a nossa trajetória profissional, o centro
exclusivo da s refe rências está nos cursos realizados, na form a ção
acadêm ica e na e xperiência vivida na área da profissã o. F ica de fora
com o algo sem im portância a nossa pre sença no m undo. É com o se a
atividade profissional dos hom ens e das m ulhere s nã o tivesse nada que
ve r com suas e xperiências de m enino, de jovem , com seus desejos, com
seus sonhos, com seu be m -querer a o m undo ou com seu desam or à
vida. C om sua alegria ou com seu m al-estar na passagem dos dias e dos
anos.
N a verda de, não m e é possível se para r o que há em m im de
profissional do que ve nho sendo com o hom em . D o que estive sendo
com o m enino do R e cife, nascido na dé cada de 2 0, e m fa m ília de classe
m édia, acossada pela crise de 29. M enino cedo de safiado pelas
injustiça s sociais com o cedo tom ando-se de ra iva contra preconce itos
raciais e de classe a que juntaria m ais tarde outra raiva, a raiva dos
preconceitos em torno do se xo e da m ulher.
(...)
N ão nasci, porém , marcado para ser um professor assim . V im m e
tornando desta form a no corpo das tram as, na refle xão sobre a ação, na
observa ção atenta a outras prá ticas ou à prática de outros sujeitos, na
leitura persistente, crítica, de te xtos te óricos, nã o im porta se com eles
esta va de a cordo ou não. É im possível ensaiarm os estar sendo deste
m odo sem um a abertura crítica aos difere ntes e às diferenças, com que m
e com que é sem pre prová ve l apre nder.
U m a das condiçõe s necessárias para que nos torne m os um
intelectual que nã o tem e a m udança é a percepção e a aceita ção de que
não há vida na im obilidade. D e que não há progresso na e sta gnação. D e
que, se sou, na verdade, social e politicam ente responsá vel, não posso
m e acom odar às estruturas injustas da socieda de. N ão posso, traindo a
vida, be ndizê -las.
N ingué m nasce feito. V am os nos faze ndo aos poucos na prática
social de que tom a m os parte .
P aulo F reire. Política e Educação.
S ão P a ulo, C ortez, 1 993. p. 79-8 0; 87-8. [pg. 272]

2. A ESCOLA
ONDE SÓ É PERMITIDO O QUE NÃO É PROIBIDO
Babette H arper et alii. Cuidado escola! desigualdade,
domesticação e algumas saídas. S ão P a ulo, Bra siliense, 19 8 4. p. 52 .
[pg. 273]


1. O que significa va a E ducação na Idade M édia ?
2. Q ue m udanças a industrialização trouxe pa ra essa concepção? P or
quê?
3. Q uais os principais proble m as da escola apontados pelo te xto?
4. C om o você com preende a frase: “A clausura e scolar é ilusória, pois a
realidade social entra pela porta dos fundos”?
5. O texto aponta, com o um a das m e ntiras no discurso sobre a escola, a
concepção de que o grau de cultura, ate stado pelo diplom a, expressa
a possibilida de de o indivíduo ocupar lugares na socieda de. P or que
essa afirm açã o é m e ntirosa?
6. A vida escolar de ve estar articulada com a vida social. E ssa é um a das
conclusões centrais no te xto. C om o você a com preende?
7. O te xto identifica ainda outros proble m as e xistentes na e scola. F ale
sobre dois de les.


1. Analisem com o grupo a tira que se aprese nta como te xto
com ple m entar e discuta seu significa do. Q ue crítica está se ndo feita à
escola?
2. F açam um a crítica a sua escola, apontando os principais problem as
que você s encontra m nela. E m seguida, le vantem seus a spectos
positivos.
3. Im aginem a situação: um a nova lei, aprovada pelo C ongre sso
N acional, aboliu as e scolas no Bra sil.
F orm em grupos que le vantem argum entos a fa vor e contrários à Lei.
O s grupos de verão ter tem po para elaborar ta is argum e ntos. E m
seguida, partam para o debate do tipo “pinga-fogo”.
4. Im a ginem outra situação: o M E C declarou que as escolas, a partir de
hoje, são autônom as, isto é, livres para decidir sobre o conteúdo a ser
ensina do e a orga nização das classes e a tividade s.
A direção da escola cham a vocês pa ra a elaboração da proposta
dessa e scola.
• Q ue escola vocês construiriam ?
• Q ue características teria?
• Q ue finalidade vocês atribuiriam a ela ?
• Q ue atividades seriam desenvolvidas?
5. O te xto de P a ulo F reire traz inform ações im portantes sobre a form açã o
de um educador. C onverse com seus colegas e indiquem a s frases do
te xto que m ostram os princípios básicos dessa form ação. [pg. 274]


Para o aluno
U m ótim o livro pa ra estuda ntes é Cuidado escola! Desigualdade,
domesticação e algumas saídas (S ã o P aulo, Bra siliense , 1984), de
Babette H arper e outros, e tam bém o livro de C . R . Brandão, O que é
Educação (S ão P a ulo, Bra siliense, C oleção P rim eiros P a ssos). O livro
de M . G . N . M izukam i, Ensino: as abordagens do processo (S ã o
P aulo, E P U , 198 6), pode ser tam bém m uito interessante porque, a o
apre sentar várias te orias de ensino, de bate a concepçã o de hom em ,
socieda de, E duca çã o e escola em cada um a delas.

Para o professor
Indicam os Escola, Estado e sociedade (S ão P aulo, E dart, 1 978),
de Bárbara F reita g; A reprodução: elementos para uma teoria do
sistema de ensino (R io de Janeiro, F rancisco Alves, 19 75), de P .
Bourdie u e J. C . P asseron, e La escuela capitalista (M éxico, S iglo
V eintiuno, 19 80), de C . Baudelot e R . E stablet. O tem a escola pública X
escola particular te m preocupa do profe ssores e estudantes. V ale conferi-
lo no e xcelente livro de C . R . J. C ury, Escola pública, escola particular
e a democratização de ensino (S ão P a ulo, C ortez e Autore s
Associa dos, 1985). N ão podem os encerrar estas indicaçõe s sem falar na
m ara vilhosa obra de P aulo F reire sobre E ducação — leitura obrigatória
para quem quiser se aprofundar no tem a.


Sociedade dos poetas mortos. D ire ção P eter W eir (E U A, 19 89) –
P erm ite um a boa discussão sobre o sistem a educacional contrapondo
form as a utoritárias e dem ocráticas de e nsino.
Mentes perigosas. D ireção John S m ith (E U A, 19 95) – P ossibilita
um a discussã o sobre o vínculo da escola com a vida. O que a escola
de ve ensinar? O que faz sentido ensinar na escola? S ã o que stõe s
presentes no film e.
Um tira no jardim da infância. D ire ção Iva n R eitm a n (E U A, 1990)
– N ecessitando penetrar em um a escola para protege r um a criança ,
policial se disfarça de professor e aca ba se envolvendo com a classe .
[pg. 275]
C AP ÍT U LO 1 9

Meios de comunicação de massa

O s m eios de com unicação de


m assa ganharam um a im portância
form idá vel nos últim os tem pos. N ão é
por acaso que a lguns cham am a
im prensa de “o qua rto poder”. T rata-se
de um a alusão à im portâ ncia que a
difusão da inform açã o ganhou no m undo
contem porâneo. Uma parte dos
conteúdos difundidos pelos m eios de
com unicação de m a ssa é estudada no
Televisão: influência sobre a cam po das teoria s da com unicação, da
subjetividade.
sem iótica e da P sicologia. N esse
sentido, a P sicologia tem sido m uito utilizada e m função do seu
conhecim ento sobre a subjetividade hum ana. É disso que trata esse
capítulo sobre os m e ios de com unica ção de m assa , conhecidos tam bé m
com o m ídia (te rm o que advém do inglê s mass media e que significa
m eios de m assa ou m eios de com unica ção de m assa).
A P sicologia é utilizada para a análise do m aterial jorna lístico
quando, por e xem plo, o jorna lista a valia o conte údo da m atéria que está
escre ve ndo e ao qual aplica noções de P sicologia; ou quando, em casos
m ais específicos, consulta o psicólogo especialista no assunto em pauta.
R igorosam ente, poderíam os dizer que se trata do m esm o fenôm e no
observa do no cotidiano e já com entado nos prim eiros ca pítulos deste
livro. As pessoas, em geral, possue m um certo conhe cim ento da
P sicologia e o aplica m na solução de problem as do cotidiano. O jornalista
e o publicitário apropriam -se desse conhecim e nto e o utiliza m com um a
certa com petência. P odería m os [pg. 276] m esm o afirm ar que, nesse s
casos, a P sicologia é usa da por eles com m ais com petê ncia do que pelo
próprio psicólogo.
O ra, pode pare cer estranho afirm ar que profissionais da m ídia
conhecem m ais P sicologia que o próprio psicólogo, m as isso é fácil de
entender. O psicólogo é o profissional que trabalha com a P sicologia e,
nesse cam po, certa m ente é o m ais com petente e indicado. M as, no caso
da m ídia, o profissional que e ntende daquele assunto é outro. U m
psicólogo não saberia fazer um bom com ercial por não ser a publicidade
a sua áre a de atuação. O publicitário, entretanto, produz um bom
com ercial, não só por conhe cer as técnicas desenvolvidas pela
propaganda, m as por conseguir “ca ptar” a subjetividade das pessoa s as
quais pretende alcançar.
O psicólogo, é verdade, nã o saberia fazer o com ercial, m a s, um a
ve z finalizado, ele torna-se um bom analista do cam po de subjetividade
produzido por este com ercial.
A partir do m om e nto
em que os m eios de
com unicação de m assa
perceberam a im portância de
se trabalhar bem a questão
da subjetivida de, a presença
do psicólogo na m ídia
passou a ser requisitada com
m ais freqüê ncia. E xe m plo: as A Psicologia ganha importância junto aos meios de
comunicação de massa.
agências de publicidade —
que constituem o m ercado de trabalho m ais desenvolvido para o
psicólogo especia lizado em m ídia — contra tam -no para analisa r
qualitativam e nte as peças publicitária s a inda e m processo de produção.
M esm o nã o tendo as m esm as ha bilidades de um profissional de
publicidade para produzir um com ercial, o psicólogo ve m se tornando o
profissional que assessora o se tor de criação, ocupando cada vez m ais
espaços na m ídia.

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
U m a questão im portante e freqüente m e nte lem brada quando se
fala do uso da P sicologia nos m eios de com unica ção de m assa e da
participação de psicólogos ne ste trabalho refere-se à ética. Q ual o lim ite
do traba lho com a subjetividade ? A P sicologia e o psicólogo têm pode r
de controlar as pessoas, de fazê-las com prar ou acre ditar e m algo que
absolutam ente nã o lhes inte ressa ? [pg. 277]
N ão é tare fa fácil responder a esta últim a pergunta, pois o se u
enunciado é, e m parte, falso e, em parte , verda deiro. F also porque não
se pode conferir ta m anho poder ne m à P sicologia nem a os m eios de
com unicação de m assa. É falso, tam bém , afirm ar que um a m entira
repetida por m uito tem po torna-se verda de. A história tem dem onstrado
de form a ca bal que não se pode enganar as pessoas o te m po todo. O
jornalista C arlos E duardo Lins e S ilva 1 fez um estudo m uito interessante
sobre o Jornal N acional, da R ede G lobo, quando a ssistido por
trabalhadore s da Ba ixa da S antista, no E stado de S ã o P aulo. N a época
em que o estudo foi realizado, construía-se o m ito de que a R ede G lobo,
com sua audiê ncia im batíve l (a audiência do JN chega va a 70% dos
tele visores ligados), m onopoliza va a inform açã o veiculada no Brasil.
Assim , o que era noticia do no JN passa va a ter o estatuto de verdade, à
m edida que não seria contesta do por qualquer outro m eio de
1
Carlos E. Lins e Silva. Muito além do Jardim Botânico: um estudo sobre a audiência do Jornal Nacional,
da Globo, entre trabalhadores. São Paulo, Summus, 1985.
com unicação (conside re que os 30% restante s da audiê ncia esta vam
voltados, geralm ente, para a program ação não-jornalística e que as
pessoa s não-sintonizadas no JN era m atingidas pelos com entários das
que o assistiram ). E ntretanto, o estudo de Lins e S ilva dem onstrou que
os tra balhadores, quando viam um noticiário sobre gre ve com conte údo
claram e nte a fa vor das posições governistas e em presariais,
decodifica va m a m ensage m , de pura ndo-a da opinião da em issora e
analisando o conteúdo pelo que a notícia oferecia de objetivo. O s tra ba-
lhadore s pesquisados faziam um a releitura da inform açã o e a re-
construíam de a cordo com a visão sindical da cultura ope rária. E stes
sujeitos, os ope rários, tinham um a outra fonte de inform ação (no caso, a
im prensa operária, o trabalho sindical e a própria vivê ncia) pa ra a valiar o
m aterial jornalístico veiculado pela T V .
É claro que, em outras situaçõe s, nã o tem os a inform ação al-
ternativa à nossa disposiçã o e tendem os a acre ditar na inform ação
fornecida. M a s, de m aneira geral, as pessoas sabe m que, quando se
trata de um tem a polêm ico, elas não de vem a creditar piam ente na
inform ação ve icula da pelo m eio de com unicação de m assa.
O problem a torna-se m aior quando as pessoas nã o conside ram o
tem a polêm ico e, neste ca so, ficam de sarm adas (com baixo nível de
criticidade) e sem condições de a valia r a m ensage m transm itida. As
m ensagens sobre saúde cabem nesta alternativa e, e ventualm ente, a
m ensagem veiculada cria conce itos que pode m ser pre judiciais à
popula ção. E freqüente escutarm os alguém dize ndo a outra pessoa
com o cuidar de dete rm inado problem a de saúde a pa rtir do que “deu na
tele visã o”. [pg. 278]

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
A publicidade tam bém encontra-se ne sse cam po. O s com erciais
procura m , sem pre que possível, fugir de questões geradoras de conflitos
na audiência. Apresentam geralm ente um m undo idílico, pe rfeito, se m
contradições, associando o produto ou serviço a essa atm osfera radiante
e perfeita. Ao m e sm o tem po, cuidam de produzir algum a verossim ilha nça
com a re alida de pa ra que a s pessoas não se sintam dista ntes de ste
m undo que pode ser alcança do. É nesse m om ento que nossa
subjetividade é capturada. E ssa captura se dá de uma form a m uito sutil
e, geralm ente , fica m uito difícil opor resistência a e la. N este ca so,
diríam os que a re sposta à que stão colocada ante riorm e nte é ve rdadeira.
A P sicologia é utilizada pelo publicitário (e m esm o pelo psicólogo) para
alcança r um tipo de convencim ento que nos le va ao lim ite da ética.
P orém , m esm o neste caso, podem os dizer que a resistê ncia é
difícil, m as nã o im possível. O s m eios de com unicação de m a ssa não têm
o controle absoluto da nossa subjetivida de. A m áquina de propaga nda
m ais eficiente até hoje construída, im pla ntada com o T erceiro Reich, na
Alem anha nazista, pretendia ter o controle absoluto da subje tividade do
povo alem ão e, apesar de ter sido m uito e ficiente, foi derrota da !

PERSUASÃO
O principal m ecanism o psicológico utilizado pelos publicitá rios e
por profissionais da m ídia é a persuasão. T rata-se de um m ecanism o de
convencim ento que pode ou não ultra passar as ba ses racionais da
difusão de um a m e nsagem .
Q uando se trata das bases racionais da m ensagem , as quais
utilizam -se apenas do cam po cognitivo para garantir sua eficiência, isto
é, alcançar o receptor, tal recurso visa a tingir o plano da consciência do
receptor da m ensagem . Assim , ele pode com pará-la com a inform ação
disponível e ve rificar se ela lhe é ou não im portante. N e ste caso, utiliza-
se um a inform a ção objetiva, garantindo a ve racidade do que é inform a do.
Q uando um locutor de T V diz que, de acordo com inform a ções do satélite
m eteorológico, há pre visã o de chuva s forte s no decorrer do dia,
conside ram os a inform ação verdadeira e nos pre para mos para o e vento.
Atualm e nte, e ssas pre visões estã o ca da vez m ais eficie ntes. V ários
com erciais na T V ou anúncios veiculados e m re vistas ou jorna is
trabalham , fundam e ntalm ente, com as bases ra cionais. Q uando o
publicitário afirm a num com ercial que a bateria do celular tem
durabilidade de 8 horas, [pg. 279] ele e stá fornecendo um a inform ação
de caráter objetivo e os usuários de telefone celular conhecem
claram e nte esse pa râm etro da dura bilidade da carga da bateria. E sta
inform ação pode ser fundam e ntal na opção de com pra e, com o se trata
de um produto caro, o consum idor geralm ente irá checa r a veracidade da
inform a ção. T odo o processo é bastante racional.

PERSUASÃO E SUBJETIVIDADE
E ntreta nto, é possível e freqüente a utilização de recursos de base
irraciona l (de fundo em otivo), que sã o a ssociados ao conteúdo cognitivo
da m ensage m . T al form a de conve ncim e nto tenta persuadir o receptor da
m ensagem m ais pelo cam po da subjetividade do que pelo da
objetividade da inform açã o. A publicidade tornou-se a área da
com unicação que m ais e xplora esse recurso. A té cnica m ais com um é a
de associar um dete rm inado valor social ao produto anuncia do. Assim ,
um com ercial de T V poderá veicular um clim a de intenso glamour, com
situações sofistica das, com o um ca sal lindíssim o em trajes de gala ,
cruzando as taças de cham panhe a bordo de um jatinho particular.
Acresce nte à ce na um pôr-de-sol m ara vilhoso, troca de gestos e olhare s
sedutores. A m úsica , com o não poderia deixar de se r, é e xtrem am e nte
rom ântica. N o insta nte em que o rapa z tira o m aço de cigarros da
casaca, o jatinho trepida e sua com panheira derruba a taça de
cham pa nhe sobre ele. E la ri deliciosam ente, le vanta-se dando a
im pressão de que iria ajudá-lo a seca r-se. E m vez disso, tom a-lhe,
carinhosam e nte, o m aço de cigarros. O s dois riem . P or fim , um locutor,
em off (só ouvim os a voz), diz: — G e nte m oderna fum a Device! V eicula-
se um clim a encantador e a ele associa-se a m arca do cigarro. Assim ,
define-se o perfil psicológico do fum ante da quela marca — um a pessoa
que gosta de coisas glam ourosas, apesar de não dispor de condiçõe s
econôm icas para com prá-la s. T al pe ssoa poderá se conte ntar com a
m arca de cigarro do anúncio para se ide ntificar com o perfil psicológico
veicula do. E vidente m ente, e sse processo é m uito sutil e as pessoa s, e m
geral, nã o se dão conta de que estão sendo capturadas por um a
artim anha publicitária.
O recurso funciona porque nã o o percebe m os clara m ente , m a s ele
é insistente m ente utilizado: um a m arca de bebida associa-se ao padrão
de m asculinidade; um perfum e prom e te conquistas am orosas; um
achocolatado oferece um m undo de diversões; um refrigera nte ga rante
que, ao bebê-lo, você fará m uitos a m igos. S e xo, poder, riqueza e
aventura são ofertas freqüentes dos com erciais. U m m undo de prazere s
que não encontra m os em nosso cotidiano e que, no entanto, são
aprese ntados com o possibilidade s. [pg. 280]
C om o se dá o fenôm e no? N osso cotidiano é repleto de
regularidade s, de re gras, de repe tições. V am os à escola todos os dias,
jantam os com a fa m ília, a ssistim os à novela das oito, lem os o te xto da
aula de am anhã e dorm im os porque, logo cedo, reiniciare m os a rotina. A
aventura fica para o fim de sem a na ou para as próxim as férias. M esm o
assim , há um te m or que nos controla e, quando saím os da rotina, não
fazem os algo tão diferente assim . Q uando a lgum a coisa realm e nte
diferente acontece em nossas vidas, ou na vida de nossos am igos,
transform a-se num caso que será contado e re -contado por algum
tem po.
Isto ocorre porque tem os m ecanism os psicológicos que nos
protege m de frustrações e nos preparam para viver as restrições que a
cultura nos im põe (restrições de orde m m oral) e as que nos sã o
colocadas pelo sistem a e conôm ico (a s restrições da de sigualda de
econôm ica). D e certo que há um padrã o conform ista neste processo,
m as é um m ecanism o de defesa eficie nte. A publicidade a presenta-nos,
intensa e continuam ente, a oferta do pa raíso e da ascensã o social a o
m esm o tem po em que a sociedade, atra vé s das restrições da cultura (a
possibilidade de realizar o proibido), torna rem ota s as possibilidades de
que tal paraíso seja alcança do.
E sse m eca nism o de defesa, entretanto, é fustigado pelo retorno de
conteúdos inconscientes, que foram recalca dos por um , digam os,
“acordo social”. É o caso da proibição do incesto, m aneira pela qual as
culturas prim itivas estabelecera m um tabu que contribuiu para a
diversificação genética com a celebração do casam e nto fora dos clãs. A
m onogam ia tam bé m se im pôs à poligam ia com o padrão cultural visando
garantir o controle da propriedade privada. O de sejo por um a m ulher que
não seja a esposa está recalcado há m ilênios e fa z parte do rol de
proibições de leis religiosa s m uito antigas. M esm o em socie dade s
poligâm icas, com o a m uçulm ana, o adultério é punido rigorosam ente .
N as sociedades ocidentais, com o a nossa, o adultério não chega a se r
ilegal e, pode-se dizer, ocorre com certa freqüê ncia. H á, contudo, um a
puniçã o m oral que estigm atiza a pessoa adúltera e, particularm ente, a
pessoa traída pelo parceiro, que perde prestígio junto à sociedade. (O s
m ecanism os de defe sa estão e xpostos de form a m ais porm e norizada no
capítulo 5, destina do à P sica nálise .)
Ao e xpor o apelo sexual ou conteúdos que são restringidos aos
vá rios segm e ntos sociais, a propaga nda ofere ce um objeto de desejo
im aginário (um a relação inconsciente), que se concretiza no produto
anunciado. O produto não é m otivo de re strição e, ao m esm o tem po, fa z
alusão a o desejo proibido ou de difícil realiza ção (o conteúdo que foi
recalca do no inconsciente no processo de desenvolvim e nto de um a
cultura). [pg. 281]
O circuito se fecha quando, depois de ca pturado por e ssa dinâm ica
inconsciente, o consum idor justifica o uso constante do produto por sua s
características racionais. Assim , ningué m poderá confe ssar que com pra
determ inado produto por associá-lo aos recônditos desejos sexuais, ou
de poder, ou de a ve ntura (tais desejos tê m peso e valor difere ntes, sendo
que alguns sã o m ais confessá veis que outros). O fumante, e ntão, atribui
ao sabor e à sua vidade do cigarro sua pre ferência por tal m arca .
E scolhe -se determ inada be bida a lcoólica pe las suas características
organolépticas (liga das ao paladar) e o dentifrício “x” pelo sabor de
m enta ou pelo flúor que pre vine contra a cá rie. N ós tem os plena certeza
de que o sa bor de certo achocolatado é m elhor que o de todas as outra s
m arcas disponíveis no
m ercado. C uriosa m ente,
“testes cegos” (qua ndo a
pessoa não sabe qual o
produto e xperim e ntado)
têm dem onstrado que as
pessoa s não são
capaze s de reconhecer
o produto da sua
preferê ncia quando
com parado a um sim ilar.
N este caso, cai por terra
A escolha do consumidor nem sempre está baseada em critérios
objetivos e racionais. boa parte dos
argum e ntos ra cionais
aprese ntados para a escolha de um produto. Q uem já fe z um teste
rigoroso com várias m arcas de detergente em pó para sa ber qual delas
lava m ais branco? O que tem os, na re alidade , é a im pressão de que a
m arca que utiliza m os é a m elhor e a propa ganda é que nos garante a
eficiência do produto.

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A artim anha utiliza da pa ra o convencim ento nã o precisa se r
sofistica da ou trabalhar sem pre com recônditos desejos. E la pode estar
em butida de form a sutil na construção lingüística da m ensagem . U m
fabricante de biscoito tem anunciado se u produto com um a pergunta:
“T ostines é m ais fre squinho porque vende m a is ou vende m ais porque é
fresquinho?”. H á na pergunta um a tautologia (um a form a circular) que
leva o consum idor, seja qual for a resposta, a considerar tal biscoito
sem pre [pg. 282] “fresquinho” e, porta nto, m elhor que os biscoitos
concorrentes. E ntretanto, os consum idores sabem que as outras m arcas
tam bém oferece m biscoitos “fresquinhos”. A form a com o a m ensa gem é
aprese ntada conduz o consum idor inca uto a conside rar, de form a sutil
(pois ninguém se detém a fazer a nálise s lingüísticas dos com e rciais), que
aquela m arca faz os m elhores biscoitos (ao m enos os m ais
“fresquinhos”). E vide ntem ente que , no caso do biscoito — um produto
relativa m ente barato e acessível — , a m ensage m não é o único critério
que influi na decisã o de com pra. A experim entação do biscoito escolhido
e do produto da concorrência ta m bém é um critério decisivo, pois será
utilizado posteriorm ente na decodificação da m ensagem . O com ercial
que prom ete um be nefício não com provado pe lo consum idor durante a
experim entação do produto ou serviço certam e nte será alvo de forte
descrédito. A história do marketing aprese nta inúm eros casos de
produtos que fora m lança dos com um apoio de m ídia muito bem
elabora do e sofisticado e que , de vido a prom essas m al-equacionadas,
resultaram em estrondosos fracassos de venda.


U m outro cam po m uito próxim o do que acabam os de ver é o da
propaganda ideológica. N este caso, usa-se m e nos a técnica de
com unicação para atingir m e canism os inconscientes que propiciem o
convencim ento para a com pra de determ inado produto (e, em alguns
casos, de m ecanism os conscientes e, na m aioria dos ca sos, das dua s
form as com binadas). A propa ganda ide ológica traba lha com conteúdos
ideacionais, com crenças que procura m alterar o cam po cognitivo da s
pessoa s. S abe-se que a opinião é gara ntida por três fatore s: a ação do
indivíduo em relação a sua crença, o a fe to dedicado à crença e o próprio
conhecim ento da e xistência do objeto de crença.
S e alguém for im pedido de agir de acordo com a sua crença, esse
im pedim ento produzirá um qua dro de dissonâ ncia, o qual le vará a
pessoa a te ntar superar o conflito criado pela proibiçã o. Assim , o
indivíduo ou tenderá a e vitar a situação de controle de seu
com portam ento ou m udará sua crença . É e vide nte que, em m uita s
situações, as pessoas encontram m aneiras de resistir às form as de
controle e esta é um a característica hum ana m uito valorizada . O s judeus
foram duram ente perseguidos de sde a
antiguidade e, no entanto, [pg. 283] sua
cultura se m antém até hoje graças à
resistência desse povo ao controle que
lhes tentaram im por. A proibição ao culto
judaico não foi obstáculo para a
realização de sta ce le bração.
O s fatores cognitivo e afetivo são
os m ais utiliza dos pela propa ganda ideo-
lógica. Am bos pode m ser alterados de
acordo com a inform ação que te m os
sobre o obje to da com unicaçã o.
E xem plo: os conflitos étnicos re gistrados
A forma de divulgação de um conflito
étnico tem cunho ideológico. atualm ente na E uropa gera m
cam panhas de parte a parte, na s quais
procura-se conferir a o cam po inim igo um atributo (me nsagem que pode
ou não ser verda deira) até então desconhecido pela população a que se
dirige a m e nsagem . A inform a ção de que os sérvios prom overam
ve rdadeiros m assacres entre os m uçulm anos da Bósnia visando um a
“lim peza étnica” aba lou qualquer sim patia que a opinião pública m undia l
poderia alim entar pe la causa sérvia. N este
caso, um da do cognitivo novo (o m assacre
de m uçulm anos) m udou a base afe tiva e m
relação a um objeto da com unicaçã o (a
causa sérvia).
M uitas ve zes, a propaganda contra
um a causa é feita sem que inform ações
objetiva s seja m veiculadas. Apresenta-se o
objeto da inform açã o com a intenção de
gerar, no receptor, a ntipatia pelo conteúdo
trabalhado. U m e xe m plo disso é a ca pa da re vista Veja na qual o líder do
M ovim e nto S em -T erra (M S T ), P edro S te delli, foi colocado sob um fundo
ve rm elho, com o se m blante irado e o rosto a verm elhado. A m ensage m
não era desfa vorá vel (nem fa vorá vel) ao M S T , m as S tede lli foi veiculado
com o se fosse o próprio dia bo. N este ca so, o desconforto ca usado pela
aprese ntaçã o [pg. 284] da ca pa pode gerar antipatia dos le itores que
tenham algum a re strição a o M S T ou m esm o a dotem um a posição de
neutralidade. A a ntipatia (fator afetivo) é o com ponente que facilitará a
m udança de posiçã o em relação ao m ovim ento que, de positiva , passará
a negativa (fator cognitivo).

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
A técnica de veicula ção da im agem , de senvolvida principalm ente
pela linguagem cine m atográ fica e m uito usada na propa ganda ideológica
e com ercial, ta m bém é fonte de m anipula ção ideológica. D ura nte e após
a S egunda G uerra M undial, o próprio cinem a foi m uito utilizado pelos
am erica nos com objetivos publicitários. O s ale m ães tam bé m usa vam o
m esm o recurso e G oebbels, m inistro da propa ganda de H itler, foi
conside rado um gênio publicitá rio pela m aneira com o conseguiu
convencer boa parte do povo ale m ão dos ideais nazistas. O na zism o,
felizm ente, foi derrotado e os am ericanos, por sua ve z, passaram a usar
a indústria cine m atográfica para convencer o m undo de que o seu m odo
de vida era (é ) o m e lhor. O pa drão cultural am ericano foi se espalhando
pelo m undo, principalm ente atra vés do cinem a e, m ais re centem ente,
atra vés da T V .
A linguage m cinem atográfica é a linguagem da im agem , da
expressão iconográfica da qual deriva um caráter subjetivo m uito forte.
Alguns autores dize m que a decodificação da im age m cine m atográ fica
pode produzir um certo fragor, o que podería m os traduzir por um
incôm odo na busca da significação. Assim , qua ndo o cineasta escolhe
um determ inado plano de e xposiçã o da im agem , esta rá tam bém
escolhe ndo um a rea ção do público. P or e xem plo, se o cine asta quise r
transm itir à platéia a sensação de poder de um a personage m , usará um
plano denom inado sub-plongé,
cuja tom ada se dá com a
câm era coloca da de baixo
para cim a, a partir da cintura
da personage m . E ste recurso
foi utilizado por O rson W elles
num dos m aiores clássicos de
todos os tem pos — Cidadão
Cidadão Kane, considerado um dos melhores filmes de
todos os tempos, é um bom exemplo do uso da
Kane. A platéia ente nde
linguagem cinematográfica. im ediatam ente o significa do
da im a gem porque
acom pa nha desde o início do film e a form a com o Kane acum ula riqueza
e poder. N ão é ne cessária nenhum a explicação m ais ela borada. A
im agem diz tudo.
E ntreta nto, quando esta técnica de linguagem cinem atográfica é
utilizada sem um a história que a sustente , com o, por e xem plo, [pg. 285]
para aprese ntar a o público um determ inado político, tal procedim ento
gera um a dissonância que , por sua vez, produzirá o fragor — um a form a
de incôm odo. A m a neira e ncontrada pa ra apla car e ste incôm odo será
atribuir, ao político e m que stão, um a condição de poder que e le pode nã o
possuir. É a form a com o fre qüente m ente a m ídia am e ricana aprese nta o
líder cubano F idel C astro. E videntem e nte, todos sabem os que C uba não
possui um m ilé sim o do poderio m ilitar dos E stados U nidos, m as os
cubanos e, particularm ente , seu líder, são a prese ntados com o um a
am eaça latente ao povo am ericano. A im agem de F idel C astro andando
tranqüilam ente entre os cubanos, em H a va na, cum primentando pessoas,
conversando nas rua s, jam ais é transm itida. P or sua vez, a im agem com
tom ada s sub-plongé são ve icula das ao e xtrem o, corroborando a im agem
“tirânica” construída pelos am ericanos. N o Iraque, pode-se dizer que
S adda m H ussein utiliza e ste m esm o procedim ento para satanizar a
figura dos am erica nos e convencer a população iraquia na de que a
intervenção dos E stados U nidos no O rie nte M édio é ile gítim a ; em C uba ,
os m eios de com unicação estão constantem e nte lem brando o povo
cubano do perigo yankee (com o são conhecidos os a m erica nos).
O recurso de propa ganda ide ológica se m pre é acom panha do da
contrapropaganda , e as técnicas utilizadas por um la do serã o
rapidam ente assim iladas por outro. N um sentido bem m ais estrito e
dom éstico, é o que ve m os em nossas cam pa nhas eleitorais pela
tele visã o. O argum ento de um candidato será im ediatam ente
neutralizado pelo do seu concorrente. P ara que as m ensagens — com
seus recursos objetivos e subjetivos — sejam assim iladas e
decodificada s pelo receptor e para que este confira-lhes credibilidade
para form ar um a nova opinião sabre o a ssunto, é preciso que ele este ja
predisposto a isso. A predisposiçã o é a valiada pelos a ntecedente s de
caráter social, os quais determ inam não só a e xperiência com o
fenôm e no — no ca so, o político — m as a opinião a nterior sobre tal
fenôm e no. S e um candidato ao governo pretende m udar a sua im a ge m
de corrupto junto à m aior parte do eleitorado, ele poderá tra balhar a idéia
de que re aliza m ais obras e, por isso, é m ais com petente para governar.
E le e vita falar dos seus pontos fra cos e atribui [pg. 286] ao desespero
dos adversários os ataque s à sua honra. E ntreta nto, para que a
m ensagem deste ca ndidato te nha algum efeito, é preciso que a m aioria
do eleitora do esteja, naquele m om ento, desconsiderando que stões ética s
com o parâ m etro para o seu voto. O u considere que esta questão nã o
seja superior às ne cessidades de obra s ou de m aior policia m ento.
N as cam panha s eleitorais, todos os recursos disponíveis de m ídia
e de linguage m cinem atográfica são utilizados na a presenta ção de
propostas de gove rno ou de atuaçã o parlam e ntar, tornando tais
cam panhas ca da dia m ais próxim as da linguagem publicitária (surgem os
“m arque teiros” políticos) e distanciando-as do cam po ideológico.
E ntreta nto, te m os, tam bém , em nosso P aís, cam panhas que trabalham
com o um divisor de águas ideológico. S ão cam pa nhas na s quais um
candidato defende posições claram ente sociais (de cunho socialista) ou
neoliberais (que priorizam a econom ia de m ercado). N este ca so, trata-se
de um a discussão m ais a berta , e m que o eleitorado poderá de bater e
escolhe r a proposta de governo em cam pos ideológicos distintos. Ainda
aqui, um a outra que stão im portante de ve ser levantada: a interferê ncia ,
neste cam po ideológico, dos m eios de com unicação de m assa. C om o a
m ídia está concentrada nas m ã os dos em presários (principalm ente os
ve ículos de gra nde circulaçã o ou a udiência), os pontos de vista deste s
em presários são veiculados por suas e m presas de comunicação, seja
em editoria is, seja com o notícia, pode ndo influe nciar o eleitorado de
form a decisiva em relação a determ ina da conce pção política. Assim ,
voltam os ao início deste capítulo, qua ndo falá vam os do pode r dos m eios
de com unicação de m assa. M as esse é um assunto que te m m ais que
ve r com a construção da cidada nia do que com as ba se s teórica s
relacionadas à m ídia .

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O DISCURSO AUTORITÁRIO
E ssa é a form ação discursiva por exce lência persuasiva .
C onquanto no discurso polêm ico ta m bém haja persuasã o, é a qui que se
instalam todas as condições para o e xercício de dom inaçã o pela pala vra .
Aquilo que se conve ncionou cha m ar de processo de com unicação (e u-tu-
eu) pratica m ente de saparece, visto que o tu se tra nsform a em m ero
receptor, sem qualquer possibilida de de interferir e m odificar aquilo que
está sendo dito. É um discurso e xclusivista, que não perm ite m edia ções
ou ponderações. O signo se fe cha e irrom pe a voz da “autoridade” sobre
o assunto, aquele que irá ditar ve rdades com o num ritual entre a glória e
a cate quese. O discurso a utoritário le m bra um circunlóquio: com o se
alguém fa lasse para um auditório com posto por ele me sm o. É na form a
discursiva que o poder [pg. 287] m ais escancara suas form as de
dom ina ção. E nquanto o discurso lúdico e o polêm ico tendem a um m aior
ou m enor grau de polissem ia, o autoritário fixa -se num jogo parafrásico,
ou seja, repete um a fala já sacram enta da pela instituição: o m undo do
diálogo perdeu a gue rra para o m undo do m onólogo.
A sociedade m oderna está fortem e nte im pregnada desta m arca
autoritária do discurso. A persua são ga nhou a força de m ito. Afina l, a
propaganda é ou nã o é a alm a do negócio?
O discurso autoritário é encontrá vel, de form a m ais ou m enos
m ascara da, na fam ília: o pai que m anda, sob a m áscara do conselho; na
igreja: o padre que a m eaça sob a gua rda de D eus; no quartel: o grito que
visa a pre servar a ordem e a hierarquia; na com unicação de m assa: o
cham ado publicitário que tem por objetivo ra cionalizar o consum o; há,
ainda, longos etecéteras a serem percorridos.

Adilson C itelli. Linguagem e persuasão. S ão P a ulo, Ática, 1 9 85.

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1. C om o os m eios de com unicaçã o de m assa tra balha m a subjetividade?
2. D o ponto de vista psicológico, por que a persuasão é um fenôm e no
im porta nte pa ra a propaga nda?
3. D iscuta a questã o do “retorno do re calcado” e do “acordo socia l”
produzidos pela cultura dia nte do apelo publicitário.
4. C om o a linguage m cinem atográfica pode ser agente de m anipula ção?
5. O que é propaganda ideológica?

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1. E scolham um com ercial que esteja sendo veiculado na tele visão e
procure m a nalisá -lo tentando responder a duas questões: por que foi
realizado e qual a intenção do publicitá rio ao escolher aquela situaçã o
para divulgar o se rviço/produto. Após identificarem a e stratégia
utilizada pelo publicitário, a valiem com o o com ercial trabalha o cam po
da subjetividade e quais recursos sã o utiliza dos para conseguir o
efeito deseja do (e xem plo: recursos da lingua gem cine m atográfica ).
P or fim , façam um a enquete com o público-alvo do produto/serviço
para checar com o a m ensage m foi recebida/a valiada pelos
consum idores e confirm ar se a hipóte se levanta da pelo grupo está
correta.
2. D iscutam o film e Crazy people do ponto de vista das técnicas de
persuasão utilizadas pela propa ganda. T om em com o referê ncia, alé m
da discussão feita neste ca pítulo, o te xto com ple m entar “Linguagem e
persuasão”, de Adilson C itelli. [pg. 288]

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E studos sobre a propaga nda são fre qüentes. Alguns são m uito
superficiais (ge ralm ente tra zem te ste m unhos de profissionais da áre a
sobre se u traba lho) ou acadê m icos (dissertaçõe s de m e strado ou tese s
de doutorado, que são m uito elabora das e de difícil leitura). A seguir,
indicam os algum as obras que podem se rvir de referê ncia a quem deseja
se aprofunda r no assunto:

Para iniciantes
Linguagem e persuasão, de Adilson C itelli (S ão P aulo, Ática ,
1985, série P rincípios); O signo, de Isaac S pstein (S ão P aulo, Ática,
1985, série P rincípios); A comunicação do grotesco: um ensaio sobre
a cultura de massa no Brasil (P etrópolis, V oze s, 19 75) e Televisão e
Psicologia (S ão P aulo, Ática, 19 87), de M uniz S odré; O prazer do texto,
de R ola nd Barthes (S ão P a ulo, P erspe ctiva , 197 7); O que é propaganda
ideológica, de N elson J. G arcia (S ão P aulo, Brasilie nse, 19 82, C oleção
P rim eiros P a ssos); Tudo que você queria saber sobre propaganda e
ninguém teve paciência para explicar, Júlio R ibeiro et a lii (S ão P aulo,
Atlas, 1 985).

Para iniciados
A linguagem da sedução (S ã o P a ulo, P erspectiva, 1 988);
Política e imaginário nos meios de comunicação de massa no Brasil
(S ão P aulo, S um m us, 1985 ) e Quem manipula quem? Poder e massa
na indústria da cultura e da comunicação no Brasil (P etrópolis,
V ozes, 1991), de C iro M arcondes F ilho; A máquina de Narciso:
televisão, indivíduo e poder no Brasil, de M uniz S odré (R io de Jane iro,
Achiom é, 1 984); Teoria da cultura de massa, de Luiz C . Lim a (R io de
Janeiro, P az e T erra, 197 8); Linguagem autoritária: televisão e
persuasão, de M aria T hereza F . R occo (S ão P aulo, Bra silie nse, 198 8);
Ação, suspense, emoção: literatura e cultura de massa no Brasil, de
S ilvio H e lena S . Borelli (S ão P aulo, E D U C /E stação Liberda de , 1996).


Cidadão Kane. D ireção O rson W elles (E U A, 1941) – O film e ,
referência obrigatória para a discussão dos m eios de com unicação de
m assa (particularm e nte sobre a im prensa), é considera do, pela m aior
parte dos críticos de cinem a, o m elhor film e de todos os tem pos.
Rede de intrigas. D ireção S idne y Lum e t (E U A, 1 976)
O quarto poder. D ireção C osta G ra vas (E U A, 19 98)
Mera coincidência. D ireção Barry Le vinson (E U A, 199 7)
E stes três film es seguem a m esm a linha de C idadã o Kane,
enfoca ndo, entretanto, o poder das redes de tele visão.
Crazy people. D ire ção T ony H ill (E U A, 1989) – P ublicitário em
crise e xistencial cria com erciais que contam a verda de sobre os produtos
anunciados.
Como fazer carreira na Publicidade. D ireção Bruce R obinson
(Inglaterra, 19 89) [pg. 289]
C AP ÍT U LO 2 0

Adolescência: tornar-se jovem


quando eu tiver se te nta anos
então vai aca bar e sta adole scência

vou largar da vida louca


e term inar m inha livre docê ncia

vou fazer o que m e u pai que r


com eçar a vida com passo perfeito

vou fazer o que m inha m ãe deseja


aproveitar as oportunidade s
de virar um pilar da socieda de
e term inar m e u curso de direito

então ver tudo em sã consciê ncia


quando aca bar esta adolescência
Paulo Leminski

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
Q uando lem os um livro, particularm e nte um livro que fale de
P sicologia, espe ram os nos encontrar em suas página s. M as geralm ente
esses livros estão distantes de nossas vidas. F alam de coisa s que nã o
sentim os, usam term os que nã o escutam os, enfim , estão descolados de
nossa realida de.
E sse distanciam e nto entre a vida e a teoria é conseqüência do
trabalho científico, que produz abstrações sobre a realidade. A ciência
não re produz a re alidade, m as afasta-se dela para poder com preendê-la.
D iscutim os um pouco esse aspecto no prim eiro ca pítulo deste livro,
quando procuram os separar o conhecim ento cie ntífico do conhecim ento
do senso com um .
E ntreta nto, e m ne nhum outro ca pítulo esta questã o fica tão
evidente quanto na discussão sobre a a dolescê ncia. E nqua nto esta m os
discutindo o tem a cientifica m ente , você, jovem , está vivenciando [pg.
290] o fenôm eno. O risco aqui é o de nos distanciarm os com pletam e nte
do leitor ou, com um pouco de sorte, e stabele cer uma conversa franca ,
honesta, sem m oralism o. E m uito difícil estabelecer o lim ite entre esses
dois e xtrem os. P or um lado, fala a cabeça racional do cientista e, por
outro, o dese jo do educador do encontro com a juventude.
Abrim os o capítulo com um a poesia de P aulo Le m inski que traduz
um pouco as inquietações da juve ntude . Loucura e liberda de ao lado de
controle e responsa bilidade . U m a vonta de de ser criança e adulto a o
m esm o tem po. E ssa parece ser a linha. Le vantar as questões teóricas
que m ais se aproxim em desse conflito e buscar na poesia, na literatura,
aquele toque de vida e de e m oçã o que falta na te oria. V enha conosco!

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U m grupo de psicólogos e pesquisadores da U niversidade de
R om a realizou um a pesquisa com jove ns italia nos, originando um
extenso volum e cham ado A condição juvenil: crítica à Psicologia do
adolescente e do jovem, publica do em 1980. N esse livro, procuram
discutir a definição de adole scente e de jovem .
A prim eira conclusão dos autores é a de que as pa lavras
adolescência e juventude não têm um a definição precisa. V á rios
estudiosos dizem que a adolescê ncia é a fase que vem depois da
infância e antes da juve ntude . C hega m a afirm ar que a adolescê ncia
com eça por volta dos doze anos e term ina por volta dos dezoito.
Já no senso com um , no dia-a-
dia das pessoas, o term o adole scência
é pouco usa do. D á-se preferê ncia ao
term o juventude para designar tanto o
m enino ou a m enina a pós a
puberdade quanto o jovem a dulto.
O fato é que não há um critério
claro para definir a fase que vai da
puberdade até a idade adulta. E ssa
confusã o a conte ce porque a Os critérios que poderiam definir a
adolescência são construídos pela cultura.
adolescência não é um a fase natural
do de senvolvim e nto hum ano, m as um deriva do da estrutura
socioeconôm ica. E m outras pala vras, nós não tem os adolescê ncia e sim
adolescentes. [pg. 291]
P arece contra ditório afirm ar que nã o e xiste adole scência, m a s que
existem adolescente s. Acontece que os critérios que pode riam definir
essa etapa não fa zem parte da constituição do indivíduo, m as são
construídos pela cultura. N ã o podem os falar e m um a fase natural do
desenvolvim e nto hum ano de nom inada a dolescê ncia. M as, quando um a
determ inada socieda de e xige de se us m em bros um a longa prepara ção
para entra r no m undo adulto, com o na nossa, te rem os de fato o
adolescente e as características psicológicas que definirão a fase, que, a
título de com preensã o, direm os que foi artificialm e nte criada.
Acom pa nhando ainda os pesquisa dores da U niversidade de R om a ,
podem os dizer que a e volução do indivíduo na nossa cultura dá-se
atra vés de um a série de fases: a pré-natal, a do neonato (a criança assim
que na sce), a infâ ncia, a pré-adolescê ncia, a a dolescência , a adulta e,
por fim , a velhice.
M as seria possível a tribuir essas fase s a outras civilizações? P ara
ficar som ente com um e xem plo, citarem os o e studo rea lizado pelo
etnólogo Bronisla w M alinowski1 (1884-1942), a cerca da cultura dos
nativos trobria ndese s, que vivem e m ilha s do noroeste da N ova G uiné na
O ceania:
N o caso dos jovens trobriandeses, a puberdade com eça antes que
na nossa socie dade m as, ne ssa fase , as m eninas e os m e ninos
trobriandeses já iniciaram sua ativida de sexual. N ão há, com o em outra s
culturas prim itiva s, um determ inado rito de passagem para a fase adulta.
Apenas, gra dualm e nte, o rapa z vai participa ndo cada ve z m ais das
atividades econôm icas da tribo e até o final de sua puberdade será um
m em bro ple no da tribo, pronto para casar-se, cum prir as obrigaçõe s e
desfruta r dos privilé gios de um adulto.
E ssa fase descrita pelo etnólogo, se é possível esta belecer um
paralelo, estaria para a nossa socie dade, em term os etários, definida
com o pré-adolescente. E ntretanto, no nosso caso, as rela ções se xuais
vê m bem depois de ssa fa se. O utra dife rença é que os nativos da s ilhas
T robriand, de vido ao tabu que represe ntam as relações se xuais cora as
irm ãs, saem de ca sa na puberdade, para um a espécie de república
organizada por um jove m m ais velho não casado, ou por um jove m viúvo.
E ssa “re pública” te m o nom e de bukumatula, e lá os jove ns, m oça s e
rapazes, m oram sem controle dos pais. M as, até que case m e organize m
suas próprias ca sas, trabalham pa ra as suas fam ílias. [pg. 292]
E sse e xem plo m ostra que a adole scência não é um a fase natural
do dese nvolvim ento hum ano, deixando claro o alerta que nos fazem os
autores italia nos, a o afirm ar:
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1
Bronislaw Malinowski. Sexo y represión en la sociedad primitiva.
2
G. Lutte. “Adolescenza e gioventu: fasi naturali dello sviluppo umano o istituzioni socio-economiche di
emarginazione e sfrutamento?” In: G. Lutte et alii. La condizione giovanile. p. 15 (Trecho trad. autores).
Isto é, se pe nsarm os no caso dos trobria ndeses, verificarem os que
entre ele s ocorre um salto da pré-a dole scência (que é m ais prolongada
que a nossa) para a fase a dulta. D essa form a, não e xistiria a dolescê ncia
entre eles.
P odem os considera r, então,
que a adolescência é um a fase
típica do dese nvolvim ento do
jovem de nossa socieda de. Isso
porque um a socie dade e voluída
tecnicam ente, isto é,
industrializada, e xige um período
para que o jove m adquira os
conhecim entos ne cessários para
dela pa rticipa r.
E ssa conce pção parece
O período da adolescência depende da relação
correta, já que o adolesce nte do indivíduo com o campo social.
precisa, para enfre ntar
determ inadas profissões, de um a pre para ção m uito m a is a vançada que a
das socieda des prim itivas. M as não se pode dizer que todo a dolesce nte
de nossa socieda de passa pelo m esm o processo, já que um a boa parte
das tare fas de um adulto não e xige um tem po m uito longo de
prepara ção. É só pensar nos bóia s-fria s, nos servente s da construção
civil, nos trabalhadores braçais, de m a neira geral. M uitos jovens [pg.
293] não fazem curso de nível superior (só um a m inoria atinge esse níve l
de escolarida de em nosso P aís). M uitos deixa m a escola antes de
term inar o prim eiro grau e já entra m para o m erca do de trabalho.
Em outras palavras, isso significa dizer que, mesmo em nossa
sociedade, o período de adolescência não é igual para todos os
jovens.
Além de tudo isso que foi dito, um a outra questão de ve se r
colocada: a necessidade de um a m a ior prepara ção cultural e técnica de
nossa sociedade nã o está ligada som ente a essa fa se de transição da
pré-adolescê ncia para a idade a dulta . C ada vez m e nos podem os
identificar a ida de adulta com o a ida de do conhecimento adquirido, pois a
rapidez da e volução científica e tecnológica im põe ao a dulto ligado a
esse setor um a formação permanente.
P or tudo isso, pode m os concluir que fica difícil e stabelece r um
critério cronológico que defina a adolescência, ou um critério de
aquisição de de term inadas habilida des, com o ocorre com o
desenvolvim e nto infa ntil. D á-se o nom e de adolescência ou juventude à
fase caracterizada pela aquisiçã o de conhecim e ntos necessá rios para o
ingresso do jove m no m undo do tra balho e de conhecim entos e valores
para que ele constitua sua própria fam ília. A flexibilida de do critério, que
nos pode le var a categorizar alguém com vinte e cinco a nos com o
adolescente e algué m com quinze com o adulto, le vou-nos a evitar até
aqui o term o adole scência, que passa rem os a usar agora cora as
restriçõe s já a pontadas.

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Apesar das dificulda des apontada s acim a para definir a fase de
adolescência em nossa socie dade , o fa to é que e xiste um a fase de
prepara ção para que se considere um a pessoa a dulta. M esm o que ela
tenha um a duraçã o diferente de um setor social para outro (e m esm o
intra-setor), ela é ra zoa velm ente longa. E sse fenôm eno social cria um
corresponde nte psicológico que m arca o período.
O s jovens de classe m édia, por e xem plo, passa m por um longo
período de pre paração, quando escolhe m um a carreira universitária. T al
prepara ção pode m e sm o ultrapassar essa fase de juve ntude . O jovem da
classe operária pode cursa r um a escola técnica, onde aprende o
necessário para tornar-se um ferram enteiro, e esse aprendizado não
dura tanto tem po quanto o curso de M e dicina, por e xem plo. O utros
jovens, ainda, a bandonam a escola m uito cedo e já tra balha m oito hora s
diárias a ntes de com pleta rem os catorze anos de idade — apesar de o
E statuto da C riança e [pg. 294] do Adolescente 3 gara ntir que nenhum a
criança poderá tra balhar ante s dessa ida de. E ssa e ntrada prem atura no
m erca do de trabalho ocorre
porque a re alidade
econôm ica brasileira nã o
fornece condiçõe s para
que as fam ílias e m pobre-
cidas m ante nham seus
filhos na e scola, obrigando
essas crianças e
adolescentes a con-
tribuírem com o orçam ento O trabalho infantil é uma triste realidade em nosso País.

dom éstico com o form a de


ga rantir que toda a fam ília e, pa rticula rm ente, os irm ãos m enores, não
passem fom e. T rata-se de um a injustiça social criada pela estrondosa
diferença de re nda, constatada em nosso P aís, entre a população m ais
rica e a m ais pobre.
P ara ca da um desse s
segm entos — a classe m édia , a
classe operária e o se gm ento
em pobrecido da popula ção — a
adolescência terá um a duração
peculiar. Um garoto que precise
enfrentar o m undo do trabalho m uito
cedo e em condições basta nte
adversa s, terá um am adurecim e nto
acele rado. U m a dolescente da classe
operária que se prepare para trabalhar
depois dos 16 anos, conseguirá um a
A superespecialização é uma forma de
condiçã o de vida m e lhor em relaçã o a
retardar o ingresso do jovem no mundo do
trabalho. este garoto, alcançando um tipo de

3
Lei que regulamenta deveres e direitos da criança e do adolescente e que tem, em termos gerais, uma
concepção relativamente avançada.
desenvolvim e nto m a is próxim o do padrã o das classe s aba stadas. U m
jovem de fam ília rica poderá se dar a o luxo de com eçar a tra ba lhar aos
28 anos, a pós concluir a pós-gra duação, atrasando, assim , o seu
am adurecim e nto. E videntem ente, o ingresso no m undo do trabalho nã o é
o único critério para definir o te m po de adolescência dos jovens de nossa
socieda de — precisam os le var e m consideração suas características
individuais. O padrã o, contudo, é culturalm ente construído (e xpectativa
de desem pe nho de papéis) e historicam e nte determ ina do. [pg. 295]
M as isso não contra diz o que acabam os de afirm ar? A resposta é
sim e não. Q ua ndo vim os o e xem plo da cultura trobriandesa , pude m os
notar que lá e xiste um critério quase único pa ra todos os jovens, e que
um a estrutura social relativam ente sim ples não e xige um a grande
prepara ção para o ingresso na fase adulta. V im os ta m bém que a
passagem ocorre através de rituais e ta bus (a saída do jovem da ca sa
dos pais e a proibiçã o das re laçõe s se xuais com as irm ãs).
N o caso da nossa cultura, m uito m ais com ple xa, não é possível um
ritual único de passagem para a fase adulta. O critério básico é o
determ inante econôm ico, e, assim , ha ve rá condições diferentes de
desenvolvim e nto do jovem pa ra dife re ntes classes sociais. M as, a o
m esm o tem po, a cultura cria um critério m ais geral, que atinge todos os
níveis socioeconôm icos. N a nossa sociedade, tais critérios geralm ente
estão ba seados nas condições de vida das classes m ais privilegiadas.
D esta form a, um ra paz operário, que se te nha casado aos dezesseis
anos e suste nte a sua casa com seu traba lho, ouvirá m uitas veze s
pessoa s dizere m com espa nto: “N ossa, m as tão jovem e já está
casado!”.
E sta e xpecta tiva social de que o jovem ainda não está preparado
para as re sponsabilidades da vida de adulto, a pesar de nã o corresponde r
à realidade de m uitos jove ns, a caba sendo um forte elem ento de
identidade do adole scente. P sicologica m ente o jove m vive a angústia
que representa a a m bigüidade de não ser m ais m e nino e a inda não ser
adulto. Assim , o jovem que assum iu re sponsa bilida des de adulto aos
dezesseis anos irá im aginar-se com o alguém que “perdeu” sua
juventude.
H á um paradoxo a qui. A sociedade obriga alguns jovens a se
tornare m adultos m uito cedo e, ao m esm o tem po, considera esse jove m
adulto com o adolescente. E ntão não te m os a adole scência com o um a
fase definida do de senvolvim ento hum a no, m a s com o um período da
vida que apresenta suas características sociais e suas im plicações na
personalidade e ide ntidade do jovem . E um período de transição para a
fase a dulta que, na socieda de contem porânea, prolongou-se bastante se
tom arm os, com o parâm etro, as socie dades prim itivas. Atualm e nte,
inclusive , é possível falar-se num a espécie de “adulte scência”, que seria
o prolongam ento da adolescência na fase adulta. E ste fenôm eno,
observa do particularm ente nos países ricos, tam bém pode ser
constatado, com m e nor incidência, em nosso P aís. M uitos sã o os fatores
psicológicos, sociais e econôm icos que determ inam esse processo nos
países ricos, com o a dim inuição da oferta de em prego, um a certa
garantia social que possibilita a alguns indivíduos viverem re lativam e nte
bem m esm o sem tra balhar; um a e xce ssiva valorizaçã o da cultura jovem ,
o que le va o adulto a desejar perm anece r eternam e nte jove m .
E ntreta nto, podem os [pg. 296] dizer que esse fe nôm e no não le va à
am pliação do tem po de passagem pa ra a fase adulta, m as dem onstra
que precisa m os repensar os critérios que definem o que é ser jovem e
adulto num a socieda de em consta nte tra nsform a ção, na qua l o trabalho
já não e xerce m ais o papel que e xercia no início da industria l
E ssa fase de preparação para o m undo adulto — a adolescência
ou juve ntude — coloca o jovem num certo estado de “suspensão” e m
relação aos valores e norm as que ele deve a dquirir pa ra e ntrar pa ra o
m undo adulto.
O jovem até agora avaliou o m undo através dos valores da sua
fam ília, m as, a o confrontá-los com os va lores e norm as dos novos
grupos que passa a freqüentar, verifica que os valores fam iliares não são
os únicos disponíveis e que, m uita s ve ze s não se ada ptam a funções que
são agora e xigidas.
S ão m uitos os e xe m plos de valore s ou norm as contraditórios, se
com pararm os um grupo de jovens colegiais e suas fam ílias, m as m uitos
tam bém serão sem e lhantes. Q uando te m os um a norm a ou valor m uito
forte, tanto para a fa m ília quanto para o grupo juve nil, não se correrá o
risco de um a dissonância entre os dois grupos. C ontudo, valores e
norm as im porta ntes e consonante s para esses grupos podem le var a
situações dissonante s e contraditórias.
A coragem , a luta pa ra vencer na vida , a noção de construir-se a si
m esm o, ser inde pende nte, tom ar suas próprias decisõe s e
responsabilizar-se por elas sã o valore s presente s tanto no grupo fam iliar
quanto nos grupos juvenis. Já o uso da droga poderá ser um a norm a
para determ inados grupos juvenis, m a s certam ente será proibido pela
fam ília. E ntretanto, o jovem que respeite os valores fam iliares de tom ar
suas próprias decisões e responsabilizar-se por ela s (valores tam bém do
grupo juvenil), pode rá optar pelo uso de droga, com o prá tica grupal,
apenas para de m onstrar sua cora gem e capacidade de decisão. E le, a o
m esm o tem po que atende u a um valor fam ilia r (cora gem , decisão,
indepe ndência), tra nsgrediu um a norm a do grupo fam iliar de não
utilizaçã o de droga s.
A tendê ncia do jovem será no sentido de e vitar a dissonância,
procura ndo adequa r essas contradições, ora e vita ndo a norm a do grupo
juvenil, ora que stionando os valore s fam iliares. C om o isso ne m sem pre é
possível, será subm etido a um e stado de angústia que re presenta a
am bigüidade de nã o ser m ais m enino e ainda não [pg. 297] ser adulto.
E le quer tom ar de cisões por si m esm o e é ince ntivado para isso pela
fam ília, pela escola , m as, quando procura o novo, o proibido, ele é
duram e nte criticado (e m uita s vezes punido). N e sse plano, a busca de
experiê ncias significativas causa-lhe m e do. E o desejo do novo e o m edo
do desconhe cido.
A propósito, a droga e a AID S re prese ntam dois fortes fatore s de
risco à saúde dos jovens. Isto ocorre e xa tam e nte pela s características
sociais e psicológicas dessa fase da vida. D a inicia ção se xual, que
ocorre cada vez m ais cedo, à opção pelo casa m ento, que ocorre ca da
ve z m ais tarde, há um período longo, no qual o com prom isso
estabelecido por um a rela ção duradoura (com o o noiva do, há algum
tem po) ainda não está de cididam ente instala do. C om o decorrê ncia
destes fatores, os jovens decidem rela cionar-se se xualm e nte e, com
m ais freqüê ncia, com diferentes parceiros, aum e ntando o risco de
contágio pelo H IV (vírus que pode provocar a AID S ). Apesar da s
inúm era s ca m panha s públicas de pre ve nção à AID S (a principal de las
incentiva o uso da cam isinha), sabe-se que o com porta m ento do jove m
tende a ser negligente e que ele confia, basicam ente, na sorte. U m dos
fatores psicológicos que o le va a essa negligência é a fantasia de
onipotê ncia. E xem plo: “isto a contece com os outros, m as com igo nã o va i
acontecer!” E ssa fa ntasia é positiva em m uitos m om entos, m as, neste
caso, torna-se , particularm ente, m uito perigosa.
O m esm o ocorre cora o uso de drogas. O m ercado das drogas
profissionalizou-se. Isso significa dizer que este m ercado é controla do
por cartéis que vivem na clande stinidade e no m undo do crim e. A
com ercializaçã o da s drogas transform ou-se num negócio altam ente
rentá vel. A droga perdeu o ar “alternativo” que lhe foi atribuído pelo
m ovim e nto de contracultura da déca da de 70, transform ando-se num a
m ercadoria de consum o com o outra qualquer — com o agra vante de se r
ilegal e alta m ente prejudicia l à saúde. P ode-se dizer que, da m esm a
form a que há o marketing do cigarro, do refrigerante etc., e xiste o
“marketing” da droga, que ta m bé m utiliza a s m e sm as técnicas de
persuasão com o fatores de alienação, diferenciando-se do prim eiro por
ser feito na clandestinidade (veja ca pítulo 19, M eios de C om unica ção de
M assa). Assim com o as drogas le galizada s passam a repre sentar
sím bolos de auto-a firm ação na a dolescê ncia — citam os com o e xem plos
o cigarro e a bebida alcoólica — a droga ilegal tam bém ocupa seu
espaço nesse circuito. Bem , são m uitos os sím bolos de auto-afirm ação
na adolescência e m uitos deles sã o le gítim os (vale ressaltar aqui que
outras cultura s tam bém utilizam esquem as para provar o valor do jovem ).
O corre que, num a socieda de com o a nossa, na qua l im pera a lei do
m ercado, o jovem (e tam bé m o a dulto e a cria nça) fica à m ercê dos
esquem as [pg. 298] de convencim ento do sistem a com ercial, que
explora m uito bem e sse cam po psicológico da necessidade de sím bolos
e, particularm ente, de sím bolos a uto-afirm ativos. P or tratar-se de
com ércio, ao
“vende dor”
interessa
ve nder e
ve nder cada
ve z m ais.
Assim , o
m ercado é
abastecido não
só com drogas
As drogas legalizadas, como o álcool e o tabaco, passam a representar
símbolos de auto-afirmação. sofistica das e
caras, com o os opiá cios, m as com droga s baratas, acessíveis a qualque r
um , com o o crack. O grande problem a encontra-se, sem dúvida, no fator
de alie naçã o produzido pelo esquem a com ercial, que captura o jovem (e
não som ente e le) no seu ponto frágil — a m oral. C omo consum idor, ele
enfrentará o ine vitá vel problem a de saúde gerado pelo uso freqüente de
um produto que poderá le vá-lo não só à dependência física e psicológica,
m as à m orte.
Antes m esm o de perceber e m se u corpo as conse qüê ncia s
orgânicas do consum o de drogas, o usuário e ntrará em um circuito no
qual a dose ou qua ntidade a nteriorm ente consum ida já não lhe propiciará
o efeito desejado, o que o levará a aum entar, ca da vez m ais, a
quantidade e a freqüência do consum o para sa tisfazer-se. E ssa cira nda o
conduzirá a um esta do de perm anente le targia, im pedindo-o de produzir
(estudar ou tra balha r) e torna ndo-o anti-social (perde os a m igos e os
laços fa m iliare s).
É preciso m e ncionar aqui que não é necessário possuir um perfil
psicológico específico para se tornar um na rcode pe ndente. O
consum idor da droga não é alguém que está infeliz ou que precise da
droga para superar problem as de qualquer ordem . A droga (incluindo o
cigarro e o álcool) é um produto que fornece um prazer im ediato e é esse
prazer que irá garantir o consum o (além de fatores desencadea dos pelo
próprio grupo). Assim , não estão livre s da dependência m e sm o aqueles
que e stão absoluta m ente seguros de que nã o têm o perfil [pg. 299] do
consum idor pesado (os que consom em com m uita fre qüência) e que só
consom em drogas m odera dam e nte. H á fatores orgânicos que podem
estim ula r o consum o, le vando o organism o a se ntir “falta” do produto.
Assim , quando a pessoa se der conta , não terá com o a bandonar o
consum o. As ne urociências estão a vançando m uito nos e studos dos
neurotransm issores e, prova velm e nte, nã o vai de m orar m uito tem po para
que seja elucidada a m aneira com o se dá a de pendência. T al avanço
certam e nte nos le va rá na direçã o da superaçã o dessa depe ndência. O
prejuízo psicológico tam bém é conside rá vel e, no m om ento, a “vontade”
de abandonar o vício tanto do álcool, quanto das substância s narcótica s
ou quím icas, é o principal fator de cura.

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
E m term os e volutivos, as bases para a cogniçã o, de acordo com
P iaget, estão pronta s por volta dos 1 1/1 2 anos de idade. M as o jove m
não será considerado preparado, pela sociedade, para assum ir a posição
de um adulto. N o ca so bra sileiro, a m aioridade civil é dada a os 21 anos,
e a m aioridade pe nal aos 18.
E sse padrão obe dece à lógica da sociedade de classes, onde a le i
geral é a da dom inação. N e ste ca so, a dom inação do adulto sobre o
jovem . O adulto dete rm ina o que de ve m os esperar do jove m ; o problem a
torna-se aqui um a questã o política para a juventude. F rase com o
“Jovem , você é o futuro da nação!” tem um conte údo verda deiro, m as
com algum a coisa com o “V eja bem o que você vai fazer, e sta m os de
olho e m você”. A fam ília, a escola, as instituiçõe s em geral, que
procura m form ar o jove m , busca m ao m e sm o tem po controlá-lo, para que
o jovem de hoje seja o adulto com porta do de am a nhã.
M as o jovem é o que tem a vida pela frente. E le tem direito a o
sonho, à utopia. O com positor de m úsica popular bra sileira R aul S eixas
diz em um a de sua s m úsicas:

“um sonho que se sonha só


é só um sonho que se sonha só
m as um sonho que se sonha junto
é a realidade ”

O s jovens parecem perceber essa sua força. E m alguns m om entos


eles resolvem sonha r juntos, e a utopia acaba em transform ação social.
E m outros, sucum bem à ordem social vigente que não suporta o seu
ideal tra nsgre ssivo. [pg. 300]
P ara garantir esse
ideal transgressivo, o
jovem organiza-se em
grupos, com o as ga ngues,
os grupos punks, os
grupos de m otoqueiros, os
grupos de política
estuda ntil etc. , busca um a
subcultura e um a
Os jovens buscam identidade própria quando se organizam
identidade própria . H á aqui em grupos de interesse.

um a especificida de no
processo de socia lização, que, nesse período, com bina os valores
tradicionais da sociedade às e xpectativas (produzidas pela subcultura)
de um grupo que está por aconte cer.
E ste fenôm eno tem se acentua do em gra ndes cidades. N a pe riferia
da cidade de S ão P aulo, por e xem plo, ocorre um a interessa nte form a de
grupalização de jove ns atra vé s de um m ovim ento m úsico-cultural
cham ado rap. Alguns grupos, com o os R acionais M C , que na sceram nos
bairros periféricos, são hoje conhecidos na cionalm ente e têm vários C D s
gra vados. O m ovim ento rap não se configura com o um m ovim e nto
cultural de elite ou tradicional. E le aglutina um a enorm idade de pequenos
grupos que se reúnem fre qüentem ente e discutem um a espécie de
proposta de ação, utiliza da por ele s com o um program a m ínim o. As
letras dos rappers tê m sem pre um conte údo de crítica à circunstância de
exclusã o e opressã o vivida por esses jovens m oradores da periferia e,
com a grupalização, eles não som ente irradiam essa crítica com suas
m úsicas, com o discutem form as de defe sa contra a e xclusã o social.
E m outros m om e ntos, a organizaçã o pode não te r esse caráter
propositivo e estar capturada pela s força s reativas da própria socieda de,
forças essas conta m inada s de caráter conservador e discrim inatório,
com o ocorre com a s gangues do tipo skin-heads, prom otoras de um
ideário fascistóide.

Muco. Folha de S. Paulo.

[pg. 301]

P or força da circunstância de vida e da form a com o se e xpre ssa o


cam po social, o a dolescente acaba por a presentar uma certa labilidade.
E m alguns m om e ntos não acre dita em na da a não ser nele m esm o e, em
outros, torna-se presa fácil dos a pelos consum is-tas dos m eios de
com unicação de m a ssa.
O jovem está no m eio do cam inho. Atrás de si tem toda um a
infância , onde a fa m ília, a escola e os pequenos grupos de am igos
deram -lhe proteção, segurança, ao m esm o te m po que lhe oferece ram
um conjunto de valores, cre nças e referências que form aram sua
identidade. D iante de si tem um futuro com o adulto, adaptado à
socieda de, e m que segura nça e proteçã o são pretensam ente ofe recidas
pelas instituições sociais — a fábrica, o e scritório, a fam ília — , da qual se
espera que e le seja o ator social.
No seu período de juventude, a socieda de perm ite-lhe
transgre ssões, oposições, que stionam entos, criaçã o de subculturas com
seus dialetos e tra jes característicos. É com o se a sociedade lhe
dissesse: “Aproveite agora, que depois
será tarde dem ais, precisare m os de você
para outras tarefa s” (a produção da
riqueza social).
E ntreta nto, suas condições
intelectuais perm ite m -lhe e nfrentar esta
etapa com criativida de, se us afetos dão-
lhe a agre ssividade necessária para o
O grafite é uma forma de questionam e nto e a oposiçã o, se us pare s
comunicação juvenil que se
transforma em arte.
dão-lhe a certeza de que ele está certo.
M as o m undo adulto o atrai. P or se
perceber no m eio do cam inho, tem entã o m uita s dúvidas. Q uais os se us
valores e quais aqueles que lhe estã o sendo im postos? Q uais suas
certezas? O que va i ser, afinal de conta s, quando se tornar adulto?
A superação dessa crise, assim é o que a socie dade espera dele,
significa o aba ndono de suas utopias, de seus gestos transgressivos, ou
seja, a adaptação do jove m à condição adulta, sua entrada para o
m undo do tra balho e a possibilida de de form ar sua própria fam ília.
E sta perspectiva parece som bria , já que não pre vê a possibilidade
de transform ação social, m a s cabe ao jovem lutar pela altera ção das
condições que criam esse vácuo nas nossas vidas (a fase da juventude
na sua form a atual), buscando um a sociedade que saiba pre parar seus
jovens ao m esm o te m po que lhes garanta a participa ção social. E então
podería m os, com o Lem inski, dizer:
“quando eu tiver sete nta anos
então vai aca bar e sta adole scência (...)” [pg. 302]

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A SEDUÇÃO DOS JOVENS
N e ologism o surgido na Ingla te rra e xpre ssa a pe rm a nê ncia dos va lore s
a dole sce nte s na vida adulta com cha rm e lingüístico e pe rtinê ncia .
CONTARDO CALLIGARIS4
e spe cia l pa ra a F olha

A im pre nsa de m oda e com portam ento cunha com freqüência


novas pa la vras. Afinal, ela descre ve um a realidade que m uda
rapidam ente e tam bém registra term os inventa dos pelos próprios a tore s
da vida social.
D as pala vra s que assim nasce m e m orrem a cada se m ana,
algum a s sobre viventes se im põem e chegam até as portas dos
dicionários.
É o caso de adultescência (adultesce nte), inve ntada pela im prensa
no ano passado, já incorporada a um glossário e quase a dotada pelo
New Oxford Dictionary of English. O suce sso de um neologism o depende
de se u charm e lingüístico e de sua pertinência. Q uanto ao charm e,
adultescência está bem -servida. M ais do que construção deliberada ,
parece um a espécie de lapso ou de chiste — contraindo a s pala vra s
adulto, adolescente e sobretudo adolescer (que, além de rem oçar,
significa a tingir a a dolescência). D e ta l form a que o a dulte scente é um
adulto que se faz de adolescente, quem sabe para rem oçar, m a s
tam bém é um adulto que tenta (e consegue) atingir sua própria ida de: a
m aturidade.
R esta decidir se a inve nção é pertinente.
O Oxford projeta va definir o adultescente com o a pessoa a dulta
(particularm ente de m eia-ida de) que m a ntém um estilo de vida próprio de

4
Contardo Calligaris é psicanalista e ensaísta.
adolescentes. P arece que os e xem plos não falta m . T ornou-se qua se
lugar-com um observar que adultos dos a nos 80 e 90 (ou seja, os baby-
boomers che gados aos 40 anos) adota m facilm ente m odas,
com portam entos e e stados de espírito adolescentes. Aparece assim um a
galeria de retratos: são os carecas de rabinho e patins, os flácidos
tatuados, os a vôs surfe-praia nos e por aí vai indefinidam e nte. M as, alé m
das diferente s adolescências que este s adultos pare cem caricaturar,
resta a pergunta: por que im itar a adolescência e qual a sua se duçã o
para o adulto m oderno?
D e qualquer form a, para que a adolescê ncia seduza os a dultos é
necessário prim eiro que ela e xista. S ó recente m ente ela se tornou um a
idéia forte na nossa cultura. O conceito de um m om ento crucial e crítico
da vida, entre a infância e a idade adulta, se afirm a no fim do sé culo
passado. A adolescê ncia é vista com o um m om ento difícil, a rriscado, de
prepara ção e a cesso ao e xercício da se xualida de e da plena autonom ia
social. E la é concebida (por e xe m plo, na obra canônica Adolescence, de
S tanle y H all, 19 04) com o o corolário psicológico e social de um a crise
biológico-horm onal de crescim ento.
As coisas m udam quando a a ntropóloga M argaret M ead publica,
em 1928 , Corning of Age in Samoa (C rescendo em S am oa), com o
intento e specífico de m ostrar que os tem pos da vida não são ciclos
naturais ou biológicos, m as culturais. M ead m ostra que a a dolescê ncia
nas Ilha s S a m oa m al m erece ser conside rada um m om e nto e specífico da
vida. O u seja, a adolescência com o nós parece m os conce bê-la não é a
traduçã o psicológica obriga tória das tem pestades horm onais da
puberdade. “O e stre sse (da adolescê ncia)” — ela afirm a va — “está em
nossa cultura, nã o nas m udanças físicas pela s quais passam as
crianças”.
T ornava -se e ntão possível e nece ssário se perguntar por que, logo
em nossa cultura , a adolescência se constituiria num a época
proverbialm ente difícil e crucial. A resposta de M ead [pg. 303] vale ainda
hoje. E m resum o, e la dizia; e m um a sociedade aberta com o a nossa —
onde a função social de ca da um não é decidida de antem ão — a
adolescência é um m om ento de grande intensidade dra m ática, por ser o
tem po da possibilidade (e necessida de ) de preparar e fa zer escolhas
decisiva s para a vida futura.
A adolescência com o época diferenciada da vida seria a ssim um
corolário da liberdade m oderna. C om o nossa nascença não decide o que
virem os a ser, resta batalha r para a lgum a felicida de futura. A infância se
estende assim em um tem po m enos protegido, no qual a e xpectativa dos
pais não se contenta m ais com nosso sorriso de criança, m as e xige
esforços e de cisõe s que prom eta m algum ê xito da vida adulta.
E sta m oratória alé m da infância (com o E rikson cha m a va a
adolescência ) ganha um a autonom ia surpree ndente. T em po de
experim entação com possíveis identidades sociais, de crítica do
existente, de sonho e de prepara çã o (escola ou a pre ndizado), a
adolescência se torna um a é poca culturalm ente distinta e sofisticada.
Aqui, o m ais im portante: ela se torna ine vita velm ente o ideal da
vida adulta, pois é o tem po da libe rdade de escolher — de um a certa
form a, o sím bolo da m odernidade . P or isso, em um a socieda de m oderna,
o adolesce nte — seja qual for a sua escolha cultural — é sem pre
invejá vel, por defini’
N os a nos 50 e 60 um desconte ntam ento bem particular atra vessou
o O cidente. As classes m édias, em bora prosperando, se preocupa ra m
com a am e aça de sua progressiva uniform idade: a dita m assificação. E ra
com o se os cidadãos do O cidente recea ssem um a volta sub-reptícia da
socieda de tra diciona l, em que o cam po das escolhas e dos possíveis se
reduziria , em que a vida seria a m e sm a para todos e pre vista de
antem ã o. A reaçã o foi justam ente um a valorização da a dolescê ncia
com o im a gem e garantia de liberdade, com o tem po de livre escolha, de
acesso aberto a um a diversidade de ide ntidades possíveis.
N osso ide al educativo passou a prezar a independência do jove m
m ais do que sua e ve ntual obediência. E m sum a, a é poca e a cultura
precisa vam de rebe ldia. D esde então a adolescência invadiu a cena
social. S ua dura ção cresceu violentam ente. A escola obrigatória e acon-
selhada em purra o fim da adolescência para os 3 0 anos.
P or outro lado, o a um ento da e xpectativa de vida propõe um a
segunda adolescência, após a dita vida ativa . E m um passado recente, a
vida term ina va m ais ou m enos quando aca bava a tarefa de educar os
filhos. H oje, a terce ira ida de obriga de novo a escolher, a renovar o
contrato de nossa cultura inve ntando um outro possível. A aposenta doria
(do trabalho e dos deveres parentais), longa de m ais para ser um te m po
de garagem na fre nte do cem itério, nos confronta com um a nova
adolescência . O lhe m os presidente s norte-am ericanos: que fará C linton
depois da presidê ncia? F estejará, com o Bush, aniversários pulando de
pará-quedas? M as de fato a adolescê ncia im põe sua form a a cada
instante de nossa vida. S obretudo a partir dos anos 70 (o fam oso livro
Passages, de G ail S heel, é de 19 76), a própria vida a dulta — este tem po
entre os 30 e a aposentadoria, que deveria ser o m om ento nã o-
adolescente, m aduro de nossas vidas — com eçou a ser pensada com o
sucessã o de um a série de crises de m eia-ida de. O u seja, com o
obrigação perm a nente de se reinventar, de continuar sendo a dolesce nte .
O adolescente porta nto é o he rói para todas as estações. Aliás, o que
define o a dolescente não é m ais sua idade. S e Leonardo D iC a prio (e nã o
John W ayne ou C a ry G rant) é o herói contem porâne o, não é por causa
de sua idade ou de sua beleza de efe bo. D iC aprio em Titanic e M att
D am on e m Good Will Hunting são heróis não por serem jovens, m as por
estarem suspe nsos e flutuarem no ca m po aberto dos possíveis. D e
braços a bertos para o futuro, erguidos na proa do na vio, eles estã o
adolescentes.
E star adole scente é um traço norm al da vida adulta m oderna. É
um a m a neira de afirm ar a possibilidade de ainda vir a ser outro. [pg. 304]
D este ponto de vista , pouco im porta se a adolescência idealizada e
perseguida é a nossa m esm a, a de nossas crianças ou de nossos netos.
P ouco im portam os traços da cultura adolescente que pode m os adotar.
P ois, por m eio destas preferê ncias variadas, idea lizar a adolescência é
um gesto celebrador de nossa própria cultura, um a maneira de tecer o
elogio da liberdade.
D ifícil para todos. P ara os adolescentes, que não sa bem m ais
com o ser rebeldes, pois a rebeldia é um valor esta belecido. P ara os
adultos, pois — pela m esm a razão — , com o pode m um dia desistir de
ser rebeldes, ou se ja, adolesce ntes? R esta-nos, em vez de crescer,
seguir a dulte scendo.

Folha de S. Paulo, 2 0 de setem bro de 19 98.

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1. O que é a dolescê ncia?
2. A adolescência é um a fase natural do desenvolvime nto hum ano?
3. E xiste diferença e ntre adolescê ncia e juventude?
4. P or que a adole scência não é igual para todos os jovens?
5. E xplique o fenôm e no aqui cham ado de “adultescência”.
6. P ara o adolesce nte, o que seria o desejo do novo e o m edo do
desconhecido?

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1. “U m sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só, m as um
sonho que se sonha junto, é a realida de.” O trecho desta letra de um a
m úsica de R a ul S eixas aponta para o ca m po da utopia. D iscuta com
seu grupo os lim ites e as possibilidade s do jovem hoje e a atua lidade
dessa letra.
2. D ebatam sobre a orige m e o com portam e nto de um grupo que
represe nte um a subcultura jovem . C om pa rtilhem as conclusõe s com a
classe.
3. C onversem sobre sua situação de vida com o jovens. C onsiderem se us
desejos, suas lim itações, o m undo dos adultos, os outros jove ns, o na-
m oro etc. Apresente m as conclusões do grupo para a classe.
4. E m nossa sociedade, com o as instituições e ducacionais e culturais
canalizam a rebeldia do jove m ?
5. U m a m úsica brasileira dos a nos 70 afirm a va: “N ão confie e m ninguém
com m ais de 30 anos...”. V ocês concordam com essa afirm a ção? P or
quê? [pg. 305]

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Para o aluno
F ugindo um pouco à regra da s nossa s indicações bibliográ ficas,
pela especificida de que este te m a tem pa ra o principal leitor deste livro, o
próprio jovem , indicarem os livros que sugiram m ais a refle xã o que a
discussão teórica e que este jam m ais conectados com a vida do jove m :
Cléo e Daniel, de R oberto F reire (S ã o P aulo, Brasiliense, 1968),
Menina Isabel, de M aria José D upré (S ão P aulo, S ara iva, 1965), e
Morangos mofados, de C . Abreu (S ão P aulo, Bra siliense, 1983) são
livros que contam histórias de adolesce ntes.
Pergunte ao pó (S ão P aulo, Bra siliense, 1984), de John F ante ,
conta a s a ve nturas de um adolescente a m ericano.
R elacionam os, a se guir, alguns livros de poesia s que certa m ente
interessarão aos jovens: Caprichos e relaxos (S ão P aulo, Brasiliense,
1983), de P aulo Lem inski; Uivo-Kaddish e outros poemas (P orto
Alegre, L&P M , 19 84), de AlIen G insberg; O amor é uma droga pesada
(S ão P a ulo, V e rtente, 1983), de M a ria R ita Kehl; e A correspondência
de Arthur Rimbaud (P orto Ale gre, L&P M , 198 3), escrita por Arthur
R im baud, antes dos 1 7 anos.

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Vidas sem rumo. D ireção F rancis C oppola (E U A, 1983) – U m bom
film e pa ra debate r sobre a juve ntude , sua rebeldia, suas gangues e sua s
norm as.
Peggy Sue — seu passado a espera. D ireção F ra ncis C oppola
(E U A, 1986 ) – F ilm e sobre um a m ulher que desm aia num a festa de e x-
alunos e volta a o passado, à sua a dole scência, m as com m entalidade
adulta.
Fome de viver. D ire ção T ony S cott (E U A, 198 3) – D e ntre as vária s
possibilidade s de le itura deste film e, um a delas é o questiona m ento
possível da socieda de atual sobre o m edo de e nvelhecer — a busca
incessa nte da eterna juventude.
Basquiat. D ireçã o Julian S chnabel (E U A, 1996) – M ostra a vida
turbule nta de um jovem e ge nial a rtista plástico.
O selvagem da motocicleta. D ireçã o F rancis F ord C oppola (E U A,
1983) [pg. 306]
C AP ÍT U LO 2 1

A escolha de uma profissão1

Alexandre: 17 anos
P rocurou conciliar a realizaçã o pe ssoal com a re alização
financeira, m as não conseguiu. G ostaria de fazer F ilosofia, m as vai ser
analista de sistem a s. S abe que sua escolha é influenciada pela crise
financeira.

Wilma: 16 anos
V ai cursar P sicologia, m as pretende continuar seu curso de
trapezista, pois é isso que gosta m esm o de fazer.

Gustavo: 17 anos
F ilho de um em pre sário m uito bem -sucedido, que já traçou o
destino de G usta vo: vai suceder ao pai na direção das em presas. G us-
ta vo pre para-se pa ra isso e nunca pensou em ser outra coisa na vida.

Lídia: 18 anos

1
Os autores agradecem ao prof. Silvio Duarte Bock, do Nace — Orientação Vocacional e Redação —
pela sua contribuição na revisão deste capítulo e pelas sugestões de atividades que utiliza em seu
programa de orientação profissional.
D e fam ília m uito pobre, pre tende arra njar um e m prego para
custear seus estudos superiores. Q ue r ser m édica. N ão sabe se va i con-
seguir passar no vestibular e se va i conse guir sustentar sua escolha.

Pedro: 17 anos
F ilho de intele ctuais, professores de universidade, P edro nã o quer
saber de fazer curso superior. P retende ser m otorista de ca m inhão. [pg.
307]

Virgínia: 16 anos
Q uer ser engenhe ira m ecânica, m as tem m edo, pois sabe que esta
profissã o não tem boas perspectivas para pessoa s do se xo fe m inino.

Renato: 18 anos
S eu de sejo m esm o era ser orga nista, m as sabe que pobre nã o
pode escolher este tipo de profissã o, pois é certo que não será bem -
sucedido. P re tende fazer um curso de Adm inistração.

Júlia: 16 anos
E stá na dúvida entre P sicologia e P e dagogia, pois o que pre tende
m esm o é ca sar. P or isso, quer fazer um curso que lhe a jude de algum a
form a a criar seus filhos.

Francisco: 17 anos
F ilho de torneiro m e cânico que tem luta do a vida toda pa ra que o
filho não seja com o ele, um operário. Q uer que o filho seja advogado,
m as F ra ncisco deseja ser com o o pai: torneiro m ecânico.
Lia: 16 anos
P retende cursar a universidade, m as nã o tem a m enor idéia em
que curso — S erviço S ocial, F onoa udiologia, P sicologia, T erapia
O cupacional — qualquer um desses, pois pretende ajudar as pessoa s.

Flávio: 17 anos
Q uer ser pe dagogo, m as a fam ília quer que faça Adm inistração,
pois “P e dagogia não é curso para hom e m ”.

Lumena: 15 anos
Acha que e stá na hora de pensar na e scolha de sua profissão.
M as, num m undo com tantas dificuldade s, tem m uito m e do de optar por
apenas um a profissão — nã o só de optar por um a profissã o só porque
seu m ercado está em asce nsão, com o tam bém de escolher um a
profissã o de que goste, m as que não lhe dê condições de sobre viver.

Lino: 17 anos
N ão e stá a fim de escola, de trabalho e nem m e sm o de tom ar
conta dos negócios do pai. Q uer m esm o é curtir a vida — violão, surf e
as gatinhas. E o filho rebelde.
E sses e xe m plos refletem os conflitos, as pressões e os m ais
va riados aspe ctos presentes na escolha profissional. P retende m os
neste capítulo refletir sobre essa escolha, tentando abordá-la
criticam e nte. [pg. 308]

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A idéia de que o indivíduo e scolhe sua ocupaçã o ou profissão a
partir das condiçõe s socia is e m que vive e e m funçã o de suas
habilida des, aptidõe s, intere sses e dons (vocaçã o) nã o é um a idéia que
sem pre e xistiu. É algo que te ve início qua ndo se instalou na socieda de o
m odelo de produção capitalista.
Antes do capitalism o, o indivíduo tinha sua ocupação determ inada
pelos laços de sangue, sua ocupaçã o vinha de berço. O s se rvos teria m
seus filhos e netos sem pre servos; os se nhores se riam sem pre senhores.
N o capitalism o, o indivíduo liberta-se dos laços de sangue. Agora ,
ele pre cisa vende r sua força de trabalho para sobre viver. N a da m ais é
determ inado “naturalm ente”.
N o capitalism o, o indivíduo “pode tudo”. O filho do operário não
será obrigatoriam ente operário. P ode até ser doutor, desde que se
esforce, e stude, tra balhe e lute . T udo depende dele. S eu destino está
nas sua s m ãos, com o nos fa z crer a ide ologia do capitalism o.
E , então, é neste m om ento que a escolha da profissão se coloca
com o questão. S e tudo e stá nas m ãos do indivíduo, o m om ento de sua
escolha profissional torna-se de sum a im portância. T eorias, técnicas,
idéias passa m a ser desenvolvida s para facilitar e sse m om ento decisivo.

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S erá m esm o a escolha profissional o m om ento m ais im portante na
vida de um jovem ? S erá a escolha de um a profissão a e scolha m ais
im porta nte que um indivíduo faz e m sua vida?
S em dúvida, a m aior parte de nosso tem po no dia-a-dia é ocupada
com o trabalho. Isto porque, principalm ente em um a socie dade capitalista
dependente (subdesenvolvida) com o a nossa, para acum ular capital,
necessitam os a rregim entar nossas e nergias atra vés do traba lho (que é o
produtor das riqueza s).
S abem os que, depois de um a certa ida de (e esta ida de varia de
acordo com as classes sociais), tere m os de trabalhar para sobre viver, e
ningué m neste m undo gostaria de passar o resto de sua vida dedica ndo
energia s a algum a tarefa que lhe de sagrada. Assim , a escolha de um a
ocupação ou de um a profissã o torna-se m uito im portante para o jovem .
Além disso, nossa socieda de e sua ideologia responsabilizam o
indivíduo por suas escolha s, cam uflando todas as influências sociais
determ inante s de sua opção. F ica a ssim sobre os om bros do jovem [pg.
309] a responsabilidade de, considera ndo todas a s condições, seus
interesses e possibilidades, realizar sua e scolha profissional.
C om isto estam os querendo dizer que, sem dúvida, o m om e nto da
escolha profissional é im portante para o jovem , pois é um momento de
conflito — im a gine -se na frente de um a vitrina de doces, tendo que
escolhe r apenas um deles sem e xperim entá-los — e é um m om ento de
escolha de um futuro profissional, que ocupará a m aior parte do
tem po de sua vida.
N o entanto, nã o podem os considerar que o futuro de um a pessoa
dependa e xclusiva ou principalm e nte de sua opção profissional e,
tam pouco, que a escolha de um a profissão não possa ser, a qualque r
m om ento, alte rada.
A construção de um futuro é resultado da com binação de um a
série de fatores, dentre e les a escolha de um a profissão. Assim ,
podem os dizer que a escolha profissional — que é um m om ento de
conflito e por isso um m om ento difícil — é um fator im porta nte, m as nã o
exclusivo, na construção de um futuro.
E ainda cabe ressaltar que a escolha de um a profissão não é algo
sim ples, pois e xiste m influê ncias sociais, com ponentes pe ssoais e lim ites
ou possibilida des entrando neste jogo. O im portante é que, quanto m a is
o indivíduo com pre ende e conhece esses fa tores, m ais controle terá
sobre sua escolha.

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O s fatores que influem na escolha profissional são m uitos, com
peso e com posiçã o diferente s na história individual dos jovens.
P rocura m os organizar estes fa tores e m quatro categorias (para efeito de
um a e xposiçã o m ais clara), m a s gostaríam os de deixar claro, desde o
início, que esses fatores estão em perm ane nte interaçã o e que é
exatam ente esta com binação entre eles que caracteriza o quadro ge ral
da escolha profissional. V am os lá !

CARACTERÍSTICAS DA PROFISSÃO
Q uando pensam os em escolher algo, de im ediato te m os de
conside rar as características dos dive rsos objetos que se nos
aprese ntam com o passíveis de serem e scolhidos. N ossos objetos [pg.
310] aqui são ocupações, profissões. P or isso vam os considerar: o
m ercado de trabalho, a im portância social e a rem une ração das
profissões e ainda o tipo de tra balho e as habilida des necessárias ao seu
desem penho.

MERCADO DE TRABALHO
T erem os ou não e m prego nesta profissão? S em dúvida , um a
pergunta im portante que o jovem de ve fa zer-se, m as de difícil resposta.
P or quê ?

Ao escolher a
profissão, é importante
considerar o mercado
de trabalho; contudo,
por ser instável, esse
mercado não pode ser
apontado como fator
decisivo da escolha.

E ntende-se por mercado de trabalho a ve nda e a com pra da força


de traba lho. Q uando se diz que o m ercado de trabalho de um a
determ inada profissão está saturado, está-se querendo dizer que o
núm ero de profissionais procurando ve nder sua força de tra balho (ofe rta)
é m aior que o núm ero de em pregos (procura).
O s fatores que determ inam o m erca do de trabalho (a relação entre
a oferta e a procura) são fundam enta lm ente re lacionados à política
econôm ica de um pa ís. Assim , num m om ento de rece ssão econôm ica
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
Q uando acontece essa retraçã o do m ercado, há,
concom itante m ente, um aum e nto dos requisitos nece ssá rios para a
ocupação de cargos. P or e xe m plo, passa-se a e xigir um gra u de
escolarização [pg. 311] supe rior ao que se e xigia anteriorm ente , um
núm ero m aior de a nos de e xperiê ncia na quele tipo de trabalho etc.
O utro fator que acom panha o aum ento da oferta de m ão-de-obra e
a dim inuição da procura é o
Apesar de receber pouco valor social, o trabalho
realizado pelos lixeiros é um dos mais rebaixa m ento salaria l.
necessários à sociedade.

O m ercado de trabalho,
portanto, nã o é algo está vel.
Assim , no m om ento em que o
jovem se coloca e sta questã o, o
m ercado de dete rm inada profissão
pode ser prom issor, m as e m pouco
tem po e sta situação poderá ter-se
invertido. P or isso, a pergunta se
tere m os ou não e m prego é de
difícil resposta .

IMPORTÂNCIA SOCIAL E
REMUNERAÇÃO

T odos nós querem os


trabalhar e m algum a profissão que
tenha im portância social e que seja
Por que o trabalho intelectual é mais valorizado
2
Silvio
que Bock et alii. In: Guia do estudante, p. 19.
o manual?
bem rem unera da — pelo m enos um a re m unera ção m ínim a para garantir
um bom padrão de vida.
E aqui se coloca um a questão im portante. Q uais são a s profissõe s
m ais im portantes socialm ente? H á um a relação direta entre im portância
e rem uneraçã o?
C onsiderando essas questõe s do ponto de vista da socie dade
com o um todo, pode m os dizer que todas as profissões têm im portância
social, pois todas elas respondem a algum tipo de ne cessidade social e
contribuem para a m anutenção da vida em socieda de. Assim , podem os
perceber, por e xem plo, que os lixeiros (trabalha dores tão desvaloriza dos
em nossa socie dade) são m uito im portantes, pois respondem pelo
recolhim ento do lixo, o que garante as condições bá sicas de saúde da
popula ção. E m alguns lugares, quando os lixeiros fizeram greve, foi
possível perceber claram ente a im portância de seu trabalho. S em o
recolhim ento do lixo, aum enta o núm ero de ratos, de doença s etc. [pg.
312]
N o entanto, sabe-se que a socie dade atribui dife rente prestígio às
profissões. N a história de nossa sociedade, as profissões liga das ao
trabalho m anual tê m tido m enos pre stígio social do que a s profissõe s
ligadas ao tra balho intelectual.
Assim , em nossa sociedade, as profissões responsá veis pe la pro-
dução da riqueza m aterial sã o despre stigiada s e, portanto, oferece m
baixa rem uneração. H á, sem dúvida , nesta que stão, o problem a da
necessidade ou não de especialização (profissões ligadas à atividade
intelectual e xige m m aior especializa çã o, estudo e perm a nente aper-
feiçoam ento), m a s há tam bém a nece ssidade socia l de rem unerar pouco
aquele s setores que precisa m de m ais ge nte trabalhando.
E sta que stão de pre stígio e rem uneraçã o é bastante com ple xa e
não a e xplorare m os aqui. M as quere m os deixar claro que ne m sem pre o
prestígio social significa re m une ração condize nte e que ne m m esm o
significa que esta ocupaçã o seja m ais, ou m enos, im porta nte que a s
outras.
HABILIDADES NECESSÁRIAS PARA O DESEMPENHO
T oda profissão tem seu rol de pré-re quisitos necessários. O s
requisitos e o tipo de trabalho que se realiza de ve m ser considera dos,
quando pensam os e m escolher um a profissão. N ão de vem os pensar nas
profissões apenas pela aparência : prestígio, rem unera ção ou m ercado. A
profissã o de ve ser vista por de ntro — o que realm ente faz um
profissional daquela área?
E quando falam os e m pré-re quisitos, surge logo a questão de ter
ou não as habilida de s necessárias.
Acredita m os que todas as pessoas pode m e xercer qualquer tipo de
profissã o (e xcluídos os e xtrem os: um deficiente físico ser jogador de
vôlei, um surdo ser m aestro etc.), de sde que tenham condições para
adquirir as ha bilida des e conhecim entos necessários para se u e xercício.
A escolaridade é, sem dúvida, em nossa sociedade, um dos
fatores m ais valorizados e te m sido e xigida com o requisito m esm o de
ocupações consideradas sim ples. E sa bem os que a possibilidade de
acesso e perm anê ncia na escola está diretam e nte rela cionada à
condiçã o social e e conôm ica do grupo fa m iliar.
Assim , podem os concluir, sem o risco de serm os e xage rados, que
os fatores que determ inam a escolha de um a profissã o são de nature za
econôm ica e social (e não biológica), ligados direta m ente às
oportunidades de escolarização do indivíduo.
P osteriorm ente voltarem os a analisar a que stão do dom , da
vocaçã o. [pg. 313]

O CAMINHO PARA SE CHEGAR A PROFISSÃO


D iretam ente ligada à nossa discussão anterior, aparece a questã o
da trajetória que o indivíduo de ve percorrer para adquirir um a profissã o.
Aqui dois problem as são básicos: a escolarizaçã o e o vestibular e
os custos da form ação.
A ESCOLARIZAÇÃO E O VESTIBULAR
A crença de que o esforço individual é o único fator responsá ve l
pelo sucesso escolar e pelo ingre sso na faculdade deve ser
desm istificada .
Em nossa
socieda de, é sabido que o
fator e conôm ico pesa
m ais que o e sforço
individual, ou, m elhor
dizendo, o fator
econôm ico propicia que o
esforço individual seja
O vestibular tem reforçado o mito do esforço individual; recom pensado.
mas, mesmo que todos se esforcem, não há vagas.
Assim , o aluno
proveniente das classes m ais alta s da socie dade te m m aiores cha nces,
pois dispõe de tem po para dedicar-se aos estudos e não trabalha (ou
não e xerce atividades profissionais m uito desgastantes); te m condiçõe s
de alim entar-se be m , de descansar be m ; tem dinheiro para com prar o
m aterial nece ssário para o estudo etc.
O que ocorre aqui é o fam oso cruza m ento: alunos das escolas
pública s em geral ingressam nas faculdades particulares, e alunos das
escolas particulares ocupam as va gas públicas.

CUSTOS DA FORMAÇÃO
Q ualquer tipo de form ação é, hoje, em nosso P aís, quase artigo de
luxo. M anter-se na escola, na fa culdade ou e m cursos técnicos
profissionaliza ntes é algo ba stante custoso. E de novo vam os assistir a os
filhos das classes m ais altas podendo com ple tar seus cursos.
T ornam os a repetir: os fatores que determ inam a aquisição de um a
profissã o são de natureza e conôm ica e social. [pg. 314]
O GRUPO SOCIAL
O grupo fam iliar e o grupo de am igos são apontados pelo
psicólogo arge ntino Bohosla vsky com o os dois grupos de onde vêm as
principais pressões e os principais elem entos pa ra que o indivíduo se
referencie quando escolhe qualquer coisa , inclusive sua profissão.
O grupo de am igos fornece, e m geral, um a referência positiva, isto
é, o indivíduo utiliza as referências positivam e nte, enquanto o grupo
fam iliar pode , e ve ntualm ente, fornecer referê ncias que o indivíduo
procura rejeitar com sua escolha.
Isto ocorre porque a s relações no grupo fam iliar são sa bida m ente
m ais com ple xas. O grupo fam iliar não é opcional, com o ocorre com o
grupo de am igos.
O s valores de sses grupos, as sa tisfações ou insatisfaçõe s que
seus ele m entos apresenta m com suas ocupações, as e xpe ctativas que
aprese ntam e m rela ção à escolha do jove m são fa tores funda m entais.
Assim , o pai que te rá seu filho com o seguidor, herdeiro de seus
negócios, prepara -o para isto desde cedo, e ao jovem pode nem se
colocar a possibilidade de m udar de rum o. O pai que considera seu
trabalho de baixo va lor social procurará sem pre direcionar a escolha de
seu filho no cam inho da superação daquela situa ção social, com o o pai
operário que sonha com o filho doutor.
Aqui entra m os fatores relacionados a o sexo — a se xualizaçã o da s
profissões, se pode m os cha m ar a ssim .
N a tradição cultural brasileira , a m ulher, por e xem plo, é se m pre
vista com o ser frágil, que nasceu para ser m ãe, para prote ger e dar
am or. Assim , e xiste m profissões vistas com o m ais fem inina s, com o as da
área de hum anas — por e xem plo, o m agistério. E as profissões
fem ininas, por serem vistas com o e xtensão do lar e se m necessidade de
m uito a perfeiçoam ento, foram sem pre desvaloriza das e mal
rem uneradas.
E sses fatores são im portantes na pressão que a fam ília exe rce
sobre o jovem que as escolhe . O rapaz deverá escolher um a profissão
m asculina, e a garota poderá ou não seguir um curso universitário,
poderá ou não trabalhar fora , m as, se o desejar, de verá e scolher um a
carreira fem inina, que não a im peça de cuidar da casa, dos filhos e do
m arido.
É im portante esclare cer aqui que nã o há profissões para hom ens e
profissões para m ulheres. E ssa distribuição é cultural e se gue tam bém
interesses e conôm icos da sociedade. O que há em nossa sociedade é a
explora ção do trabalhador, tanto hom e ns quanto m ulheres. [pg. 315]

HISTÓRIA PESSOAL
E aqui chegam os a o indivíduo que e scolhe. E ste ser, rico em
elem entos internos, procura, ao escolher um a profissão, planejar um ser
para si m esm o — “O que quero ser na vida”. O proce sso de escolha de
profissã o é, pois, um m om ento do proce sso de identidade do indivíduo.
E ntram assim , em sua escolha, todos os ele m entos que
ingressaram em seu m undo psíquico. S uas expecta tivas em relação a si
próprio, seus gostos, as habilidades que já dese nvolve u até o m om ento,
a profissã o das pessoas que lhe são significativas, a s im agens
registra das no se u m undo interior relacionadas às profissões, a
percepção que te m de suas condições m ateriais, seus lim ites e
possibilidade s, seus desejos, tudo aquilo que deseja ne gar, tudo aquilo
que deseja afirm ar, enfim , todo se u m undo interno é m obilizado para a
escolha profissional, inclusive fatore s inconscientes, que tam bém entra m
neste jogo, e com m uita força.
Abordarem os, em seguida, duas questões que nos parece m m ais
polêm icas e que tê m sido apresenta da s com o conflitos fre qüente s para
os jovens que escolhem um a profissão: o conflito sa tisfaçã o pessoal X
satisfação m ate rial e a questã o do dom , da vocação. E m seguida,
discutire m os outra questão im porta nte, que prete nde ser um fecham e nto
para nossa discussã o: o indivíduo escolhe ou nã o um a profissão, isto é,
há realm ente a possibilidade de escolha por parte do indivíduo, ou a s
condições sociais e econôm icas é que a determ inam ?

SATISFAÇÃO PESSOAL x
SATISFAÇÃO MATERIAL
No m om ento da escolha da
profissã o, esse conflito aparece com
freqüência. A questão é im portante e
m ais com plicada do que um a sim ples
dúvida de um jove m isolado, que não
consegue de cidir-se.
A questão ce ntral é que o
indivíduo, quando vende sua força de
trabalho, sabe que terá de obedecer e
O menino com a máquina, de Richard trabalhar da m a neira com o o com prador
Lindner, poderia ser um símbolo do
homem do século 20, quando a (seu patrão) estabelecer e desejar. S abe
parcelarização do trabalho fragmentou o
próprio homem. que terá de aba ndonar seus projetos
para e xecutar o projeto do pa trão,
recebe ndo, a ssim , o salário que garantirá seu sustento.
A satisfaçã o pessoal tam bém é im pe dida pela parcelarizaçã o
crescente do tra balho. As tarefas são m ínim as, e o trabalha dor perde a
visão do todo: se sonhou trabalhar num a fábrica de autom óveis,
certam e nte irá produzir apena s um a pequena parte deste autom óve l;
[pg. 316] se escolhe u ser professor, aplicará em sala de aula um pla no
que um a cúpula de técnicos pla nejou; se escolheu ser engenheiro num a
em pre sa, fará parte de um projeto que não conhece e m sua globalidade
e assim por diante.
A parcelarização do tra balho fragm e nta o próprio indivíduo,
desum a nizando-o; “a escolha de um a profissão na verda de se constitui
na escolha de um pe queno fragm ento”3 .

3
Silvio Bock. Trabalho e profissão. In: CRP — 6- Região e Sindicato dos Psicólogos no Estado de São
Paulo. Psicologia no ensino de 2º grau — uma proposta emancipadora. p. 176.
E sses aspectos de vem ser considera dos, para que não se fa ça de
um problem a social um problem a individual.

VOCAÇÃO E DOM – UMA MISTIFICAÇÃO DA ESCOLHA


E retom ando Bock:

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
Assim , as a belhas sem pre construirão as colm éias; as form igas, os
form igueiros; as ara nhas, as teias; o joã o-de-ba rro, sua casa de barro, e
o hom e m não: o Ale xandre será analista de siste m as; a W ilm a,
psicóloga; o G usta vo, em presário; a Lídia , m édica ; o P edro, m otorista de
cam inhão; o F rancisco, torneiro m ecânico etc.
O hom em tem de buscar suas form as de sobre vivência ,
diferentem ente dos anim ais: E essas form as estão alé m de seu aparato
biológico. [pg. 317]
C om isto estam os querendo dizer que o aparato biológico de um
hom em pode conter cara cterísticas que fa cilitem a re alizaçã o de
determ inados trabalhos e não de outros. H á indivíduos que nascem com
o cham ado ouvido absoluto; assim , outros poderão apre senta r
características inata s que estaria m rela cionadas com um determ inado
tipo de trabalho ou profissã o. M as não são essas ca racterísticas
biológicas do indivíduo que prom ovem sua realização profissional e nem
tam pouco que nos perm item falar e m vocação, ta lento ou dom .
O aparato biológico do indivíduo entra e m contato com um m eio
físico e social, e esta interação biológico-social é que será a fonte das
determ inaçõe s do indivíduo.

4
Silvio Bock. A escolha profissional: uma tentativa de compreensão da questão na perspectiva da relação
indivíduo/sociedade. Obra mimeografada.
A idéia de vocação, no entanto, resiste em nossa sociedade. O s
jovens procuram descobrir suas vocações, e os cientistas (principalm e nte
psicólogos) criam té cnicas para de scobri-las.
A idéia persiste qua ndo se fala da voca ção ou tale nto dos negros
para o futebol, voca ção das m ulheres para serem m ães, e, com o diz
Bock, “pessoas vocaciona das para sere m pobres e outras para serem
ricas”5 .
A idéia de vocação é usada para esconder as desigualdade s
sociais, ou, m elhor dizendo, para justificá-las. E ssas desigua ldades, tão
fam iliare s a nós todos, são produzidas pe la estrutura social, que, para se
m anter, e xige que e xistam indivíduos tra balhando (ve ndendo sua força
de trabalho) e outros acum ulando e adm inistrando o capital. N o enta nto,
essas desigualda des têm sido justificadas pela concepção das
diferenças individuais.
E assim , se o indivíduo é pobre e torna-se um operário (sua
profissã o) e o outro torna-se um m édico, dizem os que um não tem
capacidade, não se esforçou, nã o tem talento nem voca ção para ser
m édico, por isso é um operá rio.
Além de todo o pre conceito criado em torno destas justificativa s
(de que o tra balho operário é m enor, de m enor im portância do que o de
um m édico), esta m os esca m ote ando, escondendo as ve rdadeiras
determ inaçõe s sociais desse s diferentes futuros.
C om a idéia de voca ção, podem os dizer ainda que o indivíduo nã o
te ve sucesso porque não escolheu a profissão para a qual tinha vocaçã o,
isto é, não identificou correta m ente sua vocação. [pg. 318]
É preciso sem pre conside rar as m ultideterm inaçõe s que age m
sobre o indivíduo — fatores biológicos, sociais, psicológicos —
determ inando sua escolha profissional e seu futuro.

5
Silvio Bock. Trabalho e profissão. In: CRP — 6a Região e Sindicato dos Psicólogos no Estado de São
Paulo. Psicologia no ensino de 2º grau — uma proposta emancipadora. p. 174.

M uitas teorias sobre a escolha profissional consideram que não há
liberdade de escolha na sociedade capitalista. O indivíduo é escolhido
para um a profissão pelas influências dos fatores sociais, da e strutura de
classes, dos m eios de com unicaçã o e, de certa form a, da hera nça social.
C onsideram os que Bock está corre to qua ndo afirm a que
            
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A nosso ver, o indivíduo e xiste e é a síntese das influê ncia s
(m ultideterm inação do hum a no) sociais, biológica s e psicológicas. H á,
portanto, um indivíduo que escolhe. P ense em você na frente de um a loja
escolhe ndo um tênis. Q uando você diz “quero este”, você escolhe u. A
decisão deu-se no nível individual. S ão suas ca pacidades cognitivas que
lhe perm ite m relacionar todos os aspectos, seus gostos, se us desejos,
seus m otivos, a s condições objetivas — com o o pre ço e o dinheiro que
você te m — e responder: “quero este”.
Agora, veja por que dizem os que você ta m bém não escolhe .
Ao escolhe r, você disse este. V ocê escolheu dentre aquele s que
lhe eram oferecidos — a realidade im põe-lhe lim ites e possibilidades.
S eu grupo social valorizou o “usa r tênis” e por isso você o desejou; sua
classe social e suas condições econôm icas dete rm ina ram que fosse este
e não aquele m ais caro e m ais bonito. A tele visão propagandeou a quela
m arca de tênis com o a m ais jovem , a m e lhor, a que a seleção de vôle i
usa. A m oda de seu tem po e de seu grupo estabe leceu que é legal usa r
aquele tipo de tênis. Assim , sua ne cessidade de com prar um tênis, sua
escolha do tipo, cor e m arca foram determ inada s pela sociedade: grupo,
classe social, m eios de com unicação de m assa etc. V ocê não escolheu.
6
Silvio Bock. A escolha profissional: uma tentativa de compreensão da questão na perspectiva da relação
indivíduo/sociedade. Obra mimeografada.
[pg. 319]
Assim tam bém ocorre com sua escolha profissional. V ocê diz: “U m
dia vou ser isto na vida”. V ocê escolheu. E você nã o escolheu. O
m om ento da e scolha é um m om e nto psicológico se u, pessoal. As
influências e xterna s (condições objetiva s, sua cla sse social, a influência
de pessoas significa tivas e dos m eios de com unicaçã o, a valoriza ção
social de algum as ocupações e a desvalorizaçã o de outras, as
exigências e scolares que cada profissão aprese nta, a s pre ssões de seu
grupo de am igos e de sua fam ília, enfim , todos os fatores e xternos) são
sintetiza das no níve l interno do indivíduo, analisa das, relacionadas ainda
a fatores internos — tudo o que você já valoriza, já deseja e tudo o que
você deseja m a s nã o sabe que deseja (o inconsciente individual) — para,
num a grande sínte se , resultar na e scolha.
S abem os que, para o jovem , o m om ento da escolha profissional é
um m om ento que nã o de ve ser supervalorizado, m a s que é, sem dúvida ,
im porta nte. As dúvidas são m uitas e, infe lizm ente , nossa sociedade, pela
sua com ple xida de e pelas dificuldade s que apre senta para que o
trabalho profissional seja algo prazeroso, torna este m om ento difícil.
E spera m os poder, junto com seu profe ssor, contribuir para tornar este
m om ento da escolha um m om e nto de refle xão m adura e que considere
todos os aspectos envolvidos ne sta escolha (ou pelo m enos m uitos
deles).
O s jove ns têm a presentado de diferentes m aneiras seus protestos
em rela ção às dificuldades que têm enfrentado para escolhe r e para ter
um a atuação profissional que lhe s satisfa ça.
E scolhe m os tre chos de um a m úsica do conjunto “U ltraje a R igor”
que de m onstram e sse protesto:

“A gente não sabe m os escolher preside nte


A gente não sabe m os tom ar conta da gente
(...)
A gente faz carro e não sabe guia r
A gente faz trilho e não tem trem para botar
A gente faz filho e nã o conse gue criar
(...)
A gente faz m úsica e não consegue gra va r
A gente escre ve livro e não conse gue publicar
A gente escre ve peça e não consegue encenar
A gente joga bola e não consegue ga nha r.
Inútil
A gente som os inútil”7 . [pg. 320]


P rocura m os re fletir com você vários aspectos da e scolha
profissional a fim de ajudá-lo a com pre e nder m e lhor este m om ento. N o
entanto, sabe m os que não é fácil enfre ntá-lo, principa lm ente em um a
socieda de com o a nossa, que e xerce pressõe s constante s sobre os
jovens para que se saiam bem e m suas profissõe s, sejam com pete ntes,
tenham sucesso... E nfim , são m uitas as exigências feitas para o futuro de
nossos jovens.
Q uerem os que você
com pre enda que é im porta nte
perceber que a tensão deste
m om ento está liga da às pressõe s
sociais.
E scolhe r nã o é fá cil m esm o.
Im agine -se entrando em um a loja de
discos e perguntando ao vendedor
sobre os últim os lançam e ntos. E le
certam e nte irá lhe m ostrar um a
estante dedicada a eles. S ão m uitos!
7
Roger Moreira. Inútil. In: Ultraje a Rigor. Nós vamos invadir sua praia. LR São Paulo, RCA, 1985,
28.128. L B. F. 1. Buscar informações e dialogar com amigos e
profissionais é criar condições para uma boa
escolha.
V am os supor que a ntes de escolher, nã o lhe seja perm itido colocar os
C D s no a parelho de som — você tam bém não dispõe de tem po para
ouvi-los. A escolha com eça a ficar m ais difícil. O vende dor avisa-lhe,
então, que , na prom oção do m ês, você só pode le var um C D . E scolher
torna-se ta refa quase im possível! M as você resolve e nfrentar o desafio e ,
pacientem ente, observa as capa s, lê a relaçã o das músicas atrás de
cada C D , ve rifica a nacionalidade dos cantores e conjuntos, os ritm os,
enfim , procura inform ar-se a ntes de tom ar a sua decisão. N e ste processo
de escolha, você vai e xcluindo os tipos de m úsica que não lhe agradam ;
os C D s que trazem letras conhecidas e que não lhe inte ressa m ; os C D s
estrangeiros e tc. Assim , você vai dim inuindo suas possibilidades de
escolha . M as che ga rá um a hora e m que você, m esm o tendo e xcluído
m uitos, terá ainda e m sua s m ãos dois ou três. E agora? Q ual com prar?
V ocê poderá perguntar ao vendedor qua l deles é o m ais ba rato ou te m
m ais saída, ou qual C D não corre perigo de esgotar-se. O utra opção se rá
perguntar à pessoa que está ao seu la do se ela conhece a quele conjunto
e se o conside ra le gal. S e preferir, poderá recorre r a outra s estantes,
ve rificar se aquele conjunto te m m uitos discos e quais são. T odos esse s
recursos são usados por nós para escolher, no caso, um C D .
E na escolha da profissão? T am bém agim os assim . V ocê tem à
sua frente um conjunto enorm e de possibilidades e só [pg. 321] pode
escolhe r um a. E ntã o, pergunta às pessoas o que ela s sa bem sobre
determ inada profissão; tem bate-papos com profissionais da s áreas de
seu interesse e procura saber que trabalhos e xecuta m ; e, sobretudo,
procura inform ações em jornais e re vista s. V ocê pode, ta m bém , buscar
um serviço de orientação voca ciona l, pe nsar nas disciplina s de que você
m ais gosta na escola, enfim , você procura obter inform ações que lhe
perm ita m escolher.
Às vezes pode -se pensar ser m elhor conduta nã o buscar
inform ações sobre as profissões, acre ditando-se que o e xcesso de
inform ações pode confundir. Isto nunca é verdade. Q uanto m ais
inform ações você conseguir sobre determ inada profissão, m ais elem e n-
tos pa ra a escolha você te rá, aum e ntando, assim , a probabilidade de a
escolha ser a m ais a certada. É isto... a e scolha ce rta é a que foi basea da
no m aior núm ero possível de inform ações. C om pa re com os
procedim entos feitos para a e scolha do C D e você verá que esta
afirm açã o é correta. E vitar inform açõe s, a creditando que se ficará m enos
em dúvida é um raciocínio fa lso. E verdade que , diante de um grande
volum e de inform ações, você terá de considerar um núm ero m aior de
elem entos, m as é e xatam ente isso o que lhe garantirá um a boa escolha !
A dúvida pode lhe parecer m aior por serem m uitos os elem entos a
conside rar, deixando-o m ais “aflito”. C ontudo, você está buscando a
m elhor escolha.

ESCOLHER TAMBÉM E PERDER


O utro elem ento im portante da escolha é que, diante da dúvida ou
de um conflito, precisam os nos posiciona r por um dos obje tos. D e vem os
ter m uito claro que estam os escolhendo ficar com um dele s e perder
todos os outros. E scolher é, assim , obter e perder algo. Q uando nos
dam os conta disso, a escolha fica m ais fácil, pois o que acabam os
fazendo, na m aioria das vezes, é e vitar a perda, o que, em certa s
escolha s, torna -se im possível. E xem plo: a escolha de um curso
profissional e — pre cisam os escolher um dele s para cursar e todos os
outros para perder.
P or isso, tem os dito aos jovens que escolher é um ato de cora gem .
N o m om ento final da decisão, você terá que ter a coragem de escolher
tam bém o que perde r. P oderíam os a qui com parar a escolha profissional
com a escolha de um nam orado. C onhe ço três ga rotos que m e atraem e
que poderã o se r bons nam orados. C om eço, então, a le vantar a s
características de cada um : um é rom ântico e eu gosto de garotos
rom ânticos; m as o outro é bonito e eu ta m bém gosto de bele za física; o
terceiro é m ais inteligente e as pessoa s o valoriza m por isso — e eu
tam bém . O prim eiro dança bem ; o segundo [pg. 322] é ale gre ; o terceiro,
seguro. O prim eiro é m ais com panheiro nas horas difíceis; o segundo,
m ais otim ista; e o te rceiro, m ais ra ciona l na solução dos problem as. Ah!
C om o é difícil! T enho de e scolher um de les antes que eu perca os três!
P reciso perder apenas dois para fica r com um . É preciso coragem ! F a ço
um ba lanço de toda s as características de ca da um , conve rso com as
am igas, visito a fa m ília dele s, saio com cada um , le m bro dos outros
nam ora dos que já tive, dos defeitos que possuía m e m e incom oda va m ...
e por aí vou, a té a hora em que re solvo, em que decido. N e ste
m om ento, escolhi o que perder e precisei de corage m para fazer esta
escolha .
E scolhe r um a profissão tam bém é assim . N em m a is, nem m e nos.
N ão é m ais nem m e nos im porta nte do que esta e scolha de parceiros. É
um a escolha que pode ser refeita, retom ada, m odifica da.
A nossa vida é m ovim ento e os crité rios usados hoje pode m se r
diferentes dos de a m anhã. U m a escolha bem feita é, com certe za, um a
boa escolha para o m om ento atual. P oderá não ser para o a m anhã. M as,
então, o que fazer? V ive-se a escolha que se fez e se constrói o projeto
de am anhã considerando a e scolha feita hoje, para que e la sem pre faça
parte de nosso cotidiano.
M uitas inform ações e m uita coragem pa ra ganha r e para perder
são bons ingredientes para um a boa e scolha profissional... ou m e lhor,
para qualquer escolha.


O JOVEM BRASILEIRO TEM MATURIDADE
PARA ESCOLHER TÃO CEDO SUA PROFISSÃO?

S ilvio D uarte Bock 8


E sta questão precisa ser ana lisada sob vários pontos de vista .
P rim eira m ente , o que significa m aturidade? O sentido usual diz
que ser m aduro é estar “plenam ente desenvolvido; com pletam e nte

8
Silvio Duarte Bock é pedagogo pela PUC-SP, foi Orientador Educacional do Colégio Equipe de São
Paulo, planejou, implantou e coordenou o setor de Orientação Vocacional da Fundação Carlos Chagas e
atualmente é diretor do NACE — Orientação Vocacional e Redação.
form ado”. C om pa rando com um a fruta , que ao am adurecer e stá pronta
para ser saborea da, podería m os nos pergunta r se alguém estaria
plenam ente pronto para um a escolha e m ais ainda, de um a profissão?
S eria um processo psicobiológico que e m algum m om ento atingiria um
ponto ótim o? N osso entendim ento diz que isto não e xiste. O m om ento da
escolha não é possibilitado por um suposto dese nvolvim e nto
psicobiológico, m as é dado socioculturalm ente. N o Brasil, um jovem de
17 anos, de um a cam ada social com m aior poder a quisitivo, pode
escolhe r um a profissão de nível universitário. É m uito ce do? D epende.
S e olharm os a socie dade com o um todo, direm os que este jove m é um
privilegiado, pois pode escolher sua profissão, enquanto que a m aioria se
enga ja no trabalho m uito m ais cedo; quase sem pre se m nenhum a
escolha . C om parando com jovens de alguns países econom icam ente
m ais a vança dos, a escolha de profissã o aos 17 a nos é m uito pre coce,
pois a sociedade espera que este jovem passe por e xperiências diversas
antes da escolha e e la se estrutura para que isto aconteça: a entrada na
universidade é m ais tardia e o [pg. 323] curso é m ontado com o um funil
que perm ite ao estudante realizar escolhas profissionais com m ais idade.
E ntreta nto, isto pare ce nã o elim inar todo o problema , pois nestes países,
os serviços de orie ntação profissional ou de carre ira e a literatura (m uitas
ve zes de auto-ajuda ) atendem a dultos que que rem ou precisam m udar
de profissão, ocupação ou e m pre go.
P or outro lado, o fenôm e no da escolha (de qualquer coisa,
inclusive a profissional) é um atributo hum a no e isto é um a da s
características que diferencia o ser hum ano de qua lquer outro anim al.
Q uando um a pe ssoa vive um dilem a de escolha , o que se configura é a
vontade de “que rer” todas as possibilida des, m as escolher significa dar
preferê ncia a um a delas e este é um prim eiro grande dra m a. E staria
alguém pronto para realizar escolha s? E scolher significa fazer um projeto
que envolve um desconhecido que atem oriza, isto é, pode da r ou não dar
certo, e este é um segundo dram a de qualquer escolha : a insegurança
faz parte do processo. P ortanto não e xiste escolha segura (e xiste sim ,
um a escolha m ais se gura ou um a escolha m enos segura).
U m terceiro dram a do processo de escolha é a perda. Ao da r
preferê ncia por um a das possibilida des, perdem -se toda s as outras. N ã o
é ve rdade o pressuposto de que só e xiste um a alternativa que é a certa e
que de ve ser e ncontrada pela escolha. E sta idéia funda m enta a ação dos
tradicionais testes vocacionais que procuram descobrir a profissão certa
para a pessoa, um a ve z que ela nã o teria condições de realizar um olhar
m ais objetivo. Q ua ndo tem os várias alternativa s que a princípio são
igualm e nte atraente s, escolher um a delas significa não ter acesso às
outras e então um a questã o perm a ne ce: será que elas não seria m
m elhore s? D úvida im possível de ser respondida.
A escolha, portanto, pressupõe conflito e será m ais se gura se a
existência do conflito for aceita e houve r um a busca de inform ações a
respeito das diversa s alternativas; se le var em conta a história da pe ssoa
(autoconhecim ento) e o conte xto em que ela se dá (econôm ico, social,
político, cultural, tecnológico). E ntretanto, tais conhecim entos não
resolve m o dile m a da escolha, que só se dará atra vés de um profundo
ato de coragem. E ste ato de coragem leva em conta o objetivo e o
subjetivo, o racional e o em ocional e propõe a ela boração de um projeto
de intervenção sobre o passa do pe ssoa l e social visando o novo que o
m odifique, m e lhore ou o supere.
P ara finalizar, diría m os que, pa ra quem pode escolher sua
profissã o (e de vem os lutar para que todos tenham esse dire ito), tal ato
não define o resto da vida de um a pessoa, m as é apenas um passo, um
prim eiro passo do resto da vida e que será seguido por vá rias outra s
situações que se m pre se constituirão com o apenas prim e iros passos.
P or isso, o problem a central não é discutir se a e scolha profissional no
Brasil é ou não precoce, m as dar condições para que a pessoa que vive
o dilem a tenha as m aiores e m elhores condições de rea lizá-la e, para
isso, consideram os que todas as pessoas de veriam ter o direito de
escolhe r sua s profissões ou ocupa çõe s e passar por program as de
orientação profissional em suas escolas.

1. C om o surgiu na história a preocupação com a e scolha profissional?
2. A escolha profissional é a e scolha m ais im porta nte que o indivíduo faz
para a construção de seu futuro? P or quê ?
3. P or que a socie da de culpa o indivíduo por sua s escolhas fracassa das?
4. P or que em nossa socieda de é difícil com patibilizar a satisfaçã o
pessoal com a satisfação m aterial?
5. D iscuta a frase: “A vocação do ser hum ano é exa tam e nte não ter
voca ção nenhum a”.
6. P or que a idéia de voca ção com o ponto central na escolha da
profissã o tem sido criticada?
7. C om o se justifica a idéia de que o indivíduo escolhe sua profissão?
[pg. 324]
8. C om o se justifica a idéia de que o indivíduo não escolhe sua
profissã o?
9. P ense no que você quer ser. R elacione tam bém o que você não que r
ser e justifique sua s respostas.
10. E scolher tam bé m é perder. D iscuta essa idéia de fendida no te xto.


1. R esponda às questões, justifica ndo as resposta s. D epois,
confronte-as com as respostas dos dem ais m em bros do grupo e
debata m . O grupo deve chegar a um a conclusã o sobre cada afirm ação
para de pois fazer o debate das conclusõe s com a classe .


1. O m ercado de trabalho é o elem ento fundam ental a ser
levado em conta na escolha profissiona l.
CONCORDO D IS C O R D O

2. T odos têm igual oportunidade de passar no vestibular,


depende apenas do esforço de ca da um .
CONCORDO D IS C O R D O

3. Q ualquer pessoa é livre para e scolher a profissão que


deseja.
CONCORDO D IS C O R D O

4. Algum as profissões são m ais ade qua das pa ra hom ens e


outras m ais a dequadas para m ulheres.
CONCORDO D IS C O R D O

5. O fa to de um aluno gostar m ais de F ísica, Q uím ica e


M atem ática indica que ele de ve escolhe r um a profissão
na áre a de E xatas. D a m e sm a form a, gostar m ais de
Biologia ou H istória, G eografia e P ortuguês indica que
de ve e scolher, respectivam ente, um a profissão na á rea
de Biológicas ou H um anas.
CONCORDO D IS C O R D O
6. T odas as profissões têm a m esm a im portância .
CONCORDO D IS C O R D O

7. As profissões de nível superior sã o sem pre m ais bem


rem uneradas do que as de nível m édio. [pg. 325]
CONCORDO D IS C O R D O
8. O ser hum a no nasce com certas tendê ncias, que apontam
para de term inadas profissõe s.
CONCORDO D IS C O R D O
9. O s m eios de com unicaçã o de m assa — rádio, T V e jornais
— traze m inform ações válidas e seguras, que ajudam na
escolha profissiona l.
CONCORDO D IS C O R D O
10. N ão im porta a profissão, o fundam e ntal é que cada um
seja bom na quilo que escolheu.
CONCORDO D IS C O R D O
11. A escolha profissional é um a das m ais, se nã o a m ais
im porta nte escolha que o ser hum ano realiza em toda a
sua vida.
CONCORDO D IS C O R D O
12. O que se de ve ter com o objetivo na escolha profissional
é a realizaçã o pessoal.
CONCORDO D IS C O R D O
13. H oje é difícil escolher um a profissão, pois e xiste m m uitas
especia lizações.
CONCORDO D IS C O R D O
14. As faculdade s tidas com o m elhores propiciam aos alunos
que dela s saem m aior facilidade na obtenção de
em pregos.
CONCORDO D IS C O R D O

2. O jogo da Escolha
Im agine as se guinte s situações:
a) V ocê foi convidado para duas fe stas diferentes, no m esm o dia e
na m esm a hora. N ã o será possível ir às duas. E ntã o, o que é
que você vai le var e m conta para tom ar sua decisão?
• quem vai a cada um a dela s
• que tipo de m úsica vai rolar
• quanto custa o ingresso de cada um a
• se seus pais vão deixá-lo ir
• se tem gente para você “ficar”
b) V ocê m udou para um a nova cidade e precisa escolher um a
escola para estudar. H á pouco te m po pa ra decidir. O que você
vai conside rar para fazer a e scolha?
• o tipo de aluno que freqüenta a escola
• a m ensalidade [pg. 326]
• o local onde a escola fica
• a distância de sua casa
• se há condução fá cil
• o m étodo educacional da escola
• a opinião de seus pais
• a opinião de alguns caras com quem conversou na cidade
S e você assinalou a penas um ou dois itens em cada um a da s
situações, e stá corre ndo um e norm e risco. S ua escolha pode te r
sido apressa da e é grande a probabilidade de que venha a
arrepender-se. Apesar de os seus pais terem -no liberado para ir
à festa e de você ter escolhido a m ais barata, a m úsica e a s
pessoa s podem ser chatas e, pior, você pode não encontrar
alguém para “ficar”. A m esm a coisa pode acontecer com a es-
cola, que apesar de localizar-se perto de casa e ter condução
fácil, adota um m étodo de e nsino que você não gosta .
É difícil escolher! O s aspectos que de ve m ser levados em conta
são m uitos. E m esm o depois de conside rá-los cuidadosam ente,
os riscos ainda continuam sendo grandes, pois ao chegar à fe sta
ou freqüe ntar a escola é que com eço a conhecer m elhor este s
espaços. M uitas coisas podem m e surpreender, ta nto para o
lado bom com o para o lado ruim . E scolher envolve riscos e
perdas. N ã o dá para saber tudo no m om e nto da escolha. Isto faz
com que, posteriorm ente, sua escolha possa ser a valiada com o
“errada”. M as, lem bre-se: não dá para saber tudo no m om e nto
da escolha. É possível, no e ntanto, gara ntir um gra nde núm ero
de inform ações.
3. C onte agora aos seus colegas um a boa e um a péssim a e scolha
que você tenha feito em sua vida. P rocure lem brar qua is foram
os critérios usados e julgue com eles:
• se você usou m uitos critérios e por isso acertou
• se você usou poucos critérios e por isso errou
• se você, apesar de usar poucos critérios, ace rtou. E acertou
porque...
• se você, apesar de usar m uitos critérios, errou. E errou
porque...
Agora, fe chem e sta discussão faze ndo um le vanta m ento do que
de ve ser considerado para se fa zer um a boa escolha de um a
festa, de um a escola nova e da sua profissão.

4. Jogo do Curtigrama
E ste é um jogo gostoso. V am os fazer um quadro na lousa.

F aço N ão faço
C urto
N ão curto

[pg. 327] C a da um de ve pensar em trê s coisas para colocar e m


cada espa ço. D e pois, vam os preencher o qua dro grande na lousa
com a s coisas que cada um a pontou e discutir o que observa m os.
F azem os sem pre o que gosta m os? O u fazem os tam bém coisas de
que não gostam os? E as coisas de que gostam os e não fazem os,
por que não as faze m os? D á um a boa discussão!
T em os um a tendência sim plista de achar que não fazem os o que
gostam os porque os outros nos im pedem , se jam nossos pais,
nossos professores ou m esm o nossos am igos e nam ora do ou
nam ora da. Ao m e sm o tem po, a cham os que faze m os o que
gostam os “porque sim ”, porque nós m esm os garantim os para nós
este direito. D a m e sm a form a, dizem os que não faze m os o que
não gostam os porque nos garantim os este direito e que faze m os o
que não gostam os porque alguém nos obriga a isto. C erto? F oi
deste jeito que você debate u em grupo? P ois é, parece que os
outros são vistos por nós com o pe ssoas que nos im pedem de fazer
o que gostam os ou nos obrigam a fa zer o que nã o gosta m os. E ,
nós, heróis desta história, sabem os o que quere m os e, se nã o
existisse m os outros, nós só faríam os o que gosta m os. M as isto é
absolutam ente enga noso! Ape sar de re conhecerm os que nossos
pais e professores lim itam , às vezes, nossos quereres, de ve m os
olhar esta nossa vida de outro prism a. As pessoas estã o conosco
para viver conosco, isto é, para nos ajudar, ale rtar-nos, oferecer-
nos oportunida des, a brir nossos olhos, enfim , os outros são nossos
parceiros de vida e precisam ser valoriza dos com o tais.
Além disso, é preciso perceber que nem tudo o que fa zem os na
vida nós curtim os e gostam os; m uitas da s coisas que não curtim os
são, no entanto, necessárias. Às vezes, um curso que m e parece
legal tem entre sua s disciplinas algum a s coisas de que eu não
gosto. M as por que não fazer?
P ense ainda e m um últim o e im portante aspecto: por que você
gosta de determ ina das coisa s e nã o gosta de outras? V ocê acha
que na sceu com estes gostos? C laro que não! V ocê dese nvolveu
estes gostos no decorrer de sua vida, com os outros — aquele s
que parecem ser os que o im pedem de fazer o que gosta. S eus
gostos foram se desenvolvendo porque você viu, conheceu,
experim entou coisas... S eus gostos são produzidos socialm ente no
decorrer de sua vida. A escolha de sua profissão tam bém é um a
vontade, um gosto que foi se ndo construído. V ocê viu pessoas
com aquela profissã o, adm irou-as; você conhece um a história, viu
um film e, leu um livro, gostou de um a m atéria na escola, enfim ,
você a prendeu socialm ente a gosta r daquela profissã o. É
im porta nte re conhecer isto para perceber que se us gostos nã o são
na turais, podendo ser m uda dos. V ocê é alguém em m ovim e nto...
em perm anente tra nsform ação. E isto é bom . [pg. 328]
• A Internet é, hoje, um a boa fonte de obtenção de inform açõe s
sobre profissões e orientação profissional. N o site do N ace,
vocês e ncontrarão um a série de páginas indicadas para
aquisição de inform ações profissionais
(http://pessoal.mandic.com.br/nace). S ugerim os especia l
atençã o para o Jogo das Vocações.
• A fim de esclarecer aspectos rela tivos à e scolha profissional,
organizem a tivida des em classe ou na escola . E xe m plo:
prom over pa lestra s com profissionais que falem sobre o seu
trabalho e sua profissão. A escolha dos profissionais de ve rá ser
feita a partir de um le va ntam ento do intere sse de vocês.


Para o aluno
O Guia do estudante — cursos e profissões (S ão P aulo, Abril) é
um a re vista a nual m uito interessante por apresentar m atérias sobre a
escolha profissional, as profissões e com inform açõe s referentes a
bolsas de estudo, além de parece res de jovens universitários acerca do
ensino.
S obre o assunto deste capítulo, há tam bém o te xto de S ilvio Bock,
“Trabalho e profissão” — 1 4º capítulo do livro Psicologia no ensino
de 2º grau — uma proposta emancipadora — C onselho R egional de
P sicologia e S indica to dos P sicólogos no E stado de S ã o P aulo (S ã o
P aulo, E dicon, 19 86).
H á, ainda, o conto de Asim ov “A profissão”, no livro Nove
amanhãs (R io de Janeiro, E xpressã o e C ultura, 197 7), que perm ite
discussões intere ssantes sobre o te m a, além de ser um a le itura
envolve nte.

Para o professor
P ara aprofundar a questão da escolha da profissão, sugerim os, de
C elso F e rreti, Uma nova proposta de orientação profissional (S ã o
P aulo, S e nac/S P , 1982), e, de S elm a G arrido P im enta , Orientação
vocacional e decisão (S ão P aulo, Loyola , 1979). E sses são, sem dúvida ,
os m elhores livros que tem os sobre a questão da escolha profissional,
pois esta é abordada critica m ente pelos autores. P ara trabalhar a
questã o da escolha e da orientação vocacional m ais do ponto de vista
psicológico, indicam os, de R odolfo Bohosla vsky, psicólogo argentino,
Orientação vocacional — a estratégia clínica (S ão P a ulo, M artins
F ontes, 19 77), e, do m esm o autor, Vocacional: teoria, técnica e ideologia
(S ão P aulo, C orte z, 1983). Bohosla vsky, que trabalhou e produziu
tam bém no Brasil, é, sem dúvida, no âm bito da P sicologia, o m ais
gabaritado pensa dor da orientação vocacional. A escolha profissional
em questão, de A. M . B. Bock (S ão P a ulo, C asa do P sicólogo, 199 5), é
um livro que reúne te xtos de vários autore s sobre o assunto.

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Sociedade dos poetas mortos. D ireçã o P eter W eir ((E U A, 1989)
– Ape sar de não ter com o tem a central a questã o da escolha profissional,
perm ite um a boa discussão sobre o tem a , pois m ostra jovens vivendo um
m om ento de escolha da profissão e, portanto, de pressão, conflitos e
inseguranças. [pg. 329]
C AP ÍT U LO 2 2

As faces da violência

N ós pe dim os com insistência:


N ão digam nunca: isso é natural!
D iante dos aconte cim entos de ca da dia.
N um a é poca em que reina a confusão.
E m que corre o sangue,
E m que se ordena a desordem ,
E m que o arbitrário tem força de le i,
E m que a hum anida de se desum aniza,
N ão digam nunca: isso é natural!
Bertolt Brecht

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
O ser hum ano é agressivo.
E ssa afirm açã o pode causar estra nheza porque se m pre
conhecem os alguém que é m uito “bonzinho”, “incapa z de fazer m al a
um a m osca”. N esse caso, a valia-se a agressivida de e xclusivam ente por
suas m anifestações: o com portam ento. E a pessoa “incapa z de fazer m a l
a um a m osca” é considerada com o não-agre ssiva, com o não tendo
nenhum a hostilidade dentro de si, nenhum im pulso destrutivo na sua
relação cora as coisas e com os outros.
P ara superarm os a estranheza que a a firm ação inicial causa, é
necessário com pre e nder que a agressividade é im pulso que pode voltar-
se para fora (he teroagressã o) ou para dentro do próprio indivíduo (auto-
agressã o). M as ela sem pre constitui a vida psíquica, enqua nto faze ndo
parte do binôm io am or/ódio, pulsão de vida/pulsão de m orte (ve r ca pítulo
4).
A agressividade se m pre está relaciona da com as a tivida des de
pensam ento, im aginação ou de açã o ve rbal e não-ve rbal. P ortanto,
alguém m uito “bonzinho” pode ter fantasias altam e nte de strutiva s, ou sua
agressividade pode m anifestar-se pela ironia, pela om issã o de ajuda, ou
seja, a agressividade não se caracteriza e xclusiva mente pela
hum ilha ção, constra ngim ento ou destruição do outro, isto é , pela ação
ve rbal ou física sobre o m undo. [pg. 330]
A educação e os m e canism os sociais da lei e da tradição buscam
a subordinação e o controle dessa agre ssividade. Assim , desde criança o
ser hum ano aprende a reprim ir e a não expressá-la de m odo
descontrolado, a o m esm o tem po e m que o m undo da cultura cria
condições para que o indivíduo possa canalizar, le var esses im pulsos
para produções consideradas positiva s, com o a produçã o intelectua l, a
produção artística, o de sem penho esportivo etc.
N esse enfoque, cuja referência é a P sicanálise, afirm a -se que a
agressividade é constitutiva do ser hum a no e, ao m esm o tem po, afirm a-
se a im portância da cultura, da vida social, com o regula doras dos
im pulsos destrutivos. E ssa função controladora ocorre no processo de
socializa ção, no qua l, espera-se que, a partir de vínculos significativos
que o indivíduo estabelece com os outros, ele passe a internalizar os
controle s. E ntã o, de ixa de ser necessário o controle e xterno, pois os
controle s já estão dentro do indivíduo. M as, m esm o assim , em todos os
grupos sociais e xistem m eca nism os de controle e /ou punição dos
com portam entos agressivos não va lorizados pe lo grupo. A socieda de
tam bém tem se us m ecanism os, que se concretizam na orde m jurídica: as
leis.
E sse m odo de com preender a agre ssividade hum a na coloca e m
questã o se a sociedade está conse guindo ou nã o criar condições
adequadas para a ca nalização desses im pulsos destrutivos e para a não-
m anifestação da violência.
A violência é o uso desejado da agressividade, com fins
destrutivos. E sse de sejo pode ser:
• voluntário (inte ncional), racional (prem editado e com objeto
“adequado” da agressividade) e consciente, ou
• involuntário, irracional (a violência de stina-se a um objeto substituto,
por e xem plo, por ódio ao chefe, o indivíduo bate no filho) e
inconsciente.
A agre ssividade está na constituiçã o da violê ncia, m as nã o é o
único fa tor que a e xplica. É necessário com preender com o a orga nização
social estim ula, legitim a e m antém difere ntes m odalidade s de violê ncia .
O estím ulo pode ocorrer tanto no ince ntivo à com pe tição e scolar e no
m ercado de tra balho, com o no incentivo a que ca da um dos cidadã os dê
conta de sua própria segurança pessoal. A legitim ação pode ocorrer na
guerra, no com bate ao inim igo re ligioso, ao inim igo político. A
m anute nção da violência ocorre quando se conserva m m ilhões de
cidadã os em condições subum anas de e xistência, o que acaba por
desencadear ou determ inar a prática de delitos associados à
sobre vivência (rouba r para com er, a prostituição precoce de crianças e
jovens). [pg. 331]
A violência está pre sente tam bém quando as condições de vida
social são pouco propícias ao de senvolvim ento e realizaçã o pessoal e
levam o indivíduo a m eca nism os de autode struiçã o, com o o uso de
drogas, o alcoolism o, o suicídio.
Jurandir F . C osta, e m seu livro Violência e Psicanálise, afirm a que
podem os ente nder com o violê ncia a quela situaçã o em que o indivíduo
“foi subm etido a um a coe rção e a um desprazer absolutam ente
desnecessários ao crescim e nto, desenvolvim ento e m anutenção de se u
bem -estar, enquanto ser psíquico”1 .
Isso significa que é
necessário deixa r de
conside rar com o violência
exclusivam ente a prática de
delitos, a crim inalidade .
E ssa é um a a ssociação
feita, por e xem plo, pelos
m eios de com unica ção de
Crianças no lixo: violência nada sutil.
m assa (rádio, tele visão) e
que aca bam os por
reproduzir. M as e xistem outras form as que não reconhecem os com o
práticas de violência e que estão diluída s no cotidia no, às quais, m uitas
ve zes, já nos acostum am os. A violência no interior da fam ília , na escola ,
no trabalho, da polícia, das ruas, do ate ndim ento precário à sa úde etc.

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N os tem pos m odernos, a violê ncia “inva diu todas as área s da vida
de relação do indivíduo: relação com o m undo das coisa s, com o m undo
das pe ssoas, com seu corpo e sua m ente”2 . É com o se o progre sso
tecnológico, o de se nvolvim e nto da civilização, ao invés de propiciar o
bem -estar dos indivíduos, concorressem para a dete rioração das
condições da vida social. A violência, ta m bém , de ve ser e ntendida com o
produto e produtora dessa dete rioração, com o patologia ou doença social
que a caba por “contam inar” toda a socie dade — m esm o na queles grupos
ou instituições considerados com o m a is protetores de seus m em bros, a
fam ília ou a e scola, por e xe m plo. [pg. 332]
É com o se vivêssem os um m om ento de nossa civiliza ção em que a
cultura não dá m ais conta de canalizar a a gressividade — que todos
possuím os — em produçõe s socialm ente construtivas; é com o se essa

1
Jurandir Freire Costa. Violência e Psicanálise, p. 96.
2
Id. ibid. p. 9.
energia não encontrasse canais, form a s de expressar-se dentro dos
lim ites da lei, das regras. A violê ncia crescente e, apa rentem e nte,
descontrolada, m obiliza em todos nós a agressividade enqua nto
destrutividade: a destruição do outro e de nós próprios.
Qual a
legitimidade
das
instituições
que devem
garantir a
segurança dos
cidadãos?

H élio P ellegrino, psicanalista bra sileiro, afirm a que a violência


crescente só pode ser entendida a pa rtir da constataçã o de que vivem os
um m om ento histórico em que se rom peu o pacto socia l (o direito a o
trabalho, por e xem plo), e isto faz com que se rom pa o pacto edípico, isto
é, a autoridade , a norm a, a lei internaliza da. E ssa ruptura retira o controle
sobre os im pulsos destrutivos, e estes em ergem com sua força
avassaladora .
H á um clim a cultural no qual se obse rva a deterioração de va lore s
básicos e agre gadores da coletividade; a solidariedade, a justiça, a
dignida de — o que P ellegrino denom ina de “cim ento socia l”. É nesse
clim a que se constata a banalização do m al, a tole rância com a
cruelda de, a im punidade, a descrença no m eca nism o re gulador da
convivê ncia social — o sistem a de justiça — e o fracasso do E sta do em
garantir a segurança dos cidadãos, até porque eles próprios descobrem
que o E stado tam bé m detém a violência .
P ortanto, se nã o na turaliza m os a violência, podem os descobri-la
em suas m ais dife rentes, sutis e grosseiras e xpressões em nosso
cotidiano. [pg. 333]

A VIOLÊNCIA NA FAMÍLIA
E m bora possa m os observa r hoje profundas transform açõe s na
estrutura e dinâm ica da fam ília (veja ca pítulo 1 7, F a m ília), há ainda a
pre valê ncia, em nossa sociedade, de um m odelo de fam ília que se
caracteriza pela autoridade paterna e, portanto, pela subm issão dos
filhos e da m ulher a essa autorida de, e pela re pressã o da sexualidade ,
principalm ente a fem inina. E ssa autoridade e repre ssão aparecem com o
protetoras dos m e m bros da fa m ília.
P odería m os perguntar se essa im agem
falseada que se tenta passar realm ente
cum pre a função de proteção, ou se
encobre prá ticas de violência sobre o
uso do corpo da m ulher, be m com o
acaba justifica ndo os castigos físicos na
educação dos filhos, perpetrados tanto
pelo hom em com o pela m ulher — o pai
ou a m ãe . N o interior da fam ília, lugar
m itificado e m sua função de cuida do e
proteçã o, e xistem m uitas outras form as
de violê ncia além da física e se xual; ou
seja, há o abandono, a negligência, a
violência psicológica , isto é, condições
A violência doméstica deixa marcas que com prom etem o desenvolvim e nto
psíquicas importantes na criança.
saudá vel da criança e do jovem . A
prim eira violência se ria a negação do afe to para a cria nça, que depende
disso para sua sobre vivência psíquica, assim com o de pende de cuidados
e de alim enta ção para sua sobrevivência física.
A violência cre scente no interior da fam ília — tanto em relação à
m ulher com o e m relação às crianças e adolescentes — é um dado que
cha m a, cada ve z m ais, a ate nção de pesquisa dores e autoridades na
área. E grande o núm ero de criança s se viciadas pelos pais, espancadas
e m esm o assassinadas. E sse fenôm e no perpassa toda s as classes
sociais, não está apenas circunscrito à pobreza. M uitos de nós m esm os
podem os já ter sido vítim as de situações sem elhantes em nossa própria
casa. E dificilm ente isso, em sua s form as m ais a m enas, é entendido
com o violência, com o se os pais tive ssem por direito essa s práticas. [pg.
334]

A VIOLÊNCIA NA ESCOLA
A escola, para as cam adas m é dias da popula ção, pretende ser a
continuidade do processo de socializa ção, iniciado na fam ília. N esse
sentido, os valores, expecta tivas e práticas que envolvem o processo
educativo sã o sem elhantes.
P odería m os dizer que a violência m anife sta-se de m odo m ais sutil
na rela ção das crianças e dos jovens com os conte údos a serem
aprendidos, que podem não ter significado para sua vida; na relação com
professores, que se caracteriza por práticas autoritárias e sem espaço
para o diá logo, para a crítica; na relaçã o com práticas disciplinares que
buscam a sujeiçã o do educando, a subm issã o, a docilidade , a
obediê ncia, o conform ism o. N a ve rdade, a m aior violência e xe rcida pela
escola é quando ela usa de se u poder sobre as cria nças e os jovens para
im pedi-los de pensa r, de e xpressar sua s capacida des e os le va a se
tornare m m eros reprodutore s de conhecim entos.
Na escola, é im portante destaca r a violência e xercida
seletiva m ente sobre as crianças e os jovens das cam a das populares.
E stes, m uitas vezes, não têm o repertório de conhecim e ntos esperado
pela escola, e sua vivê ncia (de tra balha dor precoce, de responsá vel pela
própria sobre vivência, de m enino da rua) é desvaloriza da, não é
conside rada no processo educa tivo. E ssas crianças e jove ns, que
acabam não tendo o desem penho escolar esperado, são percebidos
com o incapazes, sã o transferidos para “classes e speciais” e , na qua se
totalida de dos casos, le va dos a “se expulsa rem ” da e scola. E ssa
experiê ncia de fraca sso escolar é m uito im portante na construção de sua
identidade. A “incapacidade” que lhes é atribuída pa ssa a ser
internalizada e ele s se sente m inca paze s.
E xistem , tam bé m , estudos sobre as cartilhas e livros didáticos que
dem onstram que os conte údos veiculados estão im pregnados de
preconceitos ou de um a visão de m ulher, de negro, que fom enta a
form açã o de preconceitos. O preconceito leva à discrim inação de grupos
e à violência contra eles.

A VIOLÊNCIA NA RUA
A violência nas ruas é um proble m a que afeta , particularm ente, os
centros urbanos m aiores. A rua, com o espaço social do lúdico, do
encontro, da convivência, torna-se o espaço da insegura nça, do m edo,
da violência pelo “ba ndido”, pe la polícia e , m esm o, pelo cidadão com um .
V em os todos os dia s nos jornais problem as de trânsito que te rm inam em
agressões; a polícia que, num tiroteio, [pg. 335] m atou m ais um ; o
trom badinha que roubou o tênis de outro m enino. C om eça m os a ter a
cara do m e do e a pôr para fora a nossa própria agressividade, de m odo
destrutivo, no intuito de nos protege r. C erta vez, um a se nhora de 60 anos
disse: “Antes, se eu
encontrasse um a
criança na rua, passava
a m ão e m sua cabeça.
H oje, eu te nho m edo
dela”. E ssa m uda nça
dem onstra que o outro
(a criança, o jovem , o
adulto) é sem pre
percebido com o um
A rua nem sempre é o lugar do lúdico. agressor em potencial,
um agente de violência.
Isso le va a um clim a de insegura nça que perpassa por toda a popula ção,
a qual passa a pe dir m ais segura nça , m aior proteçã o policial, um
aparelho re pressivo m ais eficiente, que estabeleça, nova m e nte, o clim a
de segurança entre os cidadãos. E ssa s solicitações a cabam por ter,
com o conseqüê ncia, a transform ação da própria população e m vítim a da
repressão policial.

A VIOLÊNCIA E AS DROGAS

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
O uso de drogas deve ser entendido com o um proce sso de au-
todestruição do indivíduo: A droga ve m para preencher um “vazio”, que,
de outra form a, a re a lidade social não pre enche.
A droga de ve ser entendida em se u am plo espectro, desde
aquela s socialm e nte perm itidas, com o o tabaco e o álcool, até aquelas
não perm itidas, com o a m aconha, a heroína , a cocaína e, [pg. 336]
m esm o, os psicofárm acos. T odas elas podem criar um processo de
dependência física e psíquica, de acordo com a intensidade e freqüência
do uso, a constituiçã o biológica do organism o, a constituição psíquica, a s
condições sociais de uso (o ince ntivo e a va loriza ção pelo grupo, por
exem plo) e as próprias características quím icas da droga.
N a análise da drogadicção (dependê ncia de drogas), Kalina e
Kovadloff apontam a im portâ ncia da vida fam iliar e da satisfação das
necessidade s afetiva s do indivíduo com o a principal form a de se e vitar o
consum o de droga s. O s “buracos” afetivos, a insegurança, a nã o-
com unicação com o m undo dos adultos são os principais re sponsá veis
pelo engajam e nto do jovem nesse projeto de destruição de si próprio,
com a ilusão de que está de struindo valores fundam entais da socieda de.
P ara Kalina, a cura de algué m que cum pre esse script de m orte
im plica “fazer um a m udança cultural: transform ar uma cultura necrofílica,

3
Eduardo Kalina. Viver sem droga. p. 15.
um a cultura ta nática, em um a cultura vita l, erótica, criativa”4 .

VIOLÊNCIA E CRIMINALIDADE
Inicialm e nte, é im portante distinguir três aspectos ou conceitos
ligados a esta questão: tra nsgre ssão, infração e de linqüência. Aborda r
esses aspectos significa tra zer ou partir de questõe s m a is próxim as de
todos nós e de nosso cotidiano.

O TRANSGRESSOR
O hom e m vive em grupos sociais. E m todos os grupos e xistem
norm as e regra s que regulam a relaçã o das pessoas no se u interior e,
conseqüente m ente, todas a s pe ssoas, algum a vez, tra nsgrediram essas
norm as. P or e xem plo, che gar depois do horário estipula do, deixar de
cum prir um a parte da tarefa, nã o a ceitar determ ina da ordem ou
orientação de conduta.
S em pre que ocorre um a transgressão, existe um a conse qüência
para o transgressor: ser advertido, ser e xposto a um a com unicação m ais
intensa do grupo, no sentido de reconhe cer a im portância da norm a, ou,
m esm o, ser e xpulso do grupo por ter transgre dido um a norm a m uito
im porta nte, com o, por exem plo, no caso do aluno e xpulso da escola por
ter dito um pala vrã o para a professora. [pg. 337]
É sem pre m ais fá cil o conform ism o às norm as quando se conhece
seu significado, sua utilidade e concorda-se com elas. E m todo caso,
quando o indivíduo transgride um a norm a, não significa que ele se
caracterize com o infrator ou delinqüente.

O INFRATOR
O infrator é aquele que tra nsgrediu algum a norm a ou algum a le i
tipificada no código penal ou no siste m a de leis de um a determ inada
socieda de. O infra tor é aquele que com eteu um ato — a infração — e
4
Id. ibid. p. 17.
será punido por isso, isto é, terá um a pena tam bém pre vista em lei e
aplicada pelo juiz ou seu representante.
E ssa pe na pode
assum ir a form a de
m ulta, ressarcim ento de
prejuízos, ca ssaçã o de
direitos (por e xem plo, a
carteira de habilitação
para dirigir) ou um a pena
de reclusão, de pendendo
Transgredir regras não transforma ninguém em delinqüente, da gra vidade do delito
mas atrapalha a vida coletiva
com etido. P ara
determ inar a pena, é julgado o ato e suas circunstância s.
M uitos de nós, ta m bém , podem os já te r com etido infrações. P or
exem plo, estacionar o ca rro em local proibido, a vançar um sinal
ve rm elho, nã o respe itar a le i de não fum ar em ônibus ou em escola s. E
nem por isso estive m os envolvidos com a polícia, com o poder judiciário,
ou fom os tacha dos de delinqüentes. A origem social pode protege r ou
não o indivíduo que com ete um a infraçã o.
V ejam os a seguinte situaçã o: no superm ercado, dua s cria nças da
m esm a ida de pegam um chocolate, abre m -no e com e m . U m a delas está
suja e m altrapilha; a outra está bem vestida e acompanhada da m ãe. A
fom e da prim eira é m aior. O vigila nte do superm ercado che ga perto dela,
coloca-a para fora aos safa nões e am eaça m a ndá-la para a V ara da
Infância e Juventude ou lhe dar um a surra, da próxim a ve z. A criança
que está com a m ãe term ina de com er, e a m ãe, se nã o esquecer,
poderá paga r qua ndo passa r pelo caixa .
N esse caso, não e xiste um envolvim e nto direto com o pode r
judiciário, m as ve m os que m esm o as “peque nas polícias”, no caso, o
vigilante do superm ercado, tam bé m já internalizaram esse [pg. 338]
m odo de tra tar e de aplicar diferente m ente a norm a, depe ndendo de
quem é a criança. P ara o vigilante e para a criança pobre, ficará
tipificado que ela roubou, que ela é la dra. E ncom pridando a história ,
podem os im aginar que todas as pessoas que presencia ram a cena
pensam que essa criança faz isso costum eiram e nte, que é seu “estilo de
vida”, que ela é delinqüe nte, sinônim o de trom badinha, pivete,
ladrazinha.

O DELINQÜENTE
A delinqüência é um a identidade atribuída e internalizada pelo
indivíduo a partir da prática de um ou vários delitos (crim e s). M . F oucault,
em seu livro Vigiar e punir, coloca que essa ide ntida de com eça a se
form ar/forjar a pa rtir do m om ento em que o infrator (aquele que com eteu
um ato) entra no sistem a carcerário — se ja de m aiores ou de m enore s —
, e a e quipe de profissionais que adm inistra a pe na, isto é, que o
acom pa nha durante todo o período de sua reclusão, com eça a procurar
na sua história de vida cara cte rísticas que indica m sua prope nsão para a
prática de delitos.
A investigação de sua história de
vida, basea da em técnicas cie ntíficas
e, principalm ente, na ciência PSI
(P sicologia e P siquiatria), de verá le var
à descoberta de im pulsos, tendências,
sentim e ntos e vivências anteriores que
indique m a afinida de do indivíduo com
o delito. F oucault denuncia que se
acaba descobrindo o delinqüente,
apesar e inde pendente do de lito
com etido, isto é, descobre-se que, bem
antes da prática desse delito, ele já era
“de linqüente”.
A instituição na qual o indivíduo
A dignidade humana deve estar garantida é isolado do convívio social e que tem
mesmo quando se cumpre pena de prisão.
a função social de regene ração e
recuperação é a quela que, contraditoriam ente, acaba por atribuir-lhe esta
identidade, que passa a “funcionar” com o m arca, rótulo. U m a m arca que
irá carregar posteriorm ente à sua saída do cárcere e que irá dificultar sua
integração social.
Atualm e nte, não é necessário o internam ente ou a reclusão no
sistem a carcerário para que se inicie a construção da identidade
delinqüente. C om eça a ocorrer um fato gra ve e de conseqüências
im pre visíveis. M ilhões de [pg. 339] crianças e jovens, cuja condição
fundam ental de vida é a pobre za, pa ssam a ser vistos não com o criança s
ou jove ns, m a s com o perigosos ou potencialm ente perigosos.
E ssa re prese ntaçã o social das criança s e jove ns das ca m ada s
populares fundam e nta-se num a visã o falseada da realidade e é
alim entada pe los m e ios de com unica ção de m assa, em que a pobreza é
associa da à crim inalidade. Isto visa e sconder que tanto a crim ina lidade
com o a pobreza têm origem em um m odo de orga nizaçã o econôm ica e
política que se cara cteriza pela distribuição desigual da renda e por um
processo de pauperização cresce nte de am plas cam a das da popula ção,
m antendo alguns setores, os m ais m iserá veis, no lim iar da sobre vivência.
E ssa visão cum pre, tam bém , a função de desviar a atençã o da
opinião pública de outros tipos de crim es com etidos pelas cla sses m édia
e alta, dos crim e s contra a econom ia popular e dos cham a dos crim es de
“colarinho bra nco”.
E sta com preensão do fenôm e no da crim inalidade envolvendo
crianças e adolescentes não significa negar que, infelizm ente, um
núm ero cresce nte de jovens encontra-se envolvido com a prática de atos
infracionais gra ves e, m esm o, reincide ntes. E sse fe nôm e no atra vessa
todas as classes sociais, isto é, criança s e adolescentes de diferentes
origens sociais, e não e xclusivam ente os pobres, acaba m por se
transform ar e m age ntes da violê ncia. P ortanto, as determ inações da
prática de ato infracional não sã o e xclusiva m ente de ordem econôm ica.
O s jove ns re pete m , com o a gressores, a s e xperiências de violência que
os vitim aram . E les carrega m prejuízos, vivem em condições de risco
pessoal e social e, além da gara ntia dos direitos básicos de cidadania,
precisa m de tratam e nto, porque o de lito denuncia um sofrim e nto.
O delito tem e sta dupla face : fala do social e do psicológico.

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E ntre as várias fa ces que a violência dem onstra, e xistem ainda
dois aspectos im portantes a serem desta cados.
O prim eiro refere-se à destruiçã o pla nejada, irresponsá vel da
N atureza, isto é, à poluição dos rios por produtos quím icos, à deva staçã o
das grandes floresta s, à poluição do ar. O hom em , cuja ca racterística
fundam ental é a ca pacidade de transform ar a N ature za em seu próprio
benefício, está engajado e m sua transform açã o [pg. 340] no sentido
destrutivo, o que virá a com prom eter as condiçõe s de vida das futura s
gerações.
O segundo aspecto refere-se à ausê ncia de cuida dos que a nossa
socieda de dem onstra em relação a m ilhões de cria nças e jovens que
vivem condições de não-cidadania, de não-garantia de se us direitos à
educação, saúde, la zer, alim enta ção, enfim , às condiçõe s básicas que
garante m a sobre vivê ncia física e um de senvolvim ento psicológico
saudá vel e, conseqüentem ente, a form açã o de cida dãos com
participação social. E sta ausência de re sponsa bilida de social reflete-se
nos m ilhares de m eninos e m eninas que vivem na rua à sua própria sorte
e no ingresso precoce de criança s no m ercado de tra balho, com o form a
de garantir sua própria sobre vivência e, m uitas veze s, a sobre vivê ncia da
fam ília. A e ssas crianças e jovens é negado o direito à infância e à
juventude. E não sabem os, hoje, qual a a m plitude dos prejuízos do ponto
de vista psicológico e social que irã o m anifestar-se na s próxim as
década s.
É im portante considerar que a caracterizaçã o da situaçã o de
violência em que vive m os denuncia um a tendê ncia para a
autode struiçã o, que r pela açã o direta das forças de strutivas presentes no
hom em , quer pela om issão que le va a m plos setores da socieda de a
serem espectadores passivos desse espetáculo ta nático. R om per com
esse destino significa estabelece r um a nova ética de cida dão, em que os
valores da vida pre valeçam sobre os da m orte.
A
mobilização
da
sociedade é
a alternativa
para a
erradicação
da
violência.

C onstruir essa nova ética e um projeto de vida sã o tarefas para a


juventude de hoje , considerando os da dos da H istória. [pg. 341]

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1. É PRECISO QUEBRAR O PACTO DE SILÊNCIO5
Abuso se xual só é com etido por e stranhos m al-e ncarados, em
lugares de sertos e com m enina s desa com panhadas. Isso tudo nã o passa
de história da carochinha.
N a verdade, m enina s e m eninos de todas as classes sociais sã o
violenta dos, na m aior parte da s ve zes, dentro de casa. E os abusadore s
são, ne ssa ordem : pais, padrastos, parentes e am igos da fa m ília.
“D os casos de violência se xual contra crianças e adolesce nte s que
atende m os, 85% dos agre ssore s sã o da fam ília, e o pai biológico é o
principal a busa dor”, diz a psicóloga D alka F errari, do N úcleo de
R eferência às V ítim a s da V iolência, do Instituto S edes S apientiae.
5
As denúncias podem ser feitas na Vara da Infância e Juventude ou no Conselho Tutelar da sua região.
O s especialista s apresenta m pesquisas cujos núm eros va riam ,
m as todos são unâ nim es em
afirm ar: o abuso dom éstico é
a principal violência se xua l
praticada contra
adolescentes e cria nças.
“E m nossas
pesquisas, 76% dos
agressores são
extrafam iliares, sendo que
34% deles sã o conhecidos
das vítim as. O s agressores
intrafam iliares som a m 23% .
M as vale lem brar que esses
dados são m a quia dos. C om
certeza, no m ínim o 50% dos
abusos acontece m em
casa”, diz o gine cologista
C arlos D iegoli, do P a va s
(P rogram a de Ate nção à s
V ítim as de Abuso S exual da
F aculda de de S aúde P ública
da U S P ).
E ssa m aquiage m ,
segundo ele, se de ve a um
“pacto de silêncio” tra vado
entre os integrantes das fam ílias em que ocorre o a buso. A e stim ativa é
de que só 1 0% dos casos sã o re ve lados.
“Além de o tem a ser ‘proibido’, é m uito difícil para um a filha
denunciar o próprio pai ou um parente. Já a m ãe quase sem pre finge que
não vê o que está a contece ndo”, diz D ie goli. O u seja , o assunto é tabu.
E , por isso m e sm o, cercado de m itos. [pg. 342]
Coleção de mitos
O prim eiro deles é achar que o abuso se xual só atinge m e ninas.
Apesar de elas sere m as grandes vítim a s (cerca de 8 0% ), os m eninos
tam bém são a busa dos, principalm ente na infância.
O utro m ito: se não houve pe netra ção, nã o foi abuso. Q ualque r tipo
de contato entre um adulto e um a criança ou um adole scente com
objetivo de satisfaze r se xualm ente o adulto é considerado abuso. Isso
inclui fa zer fotos eróticas, toques íntim os e se xo oral.
É nas classes ba ixa s que a violência se xual acontece com m ais
freqüência. M entira. “É um preconceito achar que abuso dom éstico é
coisa de fa vela do”, diz o gine cologista N elson V itiello, coordenador da
S brash (S ocie dade Brasileira de S e xologia H um ana).
“A única diferença é que as pe ssoas m a is pobres fa zem denúncia
policial, e nqua nto as ricas procuram tera peutas e clínica s particulares. O
fato é que ser abusador inde pende da situaçã o econôm ica e
sociocultural”, afirm a o psica nalista C laudio C ohen, coordenador do
C earas (C entro de E studos e Atendim ento R elativo a o Abuso S e xual, da
U S P ).
O agressor sem pre usa força física. N e m sem pre. E le usa o poder,
que pode ser físico ou em ocional. É com um , dize m os especialista s, o
abusador se duzir a vítim a durante anos, sem “obrigá-la a faze r nada”.
“M uitos jove ns acabam se envolve ndo e sentindo prazer na relaçã o
com o a busa dor. N ã o perce bem a violê ncia”, diz a gine cologista Albe rtina
D uarte T akiuti, do P rogram a de S a úde Integral do Adolescente da
S ecretaria de E sta do da S aúde.
P ara C laudio C ohen, essa é a form a m ais e xtrem a de abuso e a
que ca usa as conseqüências m ais gra ve s e m ais difíceis de tratar no
futuro. “A filha que vira a m ante do pa i, por e xe m plo, m uita s vezes se
sente com m ais poder na fa m ília. S ente prazer e não sabe que está
sendo abusa da. Alé m disso, sente um a grande culpa ”, diz ele.
O resulta do é um a desestruturação da personalidade da vítim a ,
que pode le var à dificuldade de se rela cionar com outras pessoa s, à
depressão e até a o suicídio.
“P or isso, a m elhor coisa a fazer, seja qual for a situação de a buso,
é procurar ajuda o m ais rápido possível”, diz Albe rtina.
O prim eiro passo é contar para um adulto de sua confiança —
professor ou parente , por e xem plo. D e pois, buscar a juda e specializa da.
P ara Albertina, “a única form a de a cabar com a violência é quebrando o
silêncio”.
S ilvia R uiz. Folha de S. Paulo, 27 de julho de 199 8.

2. A PROFECIA DO FRACASSO
T eco, até então, nã o tinha fre qüentado nenhum a escola. A va ga
conseguida prom ove u o rem aneja m ento do m enino nas sua s ativida des
de rua. P riorizou-se a escola. D esse m odo, e videncia-se que , quando a s
necessidade s do grupo fam iliar e xigem , o trabalho do m e nino surge
com o o ca m inho natural e lógico. M as quando surge a oportunidade de
acesso à escola, ela é a opção assum ida.
A sua priorizaçã o e videncia o quanto a fa m ília valoriza a escola. A
im portâ ncia dada se justifica pe la a spira ção de m elhoria de vida, pela
possibilidade que nela distingue m de obter m e lhor em prego e de
participar da cultura letrada. Q uando os projetos de vida dos pais sã o
frustrados, as e xpectativas são dirigidas aos filhos, e spera ndo que eles
os livre m das condições precárias de sobre vivência. P or sua vez esta
atitude, ao em presta r legitim idade a o status quo, e scam oteia o seu lado
perverso — o de provocar a e xploraçã o econôm ica e a e xclusão social
de um núm e ro enorm e de hom ens e m ulhere s. A sensação é vivida
com o resultado da incapacidade individual em utilizar os m eios insti-
tucionais, supostos em condições de a brigar a todos e de prom over a
espera da integração.
O trabalho, por sua vez, funciona com o um a form a de
com pensaçã o para quem “abandonou” a escola. Alguns dos m eninos,
quando pergunta dos se estuda vam , diziam : “N ão. E u tra balho”.
R espondendo assim , eles tenta vam m ostrar que, se a escola lhes foi
negada, ele s se reintegra vam na socie dade atra vé s do tra balho. [pg.
343]
A trajetória de T eco não é de difícil pre visão. C om o os outros
m eninos, com eçará a fraca ssar na vida escolar. C ulpará, assim com o os
outros, a si m esm o. E , assim com o os outros, troca rá a escola pelo
trabalho — sentindo que saiu dela porque quis, e não porque tenha sido
expulso — até chegar o dia em que nã o terá outro jeito, senão trocar o
trabalho pela delinqüência.
A escola não perde seus alunos só porque eles precisa m trabalhar,
m as tam bém porque existe um a distâ ncia enorm e entre ela e a vida que
os m eninos le vam . N ada m ais resta a ele s senão cum prir as profecias de
fracasso que a socie dade a nuncia para eles.

Lígia de M e de iros. A criança da favela e sua visão de mundo: uma contribuição


para o repensar da escola. R io de Jane iro, D ois P ontos, 1 98 6 . p. 6 0-1 .

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1. O que é a gressividade?
2. C om o se conceitua a violência ?
3. Q uais são os fatores determ ina ntes da violência?
4. Q uais as diferente s e xpressões da violência?
5. C aracterize os aspectos principais da violência na fam ília, na escola e
na rua.
6. Q uais as diferenças entre transgressor, infrator e de linqüe nte?
7. C om o supe rar a violência prese nte e m nossa sociedade?

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1. Q uais situações na vida de vocês podem ser caracterizadas com o
situa ções de violência? Até onde vai, nessa s situaçõe s, a sua
responsabilida de pe ssoal e a cole tiva?
2. C om o vocês analisam a questão dos jovens (da sua ida de ) que têm
envolvim ento com práticas de delitos?
3. A partir do te xto com plem entar nº 2, discutam e aprofunde m a análise
das condiçõe s de vida que le vam à realização da profecia.
4. C aracterize m situações de violência que ocorram na escola e
levante m suas de term inações im edia tas (causas). P roponha m
soluçõe s para cada situaçã o analisada .
5. A partir do te xto com plem entar nº 1 , planeje m um a ca m panha na
escola sobre pre ve nção à violência dom é stica.


Para o aluno
A leitura dos jornais, não som ente da página policial, fornece
am plo m aterial para o debate deste tem a . E xiste m ta m bém os rom a nce s
e reportage ns, que são um a e xcelente form a de conhecer os difere nte s
aspectos do te m a. E ntre eles, destacam os: A queda para o alto (R io de
Janeiro, V ozes), de S andra M ara H erzer; o clássico Capitães da areia,
de Jorge Am ado; os dois livros-reporta gens de G ilberto D im enstein,
Meninas da noite e A guerra dos meninos; e o livro de C aco Barcellos,
de re percussão inte rnacional, Rota 66. S obre drogas, foi lançado em
1992 o livro da psicóloga [pg. 344] Lídia Aratangy, Doces venenos
(S ão P a ulo, O lho d’Água).
Além dos rom ances e depoim entos, tem os, com o le itura s
introdutórias, o livro de R egis de M orais, O que é violência urbana (S ão
P aulo, Brasilie nse, 1 981, C oleção P rim eiros P assos). D a m e sm a série e
editora, o livro de E dson P a ssetti, O que é o menor, e, finalm ente, o livro
de T écio Lins e S ilva e C arlos Alberto Luppi, A cidade está com medo
(R io de Janeiro, M arco Z ero, 198 2).
Para o professor
O livro de Jurandir F reire C osta, Violência e Psicanálise (R io de
Janeiro, G raal, 19 8 6), é um a obra onde os aspe ctos psicológicos
relativos ao te m a são aprofundados. N essa m esm a linha, em bora
aborda ndo o suicídio com o te m a que denuncia o projeto de
autode struiçã o coletiva de um a socie da de, tem os o e xce le nte livro de
E duardo Kalina e S a ntiago Kova dloff, As cerimônias da destruição (R io
de Janeiro, F rancisco Alves, 19 83). D os m esm os a utores e editora ,
existe o livro Drogadicção (198 3), que aborda a questão das drogas,
que, em bora não tenha sido tratada no te xto, é um te m a a ela
relacionado. M uito interessa nte tam bém é Privação e delinqüência (S ão
P aulo, M artins F ontes, 19 87), de D . W . W innicott, psiquia tra inglês que
se dedicou à com preensã o e ao traba lho junto a cria nça s e jovens
delinqüentes ou a ba ndona dos.
U m outro aspecto pouco abordado no capítulo, m as m uito
im porta nte de se com preender em profundidade, é a dram a tiza ção da
crim inalidade, abordada no e xcelente artigo de José M anoel B. Aguiar,
“Mais uma vez: a manipulação político-ideológica da delinqüência”,
editado na re vista C E D E S , n 2 6, E ducação e socieda de. E , finalm ente, a
obra de Anton S . M akarenko, Poema pedagógico, em 3 volum es (S ão
P aulo, Brasiliense, 1 985), que relata de m odo e nvolvente o trabalho do
autor junto a crianças e jovens de a m bos os se xos, num a colônia
agrícola .


Pixote — a lei do mais fraco. D iretor H ector Babenco (Brasil,
1980) – É um retra to da vida de m enores abandona dos em grande s
cidades brasileiras. N esse sentido, seu tem a é a violê ncia.
Lúcio Flávio — o passageiro da agonia. D iretor H ector Ba benco
(Brasil, 1 977) – C onta a história do ba ndido que e xerceu fascínio no
Brasil, por ser considerado um bandido “consciente” e por re velar
aspectos da corrupção policial.
Anos rebeldes – P equeno seriado da R ede G lobo, é um bom
program a sobre os a nos de violência e luta política no Brasil.

Q ualquer film e sobre preconceito ra cial torna-se bom pa ra de bater


violência, com o:
Faça a coisa certa. D iretor S pike Lee (E U A, 198 9)
Febre da selva. D ire tor S pike Lee (E U A, 1991)
Mississipi em chamas. D iretor Ala n P arker (E U A, 1988 )
Uma história americana. D iretor R ichard P earce (E U A, 19 9 0)
E xistem tam bé m vá rios víde os que podem ser e ncontrados em
grupos e associações que trabalham com o te m a. P or e xem plo:
F undação Abrinq (S ão P aulo), que produziu o vídeo A guerra dos
meninos; M ovim ento N a cional de M eninos e M e ninas de R ua. [pg. 345]
C AP ÍT U LO 2 3

Saúde ou doença mental: a


questão da normalidade

Estou de acordo que um esquizofrênico é um esquizofrênico,


mas uma coisa é importante: ele é um homem e tem necessidade de
afeto, de dinheiro e de trabalho; é um homem total e nós devemos
responder não à sua esquizofrenia mas ao seu ser social e político.
Franco Basaglia

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E m m uitos m om entos de sua vida um a pessoa pode viver
situações difíceis e de sofrim ento tão intenso, que pe nsa que algo vai
arrebentar de ntro de si, que nã o vai suportar, que vai pe rder o controle
sobre si m esm a... que vai e nlouquece r. Isto pode ocorrer quando se
perde alguém m uito próxim o e querido, em situações altam ente
estressa ntes, em que o indivíduo se vê com m uitas dúvidas e nã o
percebe a possibilida de de pedir a juda e/ou resolver sozinho ta l situaçã o.
A pessoa, e ntão, busca a supe ração desse sofrim e nto, o resta-
belecim ento de sua organização pessoal e de seu equilíbrio, isto é, o
retorno à s condições anteriores de rotina de sua vida, em que não tinha
insônia, não chora va a toda hora, não tinha os m edos que a gora tem , por
exem plo. E m bora o sofrim e nto seja intenso, não é possível falar de
doença nessas situações. É necessário ter m uito cuidado para não
patologizar o sofrim ento. S ituações com o essas, todos nós pode m os
vivê-las em algum m om ento da vida e, ne ssas circunstâncias, o indivíduo
necessita de a poio de seus grupos (a fa m ília, o tra balho, os am igos), isto
é, que estes grupos sejam “continente s” de seu sofrim e nto e de suas
dificuldades e que não o e xclua m , não o discrim inem, tornando ainda
m ais difícil o m om ento que vive. [pg. 346]
Além do a poio do grupo, o
indivíduo pode ne cessitar de um a
ajuda psicoterápica , no sentido de
suporte e facilitação da com preensão
dos conte údos internos que lhe
causam o transtorno, o que poderá
levá-lo a um a reorganizaçã o pessoal
quanto a valore s, proje tos de vida, a
aprender a conviver com perda s,
frustrações e a descobrir outras fontes
de gra tificação na sua relação com o
m undo.
N este m odo de relatar e Não são todas as situações de sofrimento que
requerem ajuda psicoterápica.
com pre ender o sofrim ento psíquico,
fica claro que o critério de a valia ção é o próprio indivíduo e se u m al-e star
psicológico, isto é, ele em relação a si próprio e à sua estrutura
psicológica, e não o critério de adaptação ou desadaptação social.
E sse indivíduo que sofre pode esta r perfeitam ente a da pta do,
continuar respondendo a todas as e xpe ctativas socia is e cum prir todas
as suas re sponsabilidades. Ao m esm o tem po, pode-se encontrar um
outro indivíduo, que, m e sm o sendo considera do socialm e nte
desada ptado, e xcêntrico, diferente, não vive ncia, neste m om e nto de sua
vida, nenhum sofrim ento ou m al-estar re levante. O indivíduo consegue
lidar com suas aflições intensas encontrando m odos de produção que
canalizam este m al-estar de form a produtiva e criativa.
Assim , em bora o sofrim ento psicológico possa le va r à
desada ptaçã o social e esta possa determ inar um a orde m de distúrbio
psíquico, não se pode, sem pre, esta belecer um a relação de causa e
efeito entre am bos. Isto torna questionável a utilização e xclusiva de
critérios de a dequação social pa ra a a valiação psicológica do indivíduo
enqua nto norm al ou doente.
Abordar a questão da doença m ental, neste enfoque psicológico,
significa considerá-la com o produto da interaçã o das condições de vida
social com a traje tória específica do indivíduo (sua fa m ília, os dem ais
grupos e as e xperiências significativas) e sua estrutura psíquica. As
condições e xternas — poluição sonora e visual intensas, condições de
trabalho estressante s, trânsito caótico, índices de crim inalidade, e xcesso
de apelo a o consum o, perda de um ente m uito querido etc. — devem ser
entendidas com o de term ina ntes ou dese ncadea doras da doe nça m ental
ou propiciadoras e prom otoras [pg. 347] da saúde m enta l, isto é, da
possibilidade de realização pessoal do indivíduo em todos os aspectos
de sua capacidade.

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
O indivíduo a prese nta um sintom a ou vários: ele vê o diabo; te m
um m edo intenso de sair de ca sa ou de ir da sala para o banheiro
sozinho; não conse gue dorm ir à noite; não articula com lógica um
raciocínio sobre dete rm inado assunto; te m interm iná veis m onólogos com
figuras ou objetos im aginários, utilizando frases de scone xas; ouve vozes
que o aconselha m e o apa vora m ; ora está e xtrem am ente eufórico e, no
m om ento seguinte, fica m uito deprim ido e se recusa ao contato com os
outros.
E sses sintom as podem ser agrupados de diferentes form as, sendo
identificados em qua dros clínicos que re cebem um nom e, por e xe m plo,
neurose, anore xia, distúrbio obsessivo com pulsivo, psicose, síndrom e do
pânico, psica stenia e tc. S em pre foi assim ? N ão.

UM BREVE OLHAR SOBRE A HISTORIA DA LOUCURA1


O filósofo francê s M ichel F oucault (19 26-198 4) deu um a valiosa
contribuição para com preenderm os a constituiçã o histórica do conceito
de doença m ental. S ua pesquisa ba seou-se em docum entos (discursos)
encontrados e m a rquivos de prisõe s, hospitais e hospícios. N a
periodização histórica que utiliza, o autor inicia seu traba lho pelo
R enascim ento (século 16), período no qual o louco vivia “solto, errante,
expulso das cidades, entregue aos pere grinos e na ve gantes”. O louco
era visto com o “tendo um saber esotérico sobre os hom ens e o m undo,
um saber cósm ico que re vela verdades secreta s”. N essa época, a
loucura significa va “ignorância, ilusão, de sregram ento de conduta, desvio
m oral, pois o louco tom a o erro com o verda de, a m e ntira com o
realidade”. N este últim o sentido, a loucura passaria a ser vista com o
oposiçã o à razã o, esta ente ndida com o instância de verda de e
m oralida de. N a Ida de M é dia e no R enascim ento, eram raros os casos de
internação de loucos em hospitais e, quando [pg. 348] isso ocorria,
recebia m o m esm o tratam ento dispensado a os dem ais doentes, com
sangria s, purgaçõe s, ventosas, ba nhos.

Muitas
alternativas para
tratar a dor
psíquica foram
experimentadas
ao longo da
história.

1
Texto redigido a partir de Constituição histórica do conceito de doença mental em Michel Foucault, de
Laura Fraga de Almeida Sampaio — filósofa e estudiosa de M. Foucault. Mimeografado, 1998.
N a É poca C lássica (séculos 1 7 e 18), os critérios para definir a
loucura ainda não eram m édicos — a de signaçã o de louco não dependia
de um a ciência m é dica. E sta designaçã o era atribuída à percepção que
instituições com o a igreja, a justiça e a fam ília tinham do indivíduo e os
critérios referia m -se à transgressã o da lei e da m oralidade.
N o final do sé culo 1 7 (16 56), foi criado, em P a ris, o H ospital G eral.
N este hospital, iniciou-se “a grande inte rnação”. A popula ção internada
era he terogênea , e m bora pudesse ser agrupada em quatro gra nde s
categorias: os devassos (doe ntes venére os), os feiticeiros
(profanadore s), os libertinos e os loucos.
O H ospita l G eral não era um a instituiçã o m édica, m as assiste ncial.
N ão ha via tra tam e nto. O s loucos não eram vistos com o doe ntes e, por
isso, integra vam um conjunto com posto por todos os se gregados da
socieda de. O crité rio de e xclusã o ba sea va-se na ina dequação do louco à
vida social.
N este período, busca va-se construir um conhecim ento m édico
sobre a loucura , contudo, a m edicina da época — que tinha com o
m odelo a história na tural e o seu m étodo classificatório (a de scrição e a
ta xionom ia da e strutura visível das plantas e anim ais eram feitas com a
finalida de de estabe lecer sem elhanças e diferenças) — nã o conseguia
abarcar a com ple xidade de m anifestaçõe s da loucura.
N a segunda m etade do século 18, inicia ram -se refle xões m é dica s
e filosóficas que situavam a loucura com o algo que ocorria no interior do
próprio hom em , com o perda da natureza própria do hom em , com o
alienação. S egundo a periodização histórica proposta por F oucault,
nesse período (final do século 18 e início do 1 9) já e sta ríam os na
M odernidade . C riou-se, então, a prim eira instituição destina da
exclusivam ente à re clusão dos loucos: o [pg. 349] asilo. A m entalidade
da época considera va injusto para com os dem ais presos a convivência
com os loucos.
O s m étodos terapê uticos utiliza dos no asilo eram : a religião, o
m edo, a culpa, o tra balho, a vigilância, o julga m ento. O m édico pa ssou a
assum ir o papel de a utorida de m á xim a . A ação da P siquia tria era m oral e
social; isto é, sua função esta va voltada para a norm atizaçã o do louco,
agora conce bido com o capaz de se recuperar.
Inicia-se a m e dicalização. A cura da doença m enta l — o novo
estatuto da loucura — ocorreria a pa rtir de um a liberda de vigiada e no
isolam e nto. E sta va preparado o ca m inho para o surgim ento da
P siquiatria.

A PSIQUIATRIA CLÁSSICA
A P siquiatria clássica considera os sintom as com o sinal de um
distúrbio orgânico. Isto é, doença m ental é igual a doença cerebral. S ua
origem é e ndógena, dentro do organism o, e refere-se a algum a lesã o de
natureza a natôm ica ou distúrbio fisiológico cere bral. F ala-se, m esm o, na
quím ica da loucura, e inúm eras pesquisas nesse sentido estão e m
andam ento. N essa a bordagem , algum distúrbio ou a nomalia da estrutura
ou funcionam ento cerebral le va a distúrbios do com portam ento, da
afetividade, do pe nsam ento etc. O sintom a apóia-se e tem sua orige m no
orgânico. N esse se ntido, e xistem m a pas cerebra is que localizam em
cada área cerebral funções sensoriais, m otoras, afetivas, de intelecção.
N essa abordagem da doença, os quadros patológicos sã o
exaustivam ente de scritos no se ntido de quais distúrbios pode m
aprese ntar. P or e xe m plo, a psicastenia é caracterizada por esgota m ento
nervoso, com traços de fadiga m ental, im potê ncia diante do esforço,
inserçã o difícil no re al, cefaléias, distúrbios gastrointestinais, inquietude,
tristeza. E , finalm ente, se a doença m ental é sim plesm ente um a doença
orgânica, ela será tratada cora m edicam entos e produtos quím icos. Ao
lado da m edicação, de vem os lem brar que ainda sã o usados os
eletrochoque s, os choques insulínicos e, em casos m ais graves, o
interna m ento psiquiá trico, para um a adm inistraçã o controlada e intensiva
de m edicam e ntos.
A CONTRIBUIÇÃO DA PSICANÁLISE
N ão é possível discutir a questã o da norm alida de e da patologia
sem retom ar as contribuições de F reud para a questão. P ara a
P sicaná lise, o que distingue o norm al do anorm al é um a que stão de [pg.
350] grau e não de natureza, isto é, nos indivíduos “norm ais” e nos
“anorm ais” e xistem as m esm as
estruturas de pe rsonalidade e de
conteúdos, que, se m ais, ou
m enos, “ativadas”, são res-
ponsá veis pelos distúrbios no
indivíduo. E ssas são as e struturas
neuróticas e psicóticas.
F reud tom ou a term inologia
da P siquiatria clássica do século
19 e definiu os quadros clínicos
assim :
   

As pessoas podem ser criativas — e mesmo
      geniais — em momentos de intenso sofrimento
psíquico.
   

As neuroses pode m ser subdivididas em :
• Neurose obsessiva — esse tipo de conflito psíquico le va a
com portam entos com pulsivos (por e xe m plo, la var a m ão com freqüência
não usual); ter idéias obseda ntes, por exem plo, de que a lguém pode
estar perseguindo-o e, ao m esm o tem po, ocorre um a luta contra esses
pensam entos e dúvidas quanto ao que fa z ou fez.
• Neurose fóbica ou histeria de angústia — a angústia é fixa da ,
de m odo m ais ou m enos está vel, num objeto e xterior, isto é, o sintom a
central é a fobia, o m edo. M e do de altura, m edo de anim ais, m edo de
ficar sozinho etc.
2
Freud. Apud J. Laplanche e J.-B. Pontalis. Vocabulário da Psicanálise, p. 377.
• Neurose histérica ou histeria de conversão — o conflito
psíquico sim boliza-se nos sintom a s corporais de m odo ocasional, isto é,
com o crises. P or e xem plo, crise de choro com teatralida de, ou sintom a s
que se a prese ntam de m odo duradouro, com o a paralisia de um m em bro,
a úlcera etc.
T odas as form as de m anifestação da ne urose tê m sua orige m na
vida infantil, m esm o quando se m a nifestam m ais tarde , dese ncadea da s
por vivê ncias, situações conflitivas etc. N os dois últim os tipos
aprese ntados, a ne urose está associada a conflitos infa ntis de ordem
se xual. [pg. 351]
A esses tipos de neurose de ve -se acresce ntar a neurose
traumática, e m que os sintom a s — pensar obsessiva m ente no
acontecim ento tra um atizante , ter perturba ções do sono etc. — apare cem
após um choque em otivo do indivíduo, ligado a um a experiê ncia em que
ele correu risco de vida. M as, m e sm o nesse ca so, e xistiria, se gundo
F reud, um a predisposição, isto é, o traum atism o desenca deou um a
estrutura neurótica pree xiste nte.
Psicose — é o term o usado até m ea dos do século 19 pa ra se
referir, de m odo geral, à doença m ental. P ara a P sica nálise, refere-se a
um a perturbaçã o intensa do indivíduo na relação com a re alidade . N a
psicose, acontece um a ruptura entre o e go e a realidade, ficando o e go
sob dom ínio do id, isto é, dos im pulsos. P osteriorm ente, na e volução da
doença , o e go reconstrói a re alida de de a cordo com os desejos do id.
As psicoses subdividem -se e m :
• Paranóia — é um a psicose que se caracteriza por um delírio
m ais ou m enos sistem atiza do, articulado sobre um ou vários
tem as. N ão e xiste deteriora ção da capa cidade intelectual. Aqui
se incluem os delírios de perseguição, de grande za.
• Esquizofrenia — caracteriza-se por: afastam e nto da re alida de —
o indivíduo entra num processo de centram ento e m si m esm o, no
seu m undo interior, ficando, progressiva m ente, entregue à s
próprias fanta sias. M anifesta incoerência ou desagre gaçã o do
pensa m ento, da s ações e da afetividade. O s delírios são
acentuados e m al sistem atizados. A característica fundam e nta l
da esquizofre nia é ser um quadro progressivo, que le va a um a
deterioração intele ctual e afetiva.
.• Mania e melancolia
ou psicose maníaco-
depressiva — cara cteriza-
se pela oscilaçã o entre o
estado de e xtrem a euforia
(m a nia) e estados
depressivos (m elancolia).
N a depressão, o indivíduo
pode ne gar-se a o contato
com o outro, não se
A tristeza pode ser ou não um indicador de adoecimento.
preocupa com cuidados
pessoais (higie ne, a presentação pessoal) e pode m e sm o, e m casos m ais
gra ves, busca r o suicídio. [pg. 352]

A ABORDAGEM PSICOLÓGICA
A abordagem psicológica encara os sintom as e, portanto, a doença
m ental, com o desorganização da personalidade. A doença instala-se na
personalidade e le va a um a alteração de sua estrutura ou a um desvio
progressivo em seu desenvolvim e nto. D e ssa form a, as doenças m e ntais
definem -se a pa rtir do gra u de pe rturba ção da pe rsona lidade, isto é, do
grau de desvio do que é considerado com o com portam ento padrão ou
com o personalidade norm al. N este caso, as psicoses sã o considerada s
com o distúrbios da personalidade total, e nvolvendo o aspecto afetivo, de
pensam ento, de percepção de si e do m undo. As neuroses referem -se a
distúrbios de aspectos da personalidade; por e xem plo, pe rm anecem
íntegras a capacidade de pensam ento, de esta bele cer relações afetivas,
m as a sua relação com o m undo encontra-se a lte rada, com o no ca so do
indivíduo que te m um m edo intenso de cachorro e não consegue nem
passar a m ão num bichinho de pe lúcia.

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N os dois m odelos e xplicativos a nteriore s — P siquiatria clássica e
aborda gem psicológica — está im plícita a questão dos padrões de
norm alidade, isto é, em bora as duas teorias se diferencie m quanto à
concepção de doença m enta l e sua s causas, elas se a sse m elham no
sentido de que am ba s supõe m um critério do que é norm al.

NORMAL E PATOLÓGICO: UMA DISCUSSÃO ANTIGA E ATUAL


R esponder a isso significa dizer que determ inadas áre as de
conhecim ento científico esta belecem pa drões de com porta m ento ou de
funcionam ento do organism o sadio ou da personalida de a daptada. E sse s
padrõe s ou norm as referem -se a m é dias estatísticas do que se de ve
esperar do organism o ou da personalidade, e nqua nto funcionam e nto e
expressão.
E ssas idéias ou critérios de a valiação constroem -se a partir do
desenvolvim e nto cie ntífico de um a determ inada áre a do conhecim ento e,
tam bém , a partir de dados da cultura e do com portam ento do próprio
observa dor ou espe cialista, que nesse m om ento a va lia este indivíduo e
diagnostica que ele é doente.
E aqui surge um a com plicaçã o. O conceito de norm al e patológico
é e xtrem a m ente re lativo. D o ponto de vista cultural, o que num a
socieda de é considerado norm al, a dequa do, ace ito ou m esm o
valoriza do, em outra sociedade ou em outro m om ento histórico pode se r
conside rado anorm al, desvia nte ou patológico. [pg. 353]
O s antropólogos tê m contribuído enorm em ente para esclare cer
essa questã o da relatividade cultural do conceito e do fenôm eno. P or
exem plo, o com portam ento hom osse xual, que e m um a socieda de é
conside rado doe nça, em outra pode ser um com portam e nto
absolutam ente ade quado ou até m esm o valorizado. H istoricam e nte,
tam bém se verificam m udanças. P odem os encontrar, nos arquivos de um
hospital psiquiátrico de S ão P aulo, da dos sobre m ulheres que foram
conside radas louca s porque, na dé cada de 5 0, apresenta vam
com portam ento se xual a vançado pa ra a época, com o não preservar a
virginda de até o casam ento. H oje, no final da década de 90 , dificilm ente
um a jovem que tive r relações se xua is antes do ca sa m ento será
conside rada louca ou será interna da e m um hospital psiquiá trico.
A questão da
norm alidade a ca ba por
desvela r o poder que a
ciência tem de, a partir do
diagnóstico fornecido por um
especia lista, form ular o
destino do indivíduo rotulado.
Isso pode significar não
passar pela seleçã o de um
em prego, perder o pátrio
poder sobre os filhos, ser
interna do em um hospital
psiquiátrico e, a pa rtir disso,
ter com o identida de
O confinamento de pessoas com sofrimento psíquico
grave é um tratamento a ser superado.
fundam ental a de louco.
E sse poder atribuído à
ciência e a os profissionais de ve ser que stionado, na m e dida em que se
baseia num conjunto de conhecim e ntos ba stante polêm icos e
incom pletos. Além do que, o m édico ou o psicólogo, com o cidadã o e
represe ntante de um a cultura e de um a socie dade, a caba por patologiza r
aspectos do com portam ento que se caracterizam m uito m ais com o
transgre ssões de condutas m orais (se xuais, por e xe m plo) que nã o são
conside rados desvios em outros m om entos históricos ou em outras
socieda des: isso de m onstra a rela tivida de do conceito de norm al.
O utro aspecto conhecido e ba stante alardeado pelos m eios de
com unicação de m a ssa é o uso da P siquiatria ou do rótulo de doença
m ental com fins políticos. O sa ber científico e sua s técnicas surgem ,
então, com prom e tidos com grupos que querem m anter determ inada
ordem social. T ranca-se no hospita l psiquiátrico ou retira-se a
legitim idade [pg. 354] do discurso do indivíduo que contesta esta ordem ,
transform ando-o em louco.



E m oposição a essa s aborda gens tra dicionais da doença m e ntal,
surgem aquelas que questionam os conceitos de norm alidade im plícitos
na teoria e, principalm ente, nas form as de tratam ento da loucura. N essa
linha, surge a antipsiquiatria , com o um a negação radical da P siquiatria
tradicional ou clássica, afirm a ndo que a doença m ental é um a construção
da sociedade, isto é, que a doença m ental não e xiste em si, m as é um a
idéia construída, um a represe ntaçã o para dar conta de difere nciar, isolar
determ inada ordem de fenôm eno que questiona a universalidade da
razão. E sse ponto de vista retom a e a profunda a colocação de M ichel
F oucault em seu livro Doença mental e Psicologia:
               

A antipsiquiatria, de m odo m ais radical, e a P siquiatria social
denunciaram a m anipula ção do sa ber científico, a retirada da
hum anidade e da dignida de do louco, as condiçõe s perve rsas de
tratam e nto e reclusão dele e , principalm ente, a conce pção da loucura
com o fa bricada pelo próprio indivíduo e no se u interior. C om isso,
levaram todos os que se dedicam a com preender e a trabalhar com os
conside rados loucos a buscar, fora do indivíduo, as causas ou
desencadea dores do seu com porta m e nto atual, isto é, buscar na s
condições de tra balho, na s form as de lazer, no sistem a e duca cional

3
Michel Foucault. Doença mental e Psicologia. p. 71.
com petitivo ou m e sm o na estrutura fa m iliar ou na insegurança da
violência urbana, os fatores dese ncadeadore s ou de term inantes do
sofrim ento im e nso do indivíduo ou de sua doença.
A P siquiatria social ou a P siquia tria a lternativa, e m bora questione m
as abordagens clássicas da doença m e ntal, não nega m que a doença
exista. F . Basaglia afirm a:
           
            


 [pg. 355]
N esta m esm a obra, Basaglia afirm a que e xplicar a doença só do ponto
de vista orgânico ou exclusivam ente do ponto de vista psicológico ou
social significa um a “m oda” científica.
N a verdade, não devem os nos esquivar do e nfrentam ento da
questã o da loucura, do sofrim e nto do outro, m as, talvez, possa m os
com eçar a “ver” diferentem ente. O louco não é m onstro, não é não-
hum ano, e a loucura é construída ao longo da história de vida do
indivíduo. E ssas vivências ocorrem num determ ina do tem po histórico e
espaço social de finidos. M ais ou m enos com o Kalina e Kovadloff em se u
livro As cerimônias da destruição analisam o suicídio: ele foi construído
durante toda a vida do indivíduo, nos se us grupos de perte ncim ento — a
fam ília, a escola, o trabalho etc. — , e m bora o ato final caracterize um
m om ento psicótico, isto é, o indivíduo percebe-se com o outro e se m
significa do. P orta nto é no indivíduo e fora dele que va m os procurar as
razões dessa desrazão. E talvez seja por isso que o suicídio abale tanto
as pessoas próxim a s do indivíduo que com eteu o ato. É com o se esse
ato de nunciasse o fracasso do investim ento social que foi feito nesse
indivíduo, que nega de m odo radical tudo isso e a ponta o fracasso de
seus grupos 5 .

4
Franco Basaglia. A Psiquiatria alternativa. p. 79.
5
Cf. Eduardo Kalina e Santiago Kovadloff. As cerimônias da destruição.
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
F alar em doença im plica pensar na cura. A cura, no ca so da
doença m enta l, varia conform e a te oria ou o m odelo e xplicativo usa do
com o referencial e , desta form a, pode ser centrada no m edicam ento (a s
drogas quim ioterápicas), no eletrochoque, na hospitalização, na
psicoterapia.
F alar em doença im plica pe nsar, tam bém , em prevenção. A
pre venção da doença m ental significa criar estraté gias para e vitar o seu
aparecim ento. P or a nalogia , seria com o dar a vacina anti-saram po para
que a criança não tenha a doe nça. A pre venção im plica se m pre açõe s
localiza das no m eio social, isto é, os dados de um a pe squisa pode m
dem onstrar que determ inadas condições de trabalho propiciam o
aparecim ento de um certo distúrbio de com portam e nto. P rocura-se,
então, inte rferir naquelas condições espe cíficas de trabalho (no barulho,
por e xe m plo), no sentido de e vitar que outros indivíduos venha m a
aprese ntar o m esm o distúrbio. [pg. 356]
E falar em sa úde significa pensar em prom oção da sa úde m ental,
que im plica pensar o hom e m com o totalidade, isto é, com o ser biológico,
psicológico e sociológico e, ao m esm o te m po, e m todas a s condições de
vida que visa m propiciar-lhe bem -e star físico, m ental e social.
N essa perspectiva, significa pe nsar na pobreza, que dete rm ina
condições de vida pouco propícias à satisfação das necessidades
básicas dos indivíduos, e, ao m esm o te m po, pensar na violência urbana
e no direito à se gurança; no sistem a educa cional, que reproduz a
com petitivida de da nossa socieda de; na desum a nização crescente das
relaçõe s hum anas, que le va m à “coisifica ção” do outro e de nós próprios.
E pensar tudo isto significa pe nsar na superação das condições
que desenca deiam ou determ inam a loucura. C om o cida dãos, é preciso
com pre ender que a saúde m e ntal é, alé m de um a que stão psicológica ,
um a que stão política, e que intere ssa a todos os que estã o
com prom etidos com a vida.


O NARIZ
E ra um dentista, re speitadíssim o. C om seus quarenta e poucos
anos, um a filha quase na faculdade. U m hom em sério, sóbrio, sem
opiniõe s surpreende ntes m as um a sólida reputação com o profissional e
cidadã o. U m dia , apareceu e m casa com um nariz postiço. P assado o
susto, a m ulher e a filha sorriram com fingida tolerância. E ra um daqueles
narizes de borracha com óculos de a ros pretos, sobrancelhas e bigode s
que fazem a pessoa ficar pare cida com o G roucho M arx. M as o nosso
dentista não e sta va im itando o G roucho M arx. S entou-se à m esa do
alm oço — sem pre alm oça va em casa — com a retidão costum e ira,
quieto e algo distraído. M as com um nariz postiço.
— O que é isso? — perguntou a m ulher depois da sala da, sorrindo
m enos.
— Isto o quê ?
— E sse nariz.
— Ah. V i num a vitrina, entrei e com prei.
— Logo você , papai...
D epois do alm oço, e le foi recostar-se no sofá da sala, com o fazia
todos os dias. A m ulher im pacientou-se.
— T ire esse negócio.
— P or quê?
— Brincadeira tem hora.
— M as isto nã o é brincadeira. [pg. 357]
S esteou com o nariz de borracha para o alto. D epois de m eia hora,
levantou-se e dirigiu-se para a porta. A m ulher o interpelou.
— Aonde é que você vai?
— C om o, aonde é que eu vou? V ou volta r para o consultório.
— M as com esse na riz?
— E u não com pre endo você — disse ele , olhando-a com censura
atra vés dos aros se m lentes. — S e fosse um a gra vata nova você não
diria na da. S ó porque é um nariz...
— P ense nos vizinhos. P ense nos cliente s.
O s cliente s, realm ente, não com pree nde ram o nariz de borracha .
D eram risadas (“Logo o se nhor, doutor.”), fizeram pe rguntas, m a s
term inaram a consulta intriga dos e saíra m do consultório com dúvidas.
— E le e nlouquece u?
— N ão sei — respondia a rece pcionista, que trabalha va com ele há
15 anos. — N unca vi ele assim .
N aquela noite ele tom ou seu chuveiro, com o fazia sem pre antes de
dorm ir. D epois vestiu o pijam a e o nariz postiço e foi se deita r.
— V ocê vai usar esse nariz na ca m a? — perguntou a m ulher.
— V ou. Aliás, não vou m ais tirar este nariz.
— M as, por quê?
— P or que não?
D orm iu logo. A m ulher passou a m etade da noite olhando para o
nariz de borracha. D e m adrugada com eçou a chora r baixinho. E le
enlouquecera. E ra isto. T udo esta va acabado. U m a carreira brilhante,
um a reputa ção, um nom e, um a fam ília perfeita, tudo trocado por um nariz
postiço.
— P apa i...
— S im , m inha filha.
— P ode m os conversar?
— C laro que pode m os.
— É sobre esse se u nariz...
— O m e u nariz, outra vez? M as vocês só pensa m nisso?
— P apai, com o é que nós nã o vam os pe nsar? D e um a hora para
outra um hom e m com o você resolve a ndar de nariz postiço e não quer
que ninguém note ?
— O nariz é m eu e vou continuar a usa r.
— M a s, por quê, papai? V ocê não se dá conta de que se
transform ou no pa lhaço do pré dio? E u não posso m ais encara r os
vizinhos, de vergonha. A m a m ãe não te m m ais vida social.
— N ão tem porque não quer...
— C om o é que ela vai sair na rua com um hom em de nariz
postiço?
— M a s não sou “um hom em ”. S ou eu. O m arido dela. O seu pai.
C ontinuo o m esm o hom em . U m nariz de borracha não fa z nenhum a
diferença.
— S e não faz nenhum a diferença, entã o por que usar?
— S e não faz diferença, por que não usar?
— M as, m as...
— M inha filha...
— C hega ! N ã o quero m ais conversar. V ocê não é m ais m eu pai!
A m ulher e a filha sa íram de ca sa. E le pe rdeu todos os cliente s. A
recepcionista, que trabalha va com ele há 15 anos, pediu dem issão. N ão
sabia o que espera r de um hom em que usa va nariz postiço. E vita va
aproxim ar-se dele. M andou o pe dido de dem issão pelo correio. O s
am igos m ais chega dos, num a últim a tentativa de salva r sua reputação, o
convenceram a consultar um psiquiatra. [pg. 358]
— V ocê vai concordar — disse o psiquiatra, depois de concluir que
não ha via na da de errado com ele — que seu com portam ento é um
pouco estranho...
— E stra nho é o com portam ento dos outros! — disse ele. — E u
continuo o m esm o. N oventa e dois por cento do m eu corpo continua o
que era antes. N ão m udei a m aneira de ve stir, nem de pensar, nem de
m e com portar. C ontinuo sendo um ótim o dentista , um bom m arido, bom
pai, contribuinte, sócio do F lum inense, tudo com o antes. M as a s pessoa s
repudia m todo o re sto por ca usa deste nariz. U m sim ple s nariz de
borracha. Q uer dizer que eu não sou e u, eu sou o m e u nariz?
— É ... — disse o psiquiatra. — T alvez você tenha razão...
O que é que você a cha, leitor? E le tem razão? S eja com o for, não
se entregou. C ontinua a usar nariz postiço. P orque agora não é m ais
um a questão de nariz. Agora é um a questão de princípios.

Luis F ernando V eríssim o. O analista de Bagé.


28. ed. P orto Alegre, L&P M , 1981. p. 3 9-42.

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1. Q ual a im portância de se com preende r a loucura?
2. O que ocorre com o indivíduo que é rotulado de louco?
3. S egundo M ichel F oucault, com o ocorre a construção histórica do
conceito de doença m ental?
4. C om o se caracteriza a abordagem da P siquiatria clá ssica? E a
psicológica?
5. C om o se define m as questões do norm al e do patológico?
6. Q uais são os aspe ctos polem iza dos pelas teorias críticas da loucura ?
7. Q ual a contribuiçã o de F re ud para a discussão da norm alidade?
8. O que significa cura, pre venção e prom oção, e m doe nça e sa úde
m ental?

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1. Aponte os critérios que você e seu grupo social usam para rotular
alguém com o norm al e com o louco.
2. A partir do te xto com plem entar O nariz, discutam a construção social
da loucura.
3. Agora sonhem ... que tipo de coisa(s) vocês m udariam na socieda de no
sentido de prom over a saúde m ental?
4. C om o a nossa sociedade e, particularm e nte, o se u grupo de
convivê ncia lidam /toleram o difere nte? P or quê?
5. “D e perto ninguém é norm al.” D iscutam essa frase de C aeta no V eloso.
[pg. 359]

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Para o aluno
C om o introdução ao tem a, indicam os O alienista, de M a cha do de
Assis, e O que é loucura (S ã o P aulo, Brasiliense. C oleçã o P rim eiros
P assos), de João F rayze-P e reira.
P ara um a leitura m ais avança da, suge rim os o livro Doença mental
e Psicologia, de M ichel F oucault (R io de Jane iro, T em po Brasileiro,
1975).
O livro Um antropólogo em Marte, de O liver S acks, traz um artigo
(“P rodígios”) que constitui um e xcele nte m aterial para se r usado na
refle xão sobre a relatividade do conceito de norm al e patológico,
podendo ser bastante útil para derruba r as convenções sim plistas e
estigm atizadoras sobre doe nça m ental.

Para o professor
O livro de F oucault, citado anteriorm ente, serve com o um a
introdução, que pode ser a profundada com o livro do m e sm o autor,
História da loucura (S ão P aulo, P erspe ctiva), e com a obra de F ranco
Basaglia, A Psiquiatria alternativa — contra o pessimismo da razão,
o otimismo da prática (S ã o P a ulo, Brasil D e bates, 198 0). N os livros
citados, e xistem inúm eras notas bibliográficas que podem servir com o
orientação para o professor que pretende se aprofundar e m um a da s
inúm era s abordagens da doença m ental.
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As questõe s da saúde e da doença m e ntal, da norm alidade e da
produção da doença têm sido aborda das pe lo cine m a de m aneira
interessante e m otivadora.
Querem me enlouquecer. D ireção M artin R itt (E U A, 1987 ) – U m a
prostituta de luxo m ata um de seus ricos clie ntes, e o advogado,
contrata do por sua m ãe, tenta conve nce r a todos de que ela está louca e
tem de ser internada num asilo.
A tônica é discutir o direito de cada um fazer o que gosta e o que
sabe, por m ais absurdo que seja.
Um estranho no ninho. D ireçã o M ilos F orm an (E U A, 1975) – U m
desajustado vai para a cadeia por ter estuprado um a garota. F inge-se de
louco pa ra ser transferido e va i para um hospício. G anha a inim izade da
enferm e ira-chefe, por incentivar os outros internos à rebeldia . P arábola
divertida e apa vora nte sobre engrenage ns de poder, m arginalizaçã o de
de sajustados, tratam ento de doentes m e ntais e atitude s inconform istas.
U m retrato fiel das instituiçõe s psiquiátricas tradicionais.
Asas da liberdade. D ireção Alan P a rker (E U A, 19 84) – D e pois de
com bater no V ietnã , dois am igos de infância reencontram -se em hospital
m ilitar. U m não fala nem reage a nada , vive e ncerra do na fa ntasia que
alim enta de sde cria nça: voar. S ó o velho a m igo tem condições de
am pará-lo. Belo film e sobre o horror da guerra e a liberdade de
im agina ção.
Vida em família. D ireção Kenneth Loach (Inglaterra, 1972) – O
film e m ostra com o a repressão fa m iliar pode le var um a cria nça a pe rder
todo o contato com a realida de. [pg. 360]
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E s ta o b ra fo i d ig ita liz a d a e re v is a d a p e lo g ru p o D ig ita l S o u rc e p a ra p ro p o rc io n a r, d e
m a n e ira to ta lm e n te g ra tu ita , o b e n e fí c io d e s u a le itu ra à q u e le s q u e n ã o p o d e m
c o m p rá - la o u à q u e le s q u e n e c e s s ita m d e m e io s e le trô n ic o s p a ra le r. D e s s a fo rm a , a
v e n d a d e s te e - b o o k o u a té m e s m o a s u a tro c a p o r q u a lq u e r c o n tra p re s ta ç ã o é
to ta lm e n te c o n d e n á v e l e m q u a lq u e r c irc u n s tâ n c ia . A g e n e ro s id a d e e a h u m ild a d e é a
m a rc a d a d is trib u iç ã o , p o rta n to d is trib u a e s te liv ro liv re m e n te .
A p ó s s u a le itu ra c o n s id e re s e ria m e n te a p o s s ib ilid a d e d e a d q u irir o o rig in a l, p o is a s s im
v o c ê e s ta rá in c e n tiv a n d o o a u to r e a p u b lic a ç ã o d e n o v a s o b ra s .
S e q u is e r o u tro s tí tu lo s n o s p ro c u re :
h ttp :/ / g ro u p s . g o o g le . c o m / g ro u p / V ic ia d o s _ e m _ L iv ro s , s e rá u m p ra z e r re c e b ê - lo e m
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