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Ele é um monstro com dentes afiados, mas eu sou a cobra que ele não espera.

Miguel. Atormentado. Letal. Morto por dentro.


Há apenas uma razão para Miguel se tornar o guarda-costas do filho de um chefe
de cartel. Para que um dia ele possa se vingar e colocar uma bala entre os olhos
do pai. Para isso, ele precisa manter seus segredos bem guardados e fazer um jogo
duplo com o escandaloso Nero Moreno.
E nunca houve um homem demônio mais irritante do que Nero. De seus dentes
limados e cabelos verdes aos berrantes colares de ouro e um AK-47 cravejado de
diamantes, ele é a personificação do excesso de narco e tudo o que Miguel
despreza.
O fato de Nero dar em cima de Miguel sempre que pode é apenas mais um fardo,
porque Miguel decidiu há muito tempo que não há espaço para o amor em seu
coração negro.
Nero. Vadia. Mortal. Vive para contrariar o mundo.
Ninguém recusa Nero Moreno. Quando ele mira um homem, mais cedo ou mais
tarde, sua marca se rende. Com o bufê interminável de carne disponível para ele,
ele não deveria se importar com a rejeição, mas toda vez que seu guarda-costas
insanamente quente o trata com indiferença, Nero está mais focado na sedução.
Ele pode ver uma centelha de interesse por trás dos olhos pretos mortos. O que
Miguel esconde sob a pele tatuada e o rosto inexpressivo? Por que ele não deixa
Nero tocá-lo? Seu coração é realmente feito de pedra, ou ele contém uma alma
mais gentil do que Miguel gostaria de admitir?
Nero não vai descansar até descobrir.
Quando seus objetivos colidem, o sangue segue as balas e nada é o que parece.
AVISO

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continuações e afins, com o bom senso de saber que, como vocês temos um
mundo fora das telas de PC e celular e assim como vocês também somos leitores.
É só um beijo. O que isso poderia significar?
Tudo. Isso pode significar tudo.

Corajoso, sombrio e intenso, ‘Love Among Reptiles’ é um romance M/M


sombrio de inimigos para amantes ambientado no mundo dos cartéis. Prepare-se
para a brutalidade, discussões acaloradas, ânsia de queima lenta e cenas
escaldantes, emocionais e explícitas.
Temas: inimigos dos amantes, cartéis, vingança, masculinidade, saindo do
armário, primeiras vezes, opostos se atraem, traição, traição, disfarçado, mal-
humorado/luz do sol, crime, passado traumático, viagem
Comprimento: ~ 117.000 palavras (romance autônomo)
AVISO: Esta história contém cenas de violência, linguagem ofensiva e
personagens moralmente ambíguos, bem como tópicos delicados de homofobia,
suicídio, abuso infantil e SA.
Capítulo 1
Miguel

A GRANDE GARRAFA DE DOM PERIGNON EXPLODIU, ESPALHANDO


QUARENTA MIL DÓLARES em champanhe por todo o pátio. Vários outros
ficaram em volta e em cima de um jacaré albino empalhado com pedras preciosas
no lugar dos olhos, pronto para ser desperdiçado. Ou seja, mais uma terça-feira
no trabalho de Miguel. Pelo menos ele não foi forçado a participar da 'diversão'
desta vez porque mal conseguia suportar esse desafio inútil quando as pessoas
estavam passando fome nesta mesma cidade.
Por outro lado, destruir bebidas sofisticadas não chegava nem perto das
coisas mais ultrajantes que ele vira desde que se tornara guarda-costas de Nero
Moreno, três meses atrás. Isso incluiu testar facões em um traidor azarado, Nero
forçando várias pessoas a deixá-lo tatuá-los durante sua festa de aniversário e
uma orgia gay na piscina com a maioria dos participantes vendados.
Miguel se considerava afortunado por Nero passar a maior parte do tempo
festejando ou vadiando, e deixava a parte difícil das operações do cartel para seus
homens. Apesar de ter a personalidade de uma hiena raivosa com cocaína, ele só
deixava o desrespeito voar se isso o divertisse. Quando isso não aconteceu, seu
taco de beisebol falou.
Ninguém queria ficar do lado ruim desse bastardo, não importa o quanto
ele sorrisse, mostrando sua grade brilhante para as pessoas. Como seu pai, Nero
era previsível como os jacarés marcando sua pele - eles eram de sangue frio e
adoravam rasgar as pessoas em pedaços. Pelo menos ao contrário de Raul 'O
Canibal' Moreno, Nero não comia gente. A fofoca do chefão fervendo seus
inimigos vivos por algum tipo de caldo humano fodido ainda fazia arrepiar a pele
de Miguel.
Miguel só podia esperar esconder suas verdadeiras intenções pelo tempo
que fosse necessário e nunca acabar no prato de Raul.
A fonte, que atualmente servia como seu banco, oferecia descanso da forte
luz do sol, e Miguel mergulhou o dedo na água sussurrante para esfriar enquanto
observava seu patrão se contorcer em algo semelhante a uma dança triunfante.
Ele mal podia acreditar que essa mancha na humanidade era o herdeiro do maior
e mais implacável cartel da América do Sul. Mas enquanto Nero era muitas coisas
desagradáveis, ele se orgulhava de seu legado e o exibia.
Caimans1, o emblema da organização de seu pai, enxameavam sobre sua
pele, travando uma luta até a morte. A maior das feras envolvia o corpo de Nero,
do peito até o joelho com escarificações2 formando suas escamas. E depois de
conhecer o bastardo por três anos, intermitentemente, Miguel teve o desenho
impresso sob as pálpebras, porque Nero não tinha escrúpulos em relação à nudez.
Por enquanto, pelo menos, ele estava vestindo um par de calças de moletom
- sem dúvida alguma marca cara que Miguel nunca tinha ouvido falar - com
uma estampa de oncinha dourada sobre um fundo branco e duas listras nas
laterais no mesmo vermelho caminhão de bombeiro de seu short. -cabelo curto.
Às vezes, Miguel se perguntava se as roupas brilhantes eram para repelir o
sol colombiano ou contrastar com o tom escuro e quente da pele de Nero. Ou se

1 Caiman é um gênero de jacarés das Américas Central e do Sul que inclui três das espécies de animais

conhecidos como jacaré ou caimão.


2 Escarificação é uma técnica de modificação do corpo que consiste em produzir cicatrizes no corpo através

de instrumentos cortantes.
servissem como um sinal de alerta aos predadores, sugerindo que Nero era
perigoso e tóxico.
Ele desviou o olhar quando Aaron, o homem bonito que Nero estava
entretendo, colocou sua mão bronzeada no traseiro redondo do gângster e
apertou com força suficiente para enrugar o tecido pálido que cobria a carne.
Nada mais era sagrado. Nero Moreno se considerava intocável e assim
permaneceria enquanto fosse do interesse de Miguel mantê-lo vivo. Três meses
no cargo, e nenhum membro do cartel rival, amante rejeitado, homofóbico ou
esposa ciumenta matou Nero a tiros, então Miguel estava fazendo algo certo.
Nero rugiu em triunfo quando outra garrafa preciosa quebrou,
derramando bebida dourada por todas as escamas do animal morto. Ele levantou
sua arma cravejada de cristais Swarovski e inclinou a cabeça para trás, deixando
Aaron beijá-lo. Miguel desviou os olhos, sem querer imaginar como seria beijar
um homem cujos dentes de baixo foram lixados até parecerem os de um tubarão.
A villa contemporânea com enormes janelas de vidro era um pouco menos
ofensiva de se olhar. Enorme e cheio de espaços vazios, era a personificação do
excesso moderno, mas o jardim nos fundos, com sua vegetação luxuriante e fonte
sussurrante trouxe a Miguel o consolo tão necessário.
Nero rugiu quando Aaron errou a enorme garrafa que descansava no ex-
animal embaixo dela. —É assim que você mira no quarto também? Começando a
ter dúvidas sobre o seu desempenho depois.
O sangue de Miguel congelou quando Aaron fez uma careta e empurrou
Nero. Um movimento, e sua arma estava apontada para a cabeça de Aaron, mas
Nero começou a rir, seus olhos verdes reptilianos fixos em Miguel.
—Bom menino! Alguém merece um mimo por ter o dono de volta,— ele
disse e estalou os lábios, como se Miguel fosse realmente um cachorro.
O olhar de Nero então se moveu para a forma rígida de Aaron, e ele
agarrou a mandíbula bem barbeada do bastardo. A parte superior de seu corpo,
tonificada pelo levantamento de peso diário, ficou tensa e o infeliz filho da puta
estremeceu com o poder por trás do aperto de Nero. —É melhor ter cuidado.
Depois de irritar um cão de guarda, você pode perder um membro até os dentes.
A risada de Aaron foi forçada, e ele ergueu as mãos em derrota. —Eu só
estava brincando. Ele tem deveres de padreador3 também?
Miguel balançou a cabeça e se recostou na beira da fonte. Ele não estava
disposto a entreter essa conversa. Ele matou muitas pessoas para contar,
contrabandeou drogas para os Estados Unidos e traficou armas para quem podia
pagar. No entanto, aqui estava ele, fazendo babá glorificado apenas para que um
dia pudesse alcançar o indescritível Raul 'O Canibal' Moreno e parar seu coração
para sempre.
Pena que o caminho até ele passava por Moreno Júnior.
Miguel baixou os olhos quando as laçadas douradas dos mamilos de Nero
brilharam ao sol, como as laterais de um tríptico com o retrato de Jesús
Malverde4. O pingente oval pendurado em uma grossa corrente dourada que
certamente custou mais do que uma casa média na Colômbia e apresentava
madrepérola, bem como pedras preciosas, em seu design intrincado, mas
inacreditavelmente exagerado. Nero nunca foi à igreja, nem se preocupou em

33 substantivo masculino Animal que padreia, que acasala, procria; reprodutor, procriador.adjetivo Que

padreia, que acasala.Etimologia (origem da palavra padreador)


44 Jesus Malverde, possivelmente nascido como Jesús Juárez Mazo, também conhecido como o "bom

bandido", "anjo de pobres", ou o "narcossanto", é um herói folclórico, do estado mexicano de Sinaloa. Ele
possuia ascendência Yoreme e espanhola. Ele é um "Robin Hood ", que se supõe ter roubado dos ricos para
dar aos pobres.
participar de quaisquer outras atividades religiosas costumeiras, mas isso não o
impediu de carregar sempre o retrato do 'santo' do folclore.
Apesar de ter entrado cedo na vida do narco, Miguel nunca acreditou que
homenagens a Malverde ou Santa Muerte5 pudessem fazer alguma diferença em
seu sucesso ou fracasso. Talvez a devoção de sua mãe a esta última figura tenha
sido o que o manteve vivo todo esse tempo, mas se ele acreditava em alguma
coisa, era que a sorte de um homem dependia apenas dele e que nenhuma ajuda
vinha - seja de cima ou de baixo. Nero, no entanto, era tão supersticioso quanto
qualquer outro colombiano e usava uma pulseira em tons de azul de fios
trançados e miçangas, embora sua versão do amuleto popular apresentasse ouro e
safiras em vez dos materiais mais usados e mais baratos. Talvez as joias fossem
simplesmente um amuleto de boa sorte, semelhante a pendurar uma ferradura
dentro de casa, mas talvez ele as usasse porque o ouro e os tons de joias realmente
realçavam seu tom de pele. Não adiantava perguntar.
—Ah, às vezes me pergunto por que o mantenho por perto. Ele pode ser
perigoso e sombrio, mas que cachorro não quer provar o presunto mais suculento
que existe?— Nero perguntou e virou a bunda para Miguel, como se seu tom
sugestivo já não tivesse deixado claro o que queria dizer.
O problema com Nero era que... o bastardo era de fato atraente, e guardar
essa opinião para si mesmo era crucial para o sucesso do plano de Miguel.
Envolver-se com Nero de qualquer forma que não fosse estritamente profissional
teria causado uma avalanche de problemas com os quais Miguel não queria lidar.
Além disso, a única pessoa autorizada a tocar em Miguel era a garota que

5 Santa Muerte é uma figura sagrada venerada no México, provavelmente um sincretismo entre crenças
católicas e mesoamericanas. A cultura mexicana mantém desde a era pré-colombiana uma certa reverência
em relação à morte, manifestada em celebrações sincréticas como o Dia dos Mortos.
trançava seu cabelo a cada três semanas. Sua mãe costumava fazer isso por ele,
mas ele não a via há vários anos, preso a ligações ocasionais que precisavam ser
mantidas em sigilo.
—Você me mantém por perto porque eu mantenho você vivo—, disse
Miguel, medindo cada palavra entre os dentes. Se Nero e Aaron já tivessem saído
para foder, em vez de perder tempo com as caras preliminares com champanhe,
ele poderia roubar um momento para ligar para a mãe e relatar seu progresso.
Nero sorriu, exibindo dentes afiados enquanto sua mão se movia pelo corpo
de Aaron como uma cobra enfeitada com um relógio de ouro grosso. Ele podia
usar mais joias do que a mulher comum, mas servia a um propósito duplo, e
Miguel tinha visto o estrago que os sinetes de Nero causavam no rosto dos
homens.
—Isso mesmo. E se ele me atacar quando eu estiver mais vulnerável? —
Nero perguntou, puxando o cinto de Aaron com força suficiente para fazê-lo
ofegar.
Miguel deu-lhes um olhar nivelado. —Então não foda com ele.
Aaron riu. —É isso o que você faz? Permanecer casto como freira?
O olhar de Nero era o de uma pantera que escolheu Miguel como próxima
refeição. —Ou você pode estar no quarto e se certificar de que estou seguro.
Aaron respirou fundo, seus olhos disparando para Miguel como se temesse
que a presença de outra pessoa pudesse afetar seu desempenho.
Suor frio escorria na nuca de Miguel, apesar do calor. —Isso é uma
ordem?— ele perguntou, tentando transmitir que a provação não lhe daria
nenhum prazer, mas seus verdadeiros sentimentos sobre o assunto eram uma teia
emaranhada de luxúria indesejada e auto-aversão.
Nero colocou a trava de segurança e enfiou a arma na parte de trás da
calça, mexendo-a sugestivamente para frente e para trás. —Eu tenho dois
buracos, Miguel.
Miguel alegrou-se com o tom escuro de sua pele, pois o calor desencadeado
por aquelas palavras chegou até aos seus ouvidos. Ele tinha trinta anos, tinha visto
coisas que dariam pesadelos à maioria das pessoas e havia cometido crimes sem
piscar, mas esse homem, esse filho de Satanás, ainda era capaz de fazê-lo perder a
língua. O flerte unilateral tinha sido implacável desde o momento em que se
conheceram, mas agora que Miguel se tornou o guarda-costas de Nero, não havia
um dia sem que um comentário sexual saísse daqueles lábios carnudos.
Eles despertaram algo indomável em Miguel, um pedaço dele que não
estava morto por dentro. Mas o resto dele era, então ele poderia facilmente
manter este demônio Caiman à distância.
Os pelos de seu corpo se eriçaram quando ele encontrou o olhar verde. —
Você está dizendo que quer que eu chame outro homem para você?
Aaron riu, mas se ele estava genuinamente divertido ou nervoso por causa
da tensão crescente no ar, Miguel não se importava. —Oh, você não vai precisar
de mais ninguém quando eu colocar minhas mãos em você—, ele murmurou e
puxou o anel do mamilo de Nero, fazendo-o ofegar. Lábios macios se abriram, seu
nariz se alargou e o corte em seu queixo se esticou quando ele se inclinou para o
toque como uma cadela no cio.
A única coisa que o mantinha vivo, apesar de ser tão escandalosamente e
abertamente gay, era seu pai canibal, e um dia esse privilégio seria cortado sob os
pés de Nero. Até então, Miguel faria o possível para ignorar os avanços
indesejados.
Miguel se levantou para acabar logo com isso. 'Serviço de vigia' era como os
outros homens do cartel às vezes chamavam o trabalho de Miguel. Nunca na cara
de Nero.
—Para onde vamos, Nero?— ele perguntou.
Aaron olhou para ele, confuso, mas então se virou para seu futuro amante.
—Você quer contar o dinheiro primeiro?
Miguel revirou os olhos, mas se Nero queria dar uma olhada na bolsa que
Aaron trouxera com ele, então talvez Miguel pelo menos tivesse um momento
para si mesmo e ligasse para sua mãe sem ser incomodado.
Mas Nero dispensou o outro homem e segurou sua virilha, aproximando-se
como uma prostituta bêbada. —Nah, você não me enganaria, não é? Agora é sua
chance de me entreter.
—Seu quarto?— Aaron riu e puxou o braço de Nero. Algo estava errado em
sua linguagem corporal, mas Miguel não conseguia identificar o quê. Então,
novamente, talvez ele estivesse nervoso.
Afinal, mesmo o mais corajoso dos homens hesitaria em colocar seu lixo em
qualquer lugar perto de dentes tão afiados.
Nero se espreguiçou e olhou ao redor do jardim íntimo. Embora espaçoso,
continha muitos elementos paisagísticos que criavam uma atmosfera íntima à
sombra de palmeiras e um enorme rododendro. O sussurro suave das folhas
pairava no ar como uma promessa, e Nero arrastou seu futuro garanhão
passando pelo jacaré ainda coberto de cacos de vidro e pelo grande forno de
pizza instalado em uma parede coberta de hera.
—Estou me sentindo aventureiro hoje.
Miguel suspirou, mas o seguiu. —Você quer que eu...
—Sim,— Nero respondeu antes que Miguel pudesse terminar. Se ele
realmente se preocupava com sua segurança ou apenas queria torturar Miguel
não estava claro, mas não importava. Miguel tinha feito pior.
Aaron colocou o braço sobre os ombros de Nero. —Lidere o caminho!
—Segure isso para mim—, disse Nero, oferecendo a Miguel sua arma
enquanto se aproximava da parede que serviria como uma tela de privacidade
para o que ele estava prestes a fazer. Miguel pegou a arma sem fazer comentários
e encarou o forno de pizza enquanto Nero puxava Aaron para trás da estrutura
iluminada pelo sol.
Miguel estava feliz por não ter que ver seu chefe sendo fodido, mas os sons
geralmente eram suficientes para estragar o dia de Miguel. Ele não era avesso ao
sexo como uma ideia, era que outros assuntos tinham prioridade em sua vida.
Pelo menos foi o que disse a si mesmo, preferindo ignorar sua falta de atração por
mulheres e o que isso poderia significar.
Mas estar perto de Nero o fazia enfrentar essa fraqueza diariamente e
implacavelmente.
E o bastardo pervertido também não perdeu tempo com Aaron, já falando
sobre o quanto ele queria ter suas entranhas espancadas. A cada palavra e som
desleixado, Miguel apertava a arma com mais força. Ele se encostou no outro lado
da parede e pressionou a nuca contra a superfície fria.
Em dias como este, Miguel se arrependia de sua escolha de roupas
totalmente pretas, mas uma regata branca não teria grudado menos em seu suor.
Ele olhou para a arma ridícula em sua mão tatuada, se perguntando por que
pessoas como Nero viviam suas vidas ao máximo enquanto ele estava preso em
um mundo monocromático onde o sangue era a única cor.
E então começou. O tapa de pele contra pele, os gemidos, os palavrões, a
conversa obscena. Miguel imaginou os dedos gananciosos de Aaron deslizando
sobre as escamas da cicatriz no corpo de Nero, sobre cada centímetro de músculo
liso, depois apertando os quadris...
Nero soltou um grunhido sufocado que parecia tão faminto, tão
desesperado que as bolas de Miguel pareciam mais pesadas, e ele piscou para
afastar as imagens das mãos de Aaron apertando a carne de bronze, seu pau
prendendo o único filho vivo de Raul Moreno na parede como se ele fosse a mais
barata prostituta. O lábio superior de Miguel estava suado, mas quando ele o
lambeu, seu corpo perguntou como sua transpiração se comparava à de Nero, e
ele deu um tapa no próprio rosto com força suficiente para deixar uma
queimadura.
Não fazer sexo era mais fácil do que lidar com qualquer consequência que
isso pudesse causar.
Uma risada abafada chegou até ele das paredes brancas da villa, e quando
ele olhou para cima, os outros dois homens do cartel que ficaram aqui ao lado de
Miguel e Nero sorriram enquanto passavam pelo jardim com cervejas na mão.
Os primos Correa eram tão diferentes um do outro que Miguel se referia a
eles em particular como Laurel e Hardy. Baixo e desengonçado, Ezra colocou a
garrafa contra a frente de sua calça jeans e moveu a mão sobre o vidro úmido em
uma paródia obscena de masturbação. Seu companheiro alto e corpulento, Carlos,
riu, murmurando algo sobre o relógio de cadela de Miguel, mas o que quer que
fosse exatamente, provavelmente não valia a pena saber de qualquer maneira.
Claro, Miguel considerava Nero um degenerado, mas depois de três meses
cuidando dele, ele se apegou à ideia de ser seu protetor. Embora ele nunca se
conteve em dizer a seu chefe o que pensava das constantes escapadas sexuais e
festas, era algo que ele nunca iria confrontá-lo quando alguém estivesse por
perto. E definitivamente não pelas costas. Só a lealdade levaria Miguel ao pai de
Nero.
Os sons ritmados atrás da parede se intensificaram, acompanhados de
gemidos altos, e tornou-se impossível não pensar em Nero achatado contra os
tijolos, as pernas abertas e pegando o pau como se tivesse nascido para isso. Ele
até grunhiu para Aaron ir mais rápido, levando a imagem dos quadris do
grandalhão fazendo hora extra para dar à cadela gananciosa uma boa foda.
Miguel firmou a respiração e esfregou a testa, desejando afastar a visão
luxuriosa.
Mas então Nero ficou mais alto, gemendo como se estivesse com dor, o que
levou Miguel a se afastar da parede e olhar para ela com a certeza de que apenas
o tijolo o separava de um Nero suado e corado, que então, em voz baixa e rouca,
pronunciou seu nome. Ele quase podia sentir uma língua quente contra seu
pescoço.
Ele congelou, dominado por um rio de intenso calor em cascata por seu
corpo. Isso foi... um pedido de ajuda?
Miguel pigarreou, mas sua boca ainda estava seca quando ele falou. —
Devo... ir?
Nero gemeu, e o cascalho rangeu sob o sapato de alguém enquanto o som
de carne batendo se intensificava. —Ah... por que não... Aaron está prestes... a
terminar... Adoraria ver você vir6, Miguel...

6 Trocadilho com gozar.


Era obsceno, mas sua voz era como chocolate grosso derramado direto na
garganta de Miguel.
—Ameaça—, disse ele em voz alta e cruzou os braços sobre o peito. Ele não
sabia se era o carinho de Nero por ele que permitia que ele se safasse com tais
comentários ou se Nero realmente tinha esperanças de entrar nas calças de
Miguel, mas ele gostava de não ter que ficar de boca fechada em momentos como
este.
A risada de Nero foi ofegante, quase suave, mas quando Aaron soltou um
grunhido sufocado, Nero o seguiu. Em instantes, ambos ficaram em silêncio.
—Eu estou supondo que você está vivo?— Miguel perguntou com o passar
dos segundos.
Nero cantarolou. —Nãooo, Miguel, não me faça falar ainda...
Então Miguel ficou quieto, tentando não imaginar o rosto extasiado de Nero
ou o pênis deslizando para fora dele. Antes de conhecer Nero, Miguel raramente
teve que enfrentar seus desejos. De vez em quando, ele encontrava um homem
que o fazia olhar duas vezes, de maneiras que as mulheres nunca faziam, mas
nunca era esse ataque selvagem de flerte, de um homem se tornando tão
disponível. E embora Miguel tivesse dificuldade em aceitar o que isso significava,
ele não era estúpido. Havia atração nele pelo homem que deveria desprezar.
Havia atração nele por um homem.
Mas, no fim das contas, todo Caiman merecia morrer, inclusive (ou
principalmente) Nero Moreno. Uma centelha de luxúria não poderia mudar isso.
Atrás da parede, ele podia ouvir os homens arrumando suas roupas em
silêncio, como se qualquer relacionamento que eles tivessem há quinze minutos
tivesse acabado. Dificilmente uma surpresa para alguém que conhecia a história
de Nero, embora tenha dado a Miguel uma lasca de satisfação que Aaron logo
estaria fora de casa enquanto Miguel ficaria e finalmente ligaria para sua mãe
assim que Nero descansasse em seu quarto.
Passos suaves o fizeram olhar para cima a tempo de ver o rosto brilhante de
Nero emergir por trás da tela de privacidade improvisada.
—Ele está saindo agora?— Miguel perguntou, como se não se incomodasse
com a aparência machucada dos lábios de Nero ou com os arranhões que a
parede havia deixado em sua bochecha.
Nero rolou o ombro, seu torso tatuado brilhando com suor fresco.
Aaron apareceu, rosado como uma donzela. —E quanto ao condomínio...
—Apenas jogue em algum lugar,— Nero disse a ele, dando passos
cuidadosos, como se suas pernas fossem feitas de tecido, não de carne e osso.
O olhar de Miguel seguiu o vale de sua espinha até os ombros musculosos.
Mas enquanto ele gostava de olhar, ele nem saberia como tocar um homem como
Nero, que parecia tão determinado no que queria e como.
Aaron deixou o saquinho de porra em algum lugar atrás da parede e sorriu
para Miguel como se o que ele fez fosse uma fonte de orgulho, não de vergonha.
—Eu poderia ficar se você não tiver outros planos. Há muito tempo para
repetir mais tarde,— ele brincou, colocando o braço nos ombros de Nero.
—Não, já tenho outra coisa em mente—, Nero disse de maneira casual e
caminhou por uma passarela que passava por baixo da casa e levava ao jardim da
frente.
Miguel não pôde evitar deixar seu olhar deslizar para a bunda de Nero,
desapontado que a calça de moletom obscurecesse seu contorno oscilante. Mas
quando ele ergueu os olhos, eles encontraram os de Nero e o bastardo doente
piscou para ele, como se tivesse acabado de pegar Miguel em flagrante. Só os
culpados se explicam, então Miguel cerrou os lábios, pronto para um comentário
idiota sobre ele estar com sede, ou um convite para pegar um pedaço.
Com um tapinha nas costas de Aaron, Nero ficou para trás, deixando seu
convidado caminhar na frente, mas em vez de atacar Miguel com comentários
obscenos, ele pegou um taco de beisebol preso na parede.
O sangue foi drenado do crânio de Miguel, mas ele continuou andando
como um robô quando Nero se aproximou de Aaron e deu um soco na cabeça do
bastardo.
O baque surdo da madeira batendo no osso nunca parava de fazer Miguel
se encolher, pois ele sempre se perguntava quando seria sua vez de cair para este
homem louva-a-deus, que continuava batendo a ferramenta contra a cabeça de
Aaron como se quisesse decapitá-lo.
Aaron mal conseguiu dar um grito antes de seu rosto virar uma papa
vermelha.
—Você vai me roubar, filho da puta?— Nero gritou, acertando outro golpe
mortal. —Você pensou que eu nasci ontem e não notaria que o dinheiro foi
falsificado?
Miguel ficou ali, abrindo os braços, porque não era Nero quem precisava
ser salvo agora. Talvez o retrato de Malverde, ou a pulseira, o tenha ajudado a
descobrir as verdadeiras intenções de Aaron, protegendo assim seus interesses? O
sangue escorria do colar enquanto ele balançava no ar cada vez que Nero
acertava um golpe.
Quando Aaron parou de se mover, ficou claro que não faria sentido chamar
um médico. Duro de fúria, Nero limpou o sangue e os miolos de sua arma favorita
nas calças do morto e encarou Miguel, ofegando mais do que depois da porra.
—Algumas pessoas, certo?
—Então você sabia disso, e ainda deixou ele te foder?— Miguel perguntou,
incapaz de manter o cenho franzido. Ele não era estranho à violência, mas isso
era confuso.
Nero deu de ombros. —Não era tanto dinheiro. Pensei em ver se ele é um
bom foda primeiro, mas não valia a pena mantê-lo.
Os ombros de Miguel caíram enquanto ele se perguntava se valeria a pena
mantê-lo, se Nero descobrisse o verdadeiro propósito de Miguel. Altamente
duvidoso, considerando a falta de experiência sexual de Miguel.
—Você não tem respeito próprio?— ele perguntou. Era o tipo de pergunta
que ele não faria em público. Ele não sabia se Nero considerava isso uma
provocação, ou não dava a mínima, mas ele sempre levava os comentários de
Miguel na esportiva.
—Bastante. Eu realmente gosto de pau. Você deveria tentar,— Nero disse e
deu um tapa na bunda de Miguel de passagem. A indignidade era um preço justo
a pagar pelo insulto. Ele assobiou antes que Miguel pudesse responder. —Vamos,
meu doce Pitbull.
—Seu convidado agora…— Miguel olhou para trás, para a confusão de
sangue, cérebro e dentes espalhados sobre os ladrilhos, —desaparecido. Ainda
precisa de mim?
—Sim. Faremos com que Laurel e Hardy cuidem da bagunça — disse Nero,
fazendo Miguel hesitar. Ele já havia compartilhado sua observação sobre os
primos Correa, ou Nero havia feito essa comparação por conta própria?
Uma estranha sensação de camaradagem se espalhou em seu coração frio e
morto.
Miguel apenas acenou com a cabeça enquanto seguia meio passo atrás,
nem um pouco para sentir o cheiro de frutas cítricas misturadas com suor fresco.
—Viagem de negócios?
Nero sorriu para ele por cima do ombro musculoso. —Não, eu só preciso
que você verifique se meu quarto é seguro.
Miguel suspirou para se expressar sem palavras. —Você quer que eu veja
você dormir?— De novo?
Embora não fosse a pior das tarefas possíveis na vida de Miguel,
dificilmente era um desafio, e ele também não conseguiria ligar para a mãe,
porque Nero era o tipo de pessoa que fingia roncar para espionar conversas
particulares.
Ele seguiu Nero para dentro da vila e estremeceu com o ar frio lá dentro,
mas não comentou enquanto Nero caminhava por um corredor vazio e colocava
as mãos no rosto, gritando. —Ei, Correa!
Houve um momento de hesitação, então a voz de Carlos veio do outro lado
da casa, provavelmente da sala principal de TV. —Sim chefe?
—Há um atropelamento lá fora. Cuide disso antes que as empregadas
cheguem,— Nero gritou de volta antes de subir as largas escadas decoradas com
plantas frescas.
Miguel trocou um olhar com o Correa mais alto, que se apressou com o
rosto cheio de sofrimento e balançou a cabeça para comentar o assassinato. Nero
tinha um passo rápido agora, e era impossível dizer se era o sexo que o fazia tão
feliz ou se eliminava um traidor.
Nero era conhecido por se mudar entre várias casas pertencentes ao cartel,
mas esta era a sua favorita, então seu quarto aqui expressava mais sua
personalidade - barulhento, berrante, luxuoso, mas de alguma forma ainda
violento, cortesia das duas metralhadoras de ouro no parede. Pertencia a algum
parque temático esquisito.
Em contraste com os interiores vazios do andar de baixo, esta sala tinha
paredes pintadas com imagens de animais estilizados em uma caçada sangrenta.
As cores agressivamente contrastantes eram como um grito visual, mas Nero
parecia gostar delas assim e se aproximou de seu enorme super King, que tinha
sido um cercadinho para nada menos que seis de seus amantes uma noite.
—Não seja tímido, pode fechar a porta,— Nero brincou, se espreguiçando,
como se quisesse mostrar cada músculo de suas costas. Os jacarés tatuados em
sua pele se agitavam quando ele se movia, lembrando a Miguel por que ele não
podia ceder à corte de Nero, por mais bêbado ou frustrado que ficasse. Nero era o
equivalente humano de uma armadilha para moscas de Vênus. Sedutor como a
mulher mais sexy, mas agressivamente masculino, ele confundiu Miguel de
maneiras que ele não estava pronto para explorar.
Miguel fechou a porta e sentou-se na cama para fazer questão de não se
incomodar com o comportamento de Nero. Com um pouco de brisa vindo da
porta aberta da varanda, a temperatura estava confortável e, se não tivesse coisas
melhores para fazer, tiraria uma soneca com prazer.
—O que você achou daquele cara?— Nero perguntou, como se estivesse
considerando um segundo encontro com um homem morto.
Miguel inclinou a cabeça. —Como uma perspectiva romântica para você
ou um parceiro de negócios?
Nero bufou. —Miguel, fico lisonjeado que você me considere romântico,—
ele disse e balançou os quadris, puxando o cordão que apertava sua calça branca
nos quadris.
Miguel franziu a testa. —Se isso é um strip-tease, é melhor não virar uma
lap dance7.— A brincadeira deles era sobre saber onde colocar limites, porque se
Miguel não o fizesse, Nero com certeza também não o faria. —Você namorar em
vez de brincar tornaria meu trabalho mais fácil, mas duvido que viveria para ver
isso acontecer.
Nero estalou a língua e se virou, empurrando as calças para fora de sua
bunda almofadada. Isso foi... um vislumbre de umidade que Miguel viu em sua
nádega?
—Os homens neste negócio raramente permanecem vivos por muito tempo.
Quantos bandidos gays com mais de quarenta anos você conhece? Não tenho
tempo para drama de relacionamento.
—Exatamente por que eu não brinco por aí. Drama. Qualquer
relacionamento, romântico ou não, está fadado a terminar em destruição. Posso
muito bem me poupar do problema.— E ainda, ele estudou a bunda apresentada
a ele como se não fosse afetado por ela nem um pouco.
Nero deixou as calças caírem e, ao se virar para encarar Miguel, estava
vestido apenas com joias.

7 Dança de colo.
Levou toda a vontade de Miguel para não olhar para sua virilha. Ele não
precisava desse elemento em pensamentos intrusivos que o atormentavam sempre
que Nero se dava bem com alguém.
—Você é muito emotivo, Miguel.
Miguel piscou. —Eu? Emocional?
—É só sexo. Nada para se preocupar. —Nero encolheu os ombros e, desta
vez, o movimento entre as pernas atraiu a atenção de Miguel para baixo. E uma
vez que se desviou, ele deu uma olhada dupla em um anel de ouro perfurado na
ponta do pênis de Nero. Certamente, doeu durante o sexo, ou mesmo quando
acidentalmente arrastou as coisas?
—Você não se sente usado?— Miguel não conseguia imaginar um mundo
em que permitisse que os homens o enfiassem como se fosse um buraco em um
colchão velho.
—Todos usam uns aos outros,— Nero disse, encontrando o olhar de Miguel.
Bem, Nero não estava prestes a utilizar o pau de Miguel, isso era certo. —
Ainda estou surpreso que seu pai esteja bem com isso, mas isso não é da minha
conta.
Nero sorriu, gravitando em direção ao banheiro. —Ele não tem escolha.
Não penso que o pau dele não funciona mais, então eu sou tudo o que resta,— ele
disse e fechou a porta atrás de si, deixando Miguel no quarto que cheirava à
colônia cítrica favorita de Nero.
Esta poderia ser a única chance de ligar para sua mãe por um tempo, então,
assim que ouviu o murmúrio de um banho, Miguel pegou o telefone e digitou o
número.
—Sou eu—, disse ele, já que sua mãe não falava até ouvir sua voz.
Em vez de uma saudação, tudo o que ele conseguiu foi —algum progresso?
Ele esfregou a testa, desejando confiar em alguém o suficiente para
massagear os nós de seus ombros. —É lento. Preciso esperar a oportunidade certa.
—Você está esperando há três anos—, ela disse com uma voz fria, e ele
quase podia vê-la bater suas longas unhas contra a mesa de jantar em forma de
caixão, muito, muito longe, no norte do México.
Sem suporte então.
—Eu tenho trabalhado...
—Você tem um trabalho, Miguel. Só há uma coisa que quero antes de
morrer, é saber que o Canibal, o homem que destruiu nossa família, não existe
mais. Prefiro que ele sofra também, mas mendigos não podem escolher. Entre nas
boas graças de seu filho, prove a si mesmo e faça isso. Você quer que sua mãe
nunca encontre a paz?
O peso de suas expectativas caiu sobre os ombros de Miguel, lembrando a
terra jogada sobre ele na cova rasa onde ele foi enterrado com suas irmãs há
muitos anos. Às vezes, ele se arrependia de ter sobrevivido.
—Eu vou...
—Me ligue de novo quando terminar.
Miguel suspirou quando ela desligou e olhou para a porta do banheiro. Se
ele decidisse entrar lá e dar a Nero o que ele estava querendo, ele poderia dizer a
si mesmo que só fez isso para matar Raul Moreno?
Ele escolheu pegar um cigarro em vez disso.
Capítulo 2
Miguel

MAIS UMA SEMANA SE PASSOU sem avanços na aproximação com Raul


Moreno. Nero não lhe dava sossego, provocando Miguel e levando-o aonde quer
que fosse, mas apesar de todos os sorrisos e comentários obscenos que
convidavam Miguel para a cama, o astuto bastardo não oferecia verdadeira
confiança. Três meses desde que Miguel se tornou membro da equipe de Nero, só
restava carne em oferta, e ele se sentia cada vez mais frustrado.
Sua mãe se recusou a falar com ele até que ele se aproximasse de seu
objetivo final e, neste ponto, ele estava pronto para explorar soluções alternativas
como chantagem ou encontrar uma maneira de agradar Nero que não envolvesse
chupar pau. Pena que ele nunca desenvolveu um talento para fazer amigos,
porque isso teria sido muito útil.
Às vezes ele se perguntava como teria sido sua vida se o Cartel Moreno não
tivesse destruído sua família, mas não havia como mudar o passado, e sua
capacidade de matar qualquer emoção que se enraizou dentro dele foi essencial
para ser o braço direito do homem. Para Miguel não fazia diferença se atingia
seus objetivos com suborno ou esfolando alguém vivo, e embora não tivesse
prazer em fazer os outros sofrerem, o que contava era fazer o trabalho. Mas como
usar a força contra Nero não traria nada de bom, ele ficou esperando até que seu
chefe o considerasse digno de conhecer o próprio Big Man.
Miguel tinha acabado de afiar seu canivete com perfeição quando avistou
movimento na rua tranquila além da cerca. Inicialmente irritado, ele se acalmou
quando viu o uniforme do carteiro e, em seguida, seu rosto familiar. Havia uma
entrada separada para funcionários e entregas, e o homem usou um código para
abrir o portão que o levava por uma passagem estreita até os fundos da villa. Os
antebraços de Miguel arrepiaram-se quando, do seu lugar na varanda, avistou
que o pacote nas mãos do carteiro tinha um tom familiar.
Mais uma vez, Nero estava recebendo um pacote com conteúdo secreto. Ele
nunca abriu essa caixa azul-bebê perto de ninguém, mas, no caso de qualquer
pessoa normal que pudesse ter sugerido brinquedos sexuais ou um item
igualmente embaraçoso, Nero os teria exibido na cara de todos.
Como ele já tinha feito mais de uma vez.
Não. Havia algo de muito suspeito naquelas entregas e na consistência
delas, e hoje Miguel iria desvendar esse mistério.
Ele dobrou o canivete, enfiou-o no bolso e pôs a perna por cima do
corrimão da sacada. Assim que suas botas tocaram o asfalto, ele disparou pelo
túnel sob a casa e passou por Ezra Correa, que não lhe deu atenção, pingando
suor nas lajes de pedra enquanto lutava para manter a posição na prancha. Seu
primo, Carlos, parecia ter desistido de fazer exercícios pela manhã e lia uma
revista suja à sombra das palmeiras.
Folhas verdes bateram no rosto de Miguel enquanto ele se apressava pela
passagem estreita entre a fachada e um canteiro de plantas, pronto para
interceptar a maldita caixa antes que Nero fosse alertado sobre a entrega.
A última vez que Miguel o viu, ele estava rabiscando alguma coisa na sala
de TV, então não poderia estar perto...
Quando Miguel dobrou a esquina com toda a intenção de pressionar o
mensageiro a entregar o pacote, Nero já estava esperando na porta aberta.
Porra.
—Tudo bem, Miguel, só estou recebendo uma entrega. Não precisa enrolar
a calcinha—, gritou Nero, exibindo seu peito nu e musculoso e sua barriga lisa
sobre um jeans tão baixo que mostrava o cós laranja de sua cueca, como se
quisesse testar a sexualidade de todo homem, ele encontrou.
O carteiro olhou para trás, paralisado, mas Nero tirou o pacote de suas
mãos, machucando os olhos de Miguel com uma nova cor em seus cachos curtos
– verde brilhante.
—Obrigado. Adeus.
O humor de Miguel azedou. Ele havia demorado muito para alcançar o
pobre coitado, e agora que Nero havia recebido o pacote, o trabalho de Miguel
seria infinitamente mais difícil. Ele poderia esperar por outra chance, é claro, mas
isso não seria até o próximo mês. —Eu não confiaria nele.
Miguel não confiava em ninguém, embora de todas as pessoas com quem
ele interagia diariamente, o carteiro fosse o menos suspeito de todos,
principalmente porque ele não estava de forma alguma envolvido com o cartel.
—Bebida?— ele ofereceu a contragosto, porque Nero não rejeitaria a
oportunidade de tentar entrar em suas calças e atrair o pau-puta poderia oferecer
uma chance de tentar o pacote.
A caixa tinha o tamanho de um pacote com seis cervejas e a maneira como
Nero a carregava sugeria que não pesava muito, então o que era? Drogas? Uma
pequena operação paralela para ganhar dinheiro extra? Os olhos do outro
homem fixaram-se nele em silêncio. O que? Nenhum comentário gay nojento?
Nero lambeu os dentes afiados e deu de ombros. —Oh. Estou finalmente
tendo sorte?
Lá estava. Surpreendentemente manso para Nero. Ele estava distraído com o
conteúdo de seu pacote?
—Você poderia chamar assim. Eu preciso discutir algo, e é melhor fazer
isso com uma bebida. —Miguel liderou o caminho de volta para a vila, tentando
pensar em algo para falar enquanto o olhar de Nero lambia suas costas e bunda.
Ele nunca teria admitido isso, mas saber que Nero fantasiava sobre sexo
com ele deixou Miguel com uma sensação de desconforto, embora seu chefe
deixasse bem claro que o que ele queria era ser pego em vez de fazer o contrário.
Isso fez seu cérebro ter aqueles pequenos flashes de segurar Nero, nu. E enquanto
ele queria dizer a si mesmo que aquelas fantasias indesejadas eram sobre
vingança contra os morenos, o êxtase no rosto de Nero sempre contava uma
história diferente.
Miguel odiava esse pervertido e as coisas estranhas que ele o fazia sentir.
É bom que essa bebida seja forte.
Nero bufou. —Eu vou derramar. Vamos ver se você fica mais fácil em
breve.
Miguel respirou fundo, imaginando se era uma brincadeira ou uma
ameaça. Até então, Nero nunca havia feito nada que tirasse a liberdade de Miguel
de rejeitá-lo, mas quem sabe o que ele poderia fazer se frustrado por muito
tempo? Ele estaria observando aquele maldito vidro como um falcão.
—Eu não vou,— ele resmungou quando eles entraram na cozinha espaçosa
e vazia com ladrilhos de pedra no chão e nas paredes.
Nero colocou a caixa ao lado do micro-ondas, levando Miguel a pensar em
maneiras de distrair o esquisito para colocar as mãos no pacote. Uma voz calma
em sua cabeça sugeria que ele poderia atrair Nero um pouco mais, mas se Miguel
desse um dedo ao pervertido, ele pegaria a mão inteira.
Foi assim que Nero conseguiu caras perfeitamente normais para dormir
com ele. O que quer que acontecesse, Miguel precisava manter seu juízo sobre
ele.
Nero deu uma espiada dentro de um armário onde estava guardada toda a
bebida e deslocou o peso, o que fez com que suas nádegas se mexessem sob o
brim, atraindo os olhos de Miguel como uma armadilha. —Ah, nada de bom aqui.
Vou trazer minha tequila especial,— ele disse e caminhou em direção à escada.
E deixou seu pacote sem vigilância.
Miguel não pensou. Ele apenas a agarrou e se moveu para a outra saída,
mas a voz de Nero o congelou no chão de ladrilhos.
Nero estava de volta à porta, sua boca se abrindo em uma careta de
surpresa quando ficou óbvio o que Miguel estava tentando fazer. —Porra?— ele
gritou.
Miguel não tentou correr. Não havia tempo.
Ele abriu o canivete e cortou a fita adesiva da caixa, mas não conseguiu
espiar lá dentro, porque Nero o acertou pelas costas e os dois caíram no chão
duro.
Um punho acertou seu rosto, mandando-o para a ilha da cozinha, mas
Nero ainda não havia terminado, e sua arma brilhou à luz do sol que entrava pela
janela. Miguel agarrou seu pulso para evitar que o cano se voltasse para ele, mas
escorregou no processo e os dois caíram.
Com Miguel no fundo.
Ele odiava cada fração de segundo e empurrou Nero com o cotovelo
enquanto segurava o barril de ouro com a outra mão. Estar tão perto dele era um
novo tipo de tortura, mas ainda era melhor do que ter seu cérebro estourado.
—Estou verificando para sua segurança!— ele gritou, embora fosse uma
desculpa esfarrapada.
Quando Nero o atingiu novamente, o rosto de Miguel virou de lado e ele
viu o conteúdo da caixa espalhado pelo chão.
Era uma caixa de... pasta de dente? Continha drogas ou algo assim?
—Quem diabos você pensa que é?— Nero rugiu, mostrando uma fileira de
dentes de tubarão em sua mandíbula inferior. —Eu vou eviscerar você!
Miguel estava atordoado demais para revidar quando Nero o sacudiu pelos
ombros, mas o absurdo da situação se deu conta quando ele olhou para as caixas
mais uma vez. —Você precisa de pasta de dente especial para isso?— ele
perguntou, como se Nero fosse humano e tivesse problemas mundanos, como
sensibilidade nos dentes.
Nero congelou e então deu um tapa no rosto dele, mas foi mais um tapa do
que um soco. —Foda-se você. Você está morto, ouviu?— ele rugiu quando suas
bochechas ficaram vermelhas.
—Você não me mataria antes de provar meu pau—, disse Miguel para
distrair Nero, porque a arma em sua mão poderia disparar a qualquer momento.
Para deixar claro, Miguel abriu as duas palmas e mostrou-as em um gesto de
rendição.
O peito de Nero estava cheio de ar, como um balão prestes a estourar, mas
ele percebeu que seu segredo havia sido revelado e colocou a arma de volta no
coldre sob a axila antes de dar um tapa na cabeça de Miguel. —Filho da puta.
Você tem um desejo de morte?
Miguel exalou, encarando os olhos ardentes de Nero. Eram verdes e difíceis
de ler como os de um jacaré. —Às vezes. Mas não vou morrer por causa da sua
pasta de dente.
Nero rosnou, deslocando seu peso em cima dos quadris de Miguel, que
agora estava escarranchado. —Você morrer ou não depende de mim agora!
As coxas fortes apertaram contra Miguel, como se ele quisesse fazer um
ponto, mas a pressão fez as engrenagens girarem para trás no cérebro de Miguel,
e ele se viu transbordando de calor.
Saber que os dentes eram um ponto vulnerável poderia ser útil no futuro,
mas, por enquanto, ele precisava falar pra caralho.
—Posso compensar você.— Ainda não sabia como, mas pensaria em algo.
Nero bufou e estava prestes a fazer um comentário quando a porta se
escancarou e os Correa espiaram, congelando ao ver os dois no chão.
A vergonha tomou conta de Miguel como uma nuvem de fumaça,
sufocando-o quando a boca de Carlos se curvou em um sorriso malicioso.
—Tudo bem?— perguntou Ezra, mas Nero acenou para eles, seu peito
poderoso subindo e descendo sobre Miguel como o corpo de um jacaré prestes a
afundar seus dentes em carne vulnerável.
Miguel grunhiu, mas não havia como manter a dignidade. —Só um
pequeno desentendimento.
Ezra apontou para a caixa rasgada. —O que é...?
Nero apontou a arma para ele. —Dá o fora! Vocês dois!
Os primos fugiram como baratas, deixando a cozinha silenciosa.
A pele de Miguel formigou em todos os lugares quando Nero se levantou.
—Eles doem?— Ele finalmente perguntou.
Nero chutou a coxa com tanta força que Miguel teve que morder o lábio
para não gritar. —Não é da sua maldita conta,— ele disse e se ajoelhou ao lado da
caixa para colocar a pasta de dente de volta. Para alguém que parecia tão
relaxado na maioria dos dias, mesmo quando prestes a matar, ele estava muito
perto de perder o controle. —Isso não acabou—, ele latiu.
Miguel esfregou a coxa, lutando contra a vontade de pegar o canivete e
passá-lo pela garganta de Nero. Como Caiman, e principalmente como Moreno,
teria merecido. Miguel estava no limite e não tinha certeza se deveria lutar ou
fugir. —Não? O que você vai fazer? Morder-me?
Ele esticou o pescoço, sentando-se de costas para o réptil para mostrar que
não estava com medo. Roupas farfalharam, os joelhos de Nero bateram no chão e
dentes afiados como navalhas se fecharam na carne exposta de seu ombro pelas
costas.
Miguel gritou em choque, mas enquanto tentava escapar, os dentes não
cederam, e os dois lutaram mais uma vez, desta vez com Nero preso a ele como
uma enorme sanguessuga.
—Solte, seu cão raivoso!— Miguel rosnou e bateu no chão em busca de sua
faca. Sangue escorria por seu ombro, mas em vez de se preocupar com isso, ou se
concentrar na dor, Miguel não pôde deixar de notar seu próprio coração batendo
como um louco quando o cheiro de suor se misturou com a acidez da colônia de
Nero.
Nero rosnou, mas não abriu a boca, e deslizou a mão pela coxa de Miguel
em um ritmo inesperadamente tentador.
Todo quente e frio, Miguel congelou, arfando contra os ladrilhos como um
coelho com a perna presa em armadilhas. Mas as armadilhas eram os dentes de
Nero ou a luxúria que Miguel se recusava a reconhecer?
Os dedos grossos pararam a um centímetro de seu pênis, transformando
todo o corpo de Miguel em um pau latejante esperando para ser acariciado. E
então, os dentes se abriram.
Ele gemeu.
Ele gemia pra caralho, como se tivesse acordado de um sonho em que a dor
se misturava ao desejo. Parecia que ambos tinham algo do que se envergonhar
agora. Ele rastejou para longe em pânico, desesperado para esconder sua ereção.
—Você é um maldito psicopata!— ele gritou e jogou o pedaço de isopor
que deve ter caído do pacote em Nero.
Acertou o peito tatuado, mas Nero não pareceu se importar, observando
Miguel com um largo sorriso colorido pelo sangue que também escorria pelo
queixo. —E você é gay, Miguel.
Miguel encarou o monstro em silêncio, desejando que seu pau
desaparecesse. Ele se levantou de lado em uma tentativa desesperada de proteger
sua virilha do intenso olhar de profundos olhos verdes. Seu rosto ardia tanto que
a dor no ombro parecia irrelevante.
—Você também é... quero dizer, você é. Quero dizer, você é gay, então não
jogue essa merda em mim como um insulto! —Ele odiava que Nero conseguisse
irritá-lo de várias maneiras.
Nero balançou a cabeça sem perder o sorriso. Ele se levantou e se
aproximou, levando Miguel a recuar. —Não é um insulto. Posso mostrar a você
como isso pode ser divertido.
—Não com dentes assim,— Miguel cuspiu para causar dano máximo, e
saiu furioso, pronto para levar um tiro nas costas. Todo homem tinha seus limites.
—Eu poderia usar um protetor bucal para você!— Nero gritou, seguindo-o
como uma criança chata que não aceitaria um não como resposta.
—Isso soa como o pior boquete da minha vida!— Miguel rosnou, olhando
ansiosamente para a piscina que ele queria pular para se refrescar. Não que ele já
tivesse cabeça, então não havia nada com o qual ele pudesse comparar as
habilidades de seu chefe, mas Nero não precisava saber disso. Na verdade, Nero
não deveria saber disso.
—Nunca tive uma reclamação—, disse ele, sua voz vindo
desconfortavelmente perto enquanto caminhavam pelo gramado ao redor da
água.
E, no entanto, Miguel não ousaria insultar Nero sobre a pasta de dente
novamente, não importa quantas respostas ele tivesse sobre isso, porque Nero
esquecendo aquela merda significava que Miguel manteria a cabeça.
Ele parou, olhando Nero do lado da piscina.
—Eu não sou gay, ok? Você pode parar de latir para esta árvore já.
Nero colocou as mãos nos quadris estreitos, como se precisasse mostrar o
quão largos eram seus ombros em comparação. —Vamos ver quando você for
comigo a um bar gay hoje à noite.
—O que? Por que?— Isso era um castigo, e ambos sabiam disso. Nero
estava pronto para lhe dar uma noite infernal.
—Para que eu possa pegar aquela bebida que você ofereceu antes.— Nero
inclinou a cabeça e se aproximou, como se pretendesse desafiar Miguel. Agora
era muito óbvio que a oferta era apenas para atrair Nero para a cozinha.
Miguel se perguntou se poderia escapar dessa provação de alguma forma,
mas como não havia passado a vida seduzindo as pessoas, não sabia como iniciar
uma ofensiva de charme.
—Eu poderia pegar um para você agora?
Ele estava levantando a bainha da camisa, para confundir Nero com a pele
nua, mas o bastardo o empurrou para trás e, momentos depois, a água clorada
sugou Miguel e penetrou em seu nariz.
Porra.
Apesar do tempo, Miguel calçava botas pesadas, pois nunca sabia em que
situação iria parar, e agora pesavam-no como se fossem de chumbo. Ele agarrou
a borda da piscina, porque, claro, Nero o havia jogado no fundo.
—Você está feliz agora? Estamos quites?— ele rosnou, piscando para
afastar a água enquanto olhava para a forma imponente acima.
Nero sorriu e pegou seu telefone antes de tirar uma foto. —Vá em frente,
senhor camiseta molhada, saia e me convença de que você deve ser o vencedor.
Miguel balançou a cabeça e se arrastou para fora, encharcado e infeliz. Ele
estava perfeitamente ciente de que sua blusa de fato grudava nele como uma
segunda pele. Sua aparência não era algo em que ele costumava pensar muito,
além de ter certeza de que era intimidador o suficiente para tornar seu trabalho
mais fácil, mas estar perto de Nero... bem... acabou que ele gostou do interesse da
aberração nele, mesmo que não levasse a lugar nenhum.
Então, sob o pretexto de tirar água de sua blusa, ele tirou a roupa
encharcada e a torceu nas mãos, certificando-se de flexionar os braços. A força
era seu principal objetivo na academia, mas ultimamente ele estava prestando um
pouco mais de atenção em como sua musculatura poderia ser percebida.
—Sem camiseta, sem concurso—, ele resmungou.
Nero o observou, permanecendo em silêncio por tanto tempo que Miguel
estava começando a ficar arrepiado, mas finalmente abriu a boca e passou os
dedos pelo estômago de Miguel. O toque foi como uma lambida de fogo, e Miguel
se viu lutando para se equilibrar enquanto Nero levava a umidade acumulada à
boca e a lambia com o olhar fixo nele. —Se eles tiverem esse tipo de concurso no
bar hoje à noite, você está participando. Esteja pronto às dez.
E com isso, ele foi embora.
Porra.
Capítulo 3
Miguel

MIGUEL JÁ TINHA TENTADO DE tudo. Ele propôs que Nero levasse um dos
Correas em vez dele, depois insistiu que Nero deveria levar todos os três de seus
homens, já que haveria muitas pessoas no clube, e até tentou se desculpar com
uma dor de estômago, mas foi tudo em vão. Nero preferia que ele vomitasse na
pista de dança reflexiva do que desistir do castigo cruel e incomum de expor
Miguel a strippers masculinos, um dos quais rolou no poste e fez espacates,
apresentando suas nádegas nuas. E como todos os pisos e o teto também estavam
cobertos de espelhos, o corpo tonificado e quase nu do dançarino podia ser visto
de todos os ângulos ao mesmo tempo.
Miguel se virou para o bar onde um homem com um arnês de couro
vermelho servia bebidas para uma multidão de homens em trajes de festa que iam
de ternos a sungas com penas. Ele poderia usar alguns tiros para si mesmo. Como
se a provação de ter que estar neste mercado de carne não fosse irritante o
suficiente, Nero continuou cutucando-o em vez de procurar um novo pau para
sentar nesta caixa barulhenta de vidro, suor e desejo.
—Vá em frente, olhe. Ele pode estar escondendo uma arma nele,— ele disse,
agarrando o queixo de Miguel e puxando-o para direcionar seu olhar de volta
para o belo dançarino, que estava de costas contra o poste e apontou seu chapéu
de cowboy para o pequeno grupo.
—Seu guarda-costas é tão bonito, Nero! Eu o deixaria guardar meu corpo
qualquer dia,— arrulhou um dos amigos de Nero, Arturo, enquanto ele ria de sua
quarta margarita. Apesar de ser redondo como uma rosquinha e ostentar uma
barba espessa, ele era de alguma forma o mais feminino do grupo.
Nada perturbou Miguel neste momento, então ele ficou em silêncio
enquanto a stripper se dobrava ao meio, mostrando o tecido fino da tanga mal
cobrindo seu cu.
—Miguel é bom no que faz. Ele sempre sabe o que eu preciso—, disse Nero
em tom enigmático, o que levou tanto o barbudo quanto um cara magro de
cabeça raspada, cujo nome Miguel não havia entendido até então, a cair na
gargalhada. O último membro do grupo, um moreno musculoso com pele escura
brilhando com pó de ouro e um bigode fino e meticulosamente modelado, sorriu
sem encontrar os olhos de ninguém. Ele pegou um coquetel azul que estava na
mesa à sua frente e tomou um longo gole.
O careca balançou a cabeça e acenou com a mão bem cuidada. —Você
sempre precisa de pau, então ele fornece isso também?
Miguel zombou. —Eu posso ouvir você e tenho meus limites.
—Que limites são esses?— Arturo perguntou e se aproximou, esfregando o
ombro no de Miguel com toda a audácia de quem está bêbado demais para sentir
medo. Seu rosto era da cor de suco de amora e gorducho, Miguel se perguntou se
seu sangue teria gosto de morango.
—Por que vocês não ficam incomodando os homens que querem transar
com vocês, hein?— Miguel disse com crescente irritação. Ele odiava ser uma
fonte de entretenimento.
Por um momento, a mesa ficou em silêncio, sem vozes irritantes para abafar
o ritmo irracional da música alta, mas nada de bom poderia durar muito.
—Ele é apenas tímido—, disse Nero e deu um tapinha na bochecha de
Miguel.
Como foda. Se Miguel quisesse, teria dado um jeito de foder alguém. Ele
simplesmente não se importava em se preocupar com algo tão trivial. Sexo traria
muitas complicações, exigiria muito esforço, e não era como se ele precisasse de
distrações quando seu trabalho envolvia lutar com um Caiman.
Magro sorriu. —É por isso que você só veste preto? Para evitar atenção?
Miguel bufou. —Eu o uso em luto por aqueles que matei e aqueles que
matarei no futuro.
Nero e seus amigos se entreolharam antes de cair na gargalhada.
—Tão nervoso! Eu gosto,— Arturo disse e piscou para ele. Mesmo o homem
sombrio sorriu, embora a diversão não alcançasse seus olhos.
—Oh, não seja tão dramático—, disse Nero, levantando a voz quando a
música ficou mais alta, e riu com seus dentes afiados. —Se você estivesse
realmente arrependido, nenhuma dessas pessoas estaria morta.
—Nero sempre diz que não se arrepende de nada—, disse magro, e quando
ele se espreguiçou, as pontas de seus piercings nos mamilos empurraram a
camisa apertada por dentro.
—Não. Nada. Nem uma única morte. Não tenho tempo para luto quando a
vida é tão curta — disse Nero, seus olhos verdes encontrando os de Miguel.
Se ele soubesse que sua vida teria sido interrompida semanas atrás, se ele
não fosse um peão conveniente no jogo de Miguel...
—Exatamente!— Arturo entrou na conversa. —O que você faz para se
divertir, Miguel? Você gosta de dançar?
Miguel franziu a testa, tentando descobrir se Arturo estava tentando dançar
com ele. Houve um tempo em sua vida em que ele dançava quase todos os dias,
mas isso foi há muito, muito tempo. —Não gosto de perder meu tempo—, disse
ele, esperando que o assunto morresse.
—Miguel mal sorri—, disse Nero, balançando os quadris na beirada do
assento em uma paródia de dança. Mas o movimento e a protuberância
cutucando o tecido atraíram os olhos de Miguel até que ele sentiu o suor em seu
lábio superior.
—Isso é bom! Os calados com um passado sombrio são os mais sensuais—,
disse Arturo e estalou a língua contra o canudo, mantendo os olhos em Miguel.
—Até que eles matem você,— Miguel acrescentou para tirar o cara de suas
costas.
—Aposto que poderia fazer você sorrir—, magro riu.
Miguel podia apostar que nenhuma dessas vadias sem cérebro estaria
agindo dessa maneira se Nero não estivesse aqui para protegê-las de um nariz
quebrado. Nenhum deles era do tipo que carregava uma arma, mas parecia que
não temiam os dentes afiados de Nero, como se fossem pássaros simbióticos,
autorizados a se banquetear com os restos de carne nos dentes de um predador.
—Não, essa é a minha aposta—, disse Nero, alongando-se para mostrar
seus músculos. —Vou fazer você sorrir, Miguel.
Miguel estava muito entediado para não pensar nisso. Qualquer coisa em
que ele pudesse derrotar Nero era uma vitória em seu livro. —Tudo bem, vamos
esperar um mês. O que eu ganho quando ganho?
Nero deu de ombros e os jacarés lutando em seu peito nu se flexionaram. —
O que você quer?
O cérebro de Miguel pegou fogo. Quero conhecer seu pai não seria
suficiente. Muito suspeito. —Quero ver os jacarés do seu pai.— Dessa forma, ele
poderia soar como se fosse apenas uma vítima de uma curiosidade mórbida.
O olhar de Nero brilhava como duas moedas antigas. —Feito. E se eu
ganhar, ganho um longo e delicioso boquete,— ele disse e agarrou-se através da
calça de moletom.
O calor queimou as bochechas de Miguel quando ficou claro que o
bastardo não usava cueca.
—Isso está me deixando com sede—, falou o homem de bigode.
Nero olhou na direção de Miguel. —Você ouviu o que Juan disse. Que tal
você nos trazer outra rodada?
Miguel hesitou, olhando para o mar de pessoas entre ele e o bar. —Tem
certeza de que é seguro para mim deixar você aqui?
Nero sorriu e se aproximou para que seu hálito quente provocasse a orelha
de Miguel. —O que pode acontecer? Chop-chop, Miguel. Preciso de você de volta
para o concurso de camiseta do Sr. Molhado, porque você está participando.
Miguel olhou para ele, mas ainda assim cheirou discretamente a colônia de
Nero. — Você não preferiria ganhar?— Um pouco de lisonja para evitar o
embaraço.
—Nah, isso vai ser mais uma exposição de cães. Me deixe orgulhoso.
Miguel cerrou os dentes. Se não estava conseguindo o que queria, o mínimo
que podia fazer era contra-atacar com comentários maldosos. —Tudo bem.
Alguma bebida machuca seus dentes sensíveis?
Nero rosnou. —Se isso acontecer, vou pegar algo quente e pegajoso para
lavar a boca.
Miguel considerou uma rejeição, mas não valia a pena, então ele saiu com a
imagem de várias cargas de porra por toda a boca de Nero embutida em seu
cérebro. A forma como este homem era ávido por isso, como ele nunca deixou de
mostrar o quanto gostava de pau, despertou algo enterrado profundamente em
Miguel. Algo que ele não queria explorar.
Felizmente, seu comportamento sombrio e as caveiras tatuadas acima de
sua sobrancelha fizeram o mar de homens bêbados e excitados se separar, e ele
não teve dificuldade em chegar ao bar. Esperar sua vez de fazer o pedido era
outra questão.
—Oh meu Deus, olhe para você!— disse uma voz queimada de cigarro
atrás dele, mas Miguel não se preocupou em olhar para trás, e se concentrou em
chamar a atenção do barman enquanto corpos suados o empurravam,
balançando no ritmo da música eletrônica tocando nos alto-falantes.
Em um mundo diferente, em que não precisasse ficar em guarda o tempo
todo, em que não tivesse pavimentado seu caminho até Raul Moreno com
paralelepípedos feitos de morte, ele teria retribuído o flerte? Ele teria gostado de
uma noite com o toque de um estranho? Ele nunca considerou tais coisas antes de
deixar o lado de sua mãe, mas essas fantasias não tinham sentido se ele não
pretendesse seguir em frente.
—Oito doses de qualquer coisa, apenas deixe-as coloridas—, disse ele ao
barman por causa da música alta. Ele preferia bares sossegados e degradados
onde se pudesse sentar em um canto com seu copo de rum. Mas este era o
mercado de carnes, e tudo aqui era sobre as pessoas serem capazes de se
apresentar a potenciais compradores.
—Adoro bad boy tatuado—, dizia a mesma voz, zumbindo no ouvido de
Miguel como um mosquito. Desta vez, uma mão acariciou seu bíceps em uma
tentativa de chamar a atenção.
Embora ele não gostasse de ser tocado, ele não estava disposto a matar
alguém por isso em um lugar público, especialmente não com tantas pessoas
assistindo. Pelo menos foi o que ele disse a si mesmo, porque outra parte dele disse
que não faria mal olhar ou trocar algumas palavras com um homem que ele
nunca mais veria de qualquer maneira.
O estranho era um pouco mais novo que ele e usava um corte de cabelo
loiro choque que contrastava com sua pele morena. A sombra azul brilhante de
seus olhos provavelmente era artificial, mas seus braços tonificados? Aqueles
eram reais.
—Eu dificilmente sou um menino.
O cara sorriu e cutucou o quadril de Miguel com o dele. —Forma de falar.
Você parece perigoso. Você é?— ele perguntou em um tom que sugeria que ele
gostaria de responder.
Miguel ansiava por um cigarro, para ter algo a ver com as mãos, mas em
vez disso tirou a carteira e pagou as bebidas. Ele costumava ter um amigo que
flertava com qualquer coisa que se movesse e sabia o que o cara teria dito em
resposta à pergunta de flerte. 'Só há uma maneira de descobrir' ou 'Só se você
quiser'.
Mas aquele não era Miguel. Ele não queria o acompanhamento.
—Eu sou muito perigoso para você.
O homem sorriu e sua língua rosada disparou para lamber os lábios, como
se fosse um lagarto. —Ou talvez seja o contrário? Qual é o seu nome, estranho?
ele perguntou, virando-se para se encostar no bar e encarar Miguel.
A língua de Miguel parecia um pedaço de madeira seca. Ele sempre rejeitou
os comentários desavergonhados de Nero porque eles só existiam para irritá-lo e
humilhá-lo. Mas isso era diferente. Esse cara estava interessado nele, então por
que sua reação inicial foi tão negativa?
Um pensamento estranho se infiltrou no fundo de sua mente. E se ele fosse
tímido? Ele não tinha nenhuma experiência romântica para falar. Afastar as
mulheres nunca foi uma luta, embora muitos parecessem achá-lo bonito, e antes
de chegar à vizinhança de Nero, não era como se os homens o atacassem, a menos
que tivessem um desejo de morte. Mas em um clube gay, ele era um jogo justo.
Ele estava realmente desinteressado ou era o medo do fracasso que o
impedia de agarrar as oportunidades casuais quando elas se apresentavam? Ele
gostava de olhar para homens bonitos, mas a ideia de tocar um estranho de
maneira sexual fazia algo se mexer desconfortavelmente na boca do estômago.
—Mmm-iguel,— ele disse, incrédulo com sua própria hesitação, e olhou
para a bandeja de diversos shots sendo colocada no balcão, só para ter uma
desculpa para não olhar para o homem na frente dele. Mas, apesar da música e
dos corpos lotando cada pedacinho do interior espelhado, ele só conseguia ver
esse estranho de pele macia e sorriso viciante.
—Elonzo. Prazer em conhecê-lo,— o cara disse e apertou a mão de Miguel,
mas sua voz estava tão cheia de desejo que ele poderia muito bem ter colocado a
mão no peito de Miguel, porque era para onde ele estava olhando. —Vou ver
aquela regata que você está vestindo molhada e grudada em você ou tenho que
removê-la para ver como o resto de vocês se parece?
Teria sido tão fácil quebrar sua mão ou ameaçá-lo. Isso teria sido familiar.
Esse? Miguel estava fora de seu alcance. —Eu...— ele parou apenas para verificar
se Nero não o estava espionando, mas congelou quando viu seu chefe se levantar
e abrir os braços agressivamente.
Juan enfiou a mão na parte de trás de suas calças, e Miguel se moveu antes
mesmo que o bastardo traiçoeiro mostrasse sua arma. Este era o elemento de
Miguel.
Capítulo 4
Nero

NERO MORDEU O LÁBIO quando um estroboscópio passou pela bunda de


Miguel.
Dedos bem cuidados estalaram na frente de seu rosto.
—Terra para Nero—, disse Nando com uma risada em seus lábios carnudos
de desenho animado. —Eu perguntei onde você o conseguiu e por que você ainda
não o está montando?
Nero deu de ombros e bebeu seu rum antes de observar os membros longos
e esguios de seu companheiro. —Ele é um... presente de um conhecido.
Arturo riu e apoiou o queixo nas mãos com um suspiro melancólico. —Por
favor, me diga que ele está dotado como um burro. Aposto que é.
Nero olhou além da multidão que circulava entre o bar e a pista de dança,
para onde Miguel apoiava os cotovelos no balcão, empurrando para trás sua
bunda vestida de jeans.
Mais alto que Nero, ele tinha membros mais longos, pés e mãos maiores e
um torso mais longo. Seu pau era maior também, não que Nero tivesse algo do
que se envergonhar. —Ele é... um bom tamanho,— Nero disse e bateu palmas
ruidosamente, fazendo Arturo e Nando cair na gargalhada.
Nero pagaria um bom dinheiro por meia hora com a língua enrolada no
pau de Miguel. Ele não sabia se era o próprio homem que o deixava com tanto
tesão, ou a maneira como ele evitava os avanços de Nero, cedendo apenas uma
quantia ínfima. De qualquer maneira, Nero não havia perdido a esperança de que
um dia ele romperia as defesas de Miguel e cavalgaria aquele pau suado no
esquecimento enquanto braços musculosos e tatuados o envolviam e o apertavam
como se fossem duas jibóias.
—Você acha que ele pode ser seduzido?— Nando inclinou a cabeça,
observando Miguel conversar com um homem no bar.
Arturo deu de ombros. —Qualquer homem pode ser seduzido.
—Sim. Literalmente qualquer, se o tipo certo de persuasão for usado.
Miguel está apenas provando ser... hm... mais difícil do que a maioria — disse
Nero.
Ele lambeu os lábios, imaginando Miguel acima dele, bombeando seus
quadris, olhos escuros presos ao rosto de Nero como se estivesse resolvendo os
mistérios do universo, não fodendo. As tranças de cabelo preto brilhante fariam
cócegas no peitoral de Miguel, saltando sempre que ele enfiava seu grande pênis
profundamente no corpo flexível de Nero.
Miguel era um animal perigoso - uma característica que falava do desejo
de Nero de viver no fio da navalha. Em seus sonhos, ele viu os olhos vermelhos da
caveira tatuados no pescoço de Miguel olhando para ele enquanto Miguel
entrava nele repetidamente. Tinha um leito de intrincadas rosas negras e espinhos
como fundo e desviava a atenção de uma data tatuada logo acima da clavícula de
Miguel - 17.04.2002 .
Mas Nero observava seu guarda-costas com frequência suficiente para
notar detalhes, e quando ele perguntou sobre isso, Miguel disse a ele que era a
data de sua primeira morte, o que só o tornava ainda mais atraente. Nero amava
um homem forjado em sangue e balas.
Nero olhou para o terceiro de seus companheiros, cuja boca se achatou em
uma linha fina. Não escapou de sua atenção que Juan mal havia dito uma palavra
durante toda a noite, apenas sorrindo tenso de vez em quando ou lançando
algumas declarações vagas sem muito acompanhamento.
—E você? Qual é a chave para as calças do meu homem? —Nero
perguntou enquanto Arturo mostrava a Nando sua nova tatuagem no peito,
expondo sua barriga redonda e peluda.
O bigode fino de Juan estremeceu. —Não se trata de conseguir um homem,
mas de mantê-lo. Você não saberia disso, não é?
A resposta mesquinha foi tão surpreendente que os outros dois amigos
pararam de falar e olharam para Juan.
—Que diabos mordeu sua bunda, J?— Arturo perguntou enquanto Nando
tentava se comunicar para ele calar a boca. O que foi uma boa decisão. Nero pode
ser um jacaré que eles domesticaram, mas um animal selvagem manteve seus
instintos assassinos para sempre.
—Por que eu iria querer manter um se eu posso ter quem diabos eu
quiser?— Nero perguntou, encostado no fundo da cabine enquanto o rosto de
Juan escurecia.
—Se você pode foder quem quer que seja, então por que você teve que
atirar no meu homem, hein?— Juan se levantou enquanto Nero tentava descobrir
qual de suas fodas passadas era o namorado de Juan . Quem quer que fosse, ele
claramente não tinha se incomodado o suficiente para permanecer fiel ao seu
aparente parceiro.
Nero deu de ombros, observando-o do outro lado da mesa enquanto a
música mudava de ritmo, bombeando no ritmo perfeito da câmara escura. —Não
sei o que diabos você está falando.
—Você está bêbado. Que tal você tomar um fôlego?— Nando perguntou,
puxando o ombro de Juan, mas em vez da obediência que esperava, ele foi
empurrado com tanta força que caiu no chão, colidindo com um twink que
estava juntando copos vazios. Ambos desabaram em uma avalanche de copos.
—Já chega—, disse Nero, levantando a voz enquanto se levantava. Ele abriu
os braços em frustração. Ele não saiu à noite para lidar com o drama do ciúme de
algum idiota. —Dá o fora!
—Não antes de eu atirar na porra da sua cara pelo que você fez com
Aaron!— Juan gritou e estendeu a mão para trás para sacar uma arma.
Nero perdeu o bom humor que lhe restava.
Gritos irromperam ao redor deles e o rebanho de pessoas correu em direção
à saída como gado fugindo de uma matilha de lobos, mas na cabeça de Nero, o
tempo passava segundo após doloroso segundo. Ele sempre soube que morreria
jovem, mas nunca lhe ocorreu que poderia estar nas mãos de alguém não
relacionado aos negócios do cartel.
Juan não sabia que deveria segurar uma arma com as duas mãos, mas
mesmo que o golpe estragasse seu pulso, poderia ser tarde demais para Nero.
Uma bala pode matar, não importa o quão inexperiente seja o atirador.
Arturo, que se levantara para ajudar Nando, agora o arrastava para longe
da mesa, e eles desapareciam na torrente de corpos pisoteando quem tinha a
infelicidade de cair. A música continuou alta, bombeando mais rápido que o
sangue de Nero.
—Você tem um desejo de morte?— Nero perguntou, tentando avaliar se ele
teve tempo de enfiar a mão em seu próprio coldre sem levar um tiro na testa.
Mas era isso. Juan não respondeu. Com duas lágrimas grossas pingando de
seus cílios, ele puxou o gatilho... no momento em que Miguel se chocou contra ele
como uma pedra rolando por uma colina íngreme.
A bala perfurou o teto em algum lugar, enviando uma chuva de vidro e
gesso, e por um segundo Nero ficou atordoado demais para fazer qualquer coisa
além de assistir os dois homens caírem no chão como duas feras.
Um piscar de olhos depois, ele agarrou sua arma, mas Miguel continuou no
caminho de um tiro certeiro, grunhindo de fúria enquanto conseguia arrancar a
arma da mão de Juan.
O coração de Nero batia mais rápido que o ritmo da música que ainda
sacudia o clube quase vazio, mas quando Miguel escorregou em um pedaço de
vidro e rolou de costas, deixando uma abertura para Juan, Nero pegou uma
garrafa quebrada e se aproximou. Ignorando os cacos espalhados sob seus
joelhos, Juan mudou seu peso para pegar a arma novamente, mas Nero segurou o
cabelo do bastardo antes que ele pudesse alcançar a arma. Um corte profundo na
garganta e o porquinho estava sangrando.
Miguel se arrastou para longe da inundação vermelha que se espalhava aos
pés deles e, ao se virar, a extensão do vidro preso por toda a omoplata foi revelada
a Nero. Sua pele era como carne preparada para um churrasco.
—Eu saio por um minuto!— Miguel gritou, ofegante enquanto tentava se
levantar do chão escorregadio. —Alguns amigos você tem.
A garganta de Nero se apertou enquanto ele estudava Miguel, confuso com
o que acabara de acontecer.
Esse cara não era um amigo. Ele expressou abertamente seu desgosto pelo
estilo de vida de Nero, e esta seria uma oportunidade perfeita para ele acabar
ligado a um chefe diferente dentro do cartel, alguém menos... gay. Mas, apesar de
tudo isso, ele se jogou em Juan para salvar Nero e se machucou no processo.
Por que ele faria isso quando ninguém o culparia por falhar?
—Juan não é mais convidado para minhas próximas festas,— Nero disse,
jogando a garrafa quebrada na bagunça a seus pés. —Vamos pegar o kit de
primeiros socorros. Devem estar atrás do balcão — disse ele, passando pelo
cadáver.
Miguel se levantou, mas tropeçou um pouco, então usou a mesa para evitar
cair de bunda. —Você está brincando? Ele está morto, não vai precisar de
primeiros socorros!
Nero franziu a testa. —Há tanto vidro em você que você parece um ouriço
esquisito.
E o homem mais sexy vivo.
Se fosse uma situação diferente, Nero teria dito em voz alta e envergonhado
Miguel por fazer um grande alarde de suas ações, mas a zombaria não sairia de
sua boca desta vez. Como poderia quando este homem derramou sangue por ele?
A boca de Miguel se abriu. Ele olhou para cima com os olhos como duas
poças no céu da meia-noite e estremeceu quando rolou o ombro para avaliar o
dano que não podia ver. Nero sentiu-se salivar quando o músculo se moveu sob a
pele tatuada. Suas sobrancelhas eram retas, o que geralmente tornava seu rosto
ainda mais inexpressivo, mas agora elas se aproximavam. O rosto de Miguel era
anguloso e nobre como o de uma pantera, mas este homem era um réptil como
Nero. Implacável, poderoso e igualmente mortal. Ambos foram despertados pelo
derramamento de sangue também?
Uma parte de Nero percebeu que havia provas mais do que suficientes de
que Juan havia tentado matá-lo e pensou em esperar uma ambulância para
Miguel. Mas, novamente, e se algum policial novato decidisse atirar em um deles,
porque não havia recebido o memorando sobre quem era Nero Moreno?
Estendeu a mão a Miguel.
Mas no momento em que Miguel ouviu a sirene da polícia, ele se virou,
batendo no antebraço de Nero com uma de suas longas tranças. —Temos que ir—
disse ele e pegou uma garrafa de vodca de uma mesa próxima, levantando-se de
um salto.
—Sedento?— Nero perguntou, mas já se moveu em direção ao balcão do
bar. Ele pulou e balançou as pernas para o outro lado, derrubando ainda mais
vidro.
—Vou usá-lo para desinfecção mais tarde,— Miguel disse e saltou sobre o
balcão, indo para a porta dos fundos.
Nero estremeceu ao ver os cacos saindo das feridas que vazaram sangue na
regata de Miguel. Nenhum deles parecia profundo, embora sem dúvida
destruíssem o belo emaranhado de caveiras, facas, cobras e todos os tipos de
morte e destruição tatuados na carne como um aviso para qualquer um que
ousasse chegar muito perto.
Nero e Miguel irromperam na sala dos fundos vazia, dispararam por uma
pequena cozinha dos funcionários e seguiram para o beco atrás do clube
enquanto as sirenes soavam cada vez mais alto. Eles precisavam fugir, e rápido.
No escuro, Nero tropeçou em um saco de lixo perdido, espalhando seu
conteúdo, mas isso não o deteve em seu caminho em direção a uma rua que já
podia ver na estreita moldura dos prédios à frente.
Assobiando para Miguel, ele passou pela forma caída de uma pessoa
provavelmente muito bêbada para perceber que não estava mais sozinha e
correu.
Não foi a primeira vez que Nero conseguiu escapar dos dedos frios da
morte, mas apesar de tecnicamente ter guarda-costas, ele nunca contou com eles
para segurança, já que eles eram mais como APs8 glorificados que alegremente o
apunhalariam pelas costas. A lealdade de Miguel foi uma completa surpresa e
agora rolava em seu crânio como um dado feito de ouro e diamantes. Encontrar-
se com um homem pronto para protegê-lo quando o empurrão chegou foi como
tirar um quinto Coringa de um baralho e não saber o que fazer com a sorte
inesperada.
—Lá.— Miguel agarrou o braço de Nero, detendo-o com um puxão
doloroso. Mas antes que Nero pudesse latir para ele, seu olhar pousou em uma
figura parada em um vão entre os prédios próximos, ao lado de uma motocicleta.
O homem fumava e fazia gestos rápidos enquanto falava ao telefone, sem
perceber a presença deles.
Miguel não esperou por uma resposta e foi para lá com a arma na mão e os
ombros rígidos como se fosse derrubar o estranho desavisado, apesar do vidro
cravado em sua carne.
O coração de Nero disparou e, apesar de saber que deveria repreender
Miguel por tentar dar as ordens, ele foi contra sua natureza e seguiu o exemplo
de seu guarda-costas.

88 Assistente particular.
De perto, ele podia ver que o estranho tinha fones de ouvido e permanecia
alegremente inconsciente dos predadores afiando suas garras logo atrás dele
neste beco de concreto cheirando a comida podre e mijo.
—Sim, ele sacou uma arma no clube. Onde estava a segurança quando isso
aconteceu? —o homem gritou em um alto-falante preso aos fones de ouvido, mas
quando a bota de Miguel rangeu contra algum pedaço de metal, ele girou e
congelou diante do cano de aço.
Mesmo em um lugar tão sombrio, Nero viu seu rosto empalidecer. —M-
Miguel?— ele perguntou, arrancando os fones de ouvido.
Nero parou, mas quando olhou para o homem mais de perto, percebeu que
era o estranho que havia conversado com Miguel no bar, pouco antes da pequena
proeza de Juan arruinar uma noite perfeitamente boa.
Miguel fez um barulho estranho, algo entre um suspiro e um gemido. —
Você perguntou se eu era perigoso. Agora você sabe. Chaves.— Ele mostrou a
palma da mão aberta e os ombros do cara caíram.
—Vamos lá, cara...
Nero fez uma careta e passou por Miguel, agarrando as bolas do estranho
com tanta força que ele tropeçou na parede mais próxima e deixou cair o
telefone. A voz de alguém se elevou do dispositivo, mas eles não estavam aqui
para ajudar seu amigo em perigo. —Pedimos educadamente, não foi? Não se
preocupe, você pode recuperá-lo. Eventualmente.
O cara levantou as mãos em derrota, encolhendo-se quando Nero deu uma
leve torção em suas bolas - E pensar que algumas pessoas gozavam com isso! -
Ele engoliu em seco, como se estivesse lutando contra uma náusea, e deu sua
motocicleta preta um olhar ansioso antes de deixar cair as chaves na mão de
Nero.
—Encantado. Se algum dia eu reconhecer seu lixo na câmara escura, vou
me certificar de lhe dar um boquete extra bom,— Nero brincou, soltando seu
aperto no saco do pobre homem. Os olhos do estranho se arregalaram, mas ele
não respondeu e simplesmente se afastou mancando, respirando com dificuldade
como um animal que escapou dos dentes de um predador por uma margem
estreita.
— Suba — disse Miguel, como se agora fosse ele quem mandasse, o que
Nero achava adorável.
—Oh, Miguel, se você quisesse se esfregar na minha bunda, você poderia
simplesmente ter dito isso.— Nero agarrou o guidão e fez um show balançando a
perna acima da traseira da moto enquanto ligava o motor.
Miguel o encarou como se tivessem tempo para essa confusão de 'mas-eu-
sou-hétero'. —Talvez eu deva ser o único a dirigir,— ele disse, mas franziu a
testa, percebendo que isso significaria a virilha de Nero esfregando contra sua
bunda, que era uma ideia que ele provavelmente gostava ainda menos.
Nero bufou com as emoções passando pelo rosto bonito. —Se algo der
errado, eu seria empalado naquele maldito vidro, e embora eu definitivamente
queira me aproximar de você, prefiro que você enfie outra coisa em mim. Suba—,
disse ele enquanto uma viatura da polícia passava na rua à frente, cobrindo-a
com um brilho colorido.
Miguel xingou baixinho, mas não perdeu mais tempo e subiu na garupa da
moto. Ele tentou manter distância, mas assim que Nero colocou o veículo em
movimento, Miguel não teve escolha a não ser agarrá-lo. Com os quadris se
movendo no assento, o pacote de Miguel pressionado contra a bunda de Nero e os
braços envolvendo-o poderiam muito bem ser feitos de aço.
Essa experiência valeu uma perseguição policial.
Nero acelerou, fazendo com que Miguel o segurasse com mais força, e
disparou para fora do beco, cortando bem na frente de um carro da polícia.
Miguel soltou um xingamento, mas quando o veículo buzinou, Nero sentiu
adrenalina nas veias e disparou para o meio da rua. Foi tão abrupto que ele quase
bateu em um caminhão que se aproximava, desviando para o lado no último
momento.
Tanto para manter um perfil baixo.
A cabeça de Nero zumbiu com uma névoa eufórica quando Miguel se
inclinou, empurrando tão perto que eles se tornaram um corpo zapeando pela
rua movimentada com neon brilhante piscando ao redor deles como um
caleidoscópio com esteróides. Ele se sentia tão malditamente vivo!
O coração de Miguel batia rápido contra suas costas, peitorais musculosos
pressionados firmemente contra sua carne, e enquanto a adrenalina rasgava as
cordas da alma de Nero, ele imaginou estar sob este homem estóico. Ele seria tão
silencioso na cama quanto era em vida? Nero estava morrendo de vontade de
descobrir.
O carro da polícia roncou atrás deles enquanto Nero dirigia ao longo da
linha entre as pistas, mas quando os outros carros se moveram para o lado para
deixar os policiais passarem, a motocicleta se transformou em um torpedo
disparando direto para o brilho vermelho à frente e o fluxo de faróis passando
por uma travessia enorme.
Os dedos de Miguel cravaram na carne de Nero, mas a máquina trêmula já
parecia uma parte do corpo de Nero, e quando o carro da polícia os alcançou, ele
disparou para o cruzamento movimentado. Um jipe parou abruptamente para
evitar colidir com eles, e sua buzina soou nos ouvidos de Nero enquanto ele
ziguezagueava entre outros veículos. Metal colidiu em algum lugar atrás de suas
costas, mas ele se concentrou na lacuna entre dois ônibus e, assim que disparou
através dela, a sensação de vitória explodiu lá no fundo. Ele gritou, acelerando no
meio da rua, passando por motoristas esperando o sinal mudar, mas depois de
várias centenas de metros, ele entrou em um beco vazio reservado para pedestres.
Enquanto diminuía a velocidade, a respiração de Miguel fazia cócegas em
seu pescoço, fazendo a mente lasciva de Nero vagar. Ele olhou para as mãos frias
travadas em seu peito como suportes de ferro e ouviu o batimento cardíaco
furioso perfurando sua espinha quando a moto parou perto de um grande
contêiner de lixo. O cheiro intenso de óleo frito sugeria que eles haviam chegado
aos fundos de alguma lanchonete, mas, por mais desagradável que fosse o cheiro,
a escuridão do beco deveria mantê-los a salvo de serem descobertos.
—Você está tentando nos matar?— Miguel cuspiu, mas segurou Nero como
se fisicamente não pudesse abrir os braços. Sua virilha estava pressionada contra
a bunda de Nero com tanta força que seu pau era uma característica clara, apesar
de ser macio.
Se ao menos Nero pudesse chupar melhor.
—Relaxe. As coisas acontecem e você tem sorte ou não. Nós escapamos
ilesos, não é?— Nero perguntou, mas não tentou descer da moto e apenas
aproveitou o calor do corpo de Miguel.
Ser fodido em uma motocicleta costumava ser uma fantasia dele, então
talvez ele e Miguel pudessem torná-lo real?
Os pensamentos de Nero ficaram em branco quando o pau de Miguel
inchou um pouco, como se sua imaginação tivesse de alguma forma passado para
ele.
Mas antes que pudesse perguntar sobre isso, Miguel soltou e desceu tão
abruptamente que acabou tropeçando. Sorrindo, Nero quis comentar sobre a falta
de jeito de Miguel, mas em vez de se levantar, Miguel caiu para frente, direto
para os sacos de lixo empilhados ao redor dos contêineres. Joelhos macios após o
passeio?
Miguel respirou fundo várias vezes, nem mesmo tentando se levantar desta
vez, e foi só então que Nero lembrou que as costas e o ombro do pobre coitado
eram uma almofada de alfinete para vidro.
A sirene da polícia soou novamente e Nero desceu da moto, empurrando-a
para trás do contêiner. —Vamos, eu cuido disso, mas vamos entrar—, disse ele, já
observando os prédios residenciais estilo anos 70 que se erguem dos dois lados do
beco de paralelepípedos.
—Estou bem,— Miguel murmurou e alcançou um alforje preso à
motocicleta para recuperar a garrafa de vodca que ele pegou no bar.
Nero gargalhou e moveu o braço para dar um tapinha nas costas de Miguel
para dar ênfase. Ele se deteve no último momento, lembrando-se mais uma vez de
seus ferimentos. —Com certeza você é. Um puta exemplo de saúde—, disse,
procurando um lugar onde pudesse ver melhor os ferimentos.
Tudo o que conseguiu de Miguel foi um resmungo incoerente, mas Nero
não dava a mínima, desde que não fosse preso e o braço de Miguel permanecesse
em seus ombros. Eles caminharam no ritmo de dois vovôs com insolação por mais
dois quarteirões até que Nero avistou uma casa abandonada no cruzamento da
passagem de pedestres com uma rua estreita e tranquila.
O edifício de estilo colonial teria sido encantador se alguém decidisse
renová-lo, mas agora sua antiga fachada intocada estava coberta de pichações e a
varanda de ferro acima da entrada principal enferrujada. Uma porta de metal
verde e persianas do mesmo material foram anexadas a cada ponto de entrada no
primeiro andar à vista, mas quando Nero agarrou o cadeado na entrada, ele se
abriu, como se alguém o tivesse deixado assim de propósito.
Aleluia.
Não foi assim que ele imaginou que esta noite seria, mas ei, eventos
inesperados eram o tempero da vida, e ele preferia aproveitá-los em vez de viver
uma vida chata em seus oitenta anos. Se não fosse pela loucura de Juan, ele teria
encerrado o passeio recebendo seu pau reparado por algum rando de câmara
escura. Em vez disso, ele compartilhou momentos de pulsação com Miguel e
sentiu a prova de sua excitação. Os dois precisavam andar de moto com mais
frequência.
Acendeu a lanterna do telefone e conduziu Miguel a um espaço empoeirado
com um enorme balcão de bar nos fundos. Um par de mesas e cadeiras estavam
agrupadas em um canto, mas, apesar dos quadros toscos pintados com spray nas
paredes e uma rachadura no meio do piso de ladrilhos, o negócio esquecido -
provavelmente um bar - estava em uma forma decente. Garrafas vazias e uma
pilha de sacos de batatas fritas sugeriam que este lugar às vezes servia como um
ponto de encontro para os jovens, mas como Nero não viu nenhuma evidência da
presença de ninguém, presumiu que estariam sozinhos.
E se não fossem, ele simplesmente lidaria com isso.
—Quão ruim é isso?— perguntou, contorcendo as feições quando o raio de
luz fez brilhar o vidro na pele de Miguel.
Miguel mastigou a pergunta como se estivesse prestes a morder um limão e
sentou-se ansioso em uma cadeira que não estava caindo aos pedaços. —Apenas
desinfete—, disse ele, passando a garrafa de vodca para Nero. Antes que Nero
pudesse protestar, ele tirou a blusa com um silvo de dor, arrancando parte do
vidro no processo. Um enorme crânio de demônio olhou para Nero da elaborada
tatuagem nas costas de Miguel. Seus olhos vazios eram o foco do desenho, mas a
imagem continha uma riqueza de outros elementos, como metralhadoras com
canos cruzados nas costas de Miguel, chifres chegando até a nuca e uma cobra
saindo do crânio no olho, tudo na tela de belos músculos.
Miguel ofegou, deixando cair o top no chão, mas Nero ainda estava olhando
para a face da morte observando-o de volta da carne de Miguel. Se não estivesse
coberto de sangue, ele teria lambido a boca cheia de dentes de tinta. Era por isso
que ele amava tanto tatuagens e modificações corporais. Bem feito, eles realçavam
as características de uma pessoa e, ao contrário da carne natural, a arte mostrava
quem a pessoa realmente era. Mesmo as pessoas que fizeram tatuagens para
esconder sua verdadeira personalidade as usaram para expressar quem elas
queriam ser.
E Miguel? Se ele era um demônio ou desejava ser um, sua tinta prometia
obliteração para qualquer um que estivesse em seu caminho. Nero pagaria a ele
pelo privilégio de colocar suas habilidades de iniciante com a pistola de tatuagem
para trabalhar naquela pele quente e escura.
—Você não consegue ficar parado?— Nero perguntou, tentando identificar
cortes menores com a ajuda da lanterna. Eles não pareciam ser tão numerosos
quanto ele temia, então ele foi em frente e puxou um fragmento verde da carne
de Miguel. Ele desobstruiu o corte e uma faixa vermelha pingou no olho esquerdo
do crânio.
Nero assobiou. —Uau, espero não sangrar você como um bezerrinho,
hein?— ele perguntou e deu um tapa no quadril de Miguel.
Miguel balançou a cabeça. —O filho do Canibal, afinal. Dê para mim,— ele
disse e estendeu a mão para trás, pegando o telefone da mão de Nero. Apoiando os
cotovelos nas costas da cadeira, ele a segurou acima do ombro curvado para
iluminar seus ferimentos.
A boca de Nero azedou e ele cuspiu no chão empoeirado enquanto o sabor e
o cheiro de carne grelhada voltavam a ele, forçados a entrar em sua língua. Sem
sal e sem graça, a lembrança daquela sensação nunca estava longe.
—Só há um tipo de carne humana que eu quero comer—, disse ele,
voltando à segurança das insinuações sexuais, porque imaginou que isso calaria a
boca de Miguel.
—Isso de novo?— Miguel resmungou, ficando rígido quando Nero
removeu mais fragmentos de sua carne. —Isso é o que te meteu na confusão desta
noite em primeiro lugar. Você é o maldito Nero Moreno. Você poderia ter
qualquer pau, mas dorme com cada pedaço de lixo que encontra!
Nero parou, movendo os dedos sobre a pele quente e úmida em busca de
pedaços menores de vidro. —Oh, você se importa com quem me fode?
Miguel bufou e, enquanto descansava a testa no encosto da cadeira, a risca
de seu cabelo preto trançado atraiu o olhar de Nero. —É só... Acho que tornaria
minha vida mais fácil se você escolhesse homens melhores.
Nero suspirou, concentrando-se na deliciosa divisa de pele cortando o
cabelo na nuca de Miguel. —Não existem homens bons. Todos eles querem
alguma coisa, e a maioria não é confiável. Posso muito bem foder cada um que eu
gosto.
—Isso não faz você se sentir... sujo?
Essa deve ser uma das conversas mais profundas que eles tiveram. Talvez
fosse mais fácil para Miguel fazer perguntas tão íntimas quando não podiam se
olhar nos olhos?
Era assim que Miguel se sentia sobre sua própria atração por homens, que
neste momento era dolorosamente óbvia para Nero? Ele o via como sujo? Homens
enrustidos criavam tantos problemas em suas próprias cabeças.
—Sim, mas isso é um pouco da diversão. Eu sei que eles me temem, ou
querem algo de mim, ou me odeiam, mas eu ainda consigo o que quero. Posso ser
a cadela deles por meia hora, mas eles sabem que nunca serão o verdadeiro chefe.
E eles se ressentem disso—, disse Nero, pegando o celular da mão de Miguel para
escanear as costas feridas uma última vez. Parecia que ele havia extraído todos os
fragmentos.
Miguel ponderou suas palavras em silêncio preenchido apenas com
respirações trêmulas. —Você gosta de ser fodida por homens que te odeiam? Mas
você... abre-se para eles.
Claramente não é um especialista em sexo gay então.
Nero suspirou e abriu a tampa da garrafa de vodca antes de tomar um gole.
O licor mordaz rodou em sua boca, limpando o sabor da carne fantasma. —
Aprendi minha lição cedo. Me apaixonei muito por um dos homens de meu pai.
Continuei me envergonhando e ansiando por ele. Eu até fiz sanduíches para ele
uma vez - tudo para deixá-lo saber que eu estava interessada sem realmente
dizer isso. Ele entendeu a dica. Primeiro me fodeu, depois me fodeu, contando a
todos o que aconteceu. Até aquele dia, mantive em segredo meus sentimentos
pelos homens, mas depois todos descobriram, inclusive papai.
Raul Moreno não estava entendendo. Nem sendo gentil.
—Então eu peguei minha arma e atirei no rosto dele,— Nero terminou,
derramando a bebida sobre feridas recentes sem aviso, porque ver alguém
sofrendo sempre aliviava a queimadura das memórias de Nero.
Miguel gritou e se agarrou à cadeira como se fosse sua tábua de salvação.
—E-então você costumava ter um coração—, ele finalmente murmurou
enquanto Nero acariciava os cortes encharcados de vodca com lenços de papel
limpos de seu bolso.
—Ter um coração é superestimado. Eu tinha quinze anos e sabia que todo
mundo iria me odiar daquele ponto em diante. Achei melhor dar a eles um
motivo real,— Nero disse e tomou um gole do licor restante antes de oferecer o
resto a Miguel.
—Você sabe que eu não te odeio porque você é gay, certo?— Miguel disse
com uma voz surpreendentemente suave e puxou as teias de aranha que
cresceram no lugar do peito de Nero onde costumava haver um coração. Mas o
que restou foi protegido por fio eletrificado, que o trouxe de volta à normalidade.
—Eu não acho que você me odeie, Miguel. Se você tivesse, teria deixado
Juan acabar comigo esta noite,— Nero sussurrou.
Quando um pouco mais de sangue escorria pelas costas de Miguel, Nero
pegou a tampa descartada e a esfregou contra a pele.
O corpo de Miguel ficou tenso. —Eu odeio o jeito que você fala com as
pessoas. Para mim. Como se todo mundo fosse um pedaço de carne. Não entendo
por que você gosta de ser usado.
Nero imaginou ouvir aquela voz profunda na cama com as luzes apagadas,
e um arrepio percorreu sua espinha, pois a essa altura ele conhecia Miguel, e
acreditava que ele seria tão metódico e atencioso entre os lençóis quanto em
qualquer outro momento. Mas Miguel também entendia muito pouco sobre a
vida sexual de Nero e quem usava quem a portas fechadas.
Com um sorriso se abrindo na boca, Nero se aproximou o suficiente para
sentir o cheiro da vodca na pele de Miguel. —Eu me sinto vivo com um pau na
boca. E quando um homem monta em mim, é um foda-se para todos que já
tentaram me dizer como viver minha vida e como ser um homem. Tem esse ponto
dentro de mim, e quando é cutucado com um pau me deixa louco, Miguel. Nada
mais importa quando estou preso. Espero que seja assim que eu morra. Em êxtase
e dor.
Miguel engoliu alto o suficiente para Nero ouvir. Um homem hétero já teria
rido disso, dito a Nero que conseguiu, mas que nunca conseguiria. Mas Miguel
virou a cabeça para olhar para Nero por cima do ombro.
Sua boca era uma linha tensa, mas seus olhos brilhavam na escuridão como
as asas de um besouro. —Você realmente gosta de ser fodido...— ele meio
perguntou, meio disse como se só agora percebesse que Nero não estava fingindo
para rir.
Nero poderia sentar no colo de Miguel agora e mostrar a ele o quanto ele
gostava de um pau no cu. Ele iria se lubrificar, fazendo um show disso para que o
elusivo pau escondido nas calças de Miguel ficasse duro como pedra. E então ele o
levaria e cavalgaria, cavalgaria, cavalgaria, até que o sêmen de Miguel o enchesse
com seu calor.
Com o Miguel ia querer fazer sem borracha também, porque o que um cara
tão casto como ele poderia passar naquela porra deliciosamente quente?
Nero passou a mão pelo bíceps de Miguel, sentindo-o arrepiar-se. Seu
toque ainda não havia sido rejeitado, então ele sustentou o olhar de Miguel no
calor do prédio abandonado onde as janelas bloqueadas os escondiam de olhares
indiscretos.
—Sim. Eu anseio por isso todos os dias.
Miguel abriu a boca como se fosse dizer algo, mas nada saiu e ele
continuou olhando para Nero como se estivesse coberto de concreto endurecido e
não pudesse escapar.
Ele estava tenso sobre duas pernas, e a ideia de quebrá-lo para finalmente
dar a este homem o alívio que ele precisava torceu a mente de Nero até que fosse
capaz de seguir apenas uma trilha. Como seria Miguel relaxado? Nero não fazia
ideia e estava morrendo de vontade de descobrir.
Com ele, ele pode apenas seguir o fluxo e deixá-lo explorar em vez de dar
ordens. Se ele pudesse encontrar uma maneira de alargar a rachadura na casca
dura de Miguel.
—O convite está aberto. E você pode não acreditar em mim, mas posso ser
discreto,— Nero sussurrou, apertando aquele braço duro. Ele lamberia este
homem de cima a baixo se tivesse metade da chance.
Miguel não falou, mas um dos maiores cortes nele se abriu novamente,
levando Nero a pressionar o topo da ferida. Miguel respirou fundo, como se
estivesse pronto para falar. Talvez ele estivesse prestes a admitir que gostava de
homens, mas então o telefone de Nero vibrou com o toque irritante que ele havia
definido para seu pai.
—Foda-se—, sibilou Nero, apertando o bíceps de Miguel, mas o pai nunca
ligava para falar de coisas triviais e, na verdade, contatava Nero o mais raramente
possível, então ele o soltou e ficou de costas para Miguel, atendendo a ligação. —
Sim?
—Tenho um trabalho urgente para você. Algo caiu e preciso que você junte
os pedaços. Escolha um homem para ir com você, não mais. Não deve ser difícil,
mas requer discrição. Sem merdas.
Nenhum dos dois se preocupou mais em cumprimentar o outro, e o tom
monótono e um tanto rouco do fone parecia a voz de um estranho.
—Você vai me enviar os detalhes ou planeja me contar agora?
—Os detalhes virão amanhã. Eu só preciso saber que você não está se
embebedando em algum iate na costa ou fazendo o que você gosta de fazer. —A
voz do pai tornou-se mais áspera, mas Nero gostava de irritá-lo.
—Eu estava ficando desossado, mas você sabe que atendo suas ligações
independentemente da situação.
Ele quase podia ouvir o pai rangendo os dentes. —Esteja lá amanhã—, disse
ele e desligou. Ele não havia especificado onde havia, mas essas informações
mundanas fariam parte do pacote de informações que Nero receberia pela
manhã.
Expirando, Nero enfiou o telefone no bolso, mergulhando o interior na
escuridão quase perfeita. Tudo o que ele podia ouvir além do ruído branco da
cidade era a respiração de Miguel. Ele se virou e estendeu a mão para a figura
escura de pé ao lado da cadeira. Seu coração acelerou quando ele tocou a carne
quente.
Miguel deu um passo para trás na escuridão, escapando das mãos de Nero,
embora não tenha dado um tapa na mão de Nero. —Nós devemos ir.
A raiva zumbia em Nero como uma vespa que ele mantinha na boca, apesar
de picar repetidamente até a garganta de Nero se fechar. O momento de
vulnerabilidade de Miguel se foi.
—Sim.
Capítulo 5
Miguel

AS COSTAS DE MIGUEL DOÍAM DEPOIS de ser cortado por um vidro


menos de vinte e quatro horas antes, mas ele teria sofrido muito mais pelo alívio
de não ter que participar do trabalho desta noite.
Ele tentou fugir disso desculpando-se com a dor contínua e sugeriu que
outra pessoa fosse com Nero, mas ele sabia que não adiantava quando olhos
verdes brilhantes pousaram sobre ele com a fome de uma chita no deserto.
Ele havia causado isso sozinho, muito fraco e curioso para recuar contra as
atenções de Nero na noite passada. Em vez de dispensá-lo, como de costume, ele
até fez perguntas sobre a vida sexual do bastardo como um pervertido
procurando forragem de fantasia. O fato de pelo menos agora ele saber um pouco
mais sobre o passado de Nero e poder usar isso a seu favor era seu único consolo.
Pena que ele mal dormiu, assombrado pelas palavras sujas que deveria ter
calado.
—Não acredito que ele está me pedindo para fazer um serviço de entrega—
disse Nero enquanto dirigiam até o portão do parque de animais usado pelo cartel
para lavar dinheiro. Para todos os efeitos, era uma espécie de zoológico.
Infelizmente, embora sua carga precisasse ser mantida em uma gaiola, não
era um novo jacaré para a coleção de Raul, mas pessoas. E ali estava Nero,
reclamando do trabalho que iria fazer não porque envolvia tráfico, mas porque o
considerava inferior a ele. O novo respeito de Miguel por Nero desceu pelo ralo
moral.
Houve momentos em que Miguel esqueceu quem era seu chefe, mas
enquanto Nero vivia para se divertir e era ultrajante ao ponto do absurdo, ele
ainda era um moreno e, embora não fosse tão vil quanto o homem que Miguel
havia prometido matar, ele continuou dançando qualquer música que seu pai
tocasse.
—Carga importante,— Miguel resmungou.
Nero não respondeu imediatamente e passou pelo portão assim que ele se
abriu para eles, seguindo por uma rota que passava por um parque verde, com
fotos de animais penduradas em faixas ao longo do caminho. Já estava escuro e,
com a saída de todos os convidados, nada restava do alegre clima familiar
promovido pelos cartazes. Tudo parecia monótono, degradado, e até o vento se
foi, como se não quisesse presenciar o que estava por vir.
—Drogas e armas são mais fáceis. Eles não gritam, nem choram, e não têm
famílias procurando por eles—, disse Nero enquanto passavam pelo
estacionamento de convidados e entravam nos bastidores usados pela equipe. Era
um buraco infernal de concreto, com apenas uma árvore crescendo perto de um
prédio cúbico, que provavelmente abrigava os escritórios do zoológico. Nero
estacionou ao lado dele.
—Você pode imaginar como me sinto sobre isso.— Miguel não expressou
sua opinião sobre o tráfico humano em torno dos outros homens do cartel, mas
algumas das ações anteriores de Nero sugeriam que ele estava longe de gostar
desse lado dos negócios de seu pai. E o fato de quase nunca estar envolvido nisso,
ao invés de se concentrar em tráfico de drogas, parecia confirmar as suspeitas de
Miguel. Ainda assim, quando o empurrão chegou, Nero sujou as mãos com as
lágrimas de pessoas inocentes como um bom cachorro, não querendo ser cortado
do fluxo interminável de dinheiro fluindo em sua direção. Embora talvez sua
obediência fosse mais sobre manter a cabeça do que qualquer outra coisa.
Talvez Miguel não devesse julgar quando ele também estava aqui por
motivos egoístas, mesmo que muito diferentes dos de Nero.
Ele fez uma careta quando Nero derramou pó branco em sua carteira, usou
um cartão de crédito para formar duas linhas e sugou tudo pelo nariz.
—Seriamente? Você simplesmente não dá a mínima, não é?
Uma inspiração alta. Então outro. E então Nero espirrou antes de olhar para
ele com um sorriso frouxo. —Não. Esta é a sarjeta, Miguel, e você sabe disso. —
Com isso, ele saiu do carro e se dirigiu para a estrutura alongada que lembrava os
fundos das casas falsas dos sets de filmagem. Só que, em vez de madeira, eram de
concreto e iluminadas por uma única lâmpada que pairava sobre uma porta no
final de um caminho de ladrilhos.
A pele de Miguel ficou arrepiada quando ele sentiu o cheiro de fezes e feno.
Ele não estava pronto para enfrentar olhos implorando por ajuda e ouvir garotas
gritando como suas irmãs quando Raul Moreno desceu em sua casa.
Ele alcançou Nero, tentando impedir que suas mãos tremessem.
—Dê-me um pouco,— ele sussurrou enquanto se aproximavam da entrada
que conduzia aos horrores que os esperavam do outro lado.
Nero parou, como se tivesse esquecido como andar, mas logo recuperou a
compostura. —Tarde demais. Eu peguei tudo,— ele disse e agitou as mãos como
se estivesse tentando se livrar de algo pegajoso e nojento.
Claro. A única vez que Miguel cedeu e quis esquecer sua realidade, ele teria
que ficar sóbrio.
—Você não poderia esperar até depois de deixá-los?— ele perguntou com
os dentes cerrados, muito consciente de sua hipocrisia. Ele se encolheu quando a
mão de Nero enfiou no bolso de trás de sua calça jeans.
—Você está tão tenso. Estamos em um zoológico. Você não ouve os
macacos? —Nero disse, colocando a mão livre no ouvido. E sim, definitivamente
houve muitos gritos em algum lugar à frente, seguidos por estrondos metálicos e
uma voz masculina gritando no volume máximo.
—Cale a boca ou eu vou arrancar suas cabeças!
Miguel gemeu e tirou a mão de Nero de cima dele, infeliz por seu
comportamento na noite passada ter provocado Nero a pensar que ele poderia
escapar impune de qualquer abuso sexual que quisesse. Como se essa situação
não fosse terrível o suficiente.
Miguel usava um colete por cima esta noite, para melhor cobrir sua arma,
mas se tudo corresse conforme o planejado, ele não teria motivo para usá-la. Seu
olhar vagou para o céu, passando pelas poucas estrelas visíveis tão perto da
cidade. Ele havia feito muitas coisas desprezíveis em sua vida, tanto para cartéis
quanto trabalhando contra eles, e embora seu objetivo final fosse livrar o mundo
de Raul Moreno, ele não podia se considerar um homem decente. Seu único
cuidado era não conseguir cortar o mal na fonte se agora salvasse algumas vidas
inocentes.
Era o mal menor.
Ou então ele gostava de dizer a si mesmo para se sentir menos culpado por
suas ações.
Nero passou pela porta iluminada e seguiu por um corredor curto, que os
cuspiu entre enormes aviários cheios de pássaros diferentes. Seus guinchos, no
entanto, foram ofuscados por outro estrondo alto quando um homem atarracado
com cabelo penteado para trás bateu com um cano nas barras que cercavam um
recinto mais distante. Ele saltou para trás para escapar de longos braços cobertos
por pelo preto.
Miguel fez uma careta, mas ele estava aqui para fazer seu trabalho, então
esquecê-lo, não repreender algum idiota que irritava os animais por diversão.
Porque que reivindicações de moralidade alguém como ele tinha?
O homem se virou para eles com uma carranca. —Você está atrasado.
—Eu precisava de um pouco de estimulante,— Nero disse e passou o braço
por trás das costas de Miguel. —Me processe, Markos!
Um enorme chimpanzé agarrou as barras, mostrando os dentes para
Markos enquanto seus companheiros se mantinham afastados, fazendo ruídos
mais baixos, como se a perspectiva de uma luta os excitasse e assustasse.
Miguel balançou a cabeça. —Vamos buscar a carga e acabar logo com isso.
O cheiro de feno e mijo de animais estava deixando Miguel enjoado, mas
talvez fosse apenas uma explicação conveniente, quando na verdade era a coisa
vil que ele estava prestes a fazer que lhe dava vontade de vomitar. Sua mãe teria
lhe dito para cerrar os dentes e fazer o que precisava ser feito. Ela não se
importaria com os filhos de outras pessoas quando os dela estivessem mortos e
precisassem ser vingados, não importava o custo.
Muitas outras gaiolas e cercados surgiram no crepúsculo da noite, mas no
parque assustadoramente vazio, os chimpanzés estavam entre as criaturas mais
barulhentas, ainda agitados pela sacanagem de Markos.
Nero parou a alguns passos do grande macaco. Era o maior macho do
bando, e a ponta da cabeça ficava na altura do peito de Nero. Quando Nero
curvou a cabeça, o chimpanzé também o fez, como se ambos se entendessem sem
palavras.
—Eu posso ver porque você o acha bonito. Muitos matariam por armas tão
grossas — disse ele, olhando para Markos.
Markos mostrou os dentes, seus olhos escuros brilhando de fúria enquanto
apontava o cano na direção de Nero como um treinador de leões tentando afastar
um grande gato selvagem. —Cuidado. Não vou tolerar nada dessa merda gay
aqui! —ele disse como se alguém de baixo escalão na hierarquia do cartel
pudesse se posicionar contra o filho do chefe, só porque ele desaprovava seu estilo
de vida.
Um dia desses, a confiança vazia desse homem o morderia na bunda com
tanta força que quase não sobraria nada.
Miguel incitou Nero a avançar. —Ele bufava demais. Ignore-o.
Nero se virou e agarrou Miguel pela cintura com um sorriso largo. —
Nonono, você não vê que Markos se apaixonou? É por isso que ele está
provocando aquele pobre macaco...
—Macaco,— Miguel murmurou, tentando fugir sem causar muito barulho.
Mas Nero o ignorou e continuou abanando sua língua estúpida.
—Eu não julgo, Markos. Somos todos bons amigos aqui.
Miguel fez uma careta como se desaprovasse. Ninguém precisava saber que
uma parte dele gostava de ver homens maus perderem a paciência. E Markos
mordeu a isca.
—Eu não estou transando com um macaco!
—Ainda não, mas talvez se você tiver a abordagem certa...
—Aí está você,— outra voz rugiu, e quando Miguel olhou para ela, viu um
rosto familiar. Oscar esteve na villa duas vezes desde que Nero e Miguel
chegaram à cidade, e Miguel ainda não conseguia superar sua estranha
semelhança com Jesus. Um Jesus muito mais velho, já que o homem tinha mais de
cinquenta anos e cabelos longos e densos, completamente grisalhos. O bastardo
parecia mais um modelo masculino mais velho do que um criminoso de carreira,
mas ele não seria a primeira pessoa a usar seu belo exterior como disfarce.
A seu lado caminhava um garoto de cabelos curtos descoloridos.
—Muito tempo sem ver! Precisamos comemorar—, disse Nero, apoiando
um pouco de seu peso em Miguel.
—Você sabe que estou sempre com vontade de uma festa!— Oscar sorriu
enquanto o garoto que não poderia ter mais de dezesseis anos os observava com
os olhos arregalados como pires.
A acreditar nos Correa, as festas de Oscar geralmente envolviam serviços de
garotas que ele havia traficado, o que fazia Miguel lutar para apertar sua mão
sempre que se encontravam. Ser conhecido por sua falta de bom humor jogou a
seu favor.
Miguel limpou a garganta. —Não há tempo para isso. Viemos apenas pela
carga.
Algo voou pelo ar e Miguel congelou quando o fedor de fezes chegou ao seu
nariz. Nero caiu na gargalhada antes mesmo de os olhos de Miguel se
concentrarem em Markos, que olhava para a frente de sua camisa branca, agora
estragada com uma mancha marrom.
O chimpanzé dançou atrás das grades, emitindo um som que lembrava
uma risada.
—Oh não. Pena que não há tempo para trocar — disse Oscar enquanto o
rosto de Markos escurecia.
Miguel respirou fundo quando o idiota sacou uma arma e atirou na jaula. A
bala atingiu o chão, mas os macacos se espalharam, fazendo um barulho terrível.
Ele ficou mais perto de Nero, apenas no caso de as coisas saírem do controle. —
Essa bala pode ter ricocheteado e atingido alguém.
—Também são propriedade de Raul Moreno. Você acha que tem dinheiro
para substituir aquele chimpanzé?— Oscar perguntou enquanto agarrava o
pulso de Markos e o fazia abaixar a arma de fogo.
—Idiota, idiota, idiota, idiota pra caralho,— Nero cantarolava, balançando
seu corpo ao lado de Miguel.
— Ei — disparou Markos, empurrando Oscar para trás enquanto corria na
direção de Nero.
Miguel ficou tenso, convencido de que teria que intervir, mas Nero saltou
para fora de seu caminho, deixando o idiota tropeçar mais perto da jaula.
Este era exatamente o tipo de besteira que Miguel odiava lidar, mas Nero se
deleitava com o caos e não parava nem mesmo em um momento tão
inapropriado. Se Miguel precisava de confirmação de que se envolver com Nero
de qualquer forma íntima seria uma má ideia, era isso.
Oscar riu. —Eu disse para você deixar os chimpanzés em paz.
Markos virou-se, o rosto da cor de sementes de romã. —Você? Você não
pode me dizer para fazer merda!
A gritaria dos macacos ficou mais alta e eles voltaram do esconderijo
enquanto os três homens, Miguel e Nero, deveriam pegar o transporte trancados
em uma altercação que logo poderia se tornar física.
Oscar fez uma careta. —Oh, por favor, pelo menos eu tenho cérebro
suficiente para evitar ficar coberto de merda de macaco.
Quando Markos atacou, Oscar mudou seu peso como se pretendesse detê-
lo, mas acabou recuando, provavelmente sem vontade de tocar nas fezes, e os
outros dois homens se enfrentaram.
—Cale a boca!
Metal guinchou e uma luz vermelha piscando iluminou a cena do lado.
Quando Miguel olhou naquela direção, uma silhueta negra disparou pela noite
escura sob o brilho piscante da lâmpada de segurança montada na gaiola.
Markos, que estava acima da forma esparramada do Oscar, prestes a
desferir outro soco, de repente caiu no asfalto, e braços longos e peludos
desceram sobre sua cabeça em rápida sucessão.
O estômago de Miguel revirou ao ver que a gaiola estava aberta, e Nero
ficou ao lado de sua porta de metal, cacarejando como se fosse uma das fêmeas do
chimpanzé, comemorando seu triunfo com latidos felizes.
—Que diabos?— Miguel estalou, puxando sua arma para o caso de um dos
outros macacos seguir o exemplo de seus líderes. Suas têmporas pulsavam
enquanto ele olhava ao redor, pronto para proteger Nero de sua própria
estupidez.
—Tire isso de cima dele!— Oscar rugiu, mas não ficou claro para quem ele
estava dando essa ordem, porque o garoto saiu correndo, deixando-o sozinho
para enfrentar o macaco.
O traficante congelou, olhando para o chimpanzé como se não tivesse
meios de se proteger. Certamente, ele tinha uma arma nele? Quem diabos
trabalhava nesse negócio e andava sem um, como se fosse intocável?
Nero riu quando o crânio de Markos afundou sob o ataque contínuo de
punhos de chimpanzés. —Bom menino. Papai está orgulhoso de você.
Quer o animal o tenha entendido ou não, ele finalmente se soltou de seu
algoz e o puxou, deixando rastros brilhantes de sangue no asfalto.
Os outros macacos permaneceram em seu recinto, mas gritaram em
homenagem ao vencedor como se estivessem testemunhando um espetáculo de
gladiadores.
Os músculos de Miguel doíam de tensão enquanto ele observava o
chimpanzé arrastar o corpo de volta para o recinto. O cheiro de sangue fresco e
urina apunhalou suas narinas, mas quando a fera perigosa estava de volta atrás
das grades, ele sentiu-se cair de alívio por ter atacado apenas Markos em vez de
entrar em um ataque sanguinário. Ele atiraria se fosse preciso, mas toda criatura
tinha seu ponto de ruptura, e Markos havia superado o do chimpanzé.
Ele tirou a trava de segurança e tirou a camiseta suada da pele. Oscar
permaneceu imóvel como uma estátua, os olhos cravados na massa de osso e o
cérebro deixado onde a cabeça de Markos havia se desintegrado. Algo pálido se
moveu no escuro, mas quando Miguel enrijeceu, percebeu que era apenas o
menino, que lentamente se afastou na direção deles, limpando o sangue do nariz.
—Talvez vamos encerrar a noite,— Miguel sussurrou, saboreando a doçura
do alívio em sua língua.
Nero bateu palmas, depois agarrou a maçaneta da porta grossa do gabinete
e a empurrou de volta para o lugar. A luz vermelha piscando acima dele
diminuiu assim que a enorme jaula se fechou.
—Eu... o parque abre amanhã... precisamos tirá-lo de lá—, disse o garoto,
gesticulando em direção ao recinto onde o chimpanzé continuava arrastando os
restos mortais de Markos, para deleite da plateia.
Oscar saiu de seu estupor e empurrou para trás os longos cabelos grisalhos
grudados em seu rosto suado. —Então, porra, faça isso!— Seu olhar arregalado
prendeu Nero no lugar. —O que você fez?
—Eu odeio a crueldade contra os animais—, disse Nero, sem demonstrar
nenhum remorso.
Miguel queria estrangulá-lo. —Ele está drogado. Talvez voltemos amanhã,
quando ele estiver sóbrio — disse ele, sem largar a arma. Ele agora sabia o local
de coleta, e se as crianças fossem mantidas aqui durante a noite, Miguel teria uma
chance de alertar os policiais anonimamente. O que quer que Nero tenha levado,
Miguel ficou feliz por ele não ter se juntado, afinal.
Oscar ainda estava ofegante e se encolheu quando ossos quebraram no
recinto dos chimpanzés, mas Miguel não estava interessado no sangue da
mutilação póstuma e não olhou por cima do ombro.
—Fora de questão. O Sr. Moreno insistiu que eles precisam ser levados hoje
à noite,— Oscar murmurou uma vez que se recompôs.
Nero suspirou e fez um gesto largo com os dois braços. —Bem! Onde eles
estão?
Oscar esfregou o rosto vermelho e olhou para o garoto, que ainda
observava a jaula aterrorizado. —Não fique aí parado. Chame o veterinário.
Precisamos de tranquilizante. Muitos disso.
—S-sim,— o menino murmurou e saiu correndo enquanto Miguel e Nero
seguiam Oscar, cujos passos eram visivelmente menos coordenados do que antes.
—Controle-se,— Miguel rosnou para Nero pelas costas do traficante.
—Ele pegou o chimpanzé errado, certo? Eu não faço as regras — disse
Nero, como se não tivesse sido ele quem soltou o macaco.
—Apenas pare de fazer merda estúpida e deixe-me lidar com o trabalho se
você estiver muito chapado para pensar direito. Você vai nos matar. —Miguel
balançou a cabeça, mas parou quando Oscar abriu um barracão de madeira. Lá
dentro, um conjunto de escadas de concreto conduzia ao subsolo.
O estômago de Miguel revirou, mas ele já havia se decidido sobre esse
trabalho e não valia a pena remoer as poucas fibras de moralidade que ainda lhe
restavam.
O porão era de natureza utilitária - uma única sala com um teto tão baixo
que Miguel tinha que andar de cabeça baixa para evitar se machucar. Havia um
cofre e alguns armários com comida enlatada, mas o interior era dominado por
uma gaiola nos fundos.
Inspirando o ar abafado com os odores de suor e medo, Miguel engoliu em
seco enquanto observava as cinco figuras amontoadas no chão atrás das grades.
—Nós os tínhamos preparado—, disse Oscar, apontando para as crianças,
algumas das quais não seriam capazes de ficar em pé em um recinto claramente
destinado a um quadrúpede do tamanho de um gato selvagem. Todos estavam
com as mãos algemadas e sacos pretos na cabeça, como se representassem sério
perigo para os adultos que os manuseavam. O que eles poderiam ter feito?
Mordeu a mão de Oscar? Ou será que ver seus olhos lacrimejantes foi demais até
mesmo para esses capangas?
O olhar de Miguel parou em uma camiseta rosa da Minnie Mouse usada
por uma das garotas. Ele não era bom em avaliar a idade, mas os corpos magros e
desajeitados atrás das grades geralmente pertenciam a crianças no início da
adolescência.
—Tão organizado—, disse Nero, encostado na gaiola, e uma das crianças se
encolheu como um rato ao sentir a presença de um gato.
Miguel queria engolir, mas a saliva não descia pela garganta. Nero uma vez
tentou ajudar uma garota a escapar das garras de Raul e alegou não gostar desse
lado do negócio, mas talvez tenha se tornado menos sentimental nos três anos que
se conheceram.
—Está tudo pago?— Miguel perguntou, e quando Oscar confirmou, Miguel
olhou para Nero, mas o cara estava ocupado perseguindo borboletas imaginárias.
Claro. O trabalho sujo ficaria nas mãos de Miguel.
Ele só podia se perguntar se aqueles adolescentes haviam sido sequestrados
aleatoriamente, entregues por suas famílias para pagar dívidas ou levados como
punição pelas ações de seus pais. A mais nova das cinco irmãs de Miguel tinha
treze anos, a mais velha, vinte. Todos eles prestes a começar suas vidas, mas
afastados de sua família, abusados e jogados em uma cova rasa como se fossem
lixo devido ao desejo de Raul Moreno de fazer de sua família um exemplo.
Havia cinco crianças na jaula, assim como havia cinco das irmãs de Miguel
antes de Raul e seus amigos destruí-las. Miguel já havia se livrado de dois dos
monstros, e não podia decepcionar sua mãe demonstrando fraqueza. Uma vez
que ele derramasse o sangue do Canibal, sua vingança estaria terminada.
Oscar abriu a gaiola com uma chave grande e pegou uma corrente a que
todas as crianças estavam algemadas antes de oferecê-la a Miguel após um olhar
malicioso para Nero. —Lá. Eu vou ficar para limpar sua bagunça.
Uma das garotas soluçou, e Miguel precisou de todo o autocontrole para
não dar uma cotovelada na cabeça de Oscar e puni-lo por todas as vidas que
havia arruinado. Mas ele estava trabalhando para um bem maior, então limpou a
garganta e falou.
—Levantar. Todos vocês querem se livrar dessas correntes mais cedo ou
mais tarde, certo? Vamos indo.— Ele fez uma careta para Nero, que deslizou pela
parede como se eles tivessem tempo para ficar sentados. —Você também.
Acima.—
Nero espreguiçou-se e mandou-lhe um beijo. —Não seja tão sério,
Miguel—, disse ele antes de rolar de quatro e se aproximar dele como um gato
enquanto as crianças esperavam, já de pé como condenados em fila para o
pelotão de fuzilamento.
—Não, você deveria ser mais sério. Levante.— Os adolescentes não iam a
lugar nenhum, então ele largou a coleira de aço e agarrou Nero pelo braço,
puxando-o para cima com força.
Nero se levantou, mas em vez de ficar de pé sozinho, caiu sobre Miguel com
um sorriso cheio de dentes. —Você não precisa fazer isso para estar perto.
—Foda-se, tudo bem?— Oscar rosnou, puxando seu cabelo, que agora
parecia crespo, como se a raiva eletrizasse sua crina. —Eu tenho uma bagunça
gigante para lidar!
Nero fez uma careta, mas deu um passo para trás antes que Miguel pudesse
forçá-lo. —Bem.— Ele fechou os olhos e olhou para as crianças enquanto Oscar
subia as escadas correndo, lavando as mãos de tudo.
Até a proximidade de Nero agora parecia nojenta, porque a cada olhar para
as crianças a temperatura de Miguel caía. Um dia, ele se tornou o réptil de sangue
frio que precisava ser. Esta noite, ele ainda era humano e ansiava pelas meninas,
apesar de saber que faria de tudo para se aproximar de Raul Moreno.
Nero se aproximou de um de seus prisioneiros. Na luz desagradavelmente
fria, sua pele marrom avermelhada parecia desbotada, como se este lugar
drenasse a vida dele também. —Não tenha medo. Você estará de volta com seus
pais em breve. Só não faça barulho.
Mentiras. Mentiras. Mentiras. Tudo para facilitar o trabalho.
Miguel puxou a corrente. Ele pensou em dizer algo sobre Nero ser gay,
sugerir que ele não iria tocá-los, mas qual era o sentido? Mesmo que Nero não
fizesse tal coisa, logo alguém se banquetearia com sua carne jovem, porque
qualquer que fosse seu propósito, tais coisas sempre aconteciam mais cedo ou
mais tarde.
As crianças estavam com muito medo de oferecer resistência e, embora
algumas chorassem, todas tinham idade suficiente para saber que implorar não
funcionaria a seu favor. Cada um que Miguel carregava na traseira de uma van
preparada para esse fim parecia mais um pedaço de humanidade saindo de seu
corpo. Nero, por sua vez, deitava-se em um banco próximo e brincava com o
celular, como se não estivessem dispostos a jogar vidas jovens no fogo do império
criminoso de Raul Moreno.
O desgosto subiu à garganta de Miguel como bílis, mas assim que ele
prendeu todas as crianças em seus assentos e trancou a corrente com um
cadeado, ele os trancou no escuro e olhou para seu chefe.
—Vamos fazer isso.
Nero lambeu os dentes pontiagudos e rolou para fora do banco, mas em vez
de se sentar no banco do passageiro, o andar vacilante de Nero o levou de cabeça
para a porta dos fundos. Miguel exalou, mas quando Nero ganiu como um
menino crescido e esfregou seu rosto, agarrou Nero pelo braço e o conduziu para
a frente da van sem muita ternura. Ele até abriu a porta para ele e teve o prazer
duvidoso de colocar Nero no assento.
Ele tinha coxas firmes, isso era certo. Não que Miguel devesse pensar nisso
a qualquer momento, e especialmente não depois de ter visto o bastardo mentir
para aquelas pobres crianças.
Esta seria uma jornada muito longa.
Nero afundou na cadeira e pegou uma garrafa de limonada do porta-copos.
—Vamos embora.
Miguel não disse mais uma palavra e entrou pelo lado do motorista. Mais
uma razão pela qual ele não deveria ter pensado em se juntar a Nero em seu
frenesi de drogas, não importa o quanto ele quisesse borrar a realidade. Alguém
tinha que garantir que eles não morressem enquanto realizavam essa porra de
trabalho, mas ele se viu incapaz de parar de pensar nas crianças aterrorizadas
trancadas na parte de trás da van.
Ele não foi criado para ser compassivo. Sua mãe o ensinou a ser eficaz e a se
concentrar primeiro em seu propósito, porque os sentimentos matavam as
pessoas. E então ele parou de sentir. Ou pelo menos tentou, porque às vezes o
núcleo da humanidade que de alguma forma ainda restava nele tentava espreitar
através da escuridão em seu coração.
Eles estavam na periferia da cidade e, como era sábado, muita gente estava
em bares e restaurantes, levando uma vida normal, separada da existência
monótona de Miguel. Houve momentos em que ele os invejou e imaginou o que
poderia ter sido, se não tivesse nascido de pais que decidiram assumir o Cartel
Moreno por orgulho.
Mas isso era passado e ele não podia trocar as cartas que recebera.
Então ele fez o possível para clarear a cabeça e se concentrar na estrada
enquanto passavam por um hospital, uma concessionária de carros e lojas em
prédios de dois andares colados como peças de quebra-cabeça que não formavam
uma imagem coerente. Ele estava perto de atingir um estado de não pensar
quando Nero se moveu ao lado dele.
—Foda-se... não me sinto tão bem.
—Talvez você devesse ter pensado nisso antes de usar drogas no
trabalho,— Miguel disse com os dentes cerrados, apertando os dedos no volante.
Ainda faltavam duas horas para chegar ao ponto de entrega e entregar as
crianças ao próximo intermediário de Raul. Eles estavam aqui em primeiro lugar
apenas porque alguém tinha ficado com medo, mas o luxo de desistir não seria
permitido ao filho de Raul. E definitivamente não para seu guarda-costas.
—Ah, vamos, você queria se juntar a mim, então saia desse cavalo alto,—
Nero murmurou enquanto eles dirigiam em direção a altos prédios de
apartamentos que se erguiam acima da rua bem iluminada como monstros com
olhos quadrados brilhantes.
—Tudo bem, eu sou escória como você. Feliz?— Miguel rosnou e buzinou
de aborrecimento quando o veículo da frente parou no meio da estrada para
deixar um amigo sair do carro.
Nero emitiu um som abafado, como se fosse vomitar, mas felizmente
conseguiu se conter. —Obrigado Miguel. Vamos ser escória juntos,— ele disse, e
fechou a mão para um soco.
Mas então seu olhar se moveu para o outro lado da rua, onde os transeuntes
eram iluminados por luzes de fada penduradas entre as copas das árvores. —
Não… não… tenho que ir agora—, disse ele e saiu do caminhão antes de pular
no meio do trânsito, embora houvesse uma construção do lado deles da estrada e
ninguém teria visto Nero esvaziando o estômago se ele se escondesse atrás do
carro em vez de correr em direção às pessoas. Isso era o que as drogas faziam
com as pessoas.
—Porra!— Miguel levantou as mãos para o céu, mas apertou o botão das
luzes de emergência e saiu da van na velocidade da luz. Ele arrastaria Nero de
volta para a van, se necessário. —Eu não me importo se você vomitar na porra do
carro! Alguém vai limpar...
Ele esperou que uma motocicleta passasse e atravessou a rua correndo,
procurando na calçada movimentada o brilho do cabelo neon. Ele abriu a boca
quando viu o homem que era a ruína de sua existência, apenas para congelar de
horror quando reconheceu os uniformes verde-escuros de dois policiais parados
ao lado dele.
Nero dobrou-se ao meio e derramou uma torrente de líquido em seus
sapatos.
O tempo parou e Miguel parou como um cervo preso nos trilhos enquanto
um trem acelerava. Era óbvio que ele seria atingido. A questão era: quanto
custaria sobreviver ao confronto?
Algumas pessoas perceberam a cena e se afastaram apressadas, não
querendo testemunhar a briga que se aproximava, outras passaram, felizmente
sem saber da explosão prestes a acontecer bem ao lado delas.
Um tiroteio em um lugar tão movimentado pode custar muitas vidas.
Miguel levantou a mão e o tempo voltou ao normal quando ele correu, sem
fôlego quando percebeu que ele e Nero tinham suas vidas ilegais gravadas na
carne. —Sinto muito pelo meu amigo! Sua esposa o deixou e ele bebeu demais.
Você entende...
Mas então Nero teve que piorar as coisas. Ele cambaleou para a frente e
agarrou a frente do uniforme do policial com a mão molhada.
O nojo torceu o rosto bronzeado do policial, mas em vez de explodir,
ergueu as mãos e encontrou os olhos de Miguel. Ele era jovem. Muito Jovem. E
também sua parceira, que cobriu a boca, retesando-se para não rir.
—Que diabos? Ele não tinha uma árvore para fazer isso embaixo?
Não era a resposta que Miguel esperava de alguém vestindo um grande
colete à prova de balas e uma arma na cintura. Mas, novamente, esses dois oficiais
eram novatos. Praticamente bebês e deveria ter saído com alguém mais
experiente. Afinal, será que o universo serviu os limões do Miguel com bastante
açúcar?
Nero tossiu e limpou a boca, murmurando um pedido de desculpas.
O rosto do policial de olhos escuros corou quando ele cerrou os dentes,
olhando para sua companheira, e as engrenagens do cérebro de Miguel giraram
em alta velocidade quando ele percebeu que este homem coçava para causar uma
boa impressão nela. Talvez esta fosse uma carta para Miguel jogar?
A policial feminina tinha um rosto doce e redondo, mas embora as
aparências enganassem, se ela fosse do tipo má, ela já teria feito um comentário
desagradável. E não, alguém como ela não teria apreciado seu parceiro
prendendo rudemente um homem bêbado por vomitar nas botas erradas. Teria
mostrado que ele havia se tornado policial pelos motivos errados. E pior ainda -
faltou ver humor na situação.
Miguel viu esses mesmos pensamentos refletidos no rosto do policial, mas
então a boca cheia do homem se esticou em uma linha quando ele se concentrou
nas sobrancelhas de Miguel. De volta à sua pequena cidade no México, Miguel
não costumava interagir com policiais que não estavam no bolso de sua mãe, mas
desde que ele deixou aquele ambiente, ele se arrependeu de ter pequenas caveiras
tatuadas em um ponto de destaque em sua rosto e tornando-se instantaneamente
reconhecível pelo que ele era. Um assassino.
Pode custar-lhe caro esta noite.
Os olhos do policial passaram rapidamente por ele, e ele colocou a mão na
arma ainda embutida no coldre em um sinal universal de estou sabendo de você.
O estômago de Miguel afundou e ele capturou o olhar da mulher. —Que
tal eu pagar uma bebida para você e deixarmos o passado para trás?
Mas ela já havia perdido o sorriso e gentilmente tirou a arma do coldre.
Parecia que Miguel teria que beber uma jarra de ácido afinal.
—Abra a parte de trás do seu veículo—, disse o policial enquanto Nero
ficava ereto e fazia uma demonstração de massagem nos olhos, como se não
tivesse consciência da situação em que os colocou.
O cérebro de Miguel chiava, na grelha de seu crânio, e ele estava dividido
entre sacar a arma e... apenas deixar a polícia fazer seu trabalho. Salve as
crianças. Coloque ele e Nero atrás das grades. Ou talvez apenas atirar neles para
se livrar da escória vil que eles eram.
Mas se isso acontecesse, Raul Moreno continuaria vivo, assim como seu
império do crime. Qual era o sentido de cortar uma das cabeças de Hydra se
outras três brotassem em seu lugar?
—Veículo?— Miguel perguntou, pronto para bancar o bobo, mas Nero
assentiu, apontando para a van.
—Claro. Sinto muito. Só fiquei... uh, confuso,— ele disse, esfregando a testa.
Essa foi a frase de Miguel. Eles não escapariam disso sem um confronto,
mas se ele precisaria enfrentar os policiais com sua carteira ou uma arma, ainda
não se sabia. Pelo menos do outro lado da estrada, perto do silencioso canteiro de
obras, os civis não estariam no caminho se a pressão chegasse.
Miguel lambeu os lábios e tirou as chaves, mas antes que pudesse decidir
como proceder, Nero as arrancou dele. —Siga-me—, disse ele e caminhou até a
van como se suas pernas estivessem tentando ir em direções diferentes.
A policial ergueu o queixo, fazendo com que Miguel se movesse antes de
segui-lo com seu companheiro. A arma dela pode não estar pressionando contra
suas costas ainda, mas ele com certeza já podia sentir seu toque frio. Ela percebeu
o contorno de uma arma de fogo sob o colete dele, ou ele ainda tinha aquela carta
na manga?
Com o estômago cheio de chumbo, Miguel se juntou a Nero, que enfiou a
chave na fechadura de trás e a girou, como se transportassem caixotes de frutas,
não pessoas. Ele estava louco, e ambos pagariam por isso em questão de três...
dois... um...
Nero abriu a van com um sorriso relaxado, que logo se transformou em
pavor teatral. Miguel mal conseguia respirar. À deriva, ele pensou em correr
enquanto os policiais se concentravam em Nero e na carga, mas isso significaria
desistir de sua perseguição a Raul Moreno, e para que mais ele teria que viver
sem isso?
As crianças levantaram a cabeça, como se esperassem ver a luz através do
pano grosso que cobria suas cabeças, e os policiais congelaram em um momento
de total confusão e pavor.
Nero girou na direção deles, erguendo as mãos. —Merda... olha... você nos
pegou, ok? Nós roubamos essa maldita van. Quero dizer, pensei que haveria
ferramentas dentro que poderíamos vender!
O cérebro de Miguel alcançou o presente e, assim que percebeu qual era o
plano de Nero, agarrou-se a ele como um bezerro ao peito da mãe. E embora a
expressividade não estivesse em sua natureza, ele buscou profundamente dentro
de si para conseguir uma performance convincente.
—Jesus Cristo, o que é isso?— ele estalou e agarrou o bíceps de Nero,
dolorosamente ciente do medo que suas vozes altas poderiam causar nas crianças.
—Você disse que era uma aposta segura!
Nero continuou a farsa que era o único bilhete para sair dessa merda. —Só
foi deixado na rua destrancado e com as chaves na ignição. Qualquer um teria
aproveitado a oportunidade!
A policial deu um passo para trás, falando em seu interfone, mas seu
parceiro apenas olhou para os cinco adolescentes algemados ao chão da van
como se fossem gado. Sua pele estava ficando vermelha e ele continuou engolindo
em seco enquanto a mão que deveria ter segurado sua arma por muito tempo
tremia. Ele estava quase se cagando, e Nero reconheceu esse momento de choque
e hesitação como o momento perfeito para atacar.
Ele ficou em um local onde a multidão do outro lado da rua não podia vê-lo
e puxou sua carteira. Um chumaço grosso saiu, ainda preso por um elástico. —Eu
juro que não sei nada sobre isso. Nós iremos, e você pega isso e as crianças. Que
tal isso?
A pergunta tirou o jovem policial de seu estupor e ele apertou o cabo da
arma, aumentando a pressão sanguínea de Miguel.
A mulher se aproximou com a arma de fogo já em punho. —Por que eles
ainda não foram presos?
Miguel balançou a cabeça. —Olha, nós teríamos parado aqui, na sua frente,
se soubéssemos que isso era atrás?
Nero apertou o dinheiro contra a mão do policial. —Apenas diga que
encontrou.
Incapaz de aguentar mais a conversa tensa, uma das crianças chorou,
fazendo com que a mulher se aproximasse e trocasse olhares com o companheiro
em silêncio. O suor grudou nas roupas de Miguel nas costas, mas o maço de
dinheiro desapareceu na manga do policial e ele resmungou: —Foda-se.
Miguel não precisou ouvir duas vezes. Ele agarrou o pulso de Nero e o
puxou de volta para o outro lado da rua, ansioso para ficar fora de vista caso os
policiais mudassem de ideia.
Um carro buzinou para eles quando cortaram seu caminho, mas a essa
altura o perigo de ser atropelado parecia um pequeno incômodo. Nero não
resistiu quando Miguel o puxou por um beco caminhável, cada vez mais longe da
valiosa carga desta noite.
Rostos de pessoas e vitrines passavam diante dos olhos de Miguel enquanto
ele corria, apertando a mão suada de Nero até chegarem a um bairro residencial
tranquilo, longe das ruas movimentadas e das crianças que haviam sido salvas
por pura sorte.
Eles nem conseguiam mais ouvir as sirenes.
Nero cantarolou, e seus dedos deslizaram entre os de Miguel assim que eles
diminuíram a velocidade em um pequeno parque com um playground como sua
principal característica. Quando Miguel recuperou o fôlego e olhou para trás,
Nero já estava sentado em um banco, banhado pelo brilho frio do poste de luz
acima.
O suor cobria sua garganta exposta, e o peito firme bombeava ar enquanto
ele ofegava, descansando depois de sua longa fuga. Nero podia ser uma pessoa
terrível, mas isso não o tornava uma criatura menos bonita.
Com uma estranha mistura de euforia e derrota, Miguel se acomodou ao
lado dele.
—Seu pai vai nos matar.
Nero deixou a cabeça cair para trás enquanto enfiava a mão no bolso. —
Vamos descobrir,— ele disse e olhou para seu telefone enquanto Miguel engolia
suas preocupações, esperando que se ele morresse, pelo menos conseguiria matar
Moreno antes que isso acontecesse.
Em um gesto impotente que não era para ser íntimo, mas de alguma forma
era, ele apertou a coxa de Nero. Talvez tenha sido Nero quem ficou chapado, mas
Miguel deveria tê-lo impedido. Ambos tinham fodido.
A cabeça de Nero rolou sobre a nuca e seus olhos se encontraram em um
momento de tensão silenciosa. Mas então algo rangeu no receptor e Nero falou.
—Acho que temos um informante. Fomos parados pela polícia e tivemos
que abandonar a carga.
Miguel inclinou a cabeça de um lado para o outro. Não foi um policial
ruim. Oscar era traficante profissional e ganhava muito dinheiro com a miséria
das pessoas, então se ele fosse o bode expiatório do fracasso desta noite, Miguel
não sentiria pena dele.
A voz de Raul era fraca, mas Miguel ainda podia ouvi-la. —Eu deveria
saber que você estragaria até mesmo um trabalho tão fácil. Os caras do
zoológico?
—Não posso dizer, mas quem mais sabia disso? Talvez eles quisessem se
livrar de mim?— Nero meditou, abrindo as coxas e empurrando os quadris para
mais perto da borda do banco.
Agora que as crianças estavam livres e seu destino não pesava mais na
consciência de Miguel, Nero parecia sexy novamente, talvez até fodível.
Miguel não era um cidadão honesto, mas a principal razão pela qual odiava
Nero era o sangue moreno que corria em suas veias. Quanto mais ele entendia
que não havia amor entre Nero e seu pai, mais ambivalentes seus sentimentos em
relação a Nero se tornavam. Porque enquanto Nero ainda era um criminoso e
assassino, quem era Miguel para julgar?
—Vou investigar—, disse Raul, apesar de certamente estar fervendo por
dentro. Se ele morresse de AVC, o problema de Miguel estaria resolvido. Não que
ele soubesse o que fazer depois disso, porque que futuro havia para ele depois que
Raul morresse?
—Claro. Tenho fé em seus homens. Especialmente o bonitinho com o...—
Nero disse antes de olhar para a tela. Parecia que a conversa havia acabado.
Seus olhos verdes estavam voltados para Miguel, que percebeu que sua mão
ainda estava pousada na coxa de Nero. Ele o pegou como se nunca tivesse estado
ali e semicerrou os olhos para o outro homem.
—Muito esperto. Para uma bagunça com cocaína.
Nero deu de ombros e seu rosto relaxou em um largo sorriso. —Parabéns,
uau. Acho que o próximo passo é você me pagar uma bebida.
—Eu não vou a um encontro com você,— Miguel disse, sem saber o que
fazer com as mãos agora que não estavam tocando a perna quente.
Nero bufou. —Encontros são para os heterossexuais. Você ainda pode me
trazer aquela bebida, hm?
Miguel exalou em derrota. —Bem. Você salvou nossas bundas. Apenas um,
porém, estou morto de cansaço.
Nero deu um soco como uma criança a quem tinham prometido sorvete e
se levantou, perfeitamente sóbrio.
Capítulo 6
Nero

O PÓ DE VITAMINA B QUE Nero havia tomado antes para se desculpar por


comportamento imprudente foi chamado de cocaína light por um motivo. Quase
duas horas depois, ele ainda sentiu o chute e gritou, passando o braço em volta de
Miguel quando eles saíram do táxi em frente ao Hoola, um bar gay com tema
havaiano que Nero gostava de frequentar.
As crianças estariam livres. O pai ficou chateado. E Miguel parecia um
pouco mais relaxado. Nero considerou esse tipo de noite uma vitória. —Eu quero
algo realmente amargo.
—Por que?— Miguel perguntou, mas não empurrou o braço de Nero.
Progresso? Ou ele estava apenas feliz porque a tarefa que ele detestava o
suficiente para pedir drogas - algo que nunca aconteceu antes - não deu certo?
Miguel era o tipo de homem que sempre terminava o trabalho para o qual
fora contratado, concordasse ou não, mas embora Nero tivesse certeza de que
compartilhavam a aversão pelo tráfico, isso não significava que eles pudessem
falar sobre isso abertamente. As pessoas mentiam e não era como se Miguel se
envolvesse com cartéis por acaso. Ele estava aqui por poder e dinheiro, e uma vez
que a pressão chegasse, ele não arriscaria a ira de Raul Moreno por um cara gay
que constantemente o irritava e desafiava sua sexualidade.
Mas como as drogas falsas forneciam uma desculpa conveniente, a verdade
poderia não ser dita e os dois poderiam aproveitar o alívio das mentiras.
—Já que você é tão doce, preciso de algo para equilibrá-lo—, disse Nero e
piscou, dispensando o segurança com um gesto enquanto eles passavam para um
interior abafado que explodia com música disco e iluminado por luzes coloridas.
—Eu? Que legal? Você ainda está chapado?— Miguel gritou para que Nero
pudesse ouvi-lo.
Isso foi um sorriso contido? A aposta deles ainda estava valendo.
Nero respirou fundo o ar quente rico em uma mistura profana de colônia
masculina e olhou em volta. A equipe era fácil de identificar por seus colares de
flores artificiais, então Nero se aproximou de um dos garçons para perguntar
sobre uma mesa tranquila, mas o cara se afastou como se tivesse sido localizado
pela polícia da moda. O que diabos foi isso?
A sala principal tinha cabines em ambos os lados de um corredor que
levava a um palco baixo, que frequentemente apresentava shows de drag e
karaokê. Mas Nero preferia muito mais a intimidade e a tranquilidade relativa do
outro interior, que ficava além de colunas gêmeas adornadas com máscaras tiki.
Ele apertou o bíceps de Miguel e se inclinou, sussurrando em seu ombro.
—Traga-me aquela bebida. Vou encontrar um lugar para sentarmos.
Miguel suspirou, mas se dirigiu para o bar, sem saber que aquilo era um
teste. Ele daria a Nero o que ele pediu como um bom cachorro, ou ele mexeria
com ele? E se ele comprasse uma bebida doce, seria para irritar Nero ou provocá-
lo? A essa altura, qualquer coisa podia acontecer com Miguel, e era ao mesmo
tempo emocionante e frustrante não saber o que o cara estava pensando.
Miguel usava uma camiseta hoje em vez de seus tops habituais,
provavelmente para esconder o curativo em seu ombro. Ele acabou precisando de
alguns pontos depois da noite anterior, e Nero não pôde deixar de sentir que as
cicatrizes de batalha tornariam Miguel ainda mais sexy. Ele gostava de um
homem que não era apenas um daqueles poser dominantes que agiam duros e
afirmavam ter uma personalidade sombria, mas que começava a chorar se eles
viam uma arma enfiada em seu rosto.
Observou Miguel encostado no balcão do bar sombreado por um telhado de
folhas secas de palmeira, e imaginou que fosse um encontro. Que Miguel olharia
para trás e lançaria um sorriso para ele que acabaria por levá-los a um beco onde
Nero poderia receber seu prêmio por uma aposta ganha honestamente. Mas isso
não estava prestes a acontecer, então ele empurrou a cortina de veludo e entrou
no interior escuro onde o som era suficientemente abafado para manter uma
conversa. As máscaras penduradas em alguns lugares eram a única maneira de
manter o tema tiki, porque com as cortinas penduradas em vários lugares no
lugar de divisórias, a atmosfera aqui o lembrava de um boudoir.
—Oh meu Deus! Nero! Preocupava-me que você estivesse morto! —gritou
uma voz familiar, tirando a mente de Nero de seu prêmio final. Ele piscou,
tentando acostumar os olhos à luz fraca, mas quando Nando se levantou e acenou
com os braços esguios, seu macacão prateado brilhou como uma bola de
discoteca, chamando Nero para a cabine no canto mais distante.
Arturo também estava presente, curvado apesar do sorriso estampado em
seu rosto redondo. —Sim... as coisas saíram do controle da última vez, hein?— ele
perguntou, mas não olhou nos olhos de Nero como se Juan fosse seu melhor
amigo.
—Ele teria me matado se não fosse por Miguel,— Nero disse e sentou-se no
sofá curvando-se ao redor da mesa, movendo-se instantaneamente para mais
longe ao longo do assento para dar espaço para seu companheiro.
Nando sorriu. —Seu cachorro está aqui? Eu latiria por ele. —Ele se curvou
em direção à entrada, como se esperasse ser o primeiro a ter um vislumbre de
Miguel assim que entrasse.
Theo era o terceiro homem presente, mas embora não tivesse estado lá dois
dias antes, sem dúvida tinha ouvido falar dos outros sobre o que havia acontecido.
Ainda assim, ele perguntou, —de quem estamos falando?—
Se Nando era um chá gelado de Long Island, Arturo uma Piña Colada, então
Teo era um gim-tônica. Simples, clássico e um pouco chato. Ele usava jeans e uma
camisa branca com mangas arregaçadas e vários botões na parte superior abertos
para chamar a atenção. A roupa exibia seus atributos - belos braços com uma
camada de cabelo escuro, coxas musculosas e uma cintura fina. Até mesmo seu
corte de cabelo curto parecia utilitário na forma como acentuava seu queixo. Ele
e Nero transaram algumas vezes e, embora eficaz, Teo era tão simples na cama
quanto em qualquer outro ambiente.
—Meu amigo Miguel—, disse Nero, recostando-se na cabine enquanto a
pulsante música de fundo o acariciava onde quer que seu corpo tocasse outra
superfície. —Ele está apenas me trazendo uma bebida.
—Seu guarda-costas—, Nando completou com entusiasmo. —E não estou
surpreso que Nero queira tê-lo por perto o tempo todo.
Teo sorriu e sentou mais perto. —Ele é tão eficaz? Eu ouvi sobre....
Nando bufou. —Porque ele é um bolo de carne quente coberto de tinta.—
Ele se virou para Nero e, como ainda estava de pé, mexeu os quadris. —O pau
dele é tatuado?
Nero deu de ombros. —Não dei uma olhada de perto o suficiente. É como
não poder lamber um doce e ser forçado a vê-lo apenas através da embalagem.
Mas eu vou chegar lá.
Arturo, que até então permanecia meio calado, aproveitou a oportunidade
para falar. —Eu só queria dizer que estou feliz por nenhum de nós ter se
machucado seriamente na noite passada. Tenho certeza que você teve um bom
motivo para... o que aconteceu com Aaron,— ele terminou, baixando o olhar.
Garantindo que ele permanecesse em boas graças. Seguro, mas também
patético. Apesar de todas as falhas e más decisões de Juan, Nero não pôde deixar
de admirar sua lealdade ao mentiroso sujo de Aaron.
—É tudo por conta do Miguel.
—O que há em mim?— Miguel perguntou. Seu olhar escuro absorveu a
pouca luz que os holofotes acima produziam, deixando o foco de Nero nele. A
única maneira de se livrar dessa paixão crescente era fodê-la fora de seu sistema.
E ele precisava fazer isso rápido, porque o estoicismo de Miguel, às vezes
quebrado por vislumbres de um homem diferente escondido lá dentro, estava
bagunçando sua cabeça.
Assim que Miguel passou a Nero uma bebida vermelha com casca de
laranja descansando na superfície, Teo se levantou e estendeu a mão em saudação
para se apresentar.
—Estávamos falando sobre sua bravura na outra noite.
Miguel cantarolava, tomando um gole de sua bebida misteriosa. Escuro,
mas um pouco translúcido, servido em copo largo com cubos de gelo e uma
rodela de limão na borda. Rum e coca?
Miguel parecia mais o tipo de pessoa Bloody Mary, azedo, forte e
intransigente. Nero se arrependeu de não ter pedido aquele coquetel em
particular, mas quando tomou um gole do que estava à sua frente, o sabor
amargo o fez sorrir. Era o que ele havia pedido. Um Negroni amargo. Mas Miguel
não o trouxe em uma tentativa servil de satisfazer seu chefe, como qualquer outra
pessoa poderia fazer. Simplesmente não era de sua natureza foder com as pessoas
e estragar o dia delas sem motivo.
—Ele é o melhor que já tive—, disse Nero, decidindo elogiar Miguel sem
tentar entrar em suas calças.
—Definitivamente o mais bonito,— Arturo disse e deu um tapinha
brincalhão no antebraço peludo de Miguel.
Miguel franziu a testa e olhou ao redor dos homens, exibindo seu
estrabismo característico, que Nero achou cativante. —Tenho certeza de que Nero
geralmente escolhe seus guardas pessoais por sua aparência, mas comecei a
trabalhar para ele por acidente.
Ou melhor, como herança de um homem cuja filial dos negócios de Raul
Moreno Nero havia assumido. Mas Miguel foi um tolo se pensou que Nero não o
teria escolhido, nem que fosse para mexer com ele por diversão.
Teo riu um pouco alto demais e brindou seu copo com o de Miguel como se
já fossem bons amigos. —Eu só posso sonhar com um acidente como esse
acontecendo comigo um dia.
—Altamente improvável, a menos que você acabe em uma situação em que
muitas pessoas querem que você morra—, disse Nero, encontrando o olhar de
Teo.
O silêncio caiu brevemente sobre a mesa, mas Nando foi rápido em mudar
de assunto. —Estamos todos seguros ao lado de Nero, não estamos?
Foi então que Nero se perguntou se gostava daquela gente. Havia momentos
em que ele gostava de estar perto de homens distantes da tensão constante de sua
vida, mas em outras noites, ele achava irritante a falsa sensação de segurança
deles. —Nunca se sabe. E Miguel não pode proteger todos nós.
Teo piscou para Miguel e apontou para seus braços. —Com armas como
essas, sim, estamos seguros.
Miguel deu um meio-meio-sorriso? Ele escondeu com o coquetel escuro na
mão, mas que porra foi essa? Por que Teo estava tendo uma reação imediata
quando Nero estava tentando abrir caminho sob a pele de Miguel por tanto
tempo?
—Ambos são meus,— ele disse, prendendo Teo no assento com seu olhar.
Arturo pareceu entender o que estava acontecendo e pigarreou, movendo a
mão por baixo da mesa, na direção de Teo. Bom.
Mas Miguel, o bastardo, desafiou Nero com um longo olhar como uma
cobra negra prestes a cuspir veneno. —Faço o que quero com eles no meu tempo
livre.
O que não havia muito, mas Miguel ainda tinha que fazer disso a colina
onde ele morreria. Ele preferia aquele pedaço insípido de carne humana trocável,
quando poderia ter Nero se quisesse? Ou foi algum jogo estranho de foda mental
que ele escolheu jogar por razões indiscerníveis?
—Vá em frente, então—, disse Nero enquanto seu cérebro cozinhava,
deixando a menor margem de consciência e autocontrole. —Eu sei que Teo
adoraria sua boca no pau dele.
Teo riu e coçou a nuca, mas não disse não.
O lábio superior de Miguel tremeu. —Estou no relógio, não estou?
O olhar de Nero se concentrou naquele pedaço de pele rosada, na barba por
fazer acima dela e nas formas como ele queria tocá-la com os próprios lábios.
—Desculpas desculpas.
Nando riu. —Posso assistir?
—Claro—, disse Nero, bebendo metade de seu Negroni, mas não era
amargo o suficiente para afastar sua raiva. — Você viu como Miguel estava
ansioso para nos dizer que é dono de si mesmo.
Miguel balançou a cabeça. —Apenas aproveite sua noite. Estarei no bar.
Teo sorriu como se fosse um convite. —Posso te pagar outra bebida?
Miguel sustentou o olhar de Nero como um robô que não precisava piscar e
vivia apenas para foder com as pessoas. —Claro, por que não. Eu não sou tratado
com frequência.
Era como ser pendurado acima de uma fogueira e gradualmente lambido
pelas chamas. Arturo agarrou o antebraço de Teo, tentando fazê-lo ficar, mas foi
pateticamente ineficaz.
—É hora de você ir para casa, Teo—, disse Nero entre os dentes, batendo os
pés no chão em um ritmo cada vez mais rápido.
Teo virou-se para ele com um sorriso de desculpas. —Ah, vamos, Nero. Não
fique com ciúmes. Nós nos divertimos, mas nunca fomos nada...
—Não. Porque você é fraco, mimado e não reconheceria o perigo se
quebrasse seu nariz — disse Nero, deslizando a mão para o fundo do coquetel.
Miguel ergueu as sobrancelhas, e os minúsculos crânios acima de um deles
lembraram a Nero como ele não era nada disso. Como ele enfrentou o perigo e
saiu vivo. Como ele salvou Nero ontem.
Teo gemeu, mas deu um passo para trás. De forma irritante, ele esbarrou
em Miguel como se estivesse buscando segurança no guarda-costas de Nero . —
Não há necessidade de ficar feio sobre isso, ainda podemos brincar em algum
momento.
Nero jogou sua bebida na mesa, espalhando o Negroni por toda parte. O
vidro cortou sua mão quando ele pegou o maior pedaço restante e se levantou,
sentindo a queimação de sua própria respiração ao passar pelo fundo de sua
garganta. —Posso ser muito feio, Teo.
—Uau!— Teo levantou as mãos e finalmente entendeu a dica, os olhos
arregalados como a corça que era, apesar de se transformar em lobo.
Miguel fez uma careta. —Isso é realmente necessário? Você está sangrando
— disse ele, como se Nero não tivesse visto a mancha vermelha escorrendo por
seu pulso.
—Sim, vamos encerrar a noite.— Arturo riu nervosamente e foi o primeiro
a sair pela porta, empurrando Miguel em pânico como se estivesse prestes a
cortar o nariz.
Nando deve ter tido algo mais forte, porque ainda acenou para eles de
passagem antes de Arturo puxá-lo para fora da sala, saindo junto com várias
outras pessoas que não queriam se envolver no drama em sua mesa.
Nero inalou e jogou o copo no chão, olhando para os cortes em sua mão.
Aqueles iriam doer pra caralho nos próximos dias, sempre que ele fizesse alguma
coisa. Ele teria que se masturbar com a porra da mão esquerda, a menos que
Miguel o ajudasse. —Foi você quem provocou. Talvez pense na próxima vez.
—Eu?— Miguel perguntou, e Teo teve a razão de se esgueirar sem dizer
mais nada. Mesmo sua proximidade com Miguel quando o fazia enfurecia Nero.
Esses dois filhos da puta teriam ficado se não fosse por sua intervenção? Ele não
conseguia ler Miguel, e isso o estava deixando louco.
No entanto, Miguel parecia não se incomodar com nada disso, mesmo
quando pegou alguns guardanapos e puxou o copo entre os dedos de Nero, como
se estivesse pegando o isqueiro de uma criança. Mais pessoas migraram para fora
da sala, mas Nero estava muito preocupado com a proximidade de Miguel para
prestar atenção a eles. Para um homem de sangue tão quente, Miguel tinha mãos
incrivelmente frias. No entanto, apesar de sua temperatura incomum, eles eram
grandes e ásperos e podiam trabalhar com uma precisão deliciosa.
—Sim. Por que você flertaria com esse tagarela?
Miguel chupou a língua entre os dentes e recusou-se a encontrar os olhos
de Nero, concentrado em enxugar o corte com o guardanapo. —Eu trabalho para
você. Você não é meu dono. Entendido?
—Você só está tentando me deixar com ciúmes.
O olhar de Miguel, quente como chocolate quente, se voltou para Nero,
cujas entranhas reviraram, fazendo-o sentir-se tonto. —É isso que você está
sentindo?— Ele puxou o pulso de Nero, deixando-o sem escolha a não ser segui-
lo.
—Eu não vou ser desprezado por um cara cuja reivindicação de
masculinidade é o tamanho de seus peitorais e o preço de seu relógio—, disse
Nero enquanto Miguel o arrastava para a sala principal e em direção ao bar.
Um cara musculoso e parecido com um pai estava no palco, falhando em
atingir as notas mais altas em uma música de Cher para a diversão de seus
amigos, mas Nero só se importava com o domínio de Miguel sobre ele. Imaginou
ser jogado contra a parede e Miguel se ajudando pelas costas enquanto torcia seu
braço.
Teria sido tão malditamente quente.
Mas não. Miguel o sentou em um banco de bar e olhou para o barman. —
Ei, traga-nos um kit de primeiros socorros.
O cara abriu a boca com uma careta, mas então viu a mão de Nero e
mergulhou sob o bar para pegar uma pequena caixa de plástico.
—Boa maneira de falar sobre um ex,— Miguel disse e pegou um
guardanapo limpo de uma pilha no balcão.
—Ele não é um ex. E ele sabia que você estava aqui comigo, então se ele não
pode ficar de boca fechada, ele merece o que tem,— Nero retrucou, mas não
resistiu quando Miguel colocou a mão na madeira polida.
O barman pigarreou. —Talvez você possa levar isso para o banhe...—
Quando Nero exibiu seus dentes limados, ele não se preocupou em terminar a
frase e caminhou até o outro lado do bar, deixando-os com a caixa e um copo de
cerveja cheio de água.
—Você é o único ferido—, disse Miguel, concentrado em limpar o corte de
Nero sob a luz quente lançada sobre eles sob o telhado falso de folhas de
palmeira.
—Esse?— Nero riu. —Fui baleado e esfaqueado. Isso não é nada e vale a
pena expulsá-lo.
Miguel balançou a cabeça, mas permaneceu tão sensível que derreteu as
entranhas de Nero. —Vale a pena? Por mais tempo comigo? Estou por perto o
tempo todo.
Ele era, mas esta noite parecia diferente. Como se Miguel realmente
quisesse estar ali ao invés de apenas suportar a presença de Nero.
Nero puxou os dentes pontiagudos para dentro do lábio, contemplando
quando sua atração por Miguel o transformou em uma criança ciumenta. —Não
costumamos nos divertir juntos.
Miguel colocou gaze sobre o corte desinfetado e pegou um curativo. —Esta
noite não foi divertida? Você tem um homem comido por um chimpanzé.
—Você está realmente tentando me dizer que não gostou de ver isso
acontecer?— Nero perguntou, bufando enquanto olhava para Miguel. Mesmo a
dor em sua mão não poderia estragar seu humor. Na verdade, ele se cortaria
novamente se isso significasse que aqueles dedos frios e tatuados continuariam a
tocá-lo.
Miguel assentiu, envolvendo o curativo na mão de Nero. —Recebeu o que
merecia. E agora que você assustou seus amigos e nos divertimos, podemos ir para
casa?
Nero revirou os olhos, apreciando a pressão suave dos dedos de Miguel, que
enviaram formigas para cima de seu braço, para enxamear na nuca. —Não seja
chato. A noite ainda é uma criança. Podemos também beber um pouco mais.
—Você quer beber mais? Comigo? —Miguel fez aquela cara de sofrimento,
como se estivesse prestes a pular de um navio pirata. Nero perdeu seu toque no
momento em que amarrou as pontas do curativo em um nó bem feito.
—O que mais você planejou para esta noite?— Nero perguntou e estalou os
dedos para o barman com sua mão saudável. —Faremos injeções. Se você puder
beber mais do que eu, vamos para casa.
Miguel gemeu. —Bem. Tomei uma bebida virgem, então tenho uma
vantagem.
Nero franziu a testa. —Desde quando você é tão cauteloso?— ele
perguntou e ordenou as bebidas antes de olhar para Miguel na luz dourada que
adicionava um tom de mel aos seus olhos escuros. O balcão estava pegajoso sob
seu toque, o estofamento dos assentos estava gasto e o chão precisava ser
esfregado, mas era assim que ele se sentia mais à vontade. Este lugar era usado e
imperfeito, assim como ele.
Miguel mastigou a resposta. —Já que você tem tendência a se meter em
encrencas.
Nero se aproximou e sua pele queimou onde seu joelho tocou o de Miguel.
Fazia muito tempo que ele não se apaixonava por um homem em particular, mas
ele estava determinado a pegar essa onda e aproveitar a excelente foda que o
esperava quando ela quebrasse.
—Estou começando a achar que deveria me meter em encrencas com mais
frequência.
Miguel revirou os olhos e agarrou o primeiro tiro, mas Nero estava
determinado. Enquanto Miguel bebia, ele também bebia.
Capítulo 7
Nero

MIGUEL HAVIA PERDIDO A COMPETIÇÃO UM OU DOIS COPOS ANTES


DE Nero cair debaixo da mesa. Mas ambos ainda estavam de pé, embora a caixa
de isopor cheia de comida de um vendedor ambulante parecesse uma bola de
boliche na mão de Nero enquanto ele cambaleava pela praça até uma cerca baixa
de pedra que cercava uma estátua.
Miguel não se saiu melhor, arrastando enquanto falava. Se ele pudesse
beber outro copo de tequila para fazer Nero ir para casa, ele o faria. Mas ele havia
atingido seu limite e agora estava sentado curvado para a frente, como se a
comida que comia precisasse ser protegida de saqueadores.
—Isto é tão fodidamente gos...— Miguel murmurou, devorando outra
empanada recheada de carne.
Uma alegre melodia de salsa veio de uma loja próxima, inspirando duas
jovens a dançar em frente a ela, como se vivessem em um comercial de cerveja no
verão. Nero sorriu, servindo-se de uma arepa9 quente. Quando ele balançou no
mesmo ritmo das garotas, seu ombro esbarrou no de Miguel, e ele olhou para o
outro homem, cuja pele tatuada brilhava com a iluminação da rua próxima. Seu
crânio parecia muito apertado em torno de seu cérebro, mas o mundo era bom.
Nesse momento, ele era apenas mais um cara na rua, consumindo comida
gordurosa durante uma noitada. Não é um gângster. Não é o único filho de Raul
Moreno. Não é um criminoso perigoso.

9 A arepa é um prato de massa de pão feito com milho moído ou com farinha de milho pré-cozido nas
culinárias populares e tradicionais da Bolívia, Colômbia, Panamá e Venezuela. É um dos pratos tradicionais e
emblemáticos da Colômbia e Venezuela.
As pessoas passaram. Dois casais estavam sentados ao lado de mesas de
plástico, jogando um jogo que os fazia rir. Três meninos jogavam futebol em uma
rua próxima, apesar de já ter passado da hora de dormir. E ele assistiu. Mas se a
situação mudasse, como muitas vezes acontecia na vida de Nero, ele tinha Miguel
ao seu lado. Eles seriam invencíveis juntos, aconteça o que acontecer.
—Nunca vi seu cabelo destrançado,— ele falou arrastado como se houvesse
purê de batata em sua boca. —É encaracolado? O meu é quando fica comprido.
Miguel olhou para ele com as bochechas cheias de comida como se fosse
um esquilo. Embora ele não sorrisse, seu olhar perdeu a nitidez habitual. —É...—
ele parou como se não conseguisse se lembrar da palavra certa. —Ondulado. É
ondulado. Me dê um pouco disso...— Ele se aproximou e pegou uma arepa da
caixa de Nero. O cheiro de seu corpo, terroso e masculino, abriu caminho até
Nero através da névoa da embriaguez e do forte cheiro de comida frita.
—O meu é excêntrico. Peguei da minha mãe,— Nero disse e esfregou seu
curto cabelo verde antes de se concentrar na caixa no colo de Miguel com um
sorriso perverso. —Vou pegar um dos seus também,— ele murmurou e se
inclinou, empurrando o rosto para as empanadas quentes enquanto imaginava
que o pau de Miguel poderia endurecer tão abruptamente que abriria caminho
para dentro do recipiente. Nero aproveitaria essa oportunidade.
—Não, não, pegue um com carne de porco,— Miguel murmurou,
empurrando a testa de Nero até que seu nariz estivesse fora da caixa perfumada.
Miguel então pegou o pacote quente de comida e enfiou na boca de Nero muito
rápido. Nero cantarolava, encontrando o olhar de Miguel enquanto ele fechava os
lábios em torno do pequeno pedaço do lanche que restava de sua boca antes de
morder. Estava tão suculento!
O mundo girava em torno de Nero enquanto ele se apoiava em Miguel,
mastigando a comida. —Tão bom...
Miguel fechou os olhos enquanto comia. —Minha mãe faz os tacos mais
incríveis. Com carne, feijão e limão, e eles queimariam sua boca, mas tão
deliciosos.
—Quando você comeu os tacos dela pela última vez?— Nero perguntou
enquanto a enorme quantidade de comida descia por sua garganta, absorvendo o
álcool. Ele nunca tinha ouvido Miguel falar sobre sua mãe antes, e ele meio que
assumiu que o cara estava afastado de qualquer família que ele pudesse ter, já
que ele nunca os mencionou.
—Três anos? Quatro?— Miguel abriu os olhos, olhando para uma família
que parava na loja para comprar sorvete para os filhos. —Vou tê-los novamente
um dia. Você não cozinha, não é?
Era uma pergunta tão estranha que Nero riu alto.
—Eu posso cozinhar um ovo, mas nunca precisei aprender.
—Disseram-me que minha esposa cozinharia para nós. Sem sorte até
agora,— Miguel disse com um suspiro, confundindo Nero. O que Miguel estava
tentando dizer a ele?
—Então... por que você não a visita? Sua mãe. Você poderia tirar alguns
dias de férias,— Nero meditou e descansou a cabeça no ombro de Miguel
enquanto mordia sua última arepa. A banana e o recheio de carne derreteram em
sua língua assim que ele começou a mastigar.
Foi bom não ser desprezado como de costume.
—Como se fosse voar com seu pai. Ela mora muito longe daqui e não quer
me ver agora. Eu preciso mijar,— Miguel disse e se levantou tão rápido que Nero
perdeu o equilíbrio e caiu na pedra que ainda estava quente depois de segurar a
bunda de Miguel. Ele fez uma careta quando o último pedaço da arepa
escorregou entre seus dedos e caiu na terra aos pés deles, mas por mais deliciosa
que fosse a comida, ele não queria temperá-la com pontas de cigarro e areia.
—Ei, espere!— Ele se levantou para seguir Miguel, mas o mundo ficou
turvo e ele se viu procurando apoio porque suas pernas não eram confiáveis.
Miguel jogou sua caixa vazia em uma lata de lixo transbordante e agarrou
o braço de Nero como se fosse a coisa mais natural do mundo. —Você tem dez
segundos até eu me mijar.
Nero cantarolou e sentiu seu próprio pênis através de seus corredores. Uma
mulher mais velha que passava na rua virou o rosto, como se o gesto fosse para
ela, mas agora que Nero estava de pé, ele também sentia uma necessidade
crescente de aliviar a bexiga.
—Vamos fazer disso um jogo,— ele disse quando Miguel o puxou para
longe das luzes e através de uma passagem em arco. O ar estava impregnado
pelas latas de lixo aparecendo na sombra, mas além delas havia um quintal
bagunçado cercado por prédios residenciais de cada lado.
—Não se o jogo for você chupando meu pau.— Miguel franziu a testa,
abrindo o zíper da calça jeans no momento em que pisaram nas sombras
dispersas apenas pelo brilho fraco que chegava a eles de algumas das janelas
acima. O som agudo e familiar foi direto para as bolas de Nero. —Você não bebe
mijo, bebe?
Nero tentaria quase tudo uma vez, mas essa não era uma experiência que
ele gostaria de repetir. —Não. Mas que tal vermos quem consegue continuar
mijando por mais tempo? O vencedor escolhe o que faremos a seguir?— ele
propôs, ficando mais quente quando o pau fantasma de Miguel descansou contra
seus lábios aqui mesmo, neste quintal escuro cercado por altos muros que
conduziam o olhar para o céu, como se estivessem no fundo de um poço. Ele caía
de joelhos e passava a língua pelo comprimento grosso enquanto as pessoas nos
apartamentos de cima cuidavam de seus negócios, sem saber que o casal estava
fazendo isso bem debaixo de seus narizes.
Miguel semicerrou os olhos para ele. —Ok, mas merda normal, não coisas
estranhas de sexo.
Coros de anjos ecoaram na cabeça de Nero quando Miguel puxou seu pênis
para fora. Mesmo quando macio, era grosso, escuro e tão sugável que Nero se
imaginou puxando o prepúcio para trás com os lábios para provocar a fenda com
a língua.
Tremendo, encostou-se no ombro de Miguel e baixou as calças, pronto para
regar o canteiro que corria ao longo da parede. A julgar pelo cheiro de amônia
pairando no ar quente, eles não foram os primeiros a aparecer aqui para um
alívio rápido.
—Claro. E as coisas de sexo normal?— ele riu, tentando controlar sua
crescente ereção.
—Não. Preparado? Vai.
Miguel soltou um forte jato de mijo, levando Nero a fazer o mesmo. O jogo
era tão bobo que Nero se sentia como uma criança de novo, apenas brincando
com seus amigos e sem saber dos terrores que ainda estavam por vir.
Estava bem.
—Eu bebi demais,— Nero murmurou, concentrando-se na melodia da
bachata10 vindo do outro lado do quintal enquanto o mijo deles sussurrava no
escuro como um prelúdio para algo mais.
—Oh sim? Você está admitindo a derrota? —Miguel perguntou, embora
fosse ele quem balançasse para o lado e cujo fluxo estivesse enfraquecendo.
—Nunca—, disse Nero e se forçou a esvaziar a bexiga em um ritmo mais
lento, porque ainda não estava pronto para terminar o encontro. —Eu quero ir
para onde esta música está tocando.
Miguel se apoiou contra a parede bufando, mas ficou claro que havia
perdido, pois a última gota ainda segurava a ponta de seu pênis como uma
bandeira de rendição. Ele suspirou tão profundamente que Nero esperava que seu
corpo murchasse e caísse no chão.
—Porra. Bem. Talvez eles tenham mais comida lá.
Nero soltou seu mijo restante em um jato alto. —O que é Miguel?
Crescendo fraco? Quer que eu alimente você? —ele perguntou e bateu o ombro
contra o de Miguel antes de se aconchegar.
Miguel gemeu e o empurrou para longe, seu pau ainda pendurado para
fora da braguilha como um prêmio que Nero não tinha permissão para
reivindicar. —Só se o seu pau for feito de churros.— Ele franziu a testa. —
Imagina um churro do tamanho de um pau…
Nero pôs a mão na cintura de Miguel e o empurrou pelo pátio, até o portão
do outro lado, que os levaria para mais perto de onde vinha a música. —Um

10A Bachata também conhecido com seresta, é um gênero musical e uma dança originada na República
Dominicana na década de 1960. Considerada um híbrido do bolero com outras influências musicais como o
chá-chá-chá e o tango.
churro moldado depois do seu poderia me dar diabetes, mas eu ainda teria. Vem
com recheio de creme?
Miguel bufou, mas finalmente percebeu que seu pau ainda estava para fora,
porque ele fechou o zíper. —Você é um porco. Como se você não tivesse comido o
suficiente esta noite.
—Foi você quem queria mais comida—, disse Nero, tentando andar direito
enquanto pressionava a maçaneta de ferro da pequena porta em uma ala do
portão e cambaleava para uma praça iluminada com tanta intensidade que
parecia encontrar a luz do dia. As grossas paredes do prédio de apartamentos
devem ter bloqueado a maior parte do barulho, mas agora que eles entraram na
praça de paralelepípedos cercada por árvores e casas de dois andares, era como se
tivessem caído em uma realidade diferente. Tudo estava banhado pelo brilho das
lanternas, o ar cheirava a açúcar e os casais dançavam entre mesas de plástico
repletas de comida e bebida.
Nero sorriu, puxando o braço de Miguel. —Vamos dançar!
Miguel gemeu e ficou parado. —Vá em frente, eu vou assistir.
Nero balançou a cabeça. —Ganhei o concurso de mijo e exijo que
dancemos.
Ele podia ver os cálculos na cabeça de Miguel refletidos em seu rosto
quando a música mudou para algo bem menos divertido. Mas enquanto algumas
pessoas deixaram a área de dança, outras se levantaram, já se juntando para
alguns lânguidos minutos de tango.
—Você pode seguir?— Miguel perguntou, confundindo Nero, que apenas
inclinou a cabeça.
—O que?
Miguel ergueu o queixo e, embora não estivesse tão estável como sempre,
ainda afetado pela bebida que haviam bebido, parecia orgulhoso. —Você está
falando com o campeão regional de tango para crianças de sete a dez anos. Eu
não estou dançando a menos que você siga.
Seria possível ficar ainda mais embriagado apenas com as palavras de um
homem? Claramente era, porque os joelhos de Nero ficaram cada vez mais moles.
—Ah, eu posso ver você em um pequeno smoking. Você deve ter sido adorável,—
Nero disse e ofereceu-lhe a mão.
Houve um borrão no rosto de Miguel, e Nero não tinha certeza de quão
equilibrado ele poderia estar em seu estado atual, mas quando Miguel agarrou
sua mão e colocou a outra nas costas de Nero, puxando-o para perto em um
movimento tão decisivo que as lanternas giraram em espiral sobre a cabeça de
Nero como estrelas cadentes.
O que. No. Inferno. Era esse cara?
Nero não dava a mínima para uma mulher rindo por perto, porque
enquanto sua dança de escolha era apertar um cara ao som de reggaeton, ele
estava rapidamente se tornando um amante do violino. E como se Miguel guiar
seus passos não fosse estranho o suficiente, o olhar sombrio não deixou o seu
quando Miguel colocou a mão de Nero em seu ombro. A música fluía lenta o
suficiente para tornar controlável seguir sua liderança, mas sem conhecer os
passos, ele era uma marionete nas mãos de Miguel e se viu dando um giro que
não pretendia. O mundo embaçado continuou girando ao seu redor quando as
mãos frias de Miguel o puxaram para perto, em um aperto firme que não refletia
a quantidade de tiros que Miguel tinha feito anteriormente.
A mente bêbada de Nero não conseguia acompanhar, e quando o peito de
Miguel pressionou contra o dele, ele mal conteve o impulso de ficar na ponta dos
pés e reivindicar o beijo que ainda não havia merecido. Quando Miguel avançou,
Nero deu dois passos para trás, e quando estavam tão próximos um do outro,
parecia o movimento mais natural que alguém poderia fazer. Simplesmente
funcionou, e com Miguel no comando, eles deslizaram sobre as pedras como uma
torrente. Sem fôlego, Nero flutuava apenas por causa de seus braços fortes,
totalmente inconsciente de qualquer coisa além de seu abraço, como se os dois
tivessem flutuado no céu, para se juntar às estrelas.
Nunca antes ele havia sido segurado assim. Seus sentidos ferviam a cada
passo que Miguel o instava a dar, e quando um calor indesejado se acumulou em
suas bochechas, ele pressionou o rosto no pescoço de Miguel, cheirando a mistura
de colônia e suor que o deixava cada vez mais embriagado. Guiado pela música e
pelo homem que não poderia ter, ele era impotente nessa dança que não era para
ser executada com tênis Nike laranja neon.
No momento em que as doces notas do violino ficaram mais altas e intensas,
girando em torno dele como xales de seda, ele não pensou muito na maneira
como Miguel o tirou do abraço para outro giro de tirar o fôlego. Seu coração
dançava mambo, mas parou no momento em que Miguel o trouxe para perto
novamente e desta vez colocou a mão de Nero em sua própria nuca. Antes que
Nero pudesse respirar, Miguel se inclinou para frente no crescendo da música e...
o largou . Ele enrijeceu, pronto para a dor, mas o braço musculoso em suas costas
o segurou antes que sua cabeça pudesse se chocar contra a pedra.
A sensação de perigo deixou Nero tenso, mas Miguel o segurou firme, como
se quisesse provar que podia proteger Nero. Que sua força era confiável. Que ele
iria cuidar dele, e que uma vez que eles fodessem, ele teria tanto autocontrole
quanto ele exibia agora.
Era tão malditamente sexy, como uma transa sem a necessidade de tirar
nenhuma roupa, e a intensidade dos olhos castanhos escuros despindo-o
enquanto ele ainda pendia de cabeça baixa transformava seu sangue em desejo
líquido.
A pele de Nero antecipava o toque de Miguel, e cada vez que seus dedos se
moviam contra a pele suada, era como ser tocado pela primeira vez.
Confuso. Perigoso. No entanto, tão delicioso Nero não sonharia em parar
Miguel.
Ele estremeceu quando uma gota de suor caiu da ponta do nariz de Miguel
e atingiu seu lábio. Lambeu a gota salgada com a mesma ânsia com que se
empanturrava de todo o corpo de Miguel.
A realidade se chocou com essa fantasia quando Miguel o puxou de volta
ao som de algumas palmas que logo foram abafadas por vaias.
Ele olhou em volta, atordoado e ainda segurando a mão de Miguel, para
avistar um homem de meia-idade em uma camisa branca cuidadosamente
enfiada em calças, balançando a cabeça para eles.
—Não é uma festa para o seu tipo,— o estranho disse com um distinto
sotaque argentino. —Há crianças que ele...— Ele deu um rápido passo para trás
quando Nero mostrou a ele seus dentes pontiagudos.
O resto da multidão não parecia incomodado o suficiente para se juntar ao
confronto, e o medo do homem até rendeu algumas risadas antes que uma jovem
com um vestido colorido surgisse entre as mesas e puxasse sua manga enquanto
balançava a cabeça.
—Pai, eles estão apenas dançando.
—Eles podem dançar em outro lugar! É meu aniversário e não quero ver
isso.
Miguel abriu os braços e apontou para Nero. —Bem, é dele também!
O homem empurrou a filha para o lado, ficando vermelho sob a barba
grisalha. —Então organize sua própria festa. Para seus amigos!
Nero soltou Miguel com uma raiva crescente. A música parou no meio da
próxima bachata, deixando espaço para cada palavra que não deveria ser dita. —
E esta é a porra de uma praça pública e todo mundo tem o direito de estar aqui.
Você não quer ver pessoas como eu? Que tal você convidar seus convidados para
seu minúsculo apartamento, seu pedaço de merda homofóbico,— ele rugiu e
agarrou a cadeira vazia que estava próxima. A jovem deu um passo à frente do
mal-educado filho da puta, como se sua presença pudesse protegê-lo da fúria de
Nero Moreno. Alguns dos homens avançaram, mas nenhum se atreveu a chegar
perto o suficiente para receber um soco, como se reconhecessem o que
significavam as tatuagens de Nero e Miguel.
Em um momento de fúria sem sentido, Nero jogou a cadeira em uma mesa
com bolo, mas os braços fortes que ele agora conhecia muito bem o agarraram
por trás antes que ele pudesse atacar o rude aniversariante. Miguel o pegou como
se fosse uma criança fazendo birra e o puxou para longe dos convidados da festa.
—Feliz aniversário, boceta,— Miguel gritou, mas arrastou Nero para longe
das lanternas brilhantes, levantando-o do chão cada vez que o temperamento de
Nero o dominava.
Ninguém o seguiu.
Nero não parava de se debater até que foram engolidos pelas sombras de
uma rua que mal dava para passar um carro pequeno. Ele soltou um rosnado
baixo, mas não tentou se libertar e deixou Miguel levá-lo para mais longe.
—Fodidos! Não posso acreditar nessa merda,— Nero disse, agarrando os
antebraços de Miguel enquanto ele respirava fundo em uma tentativa de se
acalmar, embora as rajadas de embriaguez que percorriam seu cérebro não
estivessem ajudando.
Algo muito bom estava acontecendo ali. Que porra? Se ele perdesse um
beijo alucinante por causa daqueles idiotas, ele voltaria com uma metralhadora.
Miguel virou a cabeça e... ele acabou de rir?
Nero se aproximou para dar uma olhada em seu rosto no escuro, mas o
bastardo cobriu metade dele com a mão.
—Você está... trapaceando?— Nero perguntou, surpreso.
Miguel olhou para ele com uma expressão alheia. —Em quê?
Ele sabia muito bem.
—Você riu.
—Não, eu não fiz.— Ele mostrou a Nero aquele rosto vazio que ele havia
aperfeiçoado tão bem. —Nós realmente deveríamos ir para casa agora,— ele disse
como se eles não tivessem compartilhado um momento enquanto dançavam.
—De jeito nenhum,— Nero disse e se aproximou, até que seu peito mais
uma vez pressionou o de Miguel. A centelha de excitação estava de volta,
queimando em suas veias e criando um zumbido no fundo de seu cérebro.
Miguel apontou para um bar na estrada. —Acho que voltamos ao desafio
da bebida então. Tem certeza de que não prefere ir para casa?
Nero revirou os olhos e colocou as mãos nos quadris de Miguel. —Você iria
para o seu quarto, porra. E não quero ver os Correa ou ouvi-los divagar sobre o
último jogo de futebol.
—Vamos ver se você consegue mais alguns tiros—, disse Miguel com um
aceno de cabeça, mas em vez de seguir pela rua, ele conduziu Nero colocando o
braço em volta de seus ombros. Seu comportamento era confuso, mas ambos
estavam bêbados demais para se importar de qualquer maneira.
A noite parecia acalmar lentamente, pelo menos nesta rua, porque a única
outra pessoa por perto era uma mulher sussurrando algo para um amigo
debruçado em uma janela do segundo andar. Mas o bar ainda convidava os
clientes com um néon piscando em forma de taça de martini.
Nero rolou a nuca sobre o antebraço de Miguel para olhar seu rosto. Ele se
perguntou se mudar de posição poderia fazer o outro homem reconsiderar em
abraçá-lo, mas após um momento de reflexão, ele colocou a mão nas costas de
Miguel.
Ele se sentiu estranho. E não era o álcool. —Você é um bom dançarino.
Embora eu admita que não esperava que um mexicano gostasse tanto de tango.
Miguel balançou a cabeça e um sorriso apareceu em seus lábios.
—Oh, minha mãe não queria que eu fizesse isso. Eu fugia quando minhas
irmãs iam para as aulas de salsa. Apaixonei-me pela dança e implorei ao meu pai
para me deixar. Assim que ele concordou, minha mãe também cedeu. Mas parei
de ir atrás - não importa. Estou feliz que você não pode dizer que eu não tive
nenhuma prática nos últimos vinte anos.
Nero riu, aproximando-se de Miguel, apesar de não ter mais certeza do que
queria dele. Obviamente uma foda. Mas não era como se eles fizessem isso em um
pequeno bar que cheirava a cigarro e bebida derramada. Ele saiu do abraço
quando eles entraram no interior monótono. Tinha paredes pretas cobertas com
vários pôsteres e a clientela consistia em pessoas com camisetas de bandas e
jaquetas de couro, mas tão tarde da noite o número de clientes era escasso.
Uma parte de Nero sabia que ele já tinha bebido bastante, mas quando os
dois se acomodaram no canto mais escuro do estabelecimento com dois copos de
uísque puro, e ele sentiu a coxa de Miguel contra a sua, ficou feliz pela forma
como a bebida ardia sua língua.
Miguel gemeu e seguiu seu exemplo, inclinando-se sobre a mesa. Na luz
fraca, suas tranças brilhavam como duas cobras, e Nero teve a estranha vontade
de passar a ponta do dedo sobre a risca de seu cabelo liso.
Miguel balançou a cabeça depois de um grande gole da bebida. —Por que
você fodeu com o trabalho hoje à noite?— ele perguntou do nada, atordoando o
cérebro infundido de álcool de Nero.
O uísque rodou no copo, prestes a sugá-lo sob a superfície. Afinal, Miguel
não havia sido enganado.
Nero sorriu e se aproximou, flutuando nas ondas suaves de bebida. —Fiquei
doente e vomitei na pessoa errada—, ele ainda disse, embora tivesse mirado nos
policiais de propósito.
Miguel costumava se afastar quando Nero tentava se aproximar, como se
isso fosse a coisa natural a se fazer. No entanto, algo havia mudado nos últimos
dois dias e Nero não conseguia identificar o que era. Os longos cílios negros de
Miguel pendiam baixos sobre os olhos, mas seu olhar ainda perfurava Nero com a
insistência de um cachorrinho faminto procurando o peito de sua mãe. Música
rock tocava ao fundo, tornando a conversa privada, e a pouca luz do bar apenas
estimulava a sensação de intimidade entre eles.
—Você pensou?— Miguel sussurrou, erguendo as sobrancelhas enquanto
colocava o queixo no ombro de Nero.
Nero desviou o olhar, olhando para os círculos pegajosos deixados na mesa
por copos de cerveja. O que Miguel faria se descobrisse a verdade? Ele poderia
tentar passar isso para o pai e, independentemente de Raul Moreno acreditar nas
afirmações de um homem que era novo em sua organização, uma sombra de
dúvida permaneceria em Nero por muito tempo.
Mas então Nero se lembrou de como Miguel arriscou a vida para salvá-lo, e
a dança que ainda o fazia se sentir estranho por dentro, e ele não conseguia
imaginar Miguel trabalhando contra ele por mais dinheiro ou subindo na
hierarquia.
—Não. Eu fiz de propósito.
Miguel suspirou, olhando para um pôster do Metallica pendurado sobre
uma mesa vazia que ainda tinha uma multidão de copos sujos no meio. —
Poderíamos ter morrido. Mas acho que conseguimos. Achei que a polícia ia tentar
nos prender, e teríamos um tiroteio ali mesmo, naquela rua. Mas aquela mentira
sobre roubar a van foi inteligente.
Nero deu de ombros, porque sim, poderia ter corrido mal. Mas por que se
preocupar com o passado quando as coisas acabaram dando certo? Teria sido
mais inteligente não confiar em Miguel também, mas até agora ele provou ser
leal. E se ele eventualmente se revelasse como uma cobra, Nero provavelmente
não teria tempo suficiente para se arrepender. A morte poderia levá-lo a
qualquer momento, e ele fez as pazes com isso.
Ele inalou o forte aroma amadeirado do uísque e bebeu tudo o que restava
no copo. Ele já podia sentir uma ressaca se aproximando, mas não se importava.
—Minha mãe foi traficada. Essa é a única razão pela qual ela me teve.
Miguel assentiu com uma expressão sombria. —É um negócio feio. Não sou
um cavaleiro branco, mas evito isso sempre que posso. Estou feliz por você ter
feito aquela façanha hoje à noite, mesmo que seu pai chova merda sobre nós por
isso. Suponho que sua mãe não esteja mais por perto?
Nero deu de ombros, olhando para o copo vazio, que se recusou a dar-lhe
mais álcool magicamente. —Eu nunca a conheci e nunca vi nenhuma foto. Ouvi
dizer que ela foi enganada, e papai gostou da aparência dela, então... você sabe o
que aconteceu. Ele prometeu que a deixaria ir se ela lhe desse um filho. E ela
conseguiu,— ele murmurou, de repente sentindo frio. Ele costumava ficar
ressentido por ela o ter deixado, mas à medida que crescia, as motivações dela
tornaram-se dolorosamente claras. Por que ela ficaria para uma criança que ela
não queria em primeiro lugar?
—Quem não fugiria de Raul Moreno se pudesse, não é mesmo?— Nero
perguntou com uma risada e cutucou Miguel com o cotovelo.
Miguel bebeu o uísque para acompanhar Nero, mas sua cabeça balançava
de um lado para o outro, como se não conseguisse mantê-la reta. —Não posso
culpá-la. Pelo menos fizemos nossa boa ação e podemos adormecer dizendo a nós
mesmos que não somos monstros completos.— A nota amarga em sua voz sugeria
que ele não acreditava que fosse esse o caso.
Nero brindou com seus copos. —Nós dois somos canalhas.
Miguel o observava com olhos escuros, que só de perto revelavam que eram
castanhos e não pretos. Ele se inclinou, e o cheiro de uísque em seu hálito quente
fez a pele de Nero ficar arrepiada.
Eles se beijariam. A qualquer segundo agora. E embora Miguel não se
lembrasse disso amanhã ou negasse, Nero poderia mantê-lo em sua memória pelo
tempo que quisesse.
Mas assim que Nero abriu os lábios em convite, o corpo de Miguel caiu e
sua cabeça escorregou do ombro de Nero, caindo de cara em seu colo como se a
missão de Miguel, mesmo em um sono bêbado, fosse induzir bolas azuis.
Nero queria uivar, mas isso chamaria a atenção e o impediria de desfrutar o
peso do corpo de Miguel em paz. Com um suspiro de frustração, passou o dedo
pela risca do cabelo de Miguel.
Capítulo 8
Miguel

A CABEÇA DE MIGUEL ERA UMA LATA de parafusos enferrujados.


Seu estômago - um pântano.
Mas ele estava deitado em lençóis macios, com um corpo quente
pressionado contra suas costas.
A dor disparou em seu peito quando ele parou de respirar, mas seu coração
não conseguia manter a calma e disparou como se estivesse sendo perseguido por
uma matilha de lobos. Miguel abriu um olho, mas ficou parado, tentando
descobrir onde estava e o que havia acontecido. Ele tinha saído para beber com
Nero, e a noite deles era um álbum de recortes confuso de tudo, desde eventos
aleatórios na rua até mijar no escuro.
Todas as suas roupas ainda estavam vestidas, então o que ele estava fazendo
no quarto de Nero?
Seu olhar varreu o travesseiro rosa com estampa de zebra e o grafite
familiar na parede enquanto sua pressão sanguínea subia, causando uma
pulsação rápida em suas têmporas. Se ele estivesse aqui, com braços quentes e
musculosos apertando-o, poderia ter feito algo... lamentável?
Ou, pior ainda, Nero fez algo com ele? Algo que ele não conseguia se
lembrar? Seu estômago encolheu e a bile subiu em sua garganta quando ele
percebeu que haveria pouco que ele pudesse fazer se tivesse sido violado... de
alguma forma. Se Nero tivesse aceitado apesar de saber o que Miguel pensava de
fazer sexo com ele, teria sido uma prova de que o outro homem era exatamente
quem ele se apresentava. Traiçoeiro e desprovido da profundidade que Miguel
estava começando a ver nele. Mas se algo tivesse acontecido de fato, e Miguel
escolhesse a violência em uma fúria impotente, ele perderia o progresso que
havia feito em sua busca para matar o assassino de seu pai e irmãs. Na sua idade,
ele deveria saber que não deveria beber mais.
O chilrear dos pássaros entrava pela porta aberta da sacada, não lhe
trazendo sossego. Engolindo o sabor ácido em sua boca, ele olhou para o braço
escuro e tatuado sobre sua forma e estremeceu antes de tentar rastejar para fora
do abraço.
Apertou em torno dele imediatamente, e um rosto quente pressionou contra
a nuca de Miguel, forçando um pequeno gemido de pânico.
Ele congelou, envergonhado de fazer o som, mas Nero cantarolou antes que
ele pudesse falar.
—Pare de se mover,— ele falou lentamente e empurrou seus joelhos com
mais força contra a parte de trás das coxas de Miguel.
—O que você fez?— Miguel murmurou, congelado, mas superaquecido. Ele
se lembra de segurar Nero contra ele e envolvê-lo em um tango em uma festa
cheia de estranhos. Ele dançou com Nero Moreno e viu seus olhos brilharem. Ele
até gostou de fazê-los tão brilhantes.
Que porra havia de errado com ele? Ele não deveria ter tais emoções. E
definitivamente não se envolvessem o filho de Moreno.
Nero grunhiu e apertou Miguel mais perto. —Fomos a uma loja de fantasias
e nos vestimos de cachorros, e então corremos atrás um do outro pelo parque. E
então você me fez sua cadela no cio ao amanhecer enquanto olhávamos para o
sol nascente.
—O que?— Miguel fez uma careta e saiu do abraço apesar da resistência
de Nero. Ele caiu no chão, mas isso foi um progresso em comparação com abraçar
um homem em sua cama. —Você está falando merda,— ele gemeu, mesmo que as
imagens em sua cabeça tenham se borrado em algum momento, e ele não
conseguia se lembrar de como eles chegaram em casa.
Nero riu, rolando para mais perto da beirada da cama para poder olhar
para Miguel de cima. Seus olhos estavam inchados e vermelhos, e sua pele
brilhava de suor, mas ele ainda sorria como uma hiena enlouquecida. —Não,
Miguel, aconteceu totalmente. Você foi um cavalheiro quando me levou para
comer espaguete e me deu aquela última almôndega.
Miguel semicerrou os olhos, esfregando o joelho dolorido. —Aposto que
também nos pegamos chupando o mesmo pedaço de macarrão. Me dá um tempo.
As sobrancelhas de Nero se ergueram e ele balançou o dedo na direção de
Miguel. —Você lembra! Ah, Miguel, você é tão romântico.
—Você pode contar para minha esposa um dia enquanto todos nós rimos
disso—, disse ele, para se restabelecer como um homem hétero, embora ele e Nero
soubessem que era um monte de besteira. Ele balançou a cabeça enquanto lutava
contra a gravidade em um esforço para se levantar. Os fragmentos da noite
passada surgiram em sua cabeça como uma espécie de pesadelo delicioso. Ele não
conseguia se lembrar da última vez que ficou tão bêbado. Ou tinha se divertido
muito para esse assunto.
A culpa o comia como uma família de ratos famintos enquanto ele se
ajoelhava, tentando se orientar enquanto a sala girava ao seu redor como um
carrossel em alta velocidade. Ele não deveria estar se divertindo quando seu pai e
suas irmãs jaziam em uma sepultura fria, esperando que ele se vingasse de Raul
Moreno. Fazia dezoito anos e, ainda assim, ele provou ser uma decepção.
Nero gemeu. —Típico. Casa-se com uma mulher, mas o que ele quer
mesmo é vestir uma fantasia e transar com um homem no mato.
—Eu não coloquei a porra de uma fantasia de cachorro.— Ele tinha
noventa por cento de certeza disso. —E eu não fodi com você,— ele acrescentou,
embora tenha se virado para checar o zíper. As únicas coisas que faltavam em seu
corpo eram botas e sua arma.
—Você fez—, disse Nero com convicção despreocupada, como alguém
discutindo a realidade com um bêbado, o que Miguel definitivamente estava
nessa situação. —Você vestiu a fantasia e montou em mim por trás, e fez aquela
coisa toda de empurrões de velocidade...
O rosto de Miguel esquentou enquanto ele vasculhava seu cérebro em
busca de memórias. Ele era o culpado por olhar nos olhos de Nero e colocar o
braço sobre os ombros do cara quando não precisava. Mas ele não se lembraria
do corpo de Nero contra o dele? Pele suada em seus lábios, os gemidos de Nero e
seu pau enterrado profundamente...
—Não houve empurrões!— Ele agarrou seu estômago quando suas
entranhas se contorceram em um doloroso acesso de náusea.
—Ai.— Nero fez uma careta e apertou seu braço. —Você ficou pior do que
eu, hein?— ele perguntou, balançando sua cabeça verde enquanto se sentava.
—Nunca mais vou beber com você!— Ele se levantou, mas teve que cair na
poltrona estilo trono de Nero quando sua cabeça girava de dor.
—Ah, não fique assim. Nos divertimos. Você sabe que nós fizemos,— Nero
disse, deslizando os pés no chão e massageando as têmporas enquanto seus olhos
permaneciam fixos em Miguel.
E ele não estava errado. Miguel não era o tipo de cara que gostava de se
divertir, mas a noite passada tinha sido uma felicidade. Ele até teve que esconder
o riso em um ponto para não perder a aposta estúpida com Nero.
Eles não trepavam, Miguel tinha certeza, mas ele havia tocado no cara de
bom grado e gostado.
—Foi... uma forma de passar o tempo,— ele disse, esfregando a parte de trás
de sua cabeça contra o estofamento de pelúcia do 'trono' enquanto suas mãos
descansavam nos apoios de braço cobertos com tinta dourada brilhante.
Nero pegou uma garrafa de água no criado-mudo e jogou a cabeça para
trás, engolindo gole após gole. Ao sol da manhã, o desnível da pele do tronco e do
estômago era impossível de ignorar, e a grande escarificação da superfície dava-
lhe a impressão de que os jacarés tatuados na sua carne eram reais e prestes a
lançar-se sobre Miguel. E os anéis de ouro em seus mamilos? Miguel não deveria
olhar para eles de jeito nenhum.
Mas, apesar de seus braços largos e músculos firmes, Nero parecia pequeno
demais para aquela cama enorme, como se faltasse outra pessoa ao lado dele.
—Vou contratá-lo como meu professor de tango—, disse Nero e colocou a
garrafa na testa.
O calor passou pelo rosto de Miguel, e ele não conseguiu mais encarar
Nero, concentrando-se nos caixões adornados com caveiras tatuadas em suas
próprias mãos. Isso era o que ele era agora. Morte e destruição, nada divertido.
—Eu não sou bom a menos que seu cérebro esteja encharcado de tequila,—
ele murmurou, questionando o que o levou a confraternizar com Nero na noite
passada. Ele contou ao bastardo muito sobre si mesmo, e provavelmente não se
lembrava de tudo. Ele não poderia ter revelado seu plano de vingança, poderia?
Nero bufou. —Claro que não, campeão júnior de tango.
Miguel descansou o rosto nas mãos. —Eu te disse isso, não disse?
Nero parecia pronto para continuar quando o toque que Miguel já
aprendera a associar a Raul Moreno irrompeu em seu bolso.
Ambos congelaram, e o sorriso caiu da boca de Nero quando ele pegou o
telefone e atendeu a ligação.
—Sim?
Miguel não conseguiu ouvir as palavras exatas, mas Raul estava puto.
—Eu entendo—, disse Nero, a jocosidade anterior desapareceu de sua voz
como uma imagem colorida apagada por tinta. Até Nero, que era tão ultrajante e
afirmava fazer o que quisesse, enrijeceu ao falar com seu pai. Como se perdesse
todos os aspectos de sua personalidade que o tornavam um indivíduo tão único ao
ser tocado pela sombra de Moreno.
Seus olhos verdes encontraram os de Miguel, e ele entregou a garrafa de
água enquanto ouvia qualquer discurso que Moreno estava fazendo. Um presente
para o qual Miguel não recusaria, porque sua boca estava seca como lascas de
madeira.
A ligação poderia demorar muito, então depois de engolir metade da
garrafa, Miguel se forçou a se levantar e apontou para o banheiro. Ele poderia
muito bem tomar um banho rápido enquanto isso e se transformar em menos um
vegetal.
Nero assentiu e fez um bico com a mão, juntando-o para zombar do pai. —
Sim. Eu vou,— ele murmurou.
Miguel entrou no banheiro, deixando Nero para trás, mas ainda cheirava a
si mesmo, um pouco constrangido por sua proximidade anterior. Uísque, suor e
apenas uma pitada da colônia de ontem agarrada à sua carne e top. Ele não
deveria se importar com o que Nero pensava de seu odor corporal, mas ele se
importava, então ele rapidamente tirou suas roupas e as jogou sobre o assento do
vaso sanitário.
Assim como o quarto, esse espaço refletia o gosto espalhafatoso de Nero,
com torneiras douradas, azulejos pretos e um mosaico representando dois antigos
gregos praticando um pouco de sodomia em uma das paredes. Até no banheiro
homem não teria paz de sentar no vaso sanitário sem pau na cara.
Miguel não perdeu mais tempo e entrou no chuveiro, mas ao pegar o
sabonete parou ao ver um frasco de lubrificante no cesto preso à parede. Claro
que Nero teria fodido aqui também, já que ele era totalmente insaciável. No
entanto, a visão dele pressionado contra os ladrilhos e gemendo enquanto riachos
de água caíam em cascata por seu corpo musculoso causou um arrepio
inesperado nas costas de Miguel.
Ele não se masturbava com frequência e se considerava desapegado de sua
própria sexualidade, então ligou a água fria para mantê-la assim. Ele se deixou
levar ontem à noite, e sem os freios habituais, ele deixou Nero levá-lo a lugares
que ele não queria ir. E agora isso o deixou perdido. Ele não vivia para se divertir,
mas para ser a arma de sua mãe, seu único consolo em um mundo destruído por
Raul Moreno. Mas em vez de foder com Nero para chegar até seu pai, Miguel
estava começando a se perguntar como seria a porra de Nero.
As gotas geladas o deixaram rígido, mas enquanto elas deslizavam por suas
costas, em seu cabelo e nas fendas de seu corpo, ele se entregou à sensação
desagradável, feliz por afastar pensamentos indesejados.
Ele nunca mais faria apostas com esse bastardo maluco.
Uma lufada de ar atingiu suas nádegas geladas, e ele virou a cabeça para
ver Nero na porta.
—Dá o fora!— ele rosnou e cobriu a virilha sem se virar.
A boca de Nero se curvou em um sorriso. —Vamos, como se eu não tivesse
visto seu pau ontem à noite.
Miguel respirou fundo. Ele não pareceria um virgem tímido com vergonha
de seu corpo. Bastava. Seus braços relaxaram e ele encarou Nero, colocando as
palmas das mãos contra o vidro molhado para deixar claro seu ponto de vista.
Ele deu a Nero um olhar nivelado. —Lá. Você conseguiu o que veio buscar?
As sobrancelhas de Nero se ergueram e ele assobiou. —Essa é uma visão
muito melhor do que a que tive ontem. Nove em dez, Miguel—, disse ele,
mostrando o polegar para cima.
Miguel inclinou a cabeça, sentindo-se estranho por ser cobiçado, mesmo
que apenas para rir. —Oh sim? O que faria dele um dez?
Nero riu e Miguel percebeu que havia caído na armadilha de mostrar
interesse. De novo.
—Você não gostaria de saber, hein?— Nero bateu na parede e deu um
passo para trás. —Estou aqui para dizer que você está progredindo no mundo.
Meu pai quer nos ver em três horas, então vá embora.
Miguel se afastou do vidro com o coração batendo forte. —O que? Eu?
Estou indo também?— Ele esperava que isso não fosse uma piada de mau gosto
em que Nero o apresentou a Raul como seu namorado ou algo assim. Mas,
novamente, os mendigos não podiam escolher, e se Raul morresse com a ideia
errada sobre a sexualidade de Miguel, que assim fosse.
Nero abriu os braços, um pouco envergonhado. —Ele quer me ver, e você
vem como meu guarda-costas.
Talvez Miguel tivesse se humilhado na noite anterior, mas parecia que
havia conquistado a confiança de Nero. Ele poderia estar a apenas algumas horas
de cumprir seu propósito.
—Você está esperando problemas?
Os lábios de Nero se apertaram e ele apoiou mais seu peso na parede. —
Você nunca sabe, porra. É por isso que você está vindo.
Miguel se virou para que Nero não o visse sorrir. Era bom ser apreciado,
mesmo que pelo inimigo.
—Você sabe, eu não sou um idiota, mas o seu é A+,— Nero disse
casualmente antes de fechar a porta atrás dele.
Então talvez Miguel não devesse gostar desse tipo de elogio, mas gostava, e
ninguém precisava saber.
Capítulo 9
Miguel

AS ENTRANHAS DE MIGUEL COAGULARAM E ele vomitou em um arbusto.


Ele não sabia se eram os resquícios da noite anterior que o deixaram doente ou a
inevitabilidade do próximo confronto com Moreno, mas ele se sentiu melhor
quando a bile amarela deixou seu corpo.
—Você está vivo?— Nero perguntou do carro enquanto o sol cortante
derramava calor nas costas trêmulas de Miguel.
Ezra Correa riu. —Ouvi dizer que isso pode acontecer com algumas
doenças. Tem certeza que passou a noite toda bebendo, Miguel?
—Cala a boca cara de puta!— Miguel gritou de volta e se forçou a se
endireitar enquanto seu cérebro flutuava em seu crânio como uma esponja
embebida em produtos químicos. Ele enxaguou a boca com água, aspirando o
cheiro da grama sob seus pés e o denso arbusto verde que se estendia dos dois
lados da estrada deserta. Fazia tempo que não ia a um lugar tão tranquilo e saber
que aquele poderia ser seu último dia de vida o fazia apreciar ainda mais a beleza
da natureza, embora não houvesse nada de particularmente espetacular na
paisagem. Seu olhar passou pelas montanhas ao longe. A menos que a ressaca
fodesse seu senso de espaço, sua mãe estaria muito, muito longe deles, e ele sentiu
uma pontada no meio do peito quando percebeu que talvez não fosse capaz de
ouvir a voz dela uma última vez. Ela era a única que lhe restava, mas se matar
Raul Moreno lhe deu paz, então ele morreria feliz por isso.
Ele colocou uma bala de menta na boca e se virou para o longo carro preto
que esperava por ele.
—Estou bem!— ele murmurou, mas teve que limpar a garganta.
—Bom Bom! Tenho o soro pronto—, disse Zapata, o médico de plantão.
Sorridente e sempre vestido com um terno claro, lembrava um pouco a Miguel o
cara do KFC, o Coronel Sanders. Considerando a importância da viagem de hoje,
suas ressacas certamente eram uma emergência.
A perolada limusine Hummer oferecia espaço mais do que suficiente para
administrar o tratamento em movimento, e Nero já descansava em um lado do
interior com um tubo preso à parte interna do cotovelo. —Vamos, Miguel, isso vai
te dar um novo ânimo. É ótimo —, disse ele e sentou-se, desprendendo-se do tubo
intravenoso, mas deixando o PVC dentro.
Miguel suspirou quando o médico saiu da cabine. Contanto que a infusão
não confundisse seu cérebro, ele precisava de toda a ajuda possível.
—Obrigado. Eu não teria bebido tanto ontem à noite se soubesse que
estaríamos conhecendo seu pai.
Ezra sorriu desde a parte de trás da limusine, onde estava sentado com uma
cerveja gelada e uma revista masculina. —O trabalho de um guarda-costas
nunca termina.
Mas a sugestão era: Ele conseguiu que você transasse com ele, não foi?
Miguel quis negar, mas de que adiantava quando aqueles homens
pensavam que já tinham todos os fatos?
Nero deslizou para o sol e ofereceu a ele uma garrafa gelada de suco de
amora. —Tome um pouco disso. Tem certeza de que está bem?
Miguel olhou para ele com surpresa silenciosa. Ele se importava, ou isso era
uma estranha sedução de longo jogo depois de meses falando besteira e não
estava funcionando?
Ele agarrou a garrafa, esperando que o ajudasse a lidar com o calor que o
sufocava como se estivesse flutuando em uma sopa. —Minha cabeça está
morrendo, mas vou ficar bem.
A boca de Nero se esticou, macia como um travesseiro, mas depois ele
escorregou pela encosta baixa à frente e desapareceu nos arbustos, deixando
Miguel para os abutres.
Ele poderia muito bem voltar ao seu lugar anterior e rolar para os assentos
instalados ao longo da lateral do compartimento de passageiros da limusine. As
janelas fumê ofereciam alívio do fogo do lado de fora e ele tomou um gole da
garrafa enquanto oferecia o braço.
O Dr. Zapata limpou a parte interna do cotovelo com um líquido frio. —Eu
tenho... preservativos, se precisar de mais—, disse ele antes de perfurar a veia de
Miguel com uma agulha.
Miguel olhou para ele, estupefato. —Pelo que?— Ele decidiu fingir
ignorância, mas Ezra não o deixou escapar impune.
—Para a descrição do seu novo trabalho,— ele disse e cutucou a parte
interna da bochecha com a língua de forma sugestiva.
Miguel lançou-lhe um olhar nivelado. —Tenha cuidado.
Carlos olhou para eles através da abertura na divisória entre os dois
compartimentos da limusine, seus dentes tortos refletindo o sol enquanto ele
sorria. —Não banque o inocente. Nero não se importa com ninguém e agora está
oferecendo bebidas eletrolíticas e perguntando sobre sua saúde?
—Calma, não é como se você estivesse chupando o pau dele,— Ezra
sussurrou antes de terminar sua cerveja e pegar outra do refrigerador.
O Dr. Zapata pendurou a bolsa de soro em um gancho para casaco acima
da fileira de assentos de couro branco onde Miguel estava descansando desde o
início desta viagem. —Não estou julgando as escolhas de vida de ninguém, mas as
pessoas que têm muitos parceiros geralmente precisam de tratamento para DSTs.
A proteção é necessária—, disse ele, observando Miguel com olhos lacrimejantes.
O que ele estava dizendo? Que Nero era uma vagabunda? Que ele estava
sujo? Que ele poderia passar algo para Miguel?
O aroma artificial de limão do purificador de ar de repente provocou
náuseas.
Miguel semicerrou os olhos para o médico. —Ele é HIV positivo?
Ezra riu como um babuíno crescido demais. —Veja? Ele se importa!
Miguel balançou a cabeça. —Você não sabe do que está falando. Ele usa
borrachas. Tive o duvidoso prazer de ouvir tudo sobre isso.
As sobrancelhas brancas e espessas do Dr. Zapata baixaram. —Não tenho
liberdade para dizer nada sobre a saúde do meu paciente. Eu apenas recomendo
preservativos como precaução contra todos os tipos de DSTs—, disse ele e
prendeu o braço de Miguel ao pacote IV antes de liberar o fluxo lento de líquido
que, esperançosamente, aliviaria Miguel de dor de cabeça, náusea e secura azeda
na boca.
Ezra sorriu. —Parece que você fala muito sobre a sacanagem dele...
—Você vai calar a porra da sua boca?— Miguel estalou quando a raiva
transformou seu cérebro em vapor.
Carlos cacarejou do banco do motorista. —Você já está apaixonado? Não se
preocupe, não é como se ele matasse todos os seus amantes depois de terminar
com eles.
Ezra abriu os braços com um sorriso zombeteiro. —Mas você pode perder o
emprego.
Miguel fechou os olhos e contou até cinco. —Por que ainda estamos
discutindo isso? Não estou fodendo com ele, não estou apaixonado por ele e nem
gosto dele.
O silêncio o fez esperar que ele finalmente conseguisse entender, mas então
uma voz familiar fez um arrepio percorrer suas costas.
—Isso é frio, Miguel, especialmente considerando toda a noite passada.
Ele abriu os olhos um pouco abruptamente e suor frio cobriu suas costas.
Teria acabado de estragar sua chance de conhecer Raul Moreno deixando que os
Correa o incitassem?
—Desculpe, é complicado.— Esperançosamente, seria uma resposta para
apaziguar a todos e o couro pararia de chiar sob ele como uma chapa quente.
Na verdade, depois que Nero salvou os dois de terem que passar pelo
trabalho de tráfico, eles fizeram muitas coisas que fizeram com que ele começasse
a gostar um pouco de Nero. Em qualquer capacidade, sua estranha mistura de
luxúria e raiva poderia ser chamada de simpatia.
—Você é o primeiro homem a chamar de complicado pra caralho,— Nero
disse em um tom uniforme, mas não olhou na direção de Miguel quando ele
entrou no carro e rolou de volta para os assentos instalados em frente ao próprio
lugar de Miguel.
Miguel desviou o olhar com uma carranca, infeliz com a reviravolta dos
acontecimentos, mas reconhecendo o direito de Nero de humilhá-lo de volta. Ele
poderia morrer em questão de horas, então o que importava se os Correa
acreditavam que ele era gay ou não? Ele se sentiu mal por Nero tê-lo ouvido, mas
se ele tentasse se desculpar ou se explicar, a situação ficaria ainda mais
embaraçosa, especialmente com três outros homens ouvindo por tédio.
—Eu estarei na frente,— Ezra disse e deixou o veículo, correndo ao redor
do carro para chegar ao banco do passageiro ao lado do motorista.
—Vamos. Tempo é dinheiro —, disse Nero e recolocou a bolsa de soro no
braço antes de descansar nos assentos com as duas pernas penduradas de um
lado e colocou um boné de beisebol no rosto, como se para bloquear mais luz do
que as janelas escuras.
Miguel deixou seu olhar percorrer os braços tatuados cruzados em seu
peito e não podia perder sua tensão. Não era preciso ser um leitor de mentes para
saber que ele tinha fodido tudo. Ele só podia esperar que Nero não mudasse de
idéia no último minuto e decidisse mantê-lo longe do chefe como uma forma
distorcida de punição.
O médico também não falava muito, e o silêncio se estendia como a
paisagem monótona e charmosa ao redor deles. Quanto mais subiam, mais longe
enxergavam, e uma parte de Miguel queria chutar o tênis de Nero e dizer para
ele dar uma olhada na beleza natural, mas isso seria uma atitude infantil e
poderia provocar ainda mais desagrado. Nero o teria ofendido com algum
comentário obsceno, como dizer que preferia ver a cabeça de Miguel balançando
entre suas pernas.
Pelo menos o IV estava fazendo seu trabalho e aos poucos devolveu Miguel
ao mundo dos vivos. O líquido o fez esfriar a ponto de ter que fechar o zíper da
jaqueta, mas quando o veículo parou em frente a altos portões de aço que
emergiam da mata na beira da estrada, ele estava bastante curado. Pelo menos os
momentos finais de sua vida não seriam completamente miseráveis.
—Por que não estamos nos movendo?— Nero perguntou, sentando-se, mas
então um guarda armado abriu a porta lateral e espiou.
—Senhor. Moreno diz que por enquanto só quer ver o filho e o homem.
Leve o doutor Zapata ao Hotel Celestin da cidade—, disse, afastando-se para
olhar o motorista.
O olhar de Nero varreu Miguel, mas ele não se incomodou em encontrar
seu olhar e saiu do veículo, ajustando sua calça de corrida. —Eu precisava de
algum exercício de qualquer maneira.
Miguel o seguiu, esperando que Nero não fizesse questão de humilhá-lo
escolhendo ir com Carlos ou Ezra em vez dele. Agradeceu ao Dr. Zapata e
observou o opulento portão que se abria diante deles. Brilhava ao sol,
apresentando as iniciais JN sobre fundo cobre. Miguel não tinha ideia de quem
poderia ser a casa originalmente, mas se era propriedade de Raul Moreno, então
ele deve ter deixado esta relíquia da presença do antigo proprietário para manter
o local mais privado.
Nero não se preocupou em esperar por Miguel e ultrapassou o portão assim
que este se abriu, seguindo por uma estrada de asfalto que desaparecia na densa
vegetação à frente. Porque dificilmente poderia ser chamado de garagem se
parecesse não ter fim.
Miguel andava atrás dele como um cachorro que sabia que não devia ter
comido a linguiça do balcão. Ele observou a nuca de Nero, tomado por uma
vontade de lamber o cabelo curto da nuca até a testa. Isso deixaria sua língua
verde?
O silêncio não era algo que ele experimentasse com frequência perto de
Nero, e seu peso estava fazendo seus ombros se curvarem ainda mais, até que ele
encontrou coragem para falar.
—Eu não... não gosto de você,— ele engasgou, respirando o cheiro denso de
plantas crescendo em ambos os lados do asfalto. —Os Correa estão me deixando
louco por eu dormir no seu quarto, e eu queria que eles me largassem. Isso não
precisa arruinar nossa... amizade.— Ele ficou surpreso com sua própria escolha
de palavras, mas os últimos dias foram uma revelação. Ele viu um novo lado de
Nero e percebeu que talvez o filho de Raul não merecesse seu ódio só porque era
moreno. Talvez, como Miguel, ele também jogasse as cartas que lhe foram dadas.
Nero olhou para ele por cima do ombro, caminhando entre as duas paredes
de árvores densas e arbustos sem pressa. Pelo menos aqui, o sol não os alcançava
e apenas iluminava as pontas das árvores acima. —Nós somos amigos?
—Espero que sim,— Miguel disse e tomou o passo vagaroso de Nero como
um sinal para alcançá-lo. —Estamos no mesmo barco em alguns aspectos.
—Como assim?— Nero perguntou, sem pressa de ver o pai. Ele tirou o
capuz que havia colocado em algum momento durante a viagem com ar-
condicionado e revelou braços tonificados, que encaravam Miguel com olhos de
jacaré gravados em tinta e carne.
Miguel suspirou e enfiou as mãos nos bolsos.
—Nós dois fomos colocados em um caminho que não escolhemos. Você
apenas parece encontrar mais alegria para si mesmo ao longo do caminho. Mas
nenhum de nós é uma vítima. Fizemos escolhas feias para o nosso próprio bem.
—O que o colocou em seu caminho?— Nero perguntou depois de um
momento.
Miguel deu de ombros. —Violência. Sangue. Uma promessa. Minha mãe me
esculpiu para ser seu guerreiro quando ela não tivesse mais ninguém na vida. O
que eu faço, eu faço com ela em mente.
Nero caminhou em silêncio, eventualmente juntando as mãos nas costas,
logo acima da bunda, como se quisesse que o olhar de Miguel se desviasse para lá.
—É bom ter uma família com quem você se importa.
—O que você faria se não fosse filho de Raul Moreno?
Nero riu, olhando para ele com um sorriso tão honesto que ele não deve ter
percebido essa pergunta. —Você esta falando serio?— Quando Miguel deu de
ombros, Nero lambeu os lábios e sustentou o olhar por mais um momento. —Isso
é fácil. Eu seria um tatuador. Fiz um pouco disso sozinho — disse ele,
apresentando a Miguel o intrincado padrão de escala em seu antebraço esquerdo.
As sobrancelhas de Miguel se ergueram e ele agarrou o braço de Nero. A
resposta foi tão inesperada que ele olhou para a tinta por um tempo,
reconhecendo que, embora tivesse falhas, o artista tinha um talento natural.
Miguel aprendera a avaliar isso ao escolher sua própria tinta ao longo dos anos.
—Você seria aprendiz em algum lugar? Dificilmente você conseguiria arcar com
o estilo de vida que tem agora.
Nero sorriu e deu uma cutucada no ombro de Miguel. —Vamos, Miguel. Se
eu não tivesse nascido filho de meu pai, não estaria perdendo uma vida de luxo
em primeiro lugar, estaria? Mas teria sido uma boa vida. Uma tela em branco
para preencher com qualquer coisa que vier à mente.
O que era aquela expressão sonhadora quando Nero olhou para o céu
brilhante?
—Com um homem bom, não com um canalha?— Miguel perguntou. Se
tudo corresse conforme o planejado hoje, Nero seria livre para decidir seu futuro,
ou pelo menos tão livre quanto um moreno poderia ser.
Os olhos de Nero se fixaram nos dele, dois pontos verdes brilhantes em que
Miguel queria mergulhar e esquecer suas responsabilidades. —Ainda estou para
conhecer um homem que realmente queira me manter por perto por mais tempo,
mas talvez esse Nero alternativo também não seja um canalha.
A vila emergia por trás das árvores, uma forma quadrada na encosta da
montanha, com a vista mais espetacular de um vale vasto e plano. Miguel desejou
poder desacelerar o tempo, porque seu fim se aproximava muito em breve. Havia
tantas coisas que ele ainda não tinha visto, com tanto medo de perder de vista o
objetivo final que desperdiçou inúmeras oportunidades.
Mas era tarde demais para uma segunda chance.
—Não estou surpreso que eles não mantenham você,— Miguel disse,
segurando o olhar de Nero. —Você antagoniza todos que conhece. Talvez se você
mostrasse a eles algo real, eles ficariam. Então, novamente, nem sempre
conseguimos ser nossos verdadeiros eus. Com o tempo, nos tornamos o que os
outros veem em nós.
Nero sorriu quando a piscina alongada tocando a borda do terraço brilhou
ao sol. —Talvez se você ficar por aqui, você conseguirá ser o que eu vejo em você.
Miguel ficou em silêncio enquanto um arrepio desceu por seus braços,
porque o Miguel que Nero parecia ver através das paredes que Miguel havia
erguido ao seu redor era o homem que ele não podia se deixar ser. O Miguel que
não tinha medo de expressar seu desejo, nem estava confuso sobre sua identidade.
Ele fodeu com Nero Moreno sem pensar duas vezes e não se importava com o que
os Correas pudessem pensar dele. Ele não estava preocupado com o que sua mãe
poderia fazer se descobrisse que ele era gay, ou que ele havia abandonado sua
missão de dividir a cama com um Caiman. Esse alternativo Miguel poderia ser
mais feliz, livre de obrigações que o pesavam como botas de cimento.
Ele limpou a garganta e tirou a jaqueta. —Está ficando quente de novo.
Um homem alto de preto saiu da vila, esperando por eles no topo da escada,
mas Nero não se apressou e sorriu. —Às vezes, é mais fácil ser odiado. Então, você
não precisa arriscar confiar nas pessoas. Já faz um tempo desde que falei sobre
esse tipo de coisa com alguém.
O coração de Miguel acelerou, embora seu centro emocional supostamente
estivesse morto e enterrado sob o sangue e as entranhas dos homens que ele havia
matado. Passara tão pouco tempo com esse novo Nero Moreno, e agora o trairia e
mais uma vez provaria que Nero não podia confiar em ninguém. Ele se odiava
por isso. Uma vez que ele estivesse morto, porém, a decepção de outro homem
não importaria. Talvez Nero pelo menos conseguisse algum consolo por estar
livre de seu pai como resultado do sacrifício de Miguel. Mas o que poderia ter
sido, teria sido. Agora, ele só precisava de uma abertura.
—Estou feliz por termos tido esses poucos dias para nos conhecermos.
Mesmo que os Correa sejam babacas sobre isso.
—Foda-se eles. E o mundo—, disse Nero, e quando eles se aproximaram, a
entrada principal da vila se abriu e Raul Moreno saiu para se juntar a seu criado.
O sorriso sumiu da boca de Nero, substituído por uma careta neutra de
desinteresse. Era como se sua alma tivesse deixado seu corpo, deixando o cérebro
de lagarto nas rédeas.
Se Miguel não soubesse o que esperar, teria ficado desapontado. Raul era o
tipo de homem que alguns chamariam de esquecível. De estatura e constituição
medianas, ele era como qualquer outro homem de meia-idade nas ruas de
Medellín ou Bogotá, completo com uma calvície e um pouco de barriga saliente.
Apenas seus olhos, tão brilhantes quanto os de Nero, o teriam destacado com sua
total falta de emoção.
Miguel tornou-se uma estátua, um soldado saudando seu general pouco
antes do golpe do qual participaria. Ele estava ansioso para pegar sua arma agora,
mas muitas pessoas estavam perto e todos o olhavam com desconfiança. Ele
precisava ficar quieto até o momento certo. Ele só deveria atirar se soubesse que
mataria. Essa era a única coisa que importava.
Moreno desceu os degraus, de calção de banho e roupão de algodão
revelando os cachos grisalhos do peito, mas parecia um rei prestes a pisar na
cabeça da cobra que se aproximara demais do trono.
Miguel estava encharcado de suor quando chegou à entrada, mas manteve
os olhos baixos e acenou com a cabeça para mostrar seu respeito. Ao seu lado,
Nero falava.
—Tarde.
O punho de Raul saiu do nada, indo direto para o rosto de Nero. Miguel
congelou, dividido entre o instinto de salvar Nero do golpe e permitir que o
chefão fizesse o que bem entendesse. Mas o grande punho colidiu com a boca de
Nero antes que ele pudesse se decidir.
Capítulo 10
Nero
O CHEIRO FAMILIAR DE sangue encheu a boca de Nero quando o golpe
jogou sua cabeça para trás e o fez cambalear. As copas das árvores surgiram na
periferia de sua visão enquanto ele tombava para trás, mas ele agarrou o ar e
encontrou um braço grosso, que o ajudou a ficar de pé.
Ele esperava por isso, embora o pai raramente liberasse sua forma de justiça
em companhia. A vergonha era como veneno se espalhando por seu corpo com a
picada, e ele soltou Miguel, ampliando sua postura caso houvesse outro golpe
vindo.
Raul olhou Miguel da cabeça aos pés e balançou a cabeça. —E este é o
pedaço de merda que fodeu com a minha carga?
O pulso de Nero latejava em suas têmporas, e ele resistiu ao impulso de
empurrar o pai para trás quando ficou muito perto de Miguel. Ser o único filho
vivo de um homem tão poderoso tinha suas vantagens, entre elas não ser jogado
aos jacarés em caso de falha. Mas um homem tão novo na organização como
Miguel não podia contar com tamanha misericórdia.
Teria sido um desperdício de um homem bonito.
Um homem bastante decente também.
Miguel ficou atento, como se já não estivesse tenso o suficiente. —Minhas
desculpas, senhor. O assunto estava fora de nossas mãos.
—Não preciso de ninguém culpado pelos meus erros—, acrescentou Nero.
Por um longo tempo, Raul olhou para os dois, como se quisesse evaporá-los
da existência, mas então partiu para cima com outro golpe, desta vez no peito de
Nero, arrancando o ar de seus pulmões.
Ele então se virou para Miguel, e o homem do pai apertou a mão na arma
em seu quadril, como se sentisse um potencial para problemas. —Eu sei que
quem mandava era meu filho, mas da próxima vez que você me disser que algo
está 'fora de suas mãos', você não terá mais mãos. Entendido?
Miguel assentiu. —Sim senhor.
Nero cerrou os dentes, concentrando-se em primeiro recuperar o fôlego,
depois torná-lo equilibrado novamente. O ar quente esfriou seus pulmões
superaquecidos, mas quando o pai balançou o braço novamente, Nero nem se
mexeu. Ainda assim, o golpe fez sua cabeça virar para o lado tão rápido que seu
pescoço doeu muito mais do que a dor surda na bochecha, onde o punho havia
acertado.
Miguel não deveria estar vendo isso.
Nero pode estar tentando entrar em suas calças há anos, mas o
relacionamento deles recentemente deu uma guinada inesperada para algo
próximo à amizade e, por mais nada sexy que fosse espancado pelo pai, uma
parte dele temia que depois de vê-lo apenas ficar parado lá e levá-lo, Miguel
perderia qualquer respeito que ele tivesse desenvolvido por ele.
O vislumbre que ele teve do verdadeiro Miguel por trás da fachada estóica
que era ao mesmo tempo sexy e irritante, sugeria que eles poderiam compartilhar
mais do que ele pensava anteriormente, e ele não queria que isso escapasse de
suas mãos.
—Isso é estimulante. Nunca pensei que pudesse gostar de masoquismo, mas
essa sensação de dor e prazer que estou sentindo? Meio que quero explorá-lo
agora,— Nero disse, esfaqueando meu pai com seu olhar.
Lá. Ele poderia acabar com o nariz quebrado, mas não aceitaria a merda de
ninguém sem revidar. Mesmo que apenas com palavras.
Raul respirou fundo, e sua pele ganhou um tom avermelhado quando ele
desviou o olhar, como se estivesse assombrado por imagens que não queria ver.
—Nada dessa merda gay na minha presença.
—Muitos homens héteros gostam de masoquismo. Não deveria ser tão tabu.
Viva e deixe li...
—Cale a boca pelo menos uma vez—, papai retrucou, mas deu um passo
para trás em vez de atacar Nero novamente. Ele estava com medo de pegar
piolhos BDSM e acordar com uma corda cavando em sua carne?
Nero fingiu fechar a boca enquanto o pai lhe lançava um olhar frio do alto
da escada. —Eu trouxe você aqui para conhecer meus novos associados,— ele
disse em uma voz tão fria que Nero sentiu gelo em sua nuca. Esta não era uma
residência oficial, e seu pai queria manter sua existência em segredo, então
apenas as pessoas que se provassem poderiam sonhar em cruzar a soleira.
Qualquer um que ganhasse essa honra ao ser chamado de novo era uma ameaça
potencial não apenas para a posição de Nero no cartel, mas para sua própria
existência.
Não era segredo que o pai detestava Nero, mas ainda não havia se livrado
dele, então por que mudaria de ideia agora?
Ele limpou o sangue que escorria do canto da boca e esperou que o pai
entrasse na villa ao lado de seu guarda-costas favorito, chamado Mouse porque
falava tão pouco que Nero ouvira sua voz talvez duas vezes nos três anos que se
conheciam.
Não quis ver a pena de Miguel, então subiu os degraus e entrou na casa
climatizada. Pelo menos o bater das botas de Miguel atrás dele lhe dava a
sensação de que alguém em quem ele podia confiar o protegia.
As ações do pai não seriam uma grande surpresa para Miguel, que
certamente tinha ouvido muitas histórias sobre seu relacionamento tempestuoso.
Nero pode ser um Moreno, mas você não curtiu a vida de um Caiman sem
compromisso. Houve uma época em que ele tentou sair, mas logo descobriu que
ninguém saía do Cartel Moreno, e era isso. Talvez um dia ele recebesse uma
ligação dizendo que seu pai estava morto, mas ele não tinha planos reais para tal
ocasião. Uma vez que isso acontecesse, ele seria alvejado em uma tentativa de
poder ou fugiria, então não era tão complicado.
O interior da vila era todo de pedra, com móveis modernos banhados pela
luz forte que entrava pelas janelas que iam do chão ao teto. Uma obra de arte
grande e moderna estava pendurada acima do sofá, mas como essa era uma
residência particular onde papai costumava passar férias e não trabalhar, não
havia riqueza ostensiva aqui, apenas luxo.
O que fez o espaço sombrio no canto distante do prédio se destacar ainda
mais. Iluminado com grandes velas coloridas havia um altar para Santa Muerte,
com uma figura em tamanho real sentada em um trono com uma foice no colo. A
caveira e os ossos que compunham a efígie pertenciam a uma bruxa poderosa,
cujos feitiços, segundo papai, o ajudaram a se tornar o homem formidável que
era. Seus olhos vazios seguiram Nero pela sala de estar com tanta intensidade que
uma parte dele temia que ela pudesse se levantar e expô-lo como o mentiroso que
ele era.
Mas ela permaneceu imóvel, como sempre fazia.
O outro guarda-costas do pai, Solomon, era tão quieto quanto Mouse... a
menos que o chefe estivesse ausente. Quando não mais obrigado pela necessidade
de silêncio, sua boca não parava de se mover, mas por enquanto, apenas o bater
ritmado de seus tênis verde-escuros expressava seu temperamento desenfreado.
Ele ergueu a mão para cumprimentar Nero e puxou os lábios no sorriso
mais discreto enquanto pegava uma xícara de café e os observava da cozinha
aberta. Como Mouse, Solomon era leal ao homem que pagava seu salário, mas
estava disposto a reconhecer a prole desse homem, independentemente do que ele
pensasse dele.
O silêncio pairando sobre a vila chocou Nero. Ele estava pensando em
Miguel como um tipo silencioso, mas ele realmente não era quando comparado
aos homens de seu pai. Ele pode ser uma parede mal-humorada de músculos
tatuados com habilidades de conversa secas como giz, mas se os dois estivessem
sozinhos, ele teria feito um comentário sarcástico aqui e ali, pegado um pouco de
água ou perguntado se ele era necessário. Desde que entrou na casa, porém,
Miguel se transformou em uma sombra escura seguindo Nero da mesma forma
que Solomon e Mouse seguiram seu mestre.
Foi uma grande pena que eles nunca tivessem terminado a conversa
surpreendentemente filosófica que tiveram no caminho, mas eles sempre
poderiam voltar a ela mais tarde, e por enquanto ter Miguel ao seu lado parecia a
melhor apólice de seguro que Nero podia pagar. Os Correa nunca teriam servido
a esse propósito, e ele tinha certeza de que o jogariam aos jacarés se pudessem
escapar impunes. Miguel? Ele era um homem de palavra e, ao contrário da
maioria, era confiável.
O desejo não realizado ainda atormentava Nero, mas de todos os homens
que compartilharam seus corpos com ele, nenhum tinha sido tão agradável e
relaxante de se estar por perto.
Nenhum dançou o tango com ele. Ou chamou-o de amigo.
Ele espiou Miguel, e eles se olharam pelas costas do pai. Ele não sabia o que
a troca silenciosa significava, mas se sentiu tranqüilizado por isso enquanto
caminhavam para o terraço brilhando com partículas brilhantes incrustadas nas
lajes de pedra que compunham a área externa. O ar-condicionado da vila tinha
sido uma pausa muito necessária, mas assim que saíram, o calor úmido os
engolfou como uma sopa feita de ar.
A luz do sol era ofuscante depois de estar na sombra, e seu olhar foi atraído
para além da piscina, para a sombra projetada pelo grande gazebo de madeira
escura. Dois homens estavam sentados a uma mesa de madeira, mas levantaram-
se assim que avistaram seu rei e o abominável príncipe.
Um deles era alto e esguio como um junco, apesar dos músculos firmes se
destacarem sob a pele bronzeada. Um pouco mais novo que o pai, mas
completamente careca, ele tinha um rosto estreito, onde todos os elementos
apontavam para baixo, desde o nariz grande até os olhos tão encobertos que
pareciam alguém que precisava recuperar o sono. Nero só o vira de passagem,
mas Hugo Cano tinha fama de quem nunca desistia de perseguir um alvo. Assim
que colocava um alvo nas costas de um homem, a morte era apenas uma questão
de tempo. Um sicário11, ele agora se tornou uma peça permanente na fábrica de
cocaína do Cartel Moreno?

11O sicário (termo usado para identificar os assassinos que trabalham para os cartéis) foi condenado por
ter matado mais de 200 pessoas, incluindo sua própria mulher, e de estar por trás do planejamento ou da
execução de vários atentados que causaram a morte de mais de 3.000 pessoas.
O outro homem era um enigma e, embora fosse mais jovem do que todos
aqui, mais baixo e esguio, sua constituição atlética e a maneira como seus grandes
olhos escuros encontraram os de Nero sem hesitação sugeriam que ele não era
um garoto comum. Nero não o acusaria de filho de Cano, mas quem diria? Ele
poderia ter pego este vira-lata na beira da estrada, pelo que Nero sabia.
Hugo deu um passo à frente, deixando o companheiro à sombra do gazebo.
Deslizou os óculos redondos pelo nariz para revelar os olhos e estendeu a mão a
Nero.
—Talvez você não se lembre de mim. Hugo Cano—, disse ele, mas Nero
apostou que o cara o havia espionado antes dessa reunião.
A mão estava seca para tanto calor, mas ele apertou-a, acenou com a
cabeça e olhou por cima do ombro do sicário, para o jovem, que puxava para trás
os cabelos escuros, apenas compridos para fazer um rabo de cavalo curtinho.
—E quem é seu amigo?
Hugo chamou o jovem de rosto taciturno com um gesto. Embora de uma
idade ambivalentemente jovem, ele já tinha um grande jacaré adornando seu
antebraço e toda uma escada de cicatrizes grossas no outro. Sua roupa era
bastante casual - uma camiseta preta justa e jeans cinza combinados com tênis
branco - mas Nero podia ver um relógio caríssimo do outro lado da sala, e aquela
peça de luxo lhe disse um pouco mais sobre o estilo do cara seu status.
—Ramiro Rios—, disse o estranho e também apertou a mão de Nero. Ele
capturou os olhos de Nero por mais tempo do que o necessário, como se tentasse
lê-lo. Ou desafiá-lo. Ou foda-se ele.
Qual foi?
Nero gostava mais de seus caras do que desse twink glorificado, mas essa
quantidade de confiança era quente para qualquer um.
O pai riu e deu um tapinha no ombro de Ramiro. —Ou 'O Machado', como
alguns o chamam.
—O que você faz com um machado?— Nero perguntou, sabendo que
apelidos raramente eram adquiridos sem um bom motivo.
Mas então ele clicou. Ele tinha ouvido falar desse homem.
Ele olhou de volta para as cicatrizes proeminentemente exibidas no
antebraço de Ramiro. Cada um marcava uma promessa que ele havia feito, e
dizem que ele nunca quebrou nenhuma delas. Uma regra ousada (ou burra) para
se ter no mundo dos cartéis, mas lhe rendeu respeito antes dos trinta anos.
—Logo você vai descobrir—, papai disse e assobiou, servindo-se de um
pouco de uísque com gelo antes de se sentar em uma cadeira de madeira perto da
beirada do terraço. Com a piscina azul de um lado e um arbusto florido do outro,
era um belo local para se maravilhar com a paisagem incrível. Ou jogue comida
no recinto dos jacarés abaixo.
Cano puxou um canivete, colocando todos os sentidos de Nero em alerta
máximo, mas então ele usou a ponta para limpar um pouco de sujeira sob as
unhas. —Eu encontrei o homem para o seu pai,— ele disse como se Nero devesse
saber de quem eles estavam falando.
Miguel se aproximou, apesar de ter sido deixado para apodrecer no fundo
como uma bela estátua. Bem, havia uma hierarquia, e ele ainda não estava no
ponto em que deveria ser apresentado às pessoas. Nero meio que gostou desse
jeito, mantendo Miguel só para ele.
A porta de um prédio menor no jardim se abriu e os dois guarda-costas
reapareceram, arrastando um homem cuja camisa branca estava manchada de
sangue e seu rosto coberto por um saco. Sua identidade ficou clara no momento
em que Nero ouviu sua voz.
—Não tive nada a ver com isso! Onde está o senhor Moreno? —Oscar
choramingou, fazendo tentativas patéticas de resistir a eles, apesar de estar muito
fraco para ir contra Mouse e Solomon.
Os caros sapatos de pele de crocodilo comprados com dinheiro de sangue já
estavam arruinados de tanto arrastar.
Nero tinha fodido Oscar? Sim. Ele estava arrependido? Na verdade não.
Havia uma grande chance de ele acabar em uma posição semelhante um
dia, e ele tinha visto pessoas mortas por menos do que traição. Inferno, ele uma
vez quebrou a cabeça de um cara por tentar suborná-lo com uma prostituta, que
acabou por ser um garoto assustado e traficado. O bastardo havia alegado que só
queria fazer Nero feliz. Boo-hoo12. Seu cérebro espirrou até o teto e Ezra Correa
torceu o tornozelo ao cair de uma escada tentando limpar a bagunça.
—Venham, senhores!— Raul disse e os incitou a se aproximarem com um
gesto.
Um homem espancado e o pai sentado em seu local de alimentação favorito.
Isso poderia significar uma coisa: Miguel teria seu desejo realizado e veria os
jacarés comedores de homens em ação. Talvez até consiga alimentá-los com
pedaços de carne do Oscar. Nero se repreendeu por ser um idiota carente e se
perguntou se isso agradaria Miguel de uma forma que Nero não poderia.

12 Hipócrita. Te peguei.
Ramiro apanhou um pequeno machado que devia estar apoiado numa das
pernas da mesa. Agora seu apelido fazia todo o sentido, mesmo que os machados
fossem mais confiáveis como ferramentas de execução do que instrumentos de
tortura.
Ramiro encontrou seu olhar com olhos dolorosamente parecidos com os de
Miguel. Suas profundezas escuras e sem emoção prenderam Nero à laje de pedra
sob seus pés. —Isso os assusta—, disse ele, como se tivesse adivinhado a pergunta
não formulada.
Eles se juntaram ao pai no final do terraço, e Nero ficou bem na beirada,
espiando a segunda piscina, que era mais escura e verde do que aquela destinada
às pessoas. O recinto era cercado por altas paredes de aço de cada lado e fornecia
espaço mais do que suficiente para os dois enormes répteis rastejando para fora
da água com a comoção acima.
Eles sabiam que a comida estava chegando.
Os olhos de Miguel se arregalaram, e ele esfregou a barba por fazer em um
gesto de admiração enquanto uma mancha na lateral de seu pescoço pulsava pela
excitação de estar tão perto dos répteis que ele tanto ouviu falar.
—Essa é Machete, eu a chamei,— Nero apontou o maior dos dois animais,
com mais de um metro e oitenta de comprimento e cor escura, com exceção de
sua frente e marcas nos flancos.
Os olhos de Miguel estavam vidrados, como se já tivesse se apaixonado
pelos dois jacarés, mas as palavras de Nero pareciam tê-lo trazido de volta à
realidade. Ele assentiu com os lábios cerrados em uma linha fina.
Com o estalar dos dedos do pai, Solomon arrancou o saco da cabeça de
Oscar, revelando que sua exuberante juba grisalha pendia em mechas
amontoadas.
Ele mal se parecia com o homem que não faz muito tempo levou Nero às
cinco crianças traficadas. Com sujeira e sangue criando uma bagunça sobre a
pele bronzeada, e seu nariz anteriormente elegante tão inchado que havia
perdido sua forma, ele parecia um estranho que sabia que estava prestes a
morrer.
Os olhos arregalados se fixaram em Nero, e ele se lançou para a frente,
apenas para cair de joelhos com um grunhido de dor quando suas pernas
desistiram. —Você sabe ... você diz a ele ...
—Dizer a ele o quê?— Nero perguntou sem remorso e não se mexeu
quando Oscar tentou rastejar em sua direção. —Que você contou aos policiais
sobre nossa carga?
Oscar tremeu e estendeu a mão para Nero com as mãos amarradas. Ele já
estava faltando três dedos. —Eu nunca...
Mouse o parou de choramingar enfiando um trapo na boca de Oscar. Só
havia uma razão para este homem ainda estar vivo.
O pai encarou Nero, e Ramiro sem palavras ofereceu a Nero o machado.
—Foi você quem ele traiu, então ele é seu para matar,— papai disse
enquanto Solomon lhe passava um pequeno saco plástico manchado de vermelho
por dentro. Se fosse uma reunião normal, pode-se supor que estava cheio de
framboesas, mas Nero não teve dúvidas sobre o conteúdo. O pai mergulhou em
sua mão e recuperou um dos dedos de Oscar antes de jogá-lo no recinto abaixo.
Algo estalou, e então houve um silvo, mas quando Ramiro empurrou o
machado na mão de Nero e Solomon empurrou para perto um grande toco de
árvore, a realidade distorceu-se em torno de Nero.
—Estamos jogando Medieval Times agora?— ele perguntou, mas Mouse
empurrou um rosto trêmulo de Oscar primeiro no pedaço de madeira que já
estava manchado de sangue.
Nero odiava a teatralidade disso. Oscar não era inocente, mas por que fazer
de sua morte um espetáculo? Para assustar os novos associados que sabiam muito
bem no que estavam se metendo? Inferno, eles podem ter sido os únicos a quebrar
seu nariz a vontade.
Ele entendeu direito? Era um dia lindo e ensolarado, os pássaros piavam nas
árvores distantes e os refrescos os esperavam em uma geladeira à beira da
piscina, mas o pai esperava que ele manchasse o terraço com o sangue de Oscar?
Agora mesmo?
O pai se preocupou com o fato de Nero gay sofrer em sua vantagem?
Torná-lo tão mole que ele não poderia realizar as tarefas exigidas dele? Como se
Nero algum dia precisasse ser lembrado do que acontecia com homens que se
mostravam moles demais para corresponder às expectativas de Raul Moreno.
Ramiro olhou para ele. Suas pálpebras tinham uma tonalidade escura, mas,
embora viesse da natureza, não da maquiagem, dava a ele uma aparência sensual
que alguns poderiam achar bastante sexy. —Você precisa balançar bem e sem
hesitação. Caso contrário, você terá que picar várias vezes. Não há necessidade de
causar dor desnecessária neste momento.
Esse cara estava realmente tentando ensinar Nero a balançar quando tacos
de beisebol eram sua arma preferida?
—Você tem um capuz para mim também?— Nero perguntou ao pai,
apertando os olhos quando o sol apunhalou seus olhos. —Espero que seja com
padrão de arco-íris. Preto e vermelho não são tão nesta temporada.
Os lábios de meu pai se curvaram com desgosto, como se alimentar jacarés
com dedos humanos fosse uma atividade perfeitamente normal. Ao contrário de
ser gay. —Seu irmão não teria brincado assim.
Claro. Samuel. O herdeiro perdido. O futuro líder que nunca seria.
Assassinado a sangue frio por um menino que Nero escolheu proteger, culpando
alguém mais merecedor da ira de Raul Moreno. Noticias antigas. Nero era agora o
único que restava para assumir os negócios da família no futuro. Tecnicamente,
claro.
—Samuel está morto. Você está preso com Nero,— ele disse com raiva mal
contida. Seu irmão também tinha sido um porco como ele, mas como ele falava
merda para e sobre as mulheres, não sobre os homens, o pai nunca piscou.
—E você vai precisar de toda a ajuda que conseguir, mas falaremos sobre
isso mais tarde. Primeiro, livre-se desse pedaço de merda. —Papai disse e chutou
Oscar no peito com tanta força que Nero poderia jurar que ouviu uma costela
estalar.
O suor salgou seu lábio superior e ele colocou o machado ao longo dos
ombros, imaginando como fazer isso para evitar espirrar sangue na poça. Ele não
merecia uma boa tarde descansando na água e observando os peitorais de
Miguel? Ele não queria nadar no DNA desse bastardo. Ele olhou para Miguel,
imaginando o que ele achava desse show, mas o encontrou observando seus
novos associados. Talvez fosse melhor que ele não tentasse chamar muito a
atenção do pai, como os novatos costumavam fazer, tentando se exibir na frente
do chefão.
Oscar uivou na mordaça, mas não lutou mais, soluçando com a
inevitabilidade de seu destino.
Nero exalou, varreu seu olhar sobre os caras novos, que o observavam com
interesse calmo, e percebeu que quanto mais cedo essa farsa acabasse, melhor. Ele
deu um passo para trás, girou o machado e separou a cabeça de Oscar de seu
corpo em um único golpe que fez o sangue espirrar na pedra brilhante. Num
segundo, um homem estava vivo, no seguinte, morto.
Ele não se incomodou e empurrou a cabeça para fora do toco. Ele rolou até
a beirada do terraço e mergulhou na piscina do jacaré.
—Ele deveria jogar golfe—, disse Cano em tom neutro, e era impossível
dizer se ele estava falando sério ou fodendo com Nero.
Não que isso importasse.
Gotículas vermelhas fracas agora pontilhavam a frente da calça de Nero, e
ele exalou, deixando cair sua ferramenta de execução. —Lá. Seus animais de
estimação vão comê-lo inteiro ou Solomon deve cortá-lo em pedaços menores?
Miguel tornou-se ainda mais impossível de ler quando colocou um par de
óculos escuros elegantes, mas não importa o quanto Nero desejasse passar um
tempo apenas com ele, ele não queria dar muita atenção a ele. O pai podia ser
rancoroso. E com ciúmes até das pessoas que ele detestava.
—Ele cheira a sangue e eles estão com fome. Meus jacarés fazem o trabalho
sem a ajuda de ninguém,— seu pai disse e estalou os dedos para Solomon.
Seu guarda-costas agarrou Oscar pelas pernas, arrastou-o ao redor do toco,
até a beira do terraço, e então chutou o corpo para que ele rolasse para as
mandíbulas morderem.
Cano inclinou a cabeça e se aproximou para ver melhor. Nero estava
prestes a empurrar o filho da puta careca só para ver o que aconteceria.
Mas não valia a pena, então ele tirou a blusa e a jogou nos ladrilhos
manchados de sangue.
Ramiro estalou a língua. —Tempo para nós.
Então eles vieram aqui para esta execução? O pai fazia com que parecessem
muito mais importantes do que isso.
—Volte em mais ou menos uma hora para o almoço—, disse o pai,
acendendo um cigarro para si mesmo. —Preciso que Nero conheça meu novo
braço direito e seu protegido.
Certo. Porra?
Ele estava dizendo que esses dois filhos da puta estariam a partir de agora
em igualdade de condições com ele? Eles poderiam substituí-lo sempre que o pai
se cansasse de lidar com sua merda? Ou eles não receberam códigos de acesso aos
segredos dos Caimans? Quem subornar, onde ficavam seus campos secretos e
qual político estava tendo um caso. Mais importante - os locais de esconderijos de
ouro secretos. Todos os assuntos importantes ao administrar um cartel e, até onde
Nero sabia, ele e seu pai eram os únicos autorizados a ver o quadro completo.
Desta vez, ele podia sentir suas costas secretando suor.
Ainda assim, ele sorriu, como se nada tivesse acontecido. —Por que você
não fica? Poderíamos relaxar e nos conhecer melhor.
Ramiro o encarou com a mesma firmeza de antes, mas que nesse novo
contexto parecia uma promessa de violência. Foda-se. Ele ganhou dois novos
candidatos ao seu trono?
—Temos algo para resolver na cidade. Coisas pessoais.
—Garoto ou garota?— Nero perguntou com um sorriso para mostrar seus
dentes afiados.
Ramiro ficou imóvel com o cenho franzido. Bom. Eles devem ficar confusos
e incapazes de adivinhar o próximo movimento de Nero.
Ele recuperou a compostura quando Cano se juntou a ele. —Uma questão
muito diferente—, disse ele, e eles se afastaram com um aceno de cabeça.
O pai só falou quando o motor de um carro ligou atrás do prédio. —Apenas
seja normal pelo menos uma vez. Eles são vitais para expandir nossa operação
para o sul.
—Realmente? Se eles são tão importantes, por que não discutimos isso
antes?— Nero perguntou e limpou as calças. Ele fez uma careta quando a
tentativa de tornar as picadas de alfinetes vermelhas menos visíveis as
transformou em listras. Ele reajustou o cinturão da arma para que não roçasse
um ponto específico em seu quadril e olhou para a piscina. O sangue parecia ter
pingado direto na direção do jacaré. Talvez nada disso tenha entrado na água,
afinal?
—Talvez se você passasse mais tempo nos negócios em vez de apenas
lamber o creme, você os teria conhecido antes.— O pai encolheu os ombros e
liderou o caminho para as espreguiçadeiras enquanto o rugido do veículo de
Cano e Ramiro desaparecia na distância. Miguel ficou para trás, olhando para o
jacaré como se não pudesse se cansar do espetáculo sangrento, mas então o pai
fez um gesto para ele, convidando-o.
—Miguel é? Sente-se conosco.
Nero se permitiu uma breve carranca. —Você é o único a me manter longe
da mesa.
—Porque quando eu dou a você um trabalho que está fora do seu
repertório habitual, você fode tudo. Você não tem criatividade—, disse o pai,
sentando-se na espreguiçadeira mais próxima da beira da piscina, o que lhe
permitiu ver Oscar sendo despedaçado.
Mouse e Solomon pareceram tomar isso como um incentivo para relaxar, e
deixaram o toco ensanguentado, junto com o machado e as manchas na pedra
onde estavam, presumivelmente para as empregadas cuidarem mais tarde.
Alguns senhores.
Miguel se acomodou timidamente como se esperasse pregos no assento, mas
sua linguagem corporal revelou que ele estava começando a se sentir mais à
vontade. Ele devia estar seguindo as dicas de Mouse e Solomon porque eles
também relaxavam, abrindo cervejas do outro lado da piscina.
—Obrigado,— Miguel disse e acenou com a cabeça para o pai.
—Como você pode ver, sou um homem que pode perdoar—, disse o pai, e
Nero percebeu que era o começo de uma de suas tiradas. —Mas neste mundo, ou
você come ou é comido. Os jacarés só respeitam os mais fortes que eles. Cheguei
onde estou reconhecendo quando meus homens falham e quando tentam me
enganar. O que eu não tolero, porém, é a deslealdade. Você entende? Você pode
nem sempre ser o guarda-costas do meu filho, mas enquanto está nessa posição,
você o segue como um cachorro. Nem todo mundo conhece seu lugar na cadeia
alimentar e nós, jacarés, às vezes somos alvo de presas equivocadas.
Nero não conseguiu revirar os olhos com mais força, mas só o fez pelas
costas do pai.
—Sim senhor. Peço desculpas novamente pela outra noite, mas a segurança
de seu filho era minha prioridade,— Miguel disse.
—É por isso que eu o trouxe aqui. Ele é o melhor que já tive,— Nero disse,
apenas percebendo que suas palavras, que pela primeira vez não tinham sido
insinuações, foram tomadas como tal quando Solomon soltou uma risada abafada.
O pai não dava trégua, mesmo quando Miguel se mexeu
desconfortavelmente na espreguiçadeira. —É melhor você não estar dormindo
com ele.— Ele apontou para Nero. —Ele pode brincar fora da organização se
precisar, mas não vou aceitar que um Caiman se envolva em nada disso.
Nero precisava acabar com essa merda, porque embora gostasse de
provocar Miguel, não o queria sob o escrutínio do pai. —Ele não quis me tocar.
Eu quis dizer isso literalmente. Ele salvou minha vida há duas noites. Eu confio
nele — acrescentou, olhando para Miguel.
Miguel tirou os óculos escuros e colocou-os na mesinha ao lado de um jogo
de toalhas limpas. —Eu sou hetero, senhor—, acrescentou. Nero não tinha ideia
se não estava lendo muito, mas Miguel evitou olhá-lo nos olhos, como se estivesse
se sentindo culpado? Isso provou que a declaração era uma mentira?
Ou o cérebro excitado de Nero estava enganando-o para ver o que ele
queria ver?
—Bom Bom! Teremos algumas garotas depois do almoço. Mas, por
enquanto, aproveite a piscina e a cerveja—, disse o pai com um sorriso.
Nero estava feliz que o pai não tentava mais empurrar as garotas para ele,
embora ele odiasse ver uma entretendo Miguel. Será que Miguel iria querer
dormir com uma prostituta, ou pior ainda, alguém traficada? Ele não parecia
muito interessado em sexo em geral e nunca se juntou aos Correa em suas
divagações sobre mulheres.
Talvez ele fosse apenas um romântico de coração?
Ou gay.
Talvez ele fosse gay e tão enfiado no armário que não conseguia ver a luz
através de uma porta aberta?
Nero ficou com água na boca quando Miguel se levantou e tirou a camiseta,
revelando os cortes ainda inchados na pele tatuada. O local onde Nero o mordeu
ainda tinha marcas de dentes, e Nero secretamente esperava que cicatrizasse,
deixando um rastro de sua presença gravado para sempre na carne de Miguel.
O olhar de Miguel encontrou o dele, e Nero se viu sorrindo enquanto
relaxava contra o encosto da espreguiçadeira. Atrás dele, os guarda-costas do pai
estavam sentados na beira da piscina, mergulhando os pés enquanto o sangue de
Oscar secava ao sol do outro lado da água cintilante.
Se os dados parassem de cair a favor de Nero e o pai escolhesse nomear um
herdeiro diferente, ou alguém simplesmente decidisse resolver o problema com as
próprias mãos, Miguel permaneceria leal ou lutaria por sua própria pele e uma
vida boa para a mãe que ele não teve visto em anos?
A tatuagem nas costas de Miguel era uma obra de arte, quase tão bonita
quanto o músculo firme sob a pele tatuada, e Nero achou difícil não olhar para
ela quando Miguel foi até a geladeira e pegou uma garrafa gelada.
—Gostaria de um, senhor?— Miguel perguntou, apesar de já ter dois.
O coração de Nero disparou quando ele percebeu que uma certamente era
para ele. Miguel havia falado sobre a amizade deles, mas era só isso que ele
queria, ou acabaria cedendo à pressão certa? Nero o estava empurrando na
direção que desejava há algum tempo, mas ele estava começando a pensar que
uma abordagem mais terna seria apropriada para esse réptil de sangue quente.
Certa vez, ele leu sobre cientistas descobrindo que uma espécie de lagarto tinha o
sangue aquecido na época de acasalamento, então...
Os pensamentos acelerados de Nero pararam abruptamente quando Miguel
colocou as cervejas em uma mesa ao lado da espreguiçadeira de papai e lançou a
Nero o sorriso mais brilhante. Era cheio de dentes e chegava até os olhos escuros,
fazendo-os brilhar como cristais. Nero achou tão fodidamente sexy que poderia
comê-lo cru.
Ele perdeu a aposta. Miguel perdeu a aposta. De propósito.
Nero engoliu em seco, limpando as palmas das mãos suadas nas calças
salpicadas de sangue, mas antes que pudesse responder de maneira significativa,
Miguel pegou a arma que havia deixado em cima da camiseta, apontou para o
peito do pai e puxou o disparar três vezes.
Capítulo 11
Miguel

A EXPRESSÃO DE CHOQUE NO rosto de Raul Moreno era o que Miguel


desejava ver há anos. Não importava que O Canibal permanecesse ignorante
sobre o motivo de sua morte, e embora fosse satisfatório fazer Raul Moreno sofrer,
Miguel não podia arriscar dar a ele a menor chance de sair vivo.
As balas foram direto para o coração e fizeram o trabalho.
Miguel fechou os olhos, abriu os braços e esperou a dor dilacerante das
balas perfurando seu corpo até que nenhum pedaço dele ficasse intocado. Ele não
poderia fugir disso. Não com Nero e os dois guarda-costas tão próximos. E com
seu trabalho terminado, para onde ele iria correr?
Sua cabeça ainda zumbia quando ouviu o primeiro tiro. Deve ter falhado,
porque tudo o que ele podia sentir era o sol queimando sua pele e a euforia
fervendo em seu peito. As vozes chegaram até ele abafadas, como se ele estivesse
trancado dentro de um cubo de vidro grosso, mas depois de apenas mais duas
pancadas, fez-se silêncio e ele permaneceu de pé.
Intocado.
Ou ele foi sacrificado tão rápido que não sentiu nenhuma dor e agora
estava preso para sempre no Purgatório?
Madeira arranhou contra pedra, e alguém deu um empurrão em seu
esterno, arrancando-o do êxtase.
—Que diabos?
Confuso, eufórico e com o cérebro latejando, Miguel abriu os olhos para
encarar... Nero. Ele olhou ao redor para encontrar um dos guarda-costas de Raul
deitado de bruços no concreto à beira da piscina e o outro boiando na água, que
estava gradualmente ficando vermelha ao seu redor.
—O-o quê?— Miguel deu um tapinha no peito, chocado ao encontrá-lo
inteiro.
O rosto de Nero se contorceu e ele deu outro empurrão em Miguel. —Foda-
se! Eu convido você aqui, e a primeira coisa que você faz é matar meu pai?
O velho Moreno jazia morto atrás dele, o corpo caído na espreguiçadeira
com sangue pingando dos lábios abertos e manchando o roupão de algodão.
Miguel deu um passo para trás, tremendo com o burburinho do assassinato,
mas um tanto... desapontado? —Por que você não atirou em mim? — perguntou
ele, surpreso com a rouquidão na voz, mas sua mente já sugeria que Nero queria
vê-lo comido pelos jacarés, pois uma morte rápida à espingarda teria sido
misericordiosa.
Uma tempestade se aproximava de Nero por causa das ações de Miguel, e
ele não a merecia. Ele era um dos bons. Para um homem do cartel.
Nero abriu os braços em um gesto rápido. Seus olhos estavam arregalados e
a transpiração brilhava em sua pele escura. —Por que você atirou nele?
—Eu perguntei primeiro...
—Você atirou primeiro!— Outro empurrão, mas em vez de esvaziar o
pente em Miguel, Nero enfiou a arma no coldre pendurado em seu quadril.
Só então o cérebro de Miguel captou o ocorrido. —Você matou os guarda-
costas. Em vez de mim.— Ele franziu a testa, agora envergonhado do sorriso que
enviou a Nero como um último adeus. O objetivo era comunicar que Miguel
gostava dele, independentemente de seu ódio por Raul Moreno.
Mas como ele não estava morto, isso significava apenas que ele havia
perdido a maldita aposta.
Nero esfregou o cabelo verde curto. —Por que diabos eu deixaria aqueles
dois filhos da puta atirar em você? Eles iriam atrás de mim agora que meu pai se
foi!
—Porque... eu atirei no chefe deles. Seu pai. Você sabe que não tem outro
jeito, certo?— Miguel ficou sério e levantou as mãos em derrota. Este foi o fim da
linha. Tinha que ser.
Os olhos de Nero eram verdes como as algas da superfície do pântano que
logo tirariam a vida de Miguel, e percorriam seu corpo para cima e para baixo
em uma sequência rápida. —Abaixe essas malditas mãos, ou eu vou te chutar nas
bolas com tanta força que você vai nadar com Mouse,— Nero rosnou, apontando
para o cadáver flutuando na água.
Sem saber mais o que fazer, Miguel apoiou as mãos na cabeça. O que
diabos estava acontecendo? —O que você está fazendo? Eu deveria morrer aqui.
Não há outro fim para esta história.
—Então você planejou isso.— Não foi nem uma pergunta. Os braços
tatuados de Nero caíram e ele balançou a cabeça, olhando para Miguel. —É por
isso que você se provou recentemente? Para fazer isso? —ele perguntou,
apontando para o cadáver de seu pai como se fosse um vaso quebrado.
—Não foi a sua adorável personalidade que me fez ficar por aqui,— Miguel
disse, apesar de saber que não era toda a verdade. Ele pode ter pensado nisso
antes, mas os últimos dias mostraram a ele um lado diferente de Nero, que trouxe
alegria no fundo do peito frio de Miguel. Ainda assim, isso não deveria ter
mudado nada. —Eu tinha um trabalho a fazer, Nero, então não finja que não
entende isso.
Nero piscou e deu um passo para trás, sentando-se ao lado do corpo flácido
de seu pai. —Você ouviu isso, pai? Ele tinha um trabalho a fazer. E eu deveria
entender!
Como Miguel não respondeu imediatamente, Nero agarrou o braço de
Moreno e o moveu para pousar sobre os olhos vazios em um gesto universal de
vergonha.
—Oh não, filho! E aí estive pensando que você finalmente conheceu
alguém para dançar o tango,— ele então gemeu, tornando sua voz mais rouca
para imitar o bastardo morto.
Respirando exasperado, Nero balançou a cabeça. —Eu te disse, pai, todos os
homens mentem. Cada um quer algo de mim. Só não pensei que este iria querer
isso —, rugiu, levantando-se para jogar a espreguiçadeira e, no processo, rolar
Moreno para o chão, como se fosse uma boneca de pano.
—Eu gostei da nossa noite fora, mas eu tinha que fazer isso. Era a hora
certa. —Miguel murmurou, inundado pela culpa. Ele planejou sua vingança e seu
resultado aparentemente inevitável por anos, mas falhou em explicar o curinga
que era Nero Moreno. —O que você está dizendo? Devo... ir?
Uma coisa ridícula para se ponderar, independentemente das opiniões de
Nero sobre o assunto. Ele não tinha para onde ir, porque os Caimans acabariam
por caçá-lo e fazer o que o filho do Canibal se recusou a fazer. Talvez ele devesse
agradecer a oportunidade de fazer uma última ligação para sua mãe e relatar que
o algoz de sua família havia sido executado, mas havia algum sentido nisso se ela
descobriria mais cedo ou mais tarde? Ele não queria arriscar que a ligação fosse
atribuída a ela.
Ele engoliu em seco e olhou para a arma em sua mão. Uma bala poderia
acabar com as coisas imediatamente e poupar a todos o trabalho de persegui-lo.
—Isso é o que todos dizem, pai,— Nero rugiu, cada vez mais agitado. Ele
pegou o copo de uísque inacabado que ainda estava sobre a mesa ao lado da
espreguiçadeira caída e o bebeu de uma só vez antes de jogá-lo no chão, onde se
partiu em um milhão de pedaços. —E eu nem recebi meu boquete.
Formigas rastejaram sobre a nuca de Miguel com seus pés quentes quando
ele levou a arma à boca. Ele não podia arriscar ser torturado para obter
informações sobre sua mãe. Ela merecia viver sua vida em paz.
Nero olhou para ele, mostrando seus dentes afiados, mas quando seus olhos
encontraram os de Miguel, eles se arregalaram. —Que porra você pensa que está
fazendo? Você fode tudo para mim e quer me deixar sozinho?— ele perguntou,
mas não se moveu uma polegada.
Miguel estagnou, sentindo-se como um barquinho de papel jogado no
oceano. Por design, ele deveria afundar, então como ele se manteve à tona? —Eu
só quero que isso acabe.
Nero respirou fundo. —Guarde essa maldita coisa. Não é assim que você
explode seu cérebro na minha presença!
Miguel guardou a arma no coldre e vestiu a camiseta, sem saber o que Nero
ainda queria dele. Ele apontou para os corpos. —Isso vai ter repercussão. Você
pode me culpar e assumir. Não há outro caminho.
—Você é cego? Ninguém me quer nas rédeas! Estarei morto dentro de uma
semana, se não hoje. —Nero cuspiu nos ladrilhos de pedra antes de esfaquear o
dedo no peito de Miguel. —Você causou isso, e agora você vai me manter seguro.
Você me deve isso por salvar sua vida!
Isso finalmente acendeu algo dentro de Miguel. —Eu não pedi para ser
salvo!
—Muito ruim. Deveria ter me matado também — disse Nero,
aproximando-se e observando-o com as sobrancelhas franzidas.
Miguel engoliu em seco. —Você não é culpado dos pecados de seu pai.—
Na verdade, Nero o conquistou de uma maneira estranha. Como um bom café
escuro. Um gosto adquirido. Não menos amargo agora do que antes, mas
apreciado pela profundidade de seu sabor.
Ele não queria ver Nero morto.
Nero se aproximou ainda mais, até que Miguel teve que se inclinar para
trás para evitar que seus lábios tocassem a testa do maluco. —Eu estou vivo, e
você tem que lidar com isso. Você não tem permissão para morrer até ter certeza
de que estou seguro, porque você fodidamente me deve..
Miguel estremeceu e seu olhar gravitou além do terraço, para os jacarés
mastigando Oscar. Seu próprio destino poderia ter sido muito pior se Nero não
tivesse intervindo. E se Nero não acreditava que poderia assumir, então ele
realmente era um homem morto andando.
Nero disse que pensou em partir e começar uma vida diferente em algum
lugar fora do alcance do cartel de seu pai. Miguel poderia dar a ele muito antes
de terminar sua provação nesta terra.
—Bem. Vou ajudá-lo a encontrar segurança, mas precisamos ir agora.
Ele se virou para a casa, como um trem mudando de trilho para uma nova
rota depois de quase vinte anos servindo uma única linha. As rodas começaram a
girar e o vapor subiu em sua mente. Movimento. Eles precisavam estar em
movimento.
—Obrigado, gentil senhor. Estou impressionado com sua generosidade—,
disse Nero, correndo atrás dele. Eles não se deram ao trabalho de entrar na casa e
seguiram pela fachada da vila, direto para onde um grande Hummer branco
estava estacionado.
Miguel ignorou o sarcasmo, ganhando impulso em seu novo caminho. —
Apenas entre no maldito carro,— ele disse e sentou no banco do motorista. As
chaves ainda estavam na ignição, como se estivessem preparadas para a fuga, mas
Miguel não consideraria o destino um fator para a fuga.
O interior era todo em madeira e couro de crocodilo - customização
obscenamente cara que só poderia ser justificada se o carro fosse do próprio Raul
Moreno. Mas Miguel não se importava que o volante em sua mão fosse
manuseado pelos dedos sujos do Canibal. Ele tinha uma nova designação, e ela
tinha prioridade sobre qualquer outra coisa.
Ele pisou no acelerador no momento em que Nero estacionou sua bunda no
banco do passageiro e disparou pela longa e sinuosa entrada que ambos haviam
percorrido menos de uma hora atrás. Os caras no portão certamente pensariam
que os tiros faziam parte da tortura de Oscar, mas se eles quisessem fugir, eles
precisavam ter ido embora quando Cano e seu filho voltassem.
—Rawr, Miguel, o assassinato torna você mandão—, disse Nero e afivelou o
cinto de segurança forrado com pele de jaguatirica.
Então era isso que Miguel teria que suportar até que Nero estivesse seguro.
Ele provavelmente mereceu. —Alguém tem que assumir a liderança nisso. Por
que você está brincando? Isso é sério! Acabei de matar seu pai!
—Eu não tinha sentimentos calorosos por meu pai. O que você esperava?
Que eu derramei lágrimas por aquele bastardo? —Nero disparou enquanto
Miguel acelerava em trechos retos da estrada e desacelerava antes das curvas. —
Você me conheceu?
Miguel olhou para Nero que nem estava vestindo uma camisa. Apenas uma
hora atrás, eles foram ligados a IVs depois de uma noite maluca desencadeada
pela decisão de Nero de obstruir a entrega da 'carga' de seu pai.
Talvez tivesse sido mais inteligente se Miguel tivesse colocado as mãos em
Moreno quando Nero estava fora, mas a oportunidade se apresentou e ele a
agarrou.
—Você está me dizendo que você, um homem com jacarés gravados em
todas as porras de seu corpo, agora não quer ter nada a ver com a organização
que essas tatuagens representam?— Ele apontou para o enorme réptil no peito de
Nero.
Nero riu e passou as pontas dos dedos sobre a escarificação projetada para
imitar as protuberâncias duras das costas de um crocodiliano. —Houve um
tempo em que eu realmente queria ser um dos caras. E então eu percebi que
enviou uma mensagem. Como isso é diferente da tinta em seu rosto, hein?— ele
perguntou e passou o nó do dedo sobre os pequenos crânios acima da testa de
Miguel.
Miguel bufou e afastou a mão tão abruptamente que fez o carro desviar
para o outro lado da estrada. —Não me toque! É exatamente para isso que eles
servem. Então, os filhos da puta sabem que devem me evitar.
Nero deixou a cabeça cair para trás e riu. —Não funciona comigo, querido.
Estou usando a mesma estratégia, lembra?
Miguel pisou no pedal com muita força, desequilibrado com toda aquela
loucura. Ele não tinha ideia de para onde eles iriam depois que deixassem a
propriedade. —Sim você é. E eu não coloquei minhas mãos em você.
—Mas você poderia.
A boca de Miguel secou, e ele deu a Nero outra vez. O filho da puta o pegou
fazendo isso e se espreguiçou, apresentando-se como um pedaço de carne fresca
pronta para ser temperada e grelhada.
Miguel poderia realmente aceitar isso? Ele nem deveria estar vivo neste
momento, então o que importaria se...
Ele virou a esquina para ver o portão meio aberto para o veículo de Cano.
Capítulo 12
Nero

NERO NÃO FAZIA IDEIA DE QUEM era o homem atrás do volante. Ele
cobriu seus nervos com piadas e raiva, mas ele estava enlouquecendo. Nero se
considerava um bom juiz de caráter e, nos três anos em que se conheceram,
imaginou que Miguel era um homem implacável com um peso no ombro, que
tinha um pouco de maldade e não fodia em volta. Mas nas últimas vinte e quatro
horas, ele aprendeu que o bastardo podia dançar, tinha uma mãe, e talvez –
apenas talvez – fosse mais emocional do que ele deixava transparecer.
Era como segurar um carrinho de brinquedo que poderia ser uma bomba.
Nero não tinha ideia do que aconteceria com eles depois da carnificina que
deixaram para trás, mas tinha a nítida sensação de que sua vida nunca mais seria
a mesma.
Os olhos mortos de Ramiro pousaram sobre ele quando Miguel parou no
portão e esperou que o outro carro passasse.
Porra. O bastardo não poderia ter matado meu pai mais cedo e dado a eles
mais tempo para fugir? Assim que aqueles dois homens vissem os corpos, o alvo
nas costas de Nero e Miguel seria intenso, e saber que eles tinham apenas cinco
minutos de vantagem para fugir – no máximo – já estava fazendo Nero suar.
Mas ele sorriu e acenou com a cabeça, baixando a janela, apesar dos dedos
de Miguel beliscando sua coxa em advertência. —É melhor vocês serem rápidos,
ou pode não haver garotas para vocês. Vou procurar... companhia diferente,— ele
disse e piscou para Cano, que desviou o olhar com uma carranca mal contida.
Lá. Isso foi o suficiente para explicar sua partida repentina.
Miguel deu um grunhido sofrido, mas estava tenso como se estivesse
usando uma tanga feita de couro de jacaré.
Ramiro acenou com a cabeça para eles, e o carro passou como se estivesse
tudo bem. O guarda sorriu enquanto mantinha o portão aberto e deixava Miguel
passar. Ele não questionaria o filho de Raul Moreno pegando emprestado o carro
do patrão.
—Vá para a direita,— Nero disse com os lábios apertados, e quando Miguel
fez o que pediu, ele pressionou os dedos no rosto e inalou o ar quente perfumado
pelo ambientador cítrico pendurado no espelho retrovisor. Essa porra de coisa o
deixou enjoado.
—Devemos pegar uma estrada mais larga e seguir o máximo que
pudermos, apenas trocando de motorista—, disse Miguel com voz firme, como se
não fosse ele o causador da confusão.
Nero não tinha nada além das roupas do corpo. Tecnicamente, ele nem
tinha isso porque havia deixado sua blusa na villa. Tudo porque Miguel decidiu
entrar em fúria. E o que diabos foi aquela tentativa de suicídio do guarda-costas?
Nero levou dois segundos para entender a natureza absurda de seu plano.
—O-o quê? você é de verdade? Acha que não vão nos encontrar com software de
reconhecimento facial e helicópteros? O cartel tem recursos maciços. Não.
Precisamos ficar quietos e fazer as coisas que eles não esperam que façamos,—
Nero rosnou enquanto o carro acelerava ao longo de uma estrada escavada na
encosta íngreme de uma montanha.
—Talvez se junte a um circo enquanto estiver nisso, você se encaixaria
perfeitamente,— Miguel rosnou com os dentes cerrados.
—Não é uma má ideia. Você poderia ser o novo palhaço,— Nero respondeu
antes de arrancar o purificador de ar em forma de limão do espelho retrovisor e
jogá-lo pela janela.
A carranca de Miguel se aprofundou. —Ou um domador de jacarés porque
eu tenho uma paciência de santo com você há meses!
—Você foi pago por isso. Com dinheiro e a chance de tirar a vida de Raul
Moreno!
Miguel vinha planejando isso desde que se conheceram ou desde que
começou a trabalhar para Nero? Ou isso era algum tipo de trabalho suicida para
um cartel rival, destinado a ganhar um grande pagamento por seus parentes
vivos? —Para quem você está trabalhando?— Nero perguntou depois que todas
aquelas coisas passaram por sua mente como água descendo as corredeiras.
Os dedos tatuados de Miguel apertaram o volante, mas não havia para onde
virar, então discutir sobre o destino deles poderia esperar.
Ele nem olhou para Nero. —Eu fiz isso por mim.
—Oh, então isso foi uma tentativa de sair com um estrondo? Suicídio por
cartel? Foda-se!
—Não! Eu fiz isso porque seu pai precisava morrer! Eu não dou a mínima
para mais nada!— Miguel bateu com a mão no volante, mais animado do que
Nero jamais o vira. Ele estava perdendo. —Não é da sua conta, mas ele destruiu
minha família e teve que pagar, não importa quantos anos se passem!
As peças do quebra-cabeça espalhadas na cabeça de Nero se encaixaram e
ele bateu com a nuca no assento enquanto Miguel corria pela estrada sinuosa,
pisando no freio sempre que havia uma curva, para evitar cair nas barreiras e no
abismo abaixo.
—Claro que sim. Por que você não esperou seu lugar na fila?
—Eu esperei o suficiente.
Uma veia na lateral do pescoço de Miguel tornou-se mais pronunciada, e
quando a sensação de que Miguel não iria machucá-lo se estabeleceu no
estômago de Nero, o desejo de lamber aquele ponto tenso flutuou na superfície de
sua mente.
Ele precisava tirá-los daqui, mas como? A única chance que eles tinham era
ficar escondidos. O carro era muito revelador e seria visto facilmente de um
helicóptero, então eles precisavam de algo menos chamativo. E uma saída
daquelas malditas estradas montanhosas.
Miguel continuou correndo em direção à barreira de aço que protegia os
carros de cair e frear no último momento. A cada vez, a pressão repentina do
cinto de segurança no estômago de Nero o deixava enjoado.
—Quem te ensinou a dirigir?
Miguel endireitou os ombros. —Eu me ensinei.
Claro. Este dia só estava ficando melhor.
O cérebro de Nero estava superaquecendo enquanto ele pensava em suas
opções limitadas e difíceis quando uma lasca de cor chamou sua atenção no
espelho retrovisor. Apesar de a condução de Miguel exercer pressão sobre todo o
seu corpo, ele olhou para o banco de trás e riu ao reconhecer as quatro malas
idênticas guardadas ali. —Certo. Vire a direita. Suba aquela estrada de terra—,
disse ele, apontando para uma rota de fila única que levava às árvores, longe da
longa estrada que acabaria descendo e levaria a uma importante rodovia
nacional.
Miguel mostrou os dentes e apontou para o sinal de que eles estavam se
aproximando muito rápido. —A esquerda nos tirará das montanhas. Não é isso
que queremos?
Nero não teve tempo de se acalmar contando até dez, então bateu a mão no
painel e encarou Miguel. —Eu conheço este lugar, ok? Siga as instruções ou
morreremos!
Miguel deu-lhe um olhar de soslaio quando se aproximaram da bifurcação
na estrada, e quando Nero se preparava para se jogar ao volante e forçar a mão
de Miguel, o bastardo virou à direita tão bruscamente que a cabeça de Nero voou
para a janela e ele bateu no vidro.
A sombra das árvores oferecia um descanso muito necessário para os olhos
anteriormente forçados a olhar para o sol, e enquanto eles aceleravam a colina
sob um dossel que os impediria de serem vistos por um drone ou helicóptero,
Nero bebeu alguns goles de um garrafa de água armazenada no porta-copos.
Ele tinha um plano, e se tudo corresse bem, eles poderiam sair desta
situação de merda vivos.
Miguel respirou fundo. —Iremos o mais longe que pudermos,
verificaremos o bau em busca de qualquer coisa que possamos salvar e
caminharemos pelo deserto por um tempo. Eu sei uma coisa ou duas sobre
acampar, eu poderia nos manter alimentados.
Nero se espreguiçou e olhou para cima, para onde a luz do dia espreitava
na floresta. Ele não discutiria agora, determinado a economizar energia. —Você
queria morrer de qualquer maneira, certo? Se eu estragar tudo será por minha
conta, então apenas siga meu exemplo,— ele disse, irritado por não ter se sentado
no banco do motorista antes de Miguel enquanto o bastardo continuava se
revezando de uma forma rápida e nauseante.
—Eu concordei em colocar você em segurança primeiro, então eu
realmente dou a mínima.
O carro subiu a ladeira sem problemas, mas eles tiveram pouco tempo para
chegar ao ponto que Nero estava pensando. Esperava que nenhum turista tivesse
decidido parar ali para tirar fotos, pois para que seu plano desse certo eles
precisavam deixar o mínimo de rastros possível.
—Ah, acredite em mim, ninguém se preocupa tanto com a minha
sobrevivência quanto eu—, disse ele, espreguiçando-se no assento ao avistar o
fim do caminho à frente.
Miguel acelerou novamente, jogando areia para todos os lados, mas quando
o carro subiu até o fim e deu de cara com o mirante plano que terminava em um
penhasco, ele freou tão rápido que Nero, que acabara de desafivelar o cinto, caiu
no painel.
—Que porra é essa? Este é um beco sem saída. —Miguel olhou para frente
por alguns segundos, estupefato, mas depois saiu do carro. —Pegue o que puder
ser útil. Especialmente uma camisa, se você encontrar uma.
—Pare de entrar em pânico. Estamos exatamente onde precisamos estar,—
Nero disse e pegou duas das mochilas, jogando-as para fora do carro. Ele olhou
em volta, satisfeito por não encontrar vestígios de pessoas além de algum lixo e
uma marca de trilha em uma das árvores. Ele então pegou o velho moletom do
pai no porta-malas e o vestiu antes de revistar o porta-luvas. Havia duas revistas
de balas e algumas porcarias desnecessárias, mas nenhum dinheiro.
Miguel estava ocupado pilhando o baú e enchendo uma mochila vazia. —
Quase não há comida!— ele reclamou, mas era hora de acabar com essa farsa e
lembrá-lo de quem estava no comando.
—Não precisamos de comida. O que a gente precisa é esconder essa porra
de carro e sumir, porque a notícia da morte do papai já está se espalhando, e
quem ficar no comando vai querer a minha cabeça—, disse Nero e entrou no
veículo para rolar mais perto de uma ladeira descendo da área plana em torno do
ponto de vista, em uma floresta densa. Ele colocou o manche em ponto morto,
puxou a alavanca do freio de mão e desligou o motor antes de deslizar para fora e
olhar para o terreno na frente do Hummer.
O solo formava uma trilha natural para baixo que deveria guiar o veículo
para fora de vista, e seu peso deveria arrasar qualquer planta em seu caminho.
Nero assobiou para Miguel e soltou o freio de mão assim que ele saiu. —
Corta, corta! Empurrar.
Miguel parecia querer protestar, mas manteve a boca fechada e juntou-se
aos esforços de Nero.
Com o carro já em uma ladeira, não precisou de muito para iniciar sua
rápida descida. Nero exalou quando desapareceu de vista e ficou feliz em ouvir
um estrondo momentos depois. Parecia que o passeio favorito do pai terminou
sua existência terrena em alta. Mas o fato de não ser encontrado tão facilmente
não significava que ele e Miguel tivessem todo o tempo do mundo.
—Me dê seu cinto,— Nero disse e se ajoelhou na terra para tirar os
cadarços de seus sapatos.
Miguel franziu a testa. —Meu cinto? Pelo que? Posso precisar dela para me
enforcar — disse ele, sombrio.
Nero balançou a cabeça, grato pela silhueta alta protegê-lo do sol. —A
menos que você tenha experiência com pára-quedismo, vamos usá-lo para nos
amarrar—, disse ele e deu um tapinha em uma das mochilas descansando na
terra.
Miguel ficou rígido e seu olho estremeceu um pouco. —'Pára-quedas'?
Amarrado com um cinto e cadarços? Você está louco? Onde iríamos mesmo…—
Ele olhou para trás, para a borda do penhasco, oferecendo vistas de todo o vale.
—Não.
—Sim—, disse Nero e puxou o segundo cadarço com um guincho agudo
antes de abrir uma das mochilas coloridas. —E vamos usar o arnês do outro
pára-quedas. Eu só preciso ter certeza de que estamos bem amarrados ou você vai
cair.
Os braços de Miguel estavam rígidos e apertados ao lado do corpo, mas seus
dedos trabalhavam sem parar, como se ele estivesse usando um ábaco invisível. —
Esta é uma má ideia. Você já teve ideias ruins antes, muitas até, mas esta deve ser
a pior.
Nero sorriu. —Não é. Eu tenho feito isso desde a infância. E se você fizer o
que eu digo, podemos ficar com alguns hematomas, mas acabaremos em algum
lugar onde eles não vão nos procurar. Você tem medo de altura, Miguel?— ele
perguntou e puxou o arnês para colocá-lo.
—Não,— ele respondeu tão rápido que era suspeito. —Eu simplesmente
não gosto da ideia de cair de um penhasco quando poderíamos apenas caminhar
pela floresta, fora de vista. Não é como se eles fossem nos encontrar lá!— Mas a
maneira como ele estava perdendo a calma disse a Nero mais do que suas
palavras.
—Não vamos cair de um penhasco. Deslizaremos para o vale, onde
ninguém espera que estejamos, porque estamos do outro lado da montanha e
teríamos que fazer um desvio para chegar lá.
Miguel esfregou a testa com uma carranca. —As árvores nos esperarão, e
morreremos longas e dolorosas mortes empalados nelas. Se não tivermos sorte,
podemos ser mordiscados por abutres enquanto isso.
—Você é surdo?— Nero perguntou quando sua paciência começou a se
esgotar. Havia tanta besteira que ele poderia aguentar por causa de um rosto
bonito. —Eu te disse que já fiz isso antes. E eu conheço este lugar porque pulei de
paraquedas daqui .
—Você tem?— Miguel encontrou seus olhos, como se procurasse mentiras.
Lidar com ele era como tentar persuadir um gato a entrar na banheira.
—Miguel, sério, se eu quisesse te matar, eu teria feito isso na piscina ao
invés de arrastá-lo comigo como uma bola de chumbo no meu tornozelo. Eu
preciso de você,— Nero disse, apertando o arnês em seu peito. As alças das pernas
cederam bastante, então, se tudo corresse conforme o planejado, talvez pudessem
acomodar ambas as coxas.
Miguel demorou a olhar para o miradouro, mas depois aproximou-se com
o queixo erguido, como um rei que se aproxima da guilhotina. Ciente das
atrocidades que havia cometido, mas em paz com a punição. —Ok, o que eu
faço?
Nero afrouxou as tiras das pernas e abaixou-as, instruindo Miguel a pisar
nelas. Ele esperava mais resistência com a proximidade imposta, mas enquanto
Miguel enrijeceu quando o arnês aproximou seus quadris, ele não tentou discutir
ou se afastar, mais do que ciente da gravidade da situação. Vir aqui teria desviado
a perseguição, mas isso não mudava o fato de que o tempo deles era limitado.
Usando o outro arreio, os cadarços e o cinto de Miguel, Nero conseguiu
prendê-los e olhou para a beira do penhasco, para o sol alaranjado que já descia.
Foi só agora que as dúvidas abriram caminho sob sua carne. Porque, embora o
paraquedismo fosse bom, e se Miguel se acovardasse no último momento e os
fizesse cair abruptamente, onde poderiam encontrar seu fim picado por pedras
afiadas?
—Você vai fazer o que eu disse? Essa é a única maneira que isso pode
funcionar.
O cheiro de suor nas costas de Miguel se misturava com sua simples
colônia de menta, e embora Nero sonhasse em se esfregar em Miguel, não era
assim que ele imaginava que aconteceria.
—Eu vou—, Miguel disse asperamente, apertando a pequena mochila que
Nero lhe permitiu levar, e que ele colocou para trás para que descansasse em seu
peito, absorvendo seu batimento cardíaco acelerado ao lado do torso de Nero.
Nero engoliu em seco, olhando para a borda que poderia ser a salvação ou
a morte, dependendo de seu companheiro. Mas não adiantava prolongar essa
agonia e começou a contar.
Cinco. Quatro. Três. Dois. Um. Eles correram para a frente e, embora a
diferença de altura fizesse com que as tiras cravassem na virilha de Nero, ele
forçou sua mente a se concentrar na respiração. O abismo ensolarado estava cada
vez mais próximo, mas ele não diminuiria a velocidade, porque ficar aqui
significaria a morte final de qualquer maneira. E se esse salto acabasse matando
ele, ele pelo menos sairia com estilo.
Seu pulso acelerou, acelerando quando eles correram para a borda, mas
assim como ele temia que Miguel pudesse acabar parando e fazendo com que eles
caíssem para a morte, ele venceu seu medo e saltou para frente, como instruído.
Nero ficou tão chocado que quase se esqueceu de puxar o paraquedas, e
eles enfrentaram as profundas sombras do vale. Miguel gritou, fazendo os
ouvidos de Nero zumbirem, mas então o dossel branco se espalhou e pegou ar,
fazendo com que parassem rapidamente.
Capítulo 13
Nero

O SALTO ARRISCADO LEMBROU A NERO POR QUE ELE SE apaixonou pelo


paraquedismo. Era esse sentimento viciante de que ele poderia morrer a qualquer
momento, mas sobreviveu todas as vezes.
Ele adorava cruzar a linha tênue entre a vida e a morte. Isso o fez se
concentrar no momento, esquecer sua dura realidade, seu pai, e se concentrar na
sensação de liberdade absoluta que só o céu aberto poderia oferecer.
Mas Miguel não gostou nem um pouco do vôo e, conforme as tiras que
prendiam seus corpos puxavam Nero, ele ficou impressionado com o quão bem o
pobre coitado seguiu as instruções, considerando as circunstâncias. Então,
novamente, quem não o faria, quando a vasta paisagem verde tão abaixo deles
significava que eles estavam a um erro da morte certa?
Nero tentou guiá-los o mais longe possível do ponto de vista, mas encontrar
um bom ponto de pouso não seria fácil, porque seu peso combinado tornava a
descida e o planeio mais rápidos. Ele só podia esperar que as tiras de bricolage se
mantivessem juntas por tempo suficiente.
Apesar de desfrutar do calor de Miguel contra seu peito, Nero gastou o
precioso tempo em pensamentos que não poderia ter entretido durante a curta
viagem de carro. Ele odiava seu irmão e ainda assim alguém matou o bastardo.
Agora o mesmo acontecera com seu pai. Ele tinha tomado muito pouco arbítrio
em sua vida, flutuando por ela e aproveitando a correnteza sem pensar muito
sobre onde ela o levaria?
Hoje foi irreversível. Se sobrevivesse, teria que se esconder para sempre. Ele
pode conseguir acessar uma ou duas de suas contas secretas no futuro, mas
mesmo isso seria uma coisa arriscada a se considerar com gente como Hugo Cano
em seu encalço.
E, no entanto, ele estava arriscando tudo para salvar o homem que havia
causado essa calamidade e não se explicava. Um homem que o traiu por uma
causa pessoal. Um homem que parecia tão completamente perdido agora, ele
queria colocar uma arma na boca e atirar em seus miolos. O que poderia tê-lo
empurrado nessa direção?
Nero não deveria se importar, e o fato de que ele se importava significava
que ele tinha uma queda por Miguel, mas ele não estava mentindo sobre precisar
dele também. Se eles ficassem juntos, ele teria alguém para vigiá-lo enquanto
dormia e outra arma ao seu lado. O rosto bonito e a sexualidade ambivalente de
Miguel eram apenas um bônus.
O vale era usado para a agricultura, então ele deu um suspiro de alívio
quando passaram pela encosta e direcionaram o pára-quedas para longe das
árvores, para uma estrada que cortava a paisagem com sua linha austera.
—Você sente aquele vento em seu rosto?— Nero gritou, feliz por estar
escondido atrás da forma larga de Miguel, porque ninguém queria ar entrando
em seu nariz e olhos. —Nós vamos conseguir!
Miguel gritou algo de volta e apontou para a estrada, mas Nero não
conseguiu ouvi-lo por causa do vento. Se ele ainda estava tentando convencer
Nero de que eles deveriam voltar para a civilização, ele tinha outra coisa vindo.
—Pousar com as pernas dobradas—, Nero gritou enquanto puxava as tiras
que controlavam sua direção e os conduzia sobre os campos, para um pouso mais
suave. Isso poderia acabar em dor, mas pelo menos eles estariam vivos.
A sombra deles os seguiu por um campo marrom e depois para o próximo
terreno, verde com plantas crescendo em fileiras bem organizadas. Eles desceram
rapidamente, e Nero se preparou, sabendo que Miguel sofreria o impacto do
próximo impacto e querendo facilitar as coisas para ele.
Nero esperava diminuir suavemente a altitude quando algo estalou em seu
braço.
Seu coração parou quando ele percebeu que um dos cadarços quebrou,
desviando-os do curso com a súbita falta de equilíbrio. Miguel gritou, perdendo
toda a calma que tinha demonstrado até agora, e se arrastou no ar como um
inseto indefeso tendo suas asas arrancadas por uma força invisível. O dossel
retangular se inclinou em resposta à mudança repentina abaixo, e uma rajada de
vento os jogou na direção das árvores que separavam um campo do outro.
Merda.
Nero puxou a linha de direção para tentar corrigir o curso, mas era tarde
demais, e ele gritou quando eles dispararam em direção a copas de folhas grossas
que poderiam quebrar todos os seus ossos. Seu puxão de última hora foi o que
salvou Miguel de bater direto no tronco e permitiu que eles passassem entre duas
árvores, mas assim como Nero esperava que o perigo tivesse acabado, o arnês o
puxou para trás como se ele estivesse pulando de bungee-jumping.
O puxão rasgou uma das correias das pernas e, momentos depois, Miguel
escapou dele, caindo com um baque surdo.
O cérebro de Nero ainda estava em todo lugar, e ele nem tinha mais certeza
de onde ficava o chão. Mas quando o impulso o puxou de volta, seus movimentos
erráticos devem ter estragado alguma coisa, porque ele se viu pendurado com a
cabeça baixa e a corda cavando em sua perna e puxando o tornozelo.
—Ah, porra!
—Você está bem?— Miguel gritou de algum lugar que Nero não podia ver.
—Você é como uma piñata humana.
A cabeça de Nero ainda girava quando ele olhou além da sombra da árvore,
para o campo ensolarado além. —Eu vou te dizer quando eu souber que não
quebrei nada. Onde você está?— ele perguntou, tentando se mexer, mas se mover
apenas aumentou o aperto que a corda tinha em sua perna. Ele choramingou com
desconforto.
Miguel apareceu, mancando um pouco e segurando a virilha. —Estou aqui.
Ainda bem que não planejei filhos porque acho que não terei nenhum depois
disso. —Ele respirou fundo e tirou a mochila. —Eu vou cortar você.
Nero riu e tentou alcançar Miguel apesar da tensão em seus membros
quando seus sentidos pararam de se concentrar no perigo e reconheceram o
cheiro de solo ressecado pelo sol. —O que eu disse-lhe? Continua vivo!
Para sua surpresa, Miguel agarrou sua mão e a apertou. —Vivo.
Nero relaxou, aproveitando o calor de sua mão enquanto o vento fazia as
folhas ao seu redor sussurrar. —Pense nisso da próxima vez que quiser dizer que
minhas ideias são ruins.
Apesar da dor na perna, Nero errou os dedos no momento em que eles
escaparam de suas mãos. Miguel sacou uma faca e tentou alcançar as linhas
emaranhadas, mas acabou entregando a lâmina a Nero.
—Você corta e eu pego você.
Isso não soou como um sonho?
—Ajude-me a estender a mão?— Nero perguntou, e quando Miguel
empurrou seus ombros por baixo, ele agarrou a corda enrolada em sua perna
como corda em volta de uma salsicha. Sem tempo a perder, Nero serrou a maldita
coisa, suando enquanto mantinha a posição incômoda, mas a corda finalmente se
rompeu, e foi como se de repente ele tivesse se tornado uma estátua de chumbo
acelerando em direção ao chão.
Ele congelou, diante da fragilidade de seu pescoço, mas Miguel amorteceu a
queda, agarrando-se a ele, e eles caíram no pedaço de grama alta que dividia os
campos.
Apesar da dor que ainda latejava em sua perna enquanto recuperava o
fluxo sanguíneo, ele gostava de deitar em cima de Miguel. Acabou cedo demais
quando Miguel pigarreou e deu um tapinha nas costas de Nero enquanto as
cordas cortadas e o paraquedas emaranhado acenavam para eles de cima.
—Nada quebrado?— ele perguntou, e por um segundo, Nero quis mentir
sobre a extensão de seus ferimentos para obter algum cuidado e carinho.
Ele encontrou os olhos de Miguel, que pareciam translúcidos na luz do sol
quente. Sua pele barbada parecia mais corada do que o normal, e ele cheirava
mais intensamente também, como se a proximidade da morte tivesse despertado
algo novo em seu corpo.
—Você deveria checar.
As pálpebras de Miguel caíram em um estrabismo familiar. —Fora—, disse
ele, mas a maneira como ele cutucou Nero ainda foi gentil. Como se estivesse
disciplinando um cachorrinho.
Nero revirou os olhos, mas não tentou provocá-lo mais, já que eles estavam
fugindo, não em outro encontro que não fosse de natureza romântica ou sexual.
Ainda assim, ele foi cuidadoso ao dar o primeiro passo e, à medida que a
adrenalina foi diminuindo, ignorar as dores decorrentes da queda tornou-se cada
vez mais difícil. Mas ele podia andar e se mover, e isso era mais do que ele
poderia esperar.
—Vamos encontrar algum meio de transporte—, disse ele, respirando o
cheiro das plantas beijadas pelo sol.
Miguel levantou-se, verificou o conteúdo da mochila e olhou os campos. —
Não temos ideia de onde estamos, mas pelo menos percorremos uma distância
significativa da vila. Alguma outra habilidade secreta sua que eu deva saber?
Nero deu a ele um olhar sensual, já indo em direção ao sol poente. —Sou
muito bom em relaxar certos músculos à vontade.
Miguel franziu a testa. —Como assim?— Seu rosto estava sério, o que
indicava que ele não havia entendido a insinuação.
Nero revirou os olhos. —Acho que essa habilidade em particular é mais
fácil mostrar do que explicar—, disse ele, andando mais rápido à medida que sua
confiança na estabilidade de seus membros crescia.
O verdadeiro significado por trás das palavras de Nero deve ter ocorrido a
Miguel porque seus olhos se arregalaram. —Você quer dizer... Oh, Deus! Você é
um porco. Mesmo agora, quando mal sobrevivemos, é para lá que sua mente vai?
Nero deu de ombros, mas sorriu para Miguel, satisfeito com aquela reação.
—Miguel, as pessoas anseiam por sexo quando estão estressadas. É um fato
documentado. Você é o único que não recebeu o memorando,— ele disse,
correndo ao longo das árvores entre os campos de vegetais folhosos.
—Acho que não sou gente —, Miguel resmungou, franzindo a testa quando
algo zumbiu insistentemente, aumentando de volume.
Uma pessoa normal na situação deles teria parado na beira da estrada e
pedido carona, mas eles precisavam sumir do local sem que ninguém se
lembrasse de seus rostos. Ele puxou Miguel para trás de um arbusto quando uma
caminhonete vermelho-escura diminuiu a velocidade, parando à sombra da
última árvore da fileira.
Nero tentou não pensar na vida que havia perdido hoje, planejando apenas
um único passo à frente até que a situação deles se tornasse mais estável.
Qualquer outra coisa seria assunto para o futuro, irrelevante se não conseguissem
escapar da perseguição.
Seus lábios secaram quando ouviu as portas da caminhonete se abrirem e
baterem. Momentos depois, dois homens entraram no campo, focados na copa
brilhando na copa das árvores como uma bandeira, mas o olhar de Nero foi
atraído para o carro. Nessa coisa, ele e Miguel conseguiam fugir sem chamar a
atenção e atravessar com facilidade o terreno acidentado.
—Fique quieto.
Miguel lançou-lhe um olhar surpreso e ele murmurou: Não.
Sim, Nero respondeu balançando a cabeça em um ritmo acelerado. Ele ficou
aliviado quando Miguel permaneceu imóvel enquanto os dois homens passavam
correndo por eles, sem saber de sua presença. Devem ter visto o deslizar frenético
de Miguel e Nero, porque chamavam o dono do pára-quedas e ofereciam ajuda.
Boas pessoas sempre perdidas. Porque se aqueles dois fossem egoístas, Nero
não estaria correndo em direção ao veículo com a intenção de sequestrá-lo e
deixar seus proprietários no campo. Mas era um mundo de cachorro comendo
cachorro, e ele tinha toda a intenção de sobreviver.
Nero abriu a porta do motorista o mais delicadamente possível e sorriu ao
ver a chave na ignição. Este era seu dia de sorte. Qual o proximo? Ele estaria
marcando com Miguel?
Sentia-se como uma raposa entrando sorrateiramente no galinheiro, e nem
precisou olhar para trás para saber que Miguel estava logo atrás dele, apesar dos
protestos anteriores. Assim que Nero deu um sinal de positivo para Miguel, seu
guardião saiu correndo das sombras e pulou no banco do passageiro.
Bebidas e salgadinhos enchiam os assentos, como se os homens tivessem
acabado de compartilhar uma refeição sem valor, mas a atenção de Nero estava
no sol e na estrada que levava a ele. A estrada que os levaria para longe do perigo.
Ele pisou no acelerador, fugindo das duas figuras que se moviam ao
primeiro sinal de vida do caminhão.
Miguel pegou sua arma e a colocou para fora da janela aberta, atirando
para o céu. A última vez que Nero viu os donos do veículo foram os dois caindo
no chão de susto.
Ele riu e acelerou pela estrada, ignorando que alguns itens soltos caíram da
carroceria do caminhão, caindo no asfalto. Talvez a carga menor os ajudasse a
dirigir mais rápido e usar menos combustível? Alguém acabaria encontrando
aqueles caras, mas a essa altura ele e Miguel já estariam longe. E não era como se
o roubo de um caminhão velho fosse a maior preocupação da polícia.
—Procure um mapa—, disse Nero, levando Miguel a procurar no porta-
luvas.
Ele abriu um velho mapa esfarrapado com um suspiro profundo. —Talvez
se eu soubesse onde estamos, teríamos um ponto de partida.
—Estaremos atentos. Por enquanto, vou apenas aproveitar isso—, disse
Nero, relaxando no assento, que o proprietário do caminhão decorou com um
cobertor colorido que parecia feito à mão. —Isso só poderia ser melhor se
estivéssemos em um trator. Queria muito dirigir um desses quando era criança.
Miguel relaxou um pouco em seu assento vacilante. —Sim? Papai Moreno
não comprou para você um trator folheado a ouro no momento em que você
mencionou?
Nero riu e balançou a cabeça enquanto eles corriam pela paisagem, cada
vez mais longe da vila e dos corpos que haviam deixado lá. —Não. Ele disse que
eu estava pensando como um perdedor. Que alguém como eu não trabalharia
com as mãos.
Miguel tirou um maço de cigarros de um bolso de lona preso à porta do
passageiro e acendeu-o com um suspiro profundo. —Engraçado. Quando eu era
pequeno, meu pai me dizia para estar pronto para sujar as mãos, se quisesse
melhorar a vida de nossa família. Na época, pensei que ele queria dizer plantar
tomates. Agora sei que ele queria que eu me juntasse à sua organização.
—'Organização'?
Miguel deu de ombros. —Uma operação de contrabando de drogas em
pequena escala. Los Sepultureros.
Nero engoliu em seco quando as possíveis razões por trás da busca de
vingança de Miguel vieram à tona. Ele limpou a garganta. —O que aconteceu?
Você estava... no caminho?
Miguel deu uma longa tragada de fumaça e exalou pelo nariz, observando
os campos que se estendiam na vasta paisagem plana cercada por colinas verdes.
—Os Caimans queriam assumir e ofereceram umas migalhas para o meu pai,
mas ele queria ficar independente. Uma semana depois. Raul Moreno e seus
homens mataram ele e todas as minhas cinco irmãs. Foi quando terminaram
minhas aulas de tango, porque já não importava se eu sabia dançar. Tornei-me o
homem da casa e tive que aprender o que meu pai fazia para viver.
A garganta de Nero secou e ele olhou para a garrafa de refrigerante a seus
pés, sem saber se queria beber algo que um estranho estava consumindo sabe-se
lá quanto tempo atrás. Poderia muito bem ser mijo, pelo que sabia. —Desculpe.
Meu pai… todo o cartel destruiu a vida de muita gente. Acho que poucos são tão
determinados quanto você.
—Os outros homens que participaram do massacre estão mortos. Raul
Moreno era o último da minha lista. Mas dificilmente sou um anjo. O que ele fez
colocou a mim e minha mãe em um caminho sem final feliz e destruiu muitas
vidas no processo. Não há redenção na violência.
Nero observou o pomo de adão de Miguel quando inalou a fumaça e mais
uma vez notou a data tatuada no pescoço de Miguel. Se foi quando ele matou pela
primeira vez, então ele deve ter cometido o assassinato muito jovem.
— Você...— A imagem de Miguel apontando uma arma para a própria
cabeça passou pela mente de Nero, e ele limpou a garganta, ansioso para lembrar
a Miguel que havia mais na vida do que vingança. Este homem foi prejudicado
pelo que aconteceu com ele no passado, mas teria sido um desperdício se ele
apenas terminasse as coisas em vez de começar de novo. —Tenho certeza de que
sua mãe está esperando por você em casa.
Miguel balançou a cabeça. —Ela não precisa mais de mim. Ela ouvirá sobre
o resultado de hoje em breve e entenderá o que aconteceu. Há anos planejei dar
um tiro em Raul Moreno e depois ir ao cemitério mais próximo, encontrar uma
cova vazia e deitar lá. Não quero que algum inocente me encontre, mas os
coveiros estão acostumados com a morte.— Ele exalou e passou o olhar pelo rosto
de Nero. —Não se preocupe, posso esperar.
O desconforto torceu as entranhas de Nero, mas ele sorriu e deu um tapa na
coxa de seu companheiro sombrio quando passaram por uma aldeia com um
nome em uma placa de trânsito. — É isso que seu pai e suas irmãs gostariam de
você?
—Eles estão mortos, Nero. Não importa o que eles possam querer. Eu me
tornei o que minha mãe precisava que eu fosse, e agora estou feito,— ele disse e
olhou para o mapa. Nero começava a entender por que Miguel era daquele jeito
se vivia mergulhado nessa espécie de alcatrão emocional.
—Isso não significa que você não pode se transformar em outra coisa. Nós
nos divertimos nas últimas duas noites, não foi?
—Então? Estávamos passando o tempo. Não vou dizer não a um copo de
boa tequila só porque sei que a alegria não vai durar. Até hoje cedo, eu nem sabia
que veria o Canibal.
—Mas você fez. A vida é cheia de surpresas. Você nunca sabe o que está por
trás da esquina. Você nunca sonhou com nada? —Nero perguntou, chocado com
a extensão do niilismo13 de Miguel. Ele se considerava um cínico, mas isso levou o
bolo.

13 redução ao nada; aniquilamento; não existência.


Miguel apontou para a esquerda quando chegaram a uma bifurcação na
estrada, mas parecia pensativo enquanto mastigava o cigarro pendurado em seu
lábio. —Nunca pensei além da morte de Raul. Não parecia importar.
—Mas você ainda tem uma mãe. Ela deve sentir sua falta se você é o único
filho que restou—, disse Nero, embora nunca tivesse experimentado um lar
amoroso e baseasse suas suposições no que tinha visto na TV.
—Eu fiz o que ela queria que eu fizesse, isso será o suficiente para ela. Pare
de pressionar. O que é esse interrogatório? Desde quando você se importa se eu
vou para casa ou não? —Miguel perguntou, lançando a Nero um olhar sombrio.
—Eu não sei, Miguel,— Nero disparou enquanto eles passavam por um
pequeno supermercado nos arredores da vila onde eles preferiam não ser vistos.
—Talvez porque você tenha crescido em mim.
Miguel se curvou e olhou em sua direção, indecifrável como qualquer
outro réptil. —Como um tumor. Eu arruinei sua vida hoje.
Nero fez uma careta. —Talvez. Mas talvez você tenha acabado de me
libertar. Quando estávamos no ar, tive tempo de me perguntar por que não tinha
feito isso sozinho.
—Por que você não fez isso, se é o que você queria?
Porque uma parte de Nero tinha medo do pai da mesma forma que quando
criança.
Mas isso não era algo que ele estava disposto a compartilhar. —Não sei.
—Preguiçoso,— Miguel respondeu por ele, como se fosse seu trabalho
contrariar Nero, embora eles trabalhassem tão bem juntos.
Nero deu de ombros. —E se matar não é? Você poderia ter uma família.
Recomeçar.
Ele deve ter atingido um ponto fraco porque Miguel perdeu a calma e bateu
com a mão no painel. —Vamos acabar com isso de uma vez por todas! Não
haverá família! Eu sou um viado do caralho, Nero! Não vou começar uma família,
não vou voltar para casa para decepcionar minha mãe e estou fodido, ok? Eu não
sei como ser isso! Eu não quero lidar com isso!— Ele empurrou o cigarro pela
janela e pegou outro, corando profundamente. Ele parecia uma banana de
dinamite e o isqueiro em sua mão era um perigo mortal.
O coração de Nero se contraiu e ele se sentiu tonto ao olhar para a estrada
irregular, tentando evitar buracos e irregularidades enquanto Miguel se
enfurecia, finalmente confirmando o que Nero esperava o tempo todo.
Mas o que havia para esconder se o próprio Nero era gay? Miguel queria
desencorajá-lo, porque discordava do estilo de vida de Nero ou o achava muito
lascivo?
Miguel o achou sujo depois de ouvir todas as histórias de suas conquistas e
muitas vezes ouvi-lo ser fodido?
O desconforto deixou uma pressão estranha em seu peito, e ele limpou a
garganta. —Eu poderia ter ajudado se soubesse.
As mãos normalmente firmes de Miguel tremiam enquanto ele acendia o
próximo cigarro. —Não há nada que você possa me ajudar. Não somos iguais.
—Nada? Não me faça rir. Você poderia ter conseguido tantos boquetes,
Miguel. Eu teria chupado suas bolas e enfiado fundo em seu pau. Imagine ir
passear juntos e depois se recostar em algum lugar discreto para me deixar fazer
minha mágica. Minha boca está tão quente e molhada que pode levar um pouco
de brincadeira,— ele brincou, observando Miguel com o canto do olho.
Mas as mentiras de Miguel irritaram Nero, porque ele era um merda
quente e sabia disso. Por que Miguel, gay e solteiro, o trataria com indiferença? A
única outra coisa em que Nero conseguia pensar era aquele drama interno
acontecendo em alguns caras enrustidos, mas mesmo isso não poderia segurar
uma vela para boquetes grátis de um cara gostoso. Nero havia rompido essas
defesas esfarrapadas mais de uma vez.
Miguel deu uma tragada tão intensa que queimou metade de seu cigarro, e
Nero não deixou de ver como ele virou os joelhos em direção à porta. —E esse é o
seu problema! Você transaria com qualquer um. Isso me enoja.
Não deveria doer. Afinal, Miguel tinha todo o direito de recusá-lo. E ele
estava longe de ser o primeiro homem a jogar essa palavra na cara de Nero, mas
não pôde evitar a sensação de decepção e perda que agora nublava tudo,
inclusive o sol, que de repente parecia opressivo em vez de quente.
—Isso também me enoja. É por isso que consigo mais pessoas para me
foder, para me punir por ser uma vadia tão suja. Eu não posso nem contar todos
os paus que estiveram na minha bunda até agora,— ele disse, querendo empurrar
Miguel ainda mais, até que ele estava tão desconfortável que calou a boca.
O silêncio se estendeu, fazendo Nero se coçar, e ele já pensou em todas as
respostas que poderia usar quando viu Miguel tirar o cigarro da boca.
—Vire à esquerda—, disse ele com voz firme.
Então Nero virou à direita para irritá-lo.
—Eu disse para virar à esquerda!
Nero levantou a voz até sair do fundo do peito. —Eu não quero! Estamos
indo bem, porque o que diabos você sabe sobre qualquer coisa?
Miguel balançou a cabeça. —Sim, claro, o que eu sei? Eu sou apenas aquele
com o mapa. Retorne!
—Porra. Você,— Nero sibilou e pisou no acelerador, correndo cada vez
mais longe da direção que Miguel lhe disse para seguir.
Ele não seria informado sobre o que fazer. Não por um cara que odiava
tudo nele. Não por um cara que achava que uma boa ideia para o futuro era
deitar e morrer. Maldito idiota. Nero lutaria pelo seu direito de existir até a morte,
até o último suspiro que lhe restasse, mesmo que aos olhos de Miguel sua vida
fosse inútil e 'nojenta'. Ele se divertiria enquanto vivesse e não se desculparia com
ninguém por isso.
Pelo menos Miguel fechou a porra da cara e não falou mais besteira.
Capítulo 14
Miguel

ELES DIRIGIRAM POR HORAS em um silêncio desconfortável, brincando de


mijar sobre quem diria ao outro que eles precisavam fazer xixi primeiro, mas
como Nero perdeu aquele jogo não dito, Miguel também foi para o lado da
estrada assim que Nero parou o caminhão. Eles não tiveram que trocar uma única
palavra.
Do jeito que as coisas estavam indo, Miguel deveria estar grato por Nero
não ter ido embora sem ele.
O humor de Miguel escureceu junto com o céu, e quando o sol se pôs, suas
esperanças para a conversa aumentaram. Ele não deveria ter dito o que disse, e o
arrependimento estava crescendo em sua garganta como um tumor, mas as
palavras cruéis que ele cuspiu em Nero não podiam ser retiradas.
Ele nunca foi ensinado a levar em consideração os sentimentos das pessoas,
e na época em que conheceu Nero Moreno, Miguel o vira alegre, travesso e
zangado de tantas maneiras diferentes. Mas mágoa e tristeza nunca fizeram parte
de seu repertório, como se sua pele escura fosse feita de aço em vez de carne, e
impenetrável a palavras duras, até algumas horas atrás.
Alguém que não conhecia Nero desde que Miguel poderia ter classificado
seu comportamento como raiva, mas um Nero furioso quebrou coisas com um
taco de beisebol e gritou. Esse tratamento silencioso era tão fora do personagem
que Miguel se sentia cada vez mais culpado por cruzar uma das poucas linhas
que Nero parecia ter. Mas ele foi ensinado a aterrorizar as pessoas, mirar bem e
sobreviver por conta própria, não como comunicar sentimentos que não deveria
ter.
Ele fumou um cigarro atrás do outro durante toda a jornada por estradas
poeirentas, mas não foi sua garganta que rangeu em protesto no final, mas o
motor deles.
Eles se recusaram a falar, mesmo quando começou a borbulhar. Quando o
caminhão parou em uma colina, Nero silenciosamente o colocou em ponto morto
e o controlou com o freio até chegarem ao fundo da encosta e a gravidade não
pudesse mais impulsioná-los para frente.
Nero deslizou para fora e olhou para o céu laranja que fazia seu cabelo
verde parecer que estava pegando fogo. —Dá para ver o rio lá de cima. Vamos
encontrar um porto. Ou roubar outro carro, ou algo assim,— ele murmurou,
quebrando o longo silêncio, e começou a se afastar sem verificar qual era a
opinião de Miguel.
Miguel balançou a cabeça e tirou uma lanterna da mochila. —Ou talvez
você pudesse ter ouvido quando eu tentei lhe dizer para onde ir. Você sabe que há
predadores por aqui, certo?
—Somos dois e estamos armados—, disse Nero, franzindo a testa para o
contorno sombrio de uma roda-gigante no fundo do céu colorido. Ao lado havia
outras estruturas claramente pertencentes a um parque de diversões. Mas apesar
de ser tarde, Miguel não via luzes, nem atividade naquela única prova da
presença humana.
—Seria melhor ficar com o caminhão até de manhã e só então tentar
descobrir onde estamos. A bateria desta lanterna não vai durar para sempre.
Mesmo que Miguel agora não se importasse se ele viveria ou morreria, ele
havia prometido a Nero que o colocaria em segurança, e ele estava pronto para
cumprir essa promessa.
Nero suspirou. —Por que? Tem um parque de diversões completo lá. Eles
certamente terão alguma comida, ou uma estrada, ou algo assim.
—Não há luzes. Provavelmente está deserto como em algum filme
distópico.— E, no entanto, Miguel seguiu Nero, empurrado pela culpa que o
consumia aos poucos. Por que ele estava se sentindo assim no dia em que
cumpriu seu destino matando Raul Moreno? Deveria ter sido um momento de
triunfo, mas ele não sentiu alívio. Porque qual era o seu propósito agora que o
único objetivo pelo qual ele foi afiado já estava atrás dele? Uma ferramenta tão
perigosa quanto ele não era apropriada para descascar cenouras.
Ele havia sobrevivido à sua utilidade.
—Mas vai haver espaço para nos deitarmos, e eles não o teriam construído
se não houvesse uma estrada boa ou uma cidade próxima. E mesmo que esteja
fechado, podemos encontrar alguma comida embalada,— Nero raciocinou,
acelerando quando a luz fraca começou a cansar os olhos de Miguel.
Miguel ficou um passo atrás dele para evitar o olhar de Nero, mas isso não
resolveu o problema de estarem juntos em condições tão ruins. —Claro, fichas
expiradas há muito tempo. Delicioso,— ele resmungou.
—Melhor que nada. Além disso, pelo que sabemos, pode não estar
abandonado, apenas fechado para reforma ou algo assim.
Era uma ilusão, e ambos sabiam disso, mas Miguel se conteve para não
fazer outro comentário enquanto caminhavam pela estrada arenosa que cortava
pastagens pontilhadas por árvores de copas largas.
Nem um único veículo passou por eles desde que deixaram o caminhão e,
embora Miguel pudesse ouvir alguns ao longe, ele não esperava outro roubo de
carro fácil esta noite. Mas como o terreno irregular sob seus pés o cansava, ele
ficou aliviado ao pisar em uma estrada bastante estreita e salpicada de buracos,
mas pelo menos feita de asfalto. Além dela, arbustos grossos se espalhavam em
ambos os lados da estrada que levava ao aglomerado de formas abstratas que
gradualmente se misturavam ao céu que escurecia.
Árvores, que deviam ter sido plantadas ao longo da estrada para o parque
de diversões, bloqueavam o que restava da luz do dia com suas copas frondosas, e
quando Miguel apontou a lanterna à frente, as sombras assumiram formas
sinistras. Ele nem sonharia em mencioná-lo a Nero, já que sua preocupação com
o que poderia estar escondido na densa vida vegetal sem dúvida levaria à
zombaria. Então ele disse a si mesmo que era apenas sua imaginação brincando
com ele e se concentrou nas ervas daninhas que cresciam nas rachaduras do
asfalto até chegarem a um ponto onde poderiam seguir em frente ou virar à
direita.
—O que é isso?— Nero perguntou e apontou para o lado.
Miguel se virou para iluminar a área para ele, e um grito saiu de sua boca
quando suas preocupações abstratas tomaram a forma de um rosto de palhaço
gigante olhando para ele. Ele largou a lanterna e deu um passo para trás apenas
para perceber, segundos depois, que havia feito papel de bobo, porque o palhaço
era apenas uma pintura velha e descascada em um arco convidando as pessoas
para o Funland.
—Isso é... uma coisa? Você é uma daquelas pessoas que tem medo de
palhaço?— Nero perguntou, e na luz moribunda, Miguel podia ver um sorriso
naquele rosto bonito.
Com a vergonha fervilhando em sua cabeça, ele pegou a lanterna, já
sabendo que haveria mais narizes vermelhos e golas maciças com babados na
terra dos horrores que Nero insistiu para que entrassem. —Não. Eu só não gosto
de seus rostos. O que eles estão pensando? Eles estão realmente felizes? Eles estão
fingindo? Você simplesmente não sabe quando eles vão te esfaquear no estômago.
É enervante.
—Essas coisas poderiam descrever qualquer homem do cartel. Você, por
exemplo, atirou em meu pai logo depois de sorrir para mim—, disse Nero,
passando pelo arco coberto de trepadeiras, que obscurecia parcialmente sua
superfície descascada. Uma enorme pilha de lixo jazia atrás da entrada, espalhada
como mofo tomando conta desse lugar há muito negligenciado. Eles ainda não
haviam alcançado nenhuma das atrações visíveis de longe, mas o estado do que
eles viram até agora provou que, mesmo que o fechamento fosse temporário, há
muito se tornou permanente.
O estômago de Miguel caiu. A conversa sobre seu sorriso foi um prelúdio
para Nero exigir que Miguel cumprisse sua aposta? Miguel sorriu para Nero
apenas porque achava que não sobreviveria tempo suficiente para se ajoelhar na
frente de Nero, abaixar as calças e colocar a boca em...
Um estremecimento profundo percorreu Miguel, espalhando uma sensação
gelada até que ele se contorceu. Nero tentaria forçar as coisas? Só o pensamento
deixou suas mãos e pés mais frios do que o normal.
—Eu só queria – não importa. Prestar atenção. Qualquer coisa pode estar
escondida aqui—, disse para mudar de assunto ao passarem por um grande lote,
que no passado deve ter servido como estacionamento. Restava um único veículo,
mas sua carcaça enferrujada não ia a lugar nenhum sem rodas e com uma árvore
crescendo no capô aberto. Pequenas plantas brotaram ao redor, criando uma
imagem sinistra de galhos finos alcançando o céu.
—O que você queria fazer quando sorriu? Provocar-me uma última vez?
—Nero perguntou, indo direto para a congregação de estruturas misteriosas.
Apenas um punhado deles era alto, incluindo a roda-gigante e a modesta
montanha-russa enrolada em uma estrutura semelhante a uma torre.
Esperançosamente, eles poderiam encontrar um lugar para dormir em um dos
pequenos prédios que brotavam ao redor dos brinquedos. Era uma paisagem de
aço e ferrugem, em cores que pareciam bastante vivas à luz da lanterna, mas que
pareciam desbotadas pela manhã. Miguel preferia passar a noite na floresta do
que entre estátuas de palhaços assustadores, cercado por restos de uma outrora
próspera Funland, mas a noite já havia caído e não havia sentido em tentar
encontrar um lugar melhor.
As estátuas e recortes de madeira apodrecidos observando-o com olhos
mortos não eram tão aterrorizantes quanto a pergunta ardente lançada no rosto
de Miguel agora que Nero decidiu falar com ele novamente. Porque como ele
explicaria suas motivações agora, quando a realidade virou de cabeça para
baixo?
Na vila de Raul Moreno, Miguel teve a ideia romântica de que o sorriso
poderia mostrar a Nero o que eles poderiam ter sido em um mundo que não os
colocasse um contra o outro. Que, apesar de sua justa raiva e dor, Nero
entenderia brevemente que Miguel realmente gostava dele. Que a conexão deles
era verdadeira, mesmo que Miguel caísse em uma tempestade de balas segundos
depois. Ele queria deixar Nero com boas lembranças dele, ou pelo menos tão boas
quanto pudessem, dada a situação impossível.
Mas Nero, sempre o curinga, fez o impensável e ficou do lado de Miguel
sobre os homens de seu pai. O que agora deixava Miguel neste estranho
purgatório, onde não poderia retirar aquele sorriso. Ele assumiu ser gay em um
ataque de raiva e agora flutuava em um oceano de incerteza, preso em uma
jangada com o único homem que poderia salvá-lo ou enfiar a cabeça sob as
ondas.
Miguel engoliu em seco, tentando colocar a tempestade em sua cabeça em
palavras. —Eu queria...
Ele caiu para a frente com um ganido acompanhado por uma raquete
soando suspeitosamente como recipientes de metal se quebrando.
—Miguel?— Nero perguntou, e a lanterna em sua mão revelou... uma
armadilha esticada no caminho entre o estacionamento e o parque de diversões.
Com garrafas de vidro e latas presas, era obviamente para alertar quem poderia
estar ocupando o parque de diversões.
O sangue foi drenado do rosto de Miguel, e ele se levantou, enxugando as
mãos nas calças e pronto para lutar. No momento em que ele estava pegando o
coldre, eles ouviram várias armas sendo destravadas.
Ele levantou as mãos e avançou na frente de Nero, mas era difícil dizer onde
estava na frente se alguém conseguisse rastejar até eles e mirar em suas costas. —
Nós nos perdemos—, disse ele, procurando por olhos na escuridão. —Não
queremos fazer mal.
Uma voz masculina veio de entre os restos das bilheterias à frente. —
Ninguém se perde aqui. As pessoas vêm aqui porque correm.
Assim como Miguel exalou com alívio, convencido de que havia localizado
a origem do perigo, um galho quebrou sob o peso de alguém ao lado de Miguel
também, sugerindo que eles estavam sendo cercados.
Nero permaneceu imóvel, lançando o brilho da lanterna na armadilha e nas
pontas de seus tênis enquanto a névoa se erguia ao redor deles na mais tênue das
nuvens. —Todo mundo corre às vezes.
Um touro14 saiu de trás de uma das cabines, escondendo-se atrás de uma
espingarda. Miguel instantaneamente se concentrou na tatuagem que cobria seu
queixo. Era uma bússola indicando que North jazia aos pés do homem, que
qualquer um com algum conhecimento sobre o crime organizado teria
reconhecido como o símbolo de uma gangue conhecida como Conquistadores.
Não importa o quanto Miguel gostasse de olhar para a tinta de Nero, ele agora
desejava que Nero tivesse uma jaqueta para cobrir seus braços marcados com
Caiman.
—A questão é: do que você está fugindo? — perguntou outra voz, esta
mulher com um sotaque que ele não conseguia identificar.
—Não importa. Perdemos nossos perseguidores. Tudo o que precisamos é
um pouco de água e um lugar para passar a noite. —Miguel olhou para o lado,
para a mulher que emergiu de trás de uma cerca dilapidada com uma pequena
arma. Ela tinha um braço, e a lanterna revelou uma cicatriz feia que ia do
maxilar ao olho esquerdo.
—É Nero Moreno—, disse outra pessoa.

14 Alguém provavelmente forte e sem racionalidade.


O sangue de Miguel se transformou em mercúrio, envenenando cada
pedacinho dele. O pior tinha acabado de acontecer, e eles estavam em menor
número para ele proteger Nero, mesmo que ele escolhesse dar sua vida pela
causa.
A mulher respirou fundo e a arma em sua mão estalou, como se ela só
precisasse puxar o gatilho com um pouco mais de força para estourar os miolos
de Nero. —Fodam-se os Caimans!
A terceira voz deu um gemido baixo. —Eu estou bem aqui.
Um homem emergiu e, conforme ele se aproximava do círculo de luz, as
tatuagens em forma de escamas em seu braço exposto tornaram-se óbvias. Ele era
muito alto e esguio, como um junco, mas segurava sua própria arma com a
confiança de alguém com uma experiência assustadora. Ainda assim, o corte de
cabelo cortado em forma de tainha com os lados raspados e um pequeno bigode o
faziam parecer jovem.
—Você não é mais um deles,— a mulher contestou, e Nero finalmente se
mexeu, levantando a cabeça.
—Nem eu.
Touro bufou e apontou para eles com a espingarda. —Nem todo Caiman é
um Moreno, mas você não tem esse privilégio.
Miguel aproximou-se de Nero. —Nós matamos o pai dele hoje, e você
afirma questões de sangue?
O silêncio prolongado foi o efeito que Miguel esperava.
O Caiman foi o primeiro a baixar a arma. —Raul Moreno está morto?
Os ombros de Nero, que até então pareciam os galhos imóveis de uma
árvore, relaxaram um pouco. —Morto por aqueles que ele menos esperava.
Um quarto homem, mais velho, careca e com um tapa-olho decorado com
um X brilhante bordado no meio, revelou-se. Ao contrário dos demais, ele ainda
carregava a arma no coldre e caminhava ao encontro deles, como se tivesse o
status de líder desse pequeno bando de bandidos de várias gangues que no
mundo real lutavam por território todos os dias. Mas no universo surreal de aço
enferrujado e sonhos desfeitos, eles se uniram contra uma ameaça comum.
O olhar de Nero se concentrou no Caiman, sem demonstrar medo. —Você
sabe que ninguém quer alguém como eu nas rédeas. Matamos meu pai e depois
fugimos, deixando os outros lutando pelo poder sobre seu cadáver.
O homem mais velho os olhou de cima a baixo e, no final, ofereceu a mão a
Nero. —Damos as boas-vindas aos párias. A boa notícia ainda não chegou até
nós, mas se você realmente fez o que disse, devemos uma bebida a você. Eu sou o
Peto. Se você pretende ficar, precisará se esforçar, mas podemos conversar sobre
isso mais tarde. —Um gesto dele fez com que todos os outros baixassem suas
armas.
Miguel suspirou e se apresentou quando Peto apertou sua mão. Ele tinha
um símbolo de cobra gravado em seu antebraço, o símbolo de Los Serpientes, uma
organização notoriamente esmagada pelo cartel Moreno em uma aquisição brutal
alguns anos atrás. E ainda assim ele estava aqui, respeitado por todos.
A mulher cuspiu no chão, mas guardou a arma no coldre antes de jogar o
cabelo para trás enquanto o homem enorme se aproximava para sussurrar algo
em seu ouvido. Nero também apertou a mão do líder, e o ex-Caiman, que se
apresentou como Dante, deu três sinais curtos com um apito, provavelmente se
comunicando com os outros membros dessa estranha comunidade.
—Sou Quinto—, disse o touro, estendendo a mão primeiro a Miguel, depois
a Nero, como se quisesse enfatizar que o posto anterior não significava nada aqui.
—E esta é a Sofia.
Apesar das apresentações estarem fora do caminho, Miguel sentiu a tensão
no ar, mas Dante estava muito curioso sobre os detalhes da morte de Raul para
deixar qualquer silêncio se esgueirar. Pelo menos Miguel não foi forçado a falar
muito porque o charme falso de Nero entrou em ação quando ele começou a
tecer uma divertida história de sua fuga. Ele repetiu assim que foram conduzidos
a uma fogueira onde vários outros homens e mulheres se reuniram para comer e
beber.
Era estranho vê-lo assim depois de conhecer o verdadeiro Nero Moreno,
porque embora sempre tivesse sido sedutor e divertido, Miguel não tinha dúvidas
sobre o verdadeiro estado de espírito de Nero. Ele estava chateado e azedo ao
longo das últimas horas, e só tinha ligado a máquina de ofuscamento para
agradar a um bando de pessoas que, de outra forma, poderiam matá-los a tiros e
deixar suas carniças para os animais.
O brilho quente do fogo deu vida aos esqueletos da antiga glória da feira. À
luz do dia, as cores pareceriam desbotadas e a pintura descascada – terrível, mas
as chamas zumbiam acrescentando movimento a cada superfície ao redor da
praça no centro do parque de diversões. Os rostos de personagens piratas da
Disney, cowboys e híbridos de animais ganharam uma nova vida enquanto a
bebida corria nas veias de todos ao ritmo de uma guitarra em necessidade
desesperada de restrição.
Alegrou-se por conseguir um pouco de água e uma tigela de ensopado com
feijão, arroz e uma espécie anônima de carne, mas toda vez que olhava para Nero
rindo com esses vagabundos, perdia o apetite. Depois desse dia infernal e do
longo silêncio, não havia nada que ele desejasse mais do que ter toda a atenção de
Nero voltada para ele. Mas no momento em que outras pessoas estavam por perto,
Miguel se tornou um brinquedo de mastigar danificado jogado no canto. Talvez
ele merecesse isso depois de dizer coisas tão horríveis no caminhão, mas isso não
tornava ser ignorado menos frustrante.
Então talvez ele estivesse vivo e prestes a dormir em algum lugar seguro,
mas tudo o que ele conseguia pensar era que ele havia fodido tudo, e as palavras
feias que ele cuspiu na cara de Nero continuavam tilintando em sua cabeça e
machucando-o com suas pontas afiadas. Não era por Nero que ele sentia nojo,
mas por si mesmo. Porque ele não deveria querer um homem, especialmente o
filho de Raul Moreno, mas agora, depois de sobreviver inesperadamente à sua tão
esperada vingança, uma parte dele se perguntava se poderia provar o fruto
proibido pelo menos uma vez antes de descansar em seu túmulo.
Ele não estava indo para o céu de qualquer maneira.
Pena que a oferta de sexo de Nero agora seria revogada.
Miguel não tentou corrigir as mentiras de Nero sobre eles planejarem
juntos a morte de Raul Moreno. Era uma forma de garantir a segurança de Nero
neste ninho de predadores que de alguma forma se saíam melhor de sua própria
espécie, mas enquanto Nero dançava com uma das mulheres, Miguel sentiu-se
carrancudo em seu ensopado, esquecido e sozinho nas sombras.
Ele estava sujo sob a bota de Nero Moreno.
—Não precisa ficar com ciúmes. Ela está comprometida. É apenas uma
dança,— uma voz disse, e Miguel se encolheu, virando-se para olhar para Dante,
o Caiman, que se esgueirou para cima dele muito silenciosamente para o conforto
de Miguel.
Miguel tomou um gole do hediondo aguardente que só o deixou mais
amargo com o mundo. —Por que eu ficaria com ciúmes? Ele pode fazer o que
quiser, desde que não nos cause problemas. —Especialmente porque nada
aconteceria entre Nero e uma mulher.
Dante sugou a fumaça de um pequeno cachimbo e cruzou as longas pernas
enquanto se acomodava em um banco de madeira ao lado de Miguel. —Oh. Então
você não é um dos dele...
Arrepios beliscaram a carne de Miguel, até suas orelhas em chamas. Ele
nunca admitiu para ninguém além de Nero que ele poderia de fato estar
interessado em homens, e ele não estava disposto a isso. Ele também não era um
entre muitos.
—Não. Somos apenas dois homens que por acaso tinham o mesmo objetivo.
Ele estava mentindo descaradamente. Miguel não tinha nenhuma razão
lógica para perder tanto tempo e esforço em levar Nero para um lugar seguro. Ele
não havia pedido para ser resgatado e, portanto, não devia nada a Nero, mas
decidiu ficar com ele por causa dos sorrisos honestos que Nero tinha para ele e
pela maneira como ele se deixou levar por Miguel em um tango. Essas eram
coisas triviais que não deveriam importar para um homem tão difícil quanto
Miguel, mas para o bem ou para o mal, esse homem era sua fraqueza, e não havia
como negar essa realidade.
Quando a melodia do violão ficou mais rápida e uma das mulheres
começou a cantar, a parceira de dança de Nero foi para o colo de seu homem,
mas uma nova ameaça entrou em cena, fazendo Miguel se sentar e prestar
atenção.
O cara que se apresentou brevemente como Osvaldo, mas a quem todos
chamavam de Ossie, aproximou-se de Nero em um movimento oscilante com o
tipo de sorriso genuíno de que Miguel não era capaz. Ele estava sem camisa,
exibia os ombros largos e o corpo tatuado sem pudor.
As cólicas reviraram as entranhas de Miguel quando Ossie se inclinou para
o ouvido de Nero, sussurrando algo que fez rir a ameaça de cabelos verdes que
ocupava os sonhos secretos de Miguel. Ele também tirou a blusa, revelando o
jacaré gigante em seu peito. As escarificações adicionavam textura à tatuagem, e
os dedos gananciosos de Ossie deslizavam pelas saliências enquanto ele balançava
ao som da música.
As entranhas de Miguel se encheram de um ácido tão potente que uma gota
dele poderia matar, e enquanto ele não tinha ideia do que fazer, seu corpo subiu
no piloto automático, porque ele precisava parar o que estava para acontecer.
—Ei, ninguém quer ver isso,— o grandalhão, Quinto gritou, mas Sofia o
distraiu abraçando-o mais perto.
Miguel esperava mais resistência, queria que Nero e o outro homem fossem
repreendidos por fazer algo que não deveria ser feito em público, ou nunca, mas
a multidão parecia muito distraída, ou talvez muito bêbada para se importar com
os sorrisos significativos compartilhados por dois homens no meio de seu
acampamento.
Nero havia dito tantas vezes que os homens com quem dormia estavam
atrás de coisas que ele poderia lhes proporcionar, mas era dolorosamente óbvio
que ele possuía todo o charme necessário para atrair pessoas mesmo sem seu
status, enquanto Miguel permanecia o vira-lata indesejado observando casais
felizes sob o mesmo teto.
O estranho puxou o braço de Nero, torcendo-o para ver uma tatuagem do
outro lado, mas do jeito que Nero relaxou, encarando-o com um sorriso, o gesto
parecia mais uma preliminar.
Dante bufou. — Tem certeza de que não está com ciúmes?
Miguel fez uma careta para ele e jogou a tigela de metal que havia
esvaziado no chão. —Isso não é - não importa.
Com o crânio cheio de pensamentos caóticos, ele percorreu o caminho de
Nero com a determinação de um urso acordado de seu sono de inverno. Ele estava
faminto, zangado e pronto para arrancar a cabeça de Ossie se não tirasse a mão
suja da barriga de Nero.
Ele chegou ao lado de Nero muito rápido, frustrado com a forma como a luz
da fogueira brilhava nos piercings dos mamilos de Nero, seduzindo-o a tocá-lo.
Como ele tocaria um homem pela primeira vez na casa dos trinta? Muito menos
alguém tão experiente?
Ossie ergueu as sobrancelhas para Miguel como se ele fosse o intruso, mas
o olhar de Nero era neutro, perguntando a Miguel o que ele queria.
E o que ele queria? Era uma pergunta que ele deveria ter feito a si mesmo
antes de invadir o bloqueio de Nero.
—Precisamos conversar—, ele cuspiu, apesar de sentir a garganta seca
como se tivesse sido polvilhada com lascas de madeira.
Depois de horas de silêncio, ele meio que esperava que Nero o
envergonhasse com um comentário obsceno ou fizesse Miguel se contorcer na
companhia desse outro cara que tão claramente queria tocar Nero e conhecê-lo
melhor em algum lugar fora de vista. Mas Nero assentiu e se dirigiu para os
trilhos retorcidos da montanha-russa, que de alguma forma ainda eram visíveis
ao luar.
Miguel mal conteve a fúria quando Ossie agarrou o pulso de Nero e
perguntou: —devo esperar por você?
Os lábios carnudos de Nero se apertaram. Seu olhar passou pelo rosto de
Miguel, como se estivesse procurando por algo, mas o que poderia ser se era tão
óbvio que Miguel não poderia fornecer o que ele estava procurando?
Ainda assim, ele puxou a mão do aperto de Ossie e encolheu os ombros. —
Não. Tem sido um longo dia.
Miguel queria dar um tapa naquela mão intrusiva para garantir, mas até
ele sabia que Ossie não tinha feito nada de errado. Então ele manteve sua raiva
caótica sob controle e seguiu Nero para longe da fogueira, hipnotizado pelo
emaranhado de dentes afiados de jacaré pegando caudas de répteis em suas
costas. Miguel tinha sido o único a tirar Nero de uma conexão potencial, mas
agora não conseguia encontrar uma única palavra para dizer. E se eles... não
falassem? E se Miguel alcançasse Nero e o lambesse da nuca ao ombro? Nero o
afastaria ou deixaria acontecer?
Eles circularam um prédio que se anunciava como uma casa mal-
assombrada com um palhaço assustador como seu monstro mais proeminente e,
graças a Deus, Nero não entrou. Porque então Miguel teria que segui-lo, e ver
aqueles rostos brancos e sorridentes no escuro seria demais para aguentar depois
desse dia infernal.
À medida que se afastavam do alegre círculo de ex-membros de gangues e
se aprofundavam no parque decrépito, o luar prateado tornou-se seu guia. Mas,
apesar de tantas vezes ser chamado de romântico, em um lugar tão consumido
pela podridão, isso apenas aumentava o fator assustador. Pedaços de equipamento
e lixo foram empilhados nas laterais dos becos, e os brinquedos e barracas
anteriormente coloridos agora repeliam visitantes raros com pintura descascada e
ferrugem.
Em completo silêncio, Nero conduziu o caminho através de um portão de
madeira, que milagrosamente permaneceu intacto, e entrou em uma área que
tinha o tema do Velho Oeste, com edifícios de estilo fronteiriço de ambos os lados
e um grande carrossel no final da praça alongada.
Miguel o alcançou e seus ombros quase se tocaram. —Os criadores deste
lugar não conseguiam decidir sobre o tema. O que os palhaços têm a ver com
isso?
Nero suspirou, passando por duas figuras em tamanho real retratando
pistoleiros, que haviam perdido seus rostos devido à força bruta. —Deve ser
daqueles sítios que tentaram ter vários espaços com temáticas diferentes.
Miguel engoliu em seco, sem saber se deviam andar em círculos ou
encontrar um lugar para sentar, mas os manequins de madeira espiando pelas
janelas dos prédios falsos não paravam de enervá-lo. Depois de uma vida inteira
de perigo, como ele iria organizar seus pensamentos quando cada uma das
sombras humanóides poderia ser secretamente feita de carne e colocar uma bala
em sua cabeça?
—Alguns desses parques de diversões... Eles não são muito bem montados,
mas quando criança, eu não via isso nem me importava. Quando crescemos, tudo
fica mais complicado e é difícil aproveitar o que está à nossa frente—, disse
Miguel enquanto caminhavam pela imitação de cidade do Velho Oeste como dois
bandidos prestes a se defrontar com o herói da história, não ao meio-dia, mas no
meio do caminho a noite, para que os inocentes não fossem atormentados pela
memória de sua morte.
Nero sorriu. —Sim. Lembro que uma vez fui com minha babá e, depois,
meu pai só quis saber se eu tinha uma pontuação alta no jogo de tiro. Mas tudo o
que eu realmente queria...— Ele correu até um carrossel e agarrou um dos postes
que sustentavam o teto antes de subir no meio da multidão de carruagens, cavalos
e bisões, que as pessoas teriam montado quando este lugar ainda estava cheio de
luzes e movimento. —Eu só queria relaxar e deixar o carrossel me levar.
Miguel encostou-se à carruagem aberta em que Nero subiu. Ele deu um
tapinha na porta de metal. —Essa coisa teve que ser produzida em massa porque
eu montei exatamente a mesma quando criança. Embora, por algum motivo, o
nosso tivesse um cachorro-quente gigante puxando-o em vez do bisão.
Nero riu, relaxando no assento, e embora estivesse muito escuro para
Miguel ver detalhes de sua aparência, ele ainda sabia que as tatuagens e aqueles
anéis de mamilo enlouquecedores ainda estavam lá, ao alcance. —O meu era...
mais como um carrossel de meninas. Com unicórnios e merda. Eu gostava de
montar um Pégaso azul e, na época, estava convencido de que ele poderia subir
até o teto, já que tinha asas.
Do que eles estavam falando? Não era nada disso que Miguel precisava
fazer. Por mais bom que fosse ouvir a risada de Nero novamente, ele tinha que ser
homem.
—Sinto muito,— ele murmurou, grato por não poder ver bem os olhos de
Nero, porque seu verde penetrante poderia roubar-lhe a coragem necessária para
esta conversa. —Eu não acho que eu... me expressei tão bem antes.
—Não?— Nero perguntou, recusando-se a reconhecer o pedido de
desculpas e encerrar o dia. Claro, ele precisava dificultar as coisas para Miguel.
Miguel respirou fundo e encostou-se à carruagem de costas para Nero, pois
sabia que as palavras necessárias sairiam mais facilmente assim. —Você falou
sobre dar boquetes, e eu... entrei em pânico. Não te acho ... nojento. Mas somos
diferentes nessas coisas, e quando penso em ser tocado por um estranho dessa
maneira, fico... desconfortável. Você obviamente pode fazer o que quiser, e isso é
problema seu.
O silêncio atrás dele era como um peso doloroso pendurado no pescoço de
Miguel, mas Nero falou antes que pudesse explodir e pedir perdão. Sua voz
quente veio mais perto do que o esperado, acariciando a orelha de Miguel.
—Sim, você fez um trabalho de merda expressando isso.
Miguel engasgou, mas conseguiu não tremer enquanto falava. —Como
você ... você me contou sobre o seu primeiro, mas como você sobreviveu entre os
Caimans sendo quem você é?
—Eu não teria se meu pai não quisesse me manter vivo. Acho que quando
fui desmascarado pela primeira vez… eu era muito jovem e burro para pensar
nas consequências. Com o tempo, percebi que estava relativamente seguro por
causa dele. Ele não se livraria de seu próprio sangue enquanto eu fosse
implacável o suficiente e fizesse o que me pediam,— Nero disse pelas costas de
Miguel. Seus sapatos rasparam no chão da carruagem, e o barulho fez a nuca de
Miguel esquentar. Nero iria tocá-lo agora? Ele faria outra tentativa de seduzir
Miguel? Será que Miguel... aceitaria desta vez?
Miguel engoliu em seco e olhou por cima do ombro, vendo o branco dos
olhos de Nero no escuro. —Como você pode ser implacável, mas deixar outros
homens... você sabe?
Nero estava tão perto que Miguel praticamente podia sentir seu sorriso. —
Você está dizendo que não fui implacável com Aaron? —ele perguntou e passou
pela frente da carruagem para se sentar de lado na parte de trás do bisão.
Miguel o seguiu, atraído por sua necessidade inexplicável. —Você era. E é
aí que você me perde. Não consigo me ver ficando íntimo de alguém e depois
descartando-o como se fosse um pedaço de carne.
Nero esticou as pernas enquanto observava Miguel sem pestanejar. —Sexo
geralmente não é nada íntimo para mim. É muito físico. Só eu e um fantoche de
carne. Precisa haver mais do que isso para proximidade.
Miguel pôs a mão na vara que saía do bisão, o que o aproximou de Nero. —
Como o que?
Já não se preocupava com as armas de resina e metal apontadas às suas
costas pelas figuras que personificavam fantasias infantis, muito concentrado no
calor que irradiava de Nero.
—Algum tipo de entendimento. Companhia. Amizade.— Nero disse em
uma voz mais baixa, deixando a última palavra balançar entre suas bocas como
um pedaço de doce que ambos certamente queriam .
Miguel engoliu seus nervos e encontrou os olhos de Nero. —Gostaria que
fôssemos amigos. Pelo tempo que nos resta.
Nero o observou em silêncio, mas suas coxas se abriram, criando espaço
para que Miguel pudesse entrar.
Ninguém o veria fazer isso quando estava tão escuro.
—Eu também—, disse Nero com suavidade surpreendente em sua voz.
Miguel deslizou a mão para as costas do bisão, um pouco mais perto de
Nero. —Existe alguém para quem você gostaria de voltar?
Nero franziu a testa. —Não. Estou sozinho. Eu só tenho você e aquele
sorriso que você me ofereceu antes de puxar o gatilho.
O calor se espalhou no estômago de Miguel com o que isso significava. —
Desculpe.
—Por que?
—Que eu sou tudo que você tem. Não é muito. Mas eu prometi segurança a
você e vou levá-lo até lá.
Nero se inclinou tão perto que Miguel temeu ser beijado. Mas aquele
zumbido elétrico na parte inferior de suas costas era realmente medo?
—Eu sei. Você é um homem honrado. É por isso que sei que você também
vai querer honrar nossa aposta.
Miguel olhou para o rosto de Nero, depois para sua virilha, e se viu caindo
em memórias enterradas no fundo de sua mente. Eles estavam flutuando na
superfície, então ele os empurrou para baixo, enrijecendo, mas isso não deixou
espaço para pensar em uma resposta. —Eu…
—Que tal mudarmos as coisas e você me der um beijo em vez disso?—
Nero perguntou. Seus dedos tocaram os de Miguel nas costas do bisão, enviando
um choque de calor direto para a virilha de Miguel.
Como um sonâmbulo levado por fantasias não domadas pela realidade,
Miguel deslizou entre os joelhos que se abriam para ele tão ansiosamente. Ele era
desejado e podia sentir isso lá no fundo. Como nunca antes.
—Sem que isso signifique alguma coisa? Só pela aposta?— ele sussurrou,
entrelaçando seus dedos com tanta força que teve medo de machucar Nero, mas
aquela mão áspera era como uma tábua de salvação que ele não estava pronto
para soltar. Cada fibra de seu corpo estava eletrificada pela tensão de sua
proximidade, mas ele esperou pela resposta de Nero, mal respirando.
Nero riu enquanto suas coxas se fechavam nos quadris de Miguel. —É só
um beijo. O que isso poderia significar?
Nada. Claro. O que um beijo poderia significar para um homem que
transava com a facilidade de um coelho na primavera? E assim também não
significaria nada para Miguel. Apenas um experimento. Ele beijou algumas
garotas no início da adolescência, quando ainda tentava ser como os outros
garotos, mas nunca gostou o suficiente para perseguir mais.
Miguel pôs a mão na coxa robusta de Nero, inundado por um desejo
poderoso. Suas entranhas vibraram com a maneira como as pernas de Nero o
puxaram, sugerindo que ele era bem-vindo para pegar o que quisesse.
Ele nem queria considerar o que isso poderia significar, porque quando sua
boca encontrou os travesseiros macios de carne que Nero tinha como lábios, ele se
foi. Não importava se ele era o centésimo homem a beijar Nero ou o homem
número mil. Ele queria ser o último.
Arrepios profundos percorreram sua carne como vaga-lumes prestes a
incendiar seu corpo. Antes que ele soubesse o que estava acontecendo, as pernas
firmes o envolveram com tanta força que sua virilha encontrou a dureza
esticando a frente da calça de Nero.
Em vez de se afastar, como deveria, Miguel agarrou a pele nua dos lados de
Nero, maravilhado com a textura das cicatrizes, enquanto os dentes afiados que a
maioria das pessoas teria medo de puxar sobre seu lábio inferior, provocando a
sensação mais estranha que estava de alguma forma entre uma coceira e dor e
ainda o fez querer mais.
Nero abriu os lábios em um convite que Miguel não recusaria. Ele nunca
havia tocado um homem dessa maneira, mas de alguma forma seus dedos sabiam
onde vagar, e ele grunhiu de excitação quando encontrou os piercings nos
mamilos. Ele mal havia deslizado a ponta da língua entre os lábios de Nero e seu
pau já latejava, duro e pronto para foder sabe o quê, porque Miguel com certeza
não sabia o que fazer consigo mesmo. Nenhuma pornografia ou fantasia jamais o
fez se sentir assim, como se Nero fosse uma torrente na qual Miguel se envolveu
sem saber nadar.
O peito de Nero empurrou contra suas mãos, e ele gemeu quando Miguel
penetrou sua boca quente com a língua. Ninguém tinha sido tão flexível ao seu
toque antes, ninguém havia se contorcido, implorando por suas carícias, e isso fez
algo em sua cabeça. Algo que o fazia sentir-se poderoso, quente e confiante para
seguir o impulso insistente de colidir com Nero.
Com as pernas em volta da cintura de Miguel, Nero balançou os quadris,
esfregando-se contra o pau duro de Miguel como um animal que precisa ser
domado. Não havia como fingir que Miguel só beijou Nero por causa da aposta.
Envolveu-se nesse homem, como sempre temeu, mas se ofereceu de bom grado
aos dentes de jacaré tatuados na pele de Nero, porque já estava sendo devorado e
gostou.
Ele deslizou as mãos pelo pescoço de Nero para senti-lo pulsar rapidamente
contra suas palmas, como se fosse um animal e quisesse se esfregar nele. Miguel
grunhiu, rolando a língua sobre o palato de Nero, e quando os dentes afiados do
fundo rasparam a parte inferior de sua língua, suas bolas latejaram como se ele
estivesse prestes a gozar. Ele apertou seu pênis contra Nero e apertou as mãos no
pescoço grosso o mais forte que pôde sem causar danos.
Nero soltou um grunhido suave e tenso e engoliu em seco contra a palma
da mão de Miguel, agarrando-se a ele como se tivesse medo de que Miguel se
afastasse. Ele estremeceu e ganiu, mas não tentou afastar Miguel, como se se
sentisse seguro em suas mãos, apesar de saber o que Miguel havia feito a seu pai
apenas algumas horas antes. Ele apertou as tranças de Miguel e mudou a posição
de seus quadris para guiar as estocadas frenéticas de Miguel.
Mas quando a mão de Nero mergulhou entre seus corpos e tocou o pau de
Miguel através do jeans, foi como se um balde de água fria tivesse sido derramado
sobre sua cabeça. Ele agarrou a mão e apertou o pescoço de Nero em advertência
com a outra. Ele não sabia explicar por que achou o gesto necessário, porque não
queria machucar Nero, mas seus nervos estavam em frangalhos e ele precisava se
reagrupar porque o beijo de fato significava tudo.
Ele afastou a boca para falar, e sua língua já sentia falta do delicioso calor
úmido do beijo. —Não—, ele rosnou.
O hálito de Nero era quente em seu rosto e picante por causa da comida
que haviam comido. —Por que?
O coração de Miguel batia forte porque Nero acabara de comunicar que
queria mais, e Miguel não estava pronto para um confronto direto com sua
sexualidade.
Em vez de afastar Nero, porém, ele respirou fundo e o abraçou, colocando o
queixo no ombro de Nero, oprimido por sua proximidade. —Eu não me sinto
pronto, ok? Eu... eu não estou... Apenas deixe-me ter isso, não se apresse através
de mim. —Ele tinha vergonha de dizer coisas tão carentes e pressionou o rosto
contra o pescoço de Nero, buscando um conforto que muitas vezes não lhe era
concedido. Suas entranhas estavam em carne viva com tensão e emoção
desconhecida. Ele não suportava que jogassem sal naquelas feridas abertas.
Nero, embora inicialmente tenso, relaxou contra ele com uma expiração
suave e pousou as mãos nos ombros de Miguel. —Faz um tempo desde que
alguém me deu bolas azuis.
Miguel beijou seu pescoço, maravilhado com a naturalidade de segurar
outro homem em seus braços. Era como voltar para casa depois de anos vagando
pelo deserto e sobrevivendo com rações escassas de comida e água.
—Espero que você possa esperar em vez de se divertir em outro lugar.— Ele
riu, mas não estava brincando. Ele pode não estar pronto para mergulhar, mas
isso não significa que ele conseguiu tudo o que queria e estava pronto para deixar
Nero ir.
Menos de uma hora atrás, ele se perguntou se realizar a fantasia proibida
de fazer sexo com um homem valia todo o risco e estresse envolvidos, mas agora
ele sabia que queria fazer isso de novo e de novo enquanto Nero o quisesse por
perto.
O corpo perfumado de Nero relaxou contra o dele. —Estou cansado demais
para isso.
Miguel correu as mãos para cima e para baixo nas costas de Nero, sem
querer parar ainda. —Hora de dormir então.
Nero deu um leve aceno de cabeça, embora seu pênis não estivesse mais
macio do que um minuto atrás. Miguel estaria adormecendo com nada mais em
mente.
Capítulo 15
Nero

NERO NÃO CONSEGUIA SE LEMBRAR DE OUTRA noite tão pacífica quanto


frustrante.
Ele teve Miguel bem ali, finalmente cedendo aos desejos que tanto tempo
manteve escondidos, apenas para ser interrompido quando as coisas começaram
a esquentar.
Não está pronto.
Como um homem adulto como Miguel não estava pronto para ter seu pau
chupado? Ele estava esperando flores ou alguma merda? Ele se mostrou
surpreendentemente gentil às vezes, então talvez ele fosse uma daquelas pessoas
que se apaixonaram pelas noções românticas vendidas pelas comédias românticas
de Hollywood.
Nero não tentou seduzi-lo novamente enquanto eles se deitavam juntos em
um colchão velho, coberto por um lençol manchado. Ele ficou acordado,
esperando que Miguel o tocasse com mãos fortes que pareciam frias contra a
pele, e que eles se beijassem até que suas bolas ficassem azul meia-noite.
Ele só cochilou quando os braços quentes e o peito de Miguel o embalaram
em um doce esquecimento. Mas quando a luz da manhã penetrou na antiga
barraca de sorvete, que eles haviam oferecido para a noite, ele estava novamente
bem acordado e cada vez mais excitado pela proximidade de Miguel, apesar dos
recortes de papelão desbotados armazenados no pequeno interior, observando-os
com seus planos olhos.
A respiração de Miguel permaneceu estável, acariciando a nuca de Nero
enquanto eles se deitavam juntos, próximos como adolescentes heterossexuais
dividindo a cama sem trepar. Embora normalmente fosse a garota que
desacelerava as coisas, não o garoto, e embora Nero definitivamente não se
identificasse com a feminilidade, não fazia sentido negar que era ele quem
oferecia seu corpo a Miguel. O que aquele cara tinha a perder? Não o
machucaria ter seu pau chupado ou foder um bom e confortável buraco.
Nero poderia ter empurrado e dominado Miguel, mas ele não queria perder
essa coisa que eles compartilhavam. Fosse o que fosse. Eles eram amigos com
benefícios de beijo? Miguel tinha perguntado se o beijo significava alguma coisa,
como se quisesse ter certeza de que ele poderia experimentar sem obrigação, mas
a ereção matinal apertada contra a bunda de Nero também era um sinal de
amizade?
Nero passou o dedo pela longa lâmina tatuada no antebraço de Miguel. A
tinta estava bastante desbotada, sugerindo que era uma peça mais antiga que
dificilmente poderia ser chamada de arte devido à sua natureza tosca. Até a cobra
enrolada nela era mais bonita, com escamas padronizadas e pontas mais afiadas.
Se Miguel deixasse Nero, ele teria transformado aquela velha tatuagem em algo
único, condizente com o tipo de homem que a usava.
Ele congelou quando Miguel grunhiu em seu sono e empurrou seu rosto na
parte de trás da cabeça de Nero até que seus lábios roçaram a nuca quente.
Ah. Como aquela boca parecia incrível na noite passada. Talvez fosse
porque Nero realmente não beijava muito com seus casos de uma noite, mas uma
vez que seus lábios se encontraram com os de Miguel, foi como se o parque de
diversões abandonado ganhasse vida com luzes brilhantes, sabores doces e cheiro
de algodão doce. O carrossel em que eles se beijaram parecia ter ganhado vida e
os carregou em alta velocidade até que ambas as cabeças girassem, e o estômago
de Nero se contraiu de apreensão.
Isso estava longe de ser seu primeiro rodeio, mas havia algo tão faminto, tão
selvagem no toque de Miguel que Nero sentiu uma estranha sensação de
vulnerabilidade em seus braços. Quando Miguel agarrou seu pescoço, ele ficou
dividido entre o medo e a excitação, finalmente decidindo-se pelo último quando
a fricção frenética deles ficou mais quente.
Mas e se para Miguel… isso fosse novidade?
Será que ele era virgem? Ou só tinha dormido com mulheres até agora?
Nero nunca o tinha visto com ninguém, homem ou mulher, e até o ex-
empregador de Miguel fazia piadas sobre sua suposta falta de interesse por sexo.
Se fosse esse o caso, talvez a relutância de Miguel fosse causada pelo medo
de se envergonhar com um homem com quem estava preso por enquanto, mas
Nero sabia que não deveria ferir seu orgulho fazendo uma pergunta tão delicada.
Ele precisava ser mais diplomático para obter suas respostas.
—Nn... que horas são?— Miguel murmurou em vez de bom dia.
O fogo invadiu Nero, mas ele manteve a calma e olhou para o grande
relógio em seu pulso. —Pouco depois das seis.
—Precisamos ir,— Miguel disse, mas seus braços apertaram o peito de Nero
até que o aperto forçou o ar para fora de seus pulmões. Eles poderiam... fazer
outra coisa primeiro? Ele queria tanto provar o pênis de Miguel em sua língua
que era uma dor física.
Ele olhou por cima do ombro e encontrou olhos de ônix. —É cedo ainda.
—Faz sentido irmos assim que o sol nascer,— Miguel disse e beijou o
ombro de Nero.
Beijou seu ombro e depois se afastou, como se nunca tivesse acontecido.
O que. Na. Porra?
Nero virou de costas e agarrou a frente da camiseta de Miguel para segurá-
lo no lugar. Miguel parou e olhou para ele com uma expressão tão confusa que o
aborrecimento escorria de Nero, deixando-o a rir.
—Você quer sair de cima de mim tão cedo?
O rosto de Miguel era de aço, mas seu pomo de Adão balançou quando ele
engoliu, esticando a pele quente salpicada de barba por fazer. —Eu...— Ele passou
os dedos sobre o lado de Nero. —Não é seguro ficar aqui muito tempo.
Nero sufocou o arrepio causado por aqueles dedos quentes e errantes. —O
que é a vida sem um pouco de risco?
—Eu não sou assim, Nero. Só arrisco quando preciso.
Nero pensou que Miguel estava prestes a agarrar sua mão, mas ele apenas a
tirou da camiseta. Quando o toque quente demorou, porém, Nero se inclinou,
ansioso para sentir aqueles lábios macios nos seus novamente enquanto o dia
voltava sonolento à vida.
Uma batida forte na porta o fez cair no colchão enquanto Miguel ficava em
posição de sentido, como um bom escoteiro que não quer ser pego quebrando as
regras. Claro.
Com um suspiro suave, Nero rolou de bruços. —Entre.
O único braço de Sofia empurrou a porta quando ela entrou, observando-
os com uma expressão sombria e desconfiada. Ela usava um suéter colorido, que
tinha uma das mangas encurtada e costurada, mas não havia nada alegre em sua
expressão. —Há um barco saindo em uma hora. Meu homem vai levá-lo lá,— ela
disse e deu um passo para o lado para deixá-los passar.
Miguel pegou a mochila e tirou uma garrafa de vodca que devia ter tirado
do carro do pai. —Obrigado.
Sofia hesitou, mas pegou o álcool com um leve sorriso. —Vamos embalar
um pouco de comida para você.
Miguel assentiu, acendeu um cigarro e fugiu sem olhar para Nero. Ele não
seria o primeiro homem enrustido com quem Nero lidaria, mas definitivamente o
mais frustrante, e não apenas por causa de quanto tempo ele conseguiu manter
Nero fora de seu pau. O fato de Nero se importar com ele tornava tudo mais
irritante.
A maioria dos membros dessa estranha sociedade de vagabundos
permanecia em suas camas ao redor do parque de diversões, mas Quinto
esperava por eles em um caminhão surrado, vestido com uma camisa que cobria
a maior parte de suas tatuagens. Ele não se preocupou em maquiar o rosto, mas
Nero supôs que ele não planejava acenar para ele e Miguel no píer.
A vila ribeirinha distava apenas trinta minutos e, pelas 9h, Miguel e Nero
tomavam o pequeno-almoço a bordo de um barco fluvial. Eles ficaram surpresos
ao perceber que alguns dos passageiros estavam em um dos passeios que
ofereciam um gostinho da verdadeira Colômbia, o que quer que isso significasse.
Tendo percebido as tentativas de Quinto de esconder seu passado, os dois
compraram mangas compridas e finas antes de embarcar e Sofia teve a gentileza
de colocar um pouco de maquiagem na testa de Miguel para esconder os
minúsculos crânios. Mas enquanto o tecido cobria tinta e o colar desagradável de
Nero, não podia obscurecer a atitude, e eles se viram cercados por mesas vazias
na cantina enquanto os outros comensais se reuniam do outro lado do grande
interior decorado com várias fotografias em grande escala da Amazônia.
E ainda assim, depois da viagem até aqui, do embarque e do estresse de
evitar homens suspeitos no caminho, enquanto Nero tomava seu café, sua cabeça
girava com as mesmas perguntas de antes.
Miguel era tão tímido porque nunca tinha estado com um homem? Nero
poderia ajudar com isso.
—Não temos muito, e logo vamos ficar sem dinheiro. Peguei alguns
suprimentos úteis do carro de seu pai, mas é isso. Uma manta térmica, uma corda,
um isqueiro, uma faca, essas coisas.— Ele parecia tão concentrado, tão pé no chão
enquanto a cabeça de Nero estava em algum lugar nas nuvens.
Nero examinou os arredores. A maioria dos passageiros eram locais, que
certamente ficariam longe de homens como eles. Mas os turistas? Eles não tinham
ideia de que agora estavam presos com dois Caimans. —Poderíamos nos servir de
alguns pertences.
Miguel cantarolava, olhando para as árvores que cresciam ao longo do rio,
depois para os turistas que usavam todos o mesmo distintivo, designando-se como
forasteiros sem noção. —Você pode organizar alguma distração?
Nero recostou-se na cadeira e terminou de comer. —Quem é o alvo?
Devemos buscar dinheiro e ouro, não eletrônicos. Então, alguém mais velho.
As pálpebras de Miguel baixaram, e ele se espreguiçou na cadeira, como
um gato escolhendo qual pássaro deve perseguir. Ele estava tão desconfortável em
discutir sua sexualidade, mas esta situação o colocou em seu elemento. —Lá.
Ele ergueu o queixo para apontar dois casais sentados juntos na mesa mais
próxima da entrada do refeitório. Todos tinham facilmente mais de sessenta anos.
Nero não conseguia ouvir a conversa animada de onde ele e Miguel estavam
sentados, mas um dos homens usava um boné de beisebol com o contorno do
Texas na frente, então ele esperava que eles falassem em inglês.
—Então você é um batedor de carteiras decente?— Nero perguntou e
levantou-se com a caneca na mão.
Miguel assentiu. —Eu diria para me observar, mas você não verá isso
acontecer.
As sobrancelhas de Nero se ergueram e ele encheu o copo vazio com a água
que restava na garrafa. —Confiante. Eu gosto disso. Você vai ver tudo o que estou
fazendo, então não se concentre muito na minha bunda,— ele disse e saiu antes
que Miguel pudesse responder. Dava-lhe prazer saber que Miguel não
conseguiria pensar em mais nada agora.
Caminhou despreocupado, sem exagerar no andar para distrair Miguel,
passou por uma família de cinco pessoas e algumas crianças em um mochilão, até
aquela grande janela e os dois casais apaixonados demais pela mudança do
cenário para prestar atenção quando ele fingiu tropeçar.
A água derramou sobre a mesa e as embalagens vazias de comida ainda se
amontoavam. —Oh, sinto muito—, disse ele em espanhol.
Miguel se abaixou para pegar a caneca e murmurou um pedido de
desculpas, mas Nero se concentrou nas pessoas à mesa.
Um dos homens lançou-lhe um olhar desconfiado e ergueu as mãos, mas
respondeu em inglês com sotaque americano. —Tudo bem, nenhum dano feito.
—Oh, você não é local?— Nero começou em inglês, mas quando o homem
franziu a testa, seu amigo, o de boné de beisebol do Texas, riu o suficiente para
fazer sua barriga tremer sob a camisa polo imaculada.
—Ele parece local para você com aquela queimadura de sol?— ele
perguntou e cutucou um pouco de pele descascada na bochecha de seu amigo.
—Desculpe, eu estava sonhando acordado. Tento descer este rio todos os
anos. Isso traz muitas lembranças.
—Estamos ansiosos para fazer alguns também. Este é o primeiro ano em
que todos nós nos aposentamos —, disse uma das mulheres e deu a ele um sorriso
brilhante. Nero não perdeu a pulseira de ouro em seu pulso. Ou o logotipo da
pequena marca na borda de seu short. Apesar de madura, ela tinha coxas
musculosas e o corpo esguio de quem encontrava muita satisfação nos exercícios.
—Bem, parabéns! Eu nunca teria pensado—, disse Nero, olhando para eles
com um sorriso. —Nenhum de vocês parece ter idade suficiente para se
aposentar.
—É só botox—, disse a outra senhora. Ela tinha rugas bastante
pronunciadas ao redor da boca, e o homem sério do outro lado da mesa deu-lhe
um tapa brincalhão.
—Ei, não revele nossos segredos para qualquer um!— Ele definitivamente
tinha feito algum trabalho. Ele era esguio e em forma, o que poderia explicar sua
aparência jovem, mas quanto mais Nero olhava para ele, mais ele notava como
sua testa era estranhamente lisa.
Essa era uma maneira estranha de provocar o marido. Ou o marido de uma
amiga.
Mas então, seu olhar foi atraído para o boné do grandalhão, e a revelação o
atingiu como um pau na cara. O contorno do Texas foi feito de fios de arco-íris.
Nero definitivamente poderia trabalhar com isso.
—Está quebrado—, disse Miguel, levantando-se do chão para mostrar a
todos que a alça não combinava mais com o resto da caneca. A bolsa da mulher
estava a seus pés, mas se Miguel já havia beliscado alguma coisa dela, então Nero
de fato não viu isso acontecer.
—É só um copo. Espero não ter jogado água em nenhum de vocês,— ele
disse e estendeu a mão para a mulher esportiva. —Sou Nacio e este é Mateo.
Ela apertou a mão dele. —Julia.
A outra mulher, que usava roupas coloridas de tecido natural e tinha
miçangas no cabelo, chamava-se Viola.
Miguel cumprimentou Big Bill, que era aquele com o chapéu do Texas e o
homem que provavelmente era seu namorado, Jeffrey. —Nacio é um grande fã de
cirurgia plástica, então você não vai encontrá-lo julgando.— Isso foi um sorriso
nos lábios de Miguel?
Viola riu. —Nada disso para mim! Permanecer natural é o segredo para
uma vida longa e saudável.
—Mesmo assim, eu prefiro ver como me sinto por dentro,— disse Jeff, e a
carranca estava de volta em seu rosto, embora para ser justo, não criasse
nenhuma ruga em sua testa.
—Não vejo mal nisso. Todos nós temos arbítrio sobre o que fazemos com
nossos corpos —, afirmou Nero e levantou a manga longa apenas o suficiente
para mostrar a tinta e as cicatrizes sem revelar o desenho.
—Mostre— Miguel ficou do outro lado, como se também quisesse dar uma
olhada nas tatuagens, mas o movimento o aproximou de Big Bill.
Julia olhou entre eles. —Eu notei que vocês dois são bastante... decorados.
Ela tinha um sotaque sofisticado. Estas foram as férias mais aventureiras de
sua vida? Eles dariam a ela uma experiência inesquecível.
—É por isso que cobrimos. Essas não são apenas tatuagens,— disse Nero,
ansioso para distrair seus novos conhecidos do que quer que Miguel estivesse
fazendo. —Somos ex-membros do cartel.
Isso certamente interessaria a ambos o suficiente para que os dedos hábeis
de Miguel os livrassem de algum dinheiro.
Miguel suspirou. —Lá vai ele, com suas fantasias…
Mas os olhos de todas as pessoas à mesa estavam fixos em Nero. —É
verdade. Mateo não está orgulhoso disso, e nem eu. Eu só... eu notei o arco-íris,—
ele apontou para o chapéu de Big Bill, —e eu pensei que estava falando com
pessoas que entenderiam.
Jeff sentou-se mais ereto e inclinou a cabeça com uma pergunta silenciosa.
Nero era um mago e tinha aquelas pessoas completamente sob seu feitiço.
Apelar para algo de interesse pessoal era o truque de mágica perfeito para cada
ocasião.
—Já queríamos sair dessa vida quando nos conhecemos, mas se apaixonar
por Mateo foi a gota d'água. Era muito perigoso ficarmos juntos, e eu não podia
arriscar que algo acontecesse com ele.
—Isso é tão romântico—, disse Big Bill, cobrindo a boca.
Miguel suspirou e esfregou o rosto, mas não interferiu, deixando Nero
absorver todas as atenções.
—Ele pode ser tímido, mas quando o empurrão chegou, ele fez de tudo para
nos ajudar a sair.— Nero encontrou os olhos de Miguel, quase acreditando em
sua própria história.
Miguel foi para o outro lado da mesa sob o pretexto de pegar um copo
plástico com água no bufê atrás de Viola. Ela olhou para ele, mas rapidamente
voltou sua atenção para Nero.
—Não consigo imaginar como deve ter sido para vocês dois. Julia e eu... Ser
lésbica no Texas tem suas próprias lutas, mas não consigo nem começar a
comparar...
—Oh, por favor, nós moramos em Austin. Não é tão ruim assim — disse
Julia.
—Talvez agora,— Jeff murmurou. —Além disso, é diferente para as
mulheres.
—Só porque os homens heterossexuais nos fetichizam—, Viola
interrompeu.
Isso estava ficando filosófico demais para o gosto de Nero. —Então lutamos
para sair e no final conseguimos negociar a liberação dos laços que tínhamos com
o cartel. Tem sido... uma época interessante,— ele disse com um sorriso malicioso.
—Trabalhamos como guias turísticos agora, mostrando pessoas em toda a
Colômbia por um pagamento honesto, mas as tatuagens assustam algumas
pessoas.
Big Bill pigarreou. —Se não for muito para a frente… Os dentes. Eles foram
algo que todo mundo em sua gangue fez?
Nero sorriu antes de estalar as mandíbulas. —Não. Sou apenas eu.
Todo o grupo explodiu em gargalhadas que claramente tinham uma pitada
de medo. Como deveria.
Miguel balançou a cabeça e deu um tapinha nas costas de Nero. —Vamos,
pare de incomodar essas pobres pessoas. Se eles quiserem uma turnê, eles nos
avisarão.
Nero riu e passou a mão no peito de Miguel. —Desculpe. Eu sou um artista
nato.
O coração de Nero deu uma pequena pirueta quando Miguel o puxou pela
mão após mais um adeus. Seu olhar se concentrou nos dedos tatuados que
seguravam os dele, e ele teve que se livrar da história imaginária, lembrando-se
de que eles não eram ex-homens do cartel que se tornaram guias turísticos
amantes de bar. Ele não tinha mais ideia do que eram.
Assim que saíram para o convés superior, que estava vazio agora que tantos
passageiros estavam prestes a desembarcar, Miguel soltou a mão da de Nero. Nero
esperava que os turistas não percebessem que haviam sido limpos antes de
chegarem à praia.
—Você não sente pena de tirar de seu próprio povo?
Nero franziu a testa. —Desde quando vocês…— Ele parou e soltou uma
gargalhada, olhando os membros da tripulação montando a prancha. —Oh, você
quer dizer os gays?
Miguel assentiu e tomou um gole do copo de plástico enquanto se apoiava
no parapeito de madeira. Sua linguagem corporal parecia perfeitamente relaxada,
como a de um puma descansando após uma grande refeição, mas Nero o
conhecia há tempo suficiente para detectar a tensão em seus ombros.
Nero deu um leve chute na bota e sorriu ao avistar o grupo de quatro
pessoas saindo do barco com seus pertences (ou pelo menos alguns deles)
enquanto o porto fervilhava de atividade. Essas pessoas provavelmente culpariam
os batedores de carteira, e não os dois gays simpáticos que conheceram a bordo.
—Isso é tribalismo. Os colombianos também são como eu, mas não hesito em tirar
deles. Só os amigos estão seguros.
—Você não tem amigos,— Miguel disse e sorveu um pouco de água como
se não tivesse acabado de dizer algo cruel.
—Não?
Miguel fez uma pausa com a xícara contra os lábios, pego de surpresa, mas
encontrou os olhos de Nero. —Talvez um.
O peito de Nero estava apertado, mas ele piscou para ele e se aproximou,
até que seus cotovelos se encontraram no parapeito de madeira, provocando fogo.
—Então, que troféus você trouxe para casa?
Miguel observou o grupo organizado de turistas entrar em um ônibus que
os esperava além do cais. —Dinheiro e algumas bugigangas. Você ainda tem seu
telefone, então pensei em não roubar as fotos das férias deles. —Ele puxou uma
grossa pulseira de corrente de ouro e a ofereceu a Nero. —Você quer isso?
As sobrancelhas de Nero subiram até o topo de sua testa. —De quem era
isso?— ele perguntou, mas ofereceu o pulso a Miguel. Era um item de qualidade!
—De Jeff. Ele viverá. —Miguel teve que colocar a xícara no convés e, em
vez de entregar a pulseira a Nero, fechou-a no pulso, bem ao lado da protetora
que Nero nunca tirou. Ambos estavam falidos pra caralho, mas ele deu como se
não fosse nada. —Eu preferiria que você mantivesse nossa história... correta da
próxima vez.
—Por que?— Nero perguntou, estremecendo quando o metal o prendeu
como uma bela algema.
—Porque eu não... eu não gosto de ser visto assim,— Miguel exalou
profundamente, olhando para o céu claro. Seu perfil era tão bonito, com um
pomo de Adão pronunciado e um queixo forte.
—Mas isso é quem nós dois somos.
As sobrancelhas de Miguel se juntaram, deixando claro seu desconforto. Ele
não seria capaz de negar o fervor com que beijou Nero no dia anterior. —O
mundo não precisa saber do meu negócio—, ele resmungou.
Nero suspirou. Talvez ele estivesse esperando demais de um homem tão
enfiado no armário que poderia muito bem ser um cabide?
Ele tocou a pulseira e observou o barco se afastar da costa enquanto o sol
subia no céu, transformando as ondas em fios brilhantes. —Qualquer que seja. O
que vale é que um beijo foi o suficiente para fazer você me dar joias. Tão doce,—
ele disse e piscou para Miguel.
Miguel gemeu. —Eu não pensei que você fosse um garimpeiro, mas acho
que você é pobre agora.— Ele meio que quase sorriu para Nero.
—Você tem que fazer o que tem que fazer—, disse Nero com um suspiro e
sorriu quando deixaram a cidade para trás, e a costa mais uma vez apresentou
vistas intocadas do campo. A brisa suave cheirava a água, mas parecia uma mão
gentil massageando sua nuca enquanto o tempo passava com uma conversa fácil.
Nenhum dos dois teve vontade de descer as escadas, então descansaram enquanto
observavam a costa passar.
—Vou precisar de dinheiro quando decidir o que fazer com minhas
tatuagens,— Nero disse do nada.
Miguel esfregou o corrimão e olhou para ele. —O que você quer fazer?
Nero olhou para trás, mas o convés superior estava vazio, e ele pressionou
seu quadril contra o de Miguel. —Eu amo minha tinta. Adoro parecer alguém que
as pessoas deveriam temer. Mas os desenhos que tenho marcam-me para a vida.
Miguel assentiu e passou um dedo pelo antebraço coberto de Nero. —Não
quer mais ser um Caiman?
O toque parecia uma daquelas varinhas elétricas enviando choques
deliciosos sobre sua pele. —Não. Aquela ponte havia explodido espetacularmente.
Teria sido mais engraçado se você tivesse atirado na cabeça de meu pai em vez de
acertá-lo no coração.
—Por que?
—Porque teria sido a ponte explodindo —, disse Nero e acenou com a mão.
—Não pousou. Ou você simplesmente não tem senso de humor.
Miguel parecia genuinamente ofendido, e só isso era hilário. —Eu tenho
senso de humor. Eu... acho você engraçado. Às vezes.— Receber um elogio dele
era como garimpar diamantes, então Nero pegaria aquela sucata.
—Ah, obrigada. Sempre posso contar com você—, disse ele, encolhendo os
ombros. —E você? Você vai querer cobrir algumas de suas próprias tatuagens?
Miguel cantarolava e acariciava seu pescoço, chamando a atenção de Nero
para a data marcada ali. —Eu meio que me arrependo de ter feito isso no meu
rosto, mas não importa o que eu cubra, ainda haverá tatuagens no rosto, então
não sei se vale a pena. Você se arrepende de algum dos seus?
Nero lambeu os lábios. —Você sabe que me arrependo de lixar meus
dentes, desde que você descobriu meu gel dental secreto. Quanto às tatuagens…
gosto dos desenhos. O que me irrita é que me cobri com símbolos de algo que não
faço mais parte. E agora, sempre que um Caiman, ou um policial, me virem, vão
se perguntar: É o Nero Moreno perdido?— ele resmungou, abaixando o rosto nas
palmas das mãos suadas.
Ele não esperava que Miguel acariciasse suas costas, mas ele se arqueou
como um gato carente.
—Você terá muito tempo para elaborar algumas mudanças. A vida nunca
será fácil para nenhum de nós—, disse Miguel.
Mas pelo menos agora Nero tinha um amigo com quem enfrentar os mares
tempestuosos. Um amigo que também pode transar com ele se ele jogar bem as
cartas. Ele acenou com a cabeça para o pescoço de Miguel, onde os números
totalmente góticos indicavam a data da primeira morte de Miguel - 17.04.2002 .
—Que tal este? Não vai identificá-lo demais?
Miguel ficou calado, mas Nero deu-lhe tempo, observando um peixe
escapar da corrente criada pela embarcação.
—É o dia em que morri. Você não pode simplesmente encobrir e fingir que
nunca aconteceu.
Oh.
A gravidade puxou a boca de Nero enquanto ele estudava os ombros caídos
de Miguel. Foi no dia em que o pai destruiu a família de Miguel? Se assim fosse,
não adiantava insistir nisso, porque aquele capítulo da existência de Miguel
estava encerrado. Ao contrário de outra esfera, que Nero pretendia explorar a
fundo.
—Sim, algumas coisas valem a pena comemorar. Peguei essa para marcar
minha primeira transa—, disse ele e abaixou o cós da calça para revelar um
pequeno alvo, quase imperceptível entre a variedade de tatuagens que cobriam
todo o seu corpo. Era preciso olhar de perto para notar o buraco no alvo e o
esperma escorrendo dele em um filete gordo.
Miguel franziu a testa e Nero zumbiu de excitação quando seus dedos
deslizaram para a tatuagem. —É porque você o matou?
Nero deu de ombros. —Ele atirou no alvo primeiro. E eu fiz o mesmo um
pouco mais tarde—, disse Nero e deu um tapa na nádega para garantir que
Miguel pegasse desta vez.
Ele era tão inocente.
—Oh meu Deus!— O rosto de Miguel relaxou e ele riu, fazendo o orgulho
crescer no peito de Nero, porque fazer aquele sorriso rabugento não era tarefa
fácil. —O sexo foi realmente bom?
Realmente não era. O primeiro de Nero não se importou com ele e o fodeu
apenas porque ele podia. Porque isso lhe daria uma história para contar.
—Não, foi uma merda. Ele merecia aquele buraco na testa.
—Você é um filho da puta louco e excitado.— O som da risada contínua de
Miguel era como um prêmio, dezenas de medalhas sendo cravadas no peito de
Nero por alcançar o inatingível.
—Oh, você adora isso—, disse Nero e deu uma pequena cutucada em
Miguel. —Melhor me contar sobre o seu!— Bingo. O momento perfeito e casual
para descobrir o quão intocado Miguel era.
Houve um brilho nos olhos de Miguel quando ele olhou de volta para Nero
e bateu nele com o quadril. —Você não gostaria de saber…— Ele olhou para o
rio com um sorriso misterioso.
Então havia alguém.
Ou tinha lá?
—Oh, vamos, não me provoque. Farei com que valha a pena — disse Nero,
encostando-se a ele enquanto os arredores de uma cidade passavam por eles. Sem
ninguém para ver o gesto, ele moveu a mão para a parte inferior do estômago de
Miguel e a deixou descansar logo acima de sua virilha.
O rosto de Miguel endureceu, mas ele não se afastou. Lidar com ele era
como domar um gato selvagem. —E se eu não corresponder às suas expectativas?
Nero riu e rolou a cabeça sobre o ombro de Miguel. Ele gostou bastante da
implicação de que o sexo acabaria acontecendo. —Essa não é a maneira certa de
pensar sobre isso. Eu sei como comunicar o que eu quero agora. A meu ver, o cara
importa mais do que o que ele faz, porque as coisas sempre podem ser discutidas.
Miguel fez beicinho. —Eu não quero ser apenas mais um 'fantoche de
carne'.
Nero sorriu, estranhamente leve no coração. Era bom estar perto de alguém
que se importava com sua opinião. —Ei, você sabe que eu gosto da sua
companhia.
—Gostar de alguém e querer foder seus miolos são duas coisas diferentes.
—Mas eles podem ir juntos muito bem—, disse Nero e se colocou entre
Miguel e a amurada, mantendo os olhos nas brilhantes orbes escuras olhando
para ele como se fosse a criatura mais fascinante do planeta. —Quero isso. Você
quer isso. Quando estiver pronto, leve-me, foda-me os miolos.
Só de pensar em Miguel abaixando as calças de Nero e empurrando-o
contra a parede em algum corredor escuro, as pernas de Nero fraquejavam.
Se esse cara realmente fosse virgem, ele seria rápido e duro. E tudo o que ele
não sabia poderia ser ensinado a ele com prática frequente.
O pomo de adão coberto de barba por fazer balançava, e Miguel assentiu
bem devagar. —Temos companhia—, disse ele, olhando por cima do ombro de
Nero.
Se fosse Hugo Cano, Nero iria estripar o filho da puta por lhe dar bolas
azuis quando Miguel claramente queria transar com ele aqui e agora.
Negócios em primeiro lugar.
Capítulo 16
Miguel

SE CANO OS QUISESSE mortos, teria atirado neles do convés superior, onde


estavam parados como galinhas em um poleiro, sem saber que a raposa os
observava dos arbustos. Mas por que ele os queria vivos? Era para torná-los um
exemplo ou ele queria se livrar deles mais discretamente? Foda-se sabia, mas
agora que sua localização havia sido descoberta, o único caminho era descer a
prancha.
Uma parte de Miguel queria atrair os Caimans para o barco, mas com
tantos passageiros e tripulantes a bordo, isso teria levado a perdas desnecessárias
de vidas e mais Caimans esperando por eles no porto subsequente.
Ao lado dele, Nero estava parado no canto, de costas para o fluxo de pessoas
esperando na fila para desembarcar, Nero recarregou sua arma. —Só tem mais
uma revista. Você?
—Seis balas—, disse Miguel severamente, observando as atividades diárias
de pessoas que não estavam cientes dos predadores escondidos entre eles.
De um lado do píer, um homem esperava para ajudar o navio a atracar e, a
uma curta caminhada, os pescadores descarregavam suas capturas. Barracas com
porcaria colorida e comida obscureceram a visão de Miguel, mas ele ainda teve
um vislumbre de um Land Rover preto brilhante, que sem dúvida pertencia a
Cano e seus homens.
Nero exalou e empurrou a revista sobressalente em sua mão. —Apenas siga
minha liderança—, disse ele e caminhou em direção à linha formada ao longo do
parapeito.
O porto era pequeno e servia a uma cidade localizada a cerca de um
quilômetro e meio de distância, mas por causa das atrações naturais próximas, o
único assentamento de rua ligado a ele estava cheio de pequenas agências de
viagens, bares, restaurantes e não muito mais. Miguel franziu a testa ao ver um
banner anunciando um museu de figuras de cera recém-inaugurado com
personagens importantes da história colombiana, celebridades e, acima de tudo,
vikings.
Seria pela proximidade de um rio, mesmo que nunca tivesse sido visto por
um viking? Ele ponderaria sobre isso com uma boa cerveja gelada se eles
sobrevivessem.
Outro Land Rover estava parado perto do cais, como uma parede de metal
preto que nenhum deles poderia passar sem se tornar um imã de bala. Mas talvez
se eles jogassem bem, as barracas com tudo, de doces a camisetas com a bandeira
da Colômbia, poderiam ser uma cobertura adequada.
Miguel não reconheceu ninguém além de Cano e Ramiro, mas avistou pelo
menos dois homens cuja linguagem corporal os designou como predadores que
chegaram aqui com um propósito. Certamente haveria mais, o que era outro
motivo para cautela. Nem ele nem Nero tinham uma visão completa do perigo e,
se iniciassem um confronto, não apenas colocariam em perigo os espectadores
inocentes, mas também destruiriam suas chances de fuga.
O forte sol desapareceu quando as nuvens passaram acima, mas os olhos de
Miguel permaneceram nas duas figuras paradas bem no meio do aterro, ambos
vestidos de preto e certamente fartos da caça ao ganso selvagem que começou
com a fuga de Miguel e Nero ontem. Mas Nero não tinha pressa, observando
calmamente Cano e Ramiro da fila de passageiros que desembarcavam, que
tagarelavam e trocavam de peso, sem saber que eram escudos de carne.
O impasse silencioso pareceu durar dias, não minutos, e Miguel não desistia
de sua própria conversa sem palavras com um dos Caimans. Ele prometeu ao
homem uma bala no estômago e uma morte lenta e dolorosa enquanto os olhos de
seu oponente lhe diziam que o mesmo o esperava se ele não conseguisse escapar.
—Com licença?
Miguel enrijeceu quando a pergunta foi feita uma segunda vez. Ele olhou
para uma jovem bronzeada com uma mochila pequena, mas gorda. —Você é
local, por acaso?— Seu sotaque, embora não fosse americano, definitivamente
não era local, e ela não tinha nenhum ponto de referência sobre o que as
tatuagens de Miguel poderiam significar. Nem viu a arma que ele segurava
discretamente em punho. —Estamos assumindo isso, já que vocês não têm
bagagem,— seu companheiro masculino acrescentou e deu a eles um largo
sorriso.
—Colombiano, mas não local—, disse Nero, mas seus olhos permaneceram
na praia. O cérebro de Miguel brilhou com a imagem da cabeça verde
explodindo e os cérebros se espalhando sobre os jovens turistas.
Mas se Cano nos quisesse morto, já teria atirado, lembrou a si mesmo para
se acalmar.
—Oh, nós só queríamos saber se há alguma bebida e pratos locais que
possamos...
—Agora,— Nero sussurrou e agarrou a mão de Miguel, abaixando a cabeça
enquanto cortava a fila e disparava para a prancha de desembarque, empurrando
para o lado as pessoas que vagavam languidamente para o píer com seus
pertences.
Um homem se interpôs em seu caminho, abrindo a boca com uma
expressão furiosa, mas a coronha da arma de Nero o mandou para onde ele veio,
e os passageiros restantes se reuniram de um lado, abrindo espaço para os dois
loucos em fuga.
Miguel seguiu apesar de não saber qual era o plano. Seu único objetivo era
garantir que a cabeça de Nero ficasse em seu pescoço, então ele empurrava
alguém com o cotovelo, sem se importar se a pessoa merecia ou não. Não eram
eles que tinham um alvo na testa.
Um dos Caimans disparou. Miguel tinha certeza de que a bala disparou
para o céu, mas o caos irrompeu ao seu redor de qualquer maneira. As pessoas se
dispersaram, algumas tentando voltar para o navio, outras se escondendo atrás
das barracas das lojas. Alguém até caiu no rio com um barulho alto quando o
pânico tomou conta da presa, levando-a a correr loucamente. Miguel apontou
para o Caiman, mas não teve um tiro certeiro, e Nero já o puxava pelo píer, em
direção a um pequeno barco atracado ali. Um homem de cabelos grisalhos, o
provável proprietário, estava deitado ao lado dela, levantando as mãos em um
gesto de rendição, mas Nero não se incomodou em se dirigir a ele e saltou para
dentro da embarcação.
—Entre—, ele gritou e sentou-se atrás, bem ao lado do motor, enquanto
mais tiros irrompiam, enviando civis em todas as direções. A margem de erro que
eles tinham era muito pequena.
Miguel não precisou ouvir duas vezes e pulou na coisa frágil. Ele se sentou
e apontou a arma para o píer onde os Caimans abriam caminho pela multidão
que se dispersava. Para seu pavor, eles já estavam acompanhados por outros dois
capangas, possivelmente mais espertos, que forçaram um homem diferente a sair
de seu barco a motor.
—Velocidade máxima!— Miguel gritou para Nero, que nem se deu ao
trabalho de olhar para trás.
O motor ganhou vida, impulsionando o barco para frente e para longe do
píer antes de fazer uma curva rápida para continuar ao longo do rio.
—É melhor você atirar neles antes que eles explodam minha cabeça. É
bastante visível,— Nero rugiu quando o pequeno barco cortou a água. Na praia,
os homens corriam em direção a seus veículos pretos, mas era o outro barco que
poderia ser mais difícil de escapar.
Miguel ficou surpreso por eles já não estarem sendo alvejados. Mais uma
prova de que suas mortes não satisfariam a fome de retaliação do Caiman, e ele
não estava disposto a deixar nenhum deles ter uma morte lenta e torturante.
O barco balançou de um lado para o outro, rolando Miguel para dentro
como se fosse um líquido no copo de um bêbado, mas ele precisava tomar sua
posição agora, talvez até impedir que os capangas os seguissem. Com o coração
batendo loucamente, ele empurrou os pés contra o banco de madeira à sua frente
para se firmar e mirar, dolorosamente ciente de quão limitado era seu suprimento
de munição.
Pronto para atirar, Miguel endireitou os ombros, mirando além de Nero
enquanto eles aceleravam ao longo do rio. A lufada de ar esfriou suas costas
suadas até que ele se sentisse encostado em um bloco de gelo, mas quando não
um, mas dois barcos a motor correram atrás deles, nenhuma quantidade de água
espirrando poderia impedir seu cérebro de superaquecer.
Miguel respirou fundo, focou e disparou. Afundar ou nadar. Literalmente.
As árvores verdes em ambos os lados do rio se fundiram em um borrão
quando ele se concentrou em um ponto acima do ombro de Nero - o único
homem dirigindo o barco que provou ser mais rápido que seu irmão e se
aproximou deles em um ritmo assustador. Aquela maldita coisa poderia
simplesmente destruir o pequeno bote deles, mas não iria, porque a bala de
Miguel atingiu o meio da testa de seu motorista.
—Um a menos—, ele gritou para que Nero pudesse ouvi-lo sobre o
zumbido do motor enquanto a embarcação agora sem motorista se inclinava para
o lado e roçava em sua irmã, diminuindo a velocidade.
—Lembre-se de economizar balas—, disse Nero, semicerrando os olhos
enquanto o sol iluminava a superfície verde do rio.
Mas a morte de seu companheiro Caiman parecia ter apenas agravado os
outros dois e, embora o barco a motor não fosse tão rápido quanto o outro, um
dos homens atirou ao se aproximar deles.
—Pato!— Miguel gritou, jogando-se em Nero, que não podia ver a arma
apontada diretamente para sua cabeça de néon. Os olhos de Nero se arregalaram
e, enquanto deixava Miguel arrastá-lo para baixo, ele continuou segurando a
popa, o que fez com que o barco deles se inclinasse tão rapidamente que quase
virou, mas tudo o que Miguel podia ouvir era o ataque de balas.
Com os pulmões cheios de ar, Miguel espreitou para fora da embarcação e
segurou a mão de Nero para que não atingissem a costa, mas as suas roupas
estavam a molhar-se rapidamente e quando viu a água a acumular-se no fundo
da embarcação e o buracos perfurando o casco como se fosse queijo suíço, ele
sabia que estavam fodidos. Ainda assim, ele se recusou a desistir de suas vidas e
colocou o dedo no gatilho quando o motor engasgou.
—Não atire, porra,— rugiu alguém a plenos pulmões quando o zumbido do
outro barco ficou mais alto. Nero se mexeu sob Miguel, abrindo os olhos antes de
desligar o motor.
—Ou o que?— ele rugiu de volta.
Miguel olhou para cima e viu um homem mirando neles por trás do para-
brisa do barco enquanto outro falava ao telefone.
A pele de Miguel parecia ter rolado em cacos de vidro. Ele havia prometido
trazer Nero para um lugar seguro e não permitiria que terminasse assim. Ele se
levantou, muito consciente da água agora atingindo seus tornozelos.
—Jogue as armas na água!— gritou o homem apontando sua própria arma
de fogo na direção deles. —Vocês dois agora! Ou vamos deixar vocês dois ratos
afundarem!
Miguel hesitou, mas quando Nero seguiu a ordem, ele também. —Você está
nos deixando entrar, ou não?
O cara na frente sorriu, apontando sua pistola para o rosto de Nero. Sua
pele coberta de barba por fazer brilhava de suor, dando-lhe a aparência de um
pêssego mofado. —Até que o senhor Cano decida o que fazer com vocês dois
bichas—, disse ele enquanto seu companheiro terminava a ligação e se inclinava
para puxar os dois recipientes para mais perto.
A fúria irrompeu em Miguel com nova força, obscurecendo até mesmo o
medo pela vida de Nero. Então talvez ele fosse gay, mas nenhum outro filho da
puta tinha permissão para se sentir superior a ele só por gostar de enfiar o pau na
buceta.
—Nós somos os bichas? Parece-me que são vocês os que estão a chupar o
pau de Cano. Você rima com ele também?
O rosto redondo do homem escureceu, a mão da arma tremeu, mas quando
ele estava prestes a gritar algo de volta, um remo grosso balançou no ar e
derrubou o outro cara na água.
Miguel agora entendia o objetivo de Nero. Eles precisavam de um barco
novo e melhor, como aquele agora alinhado com o navio que estava afundando.
Ele não se importaria de matar os dois capangas no processo.
O Caiman perdeu a calma e disparou, mas o barco balançou sob ele e ele
errou. Miguel deu um salto de fé e embarcou na outra embarcação em um único
salto que o aterrissou bem em cima do bastardo. Lutando com a arma, ele plantou
o punho no nariz do cara. Osso deu um estalo desagradável, e Miguel agarrou a
arma de fogo do capanga quando ele a deixou cair para segurar seu rosto com
um grito chocado.
A batida rápida do lado do barco de Nero fez Miguel se virar, mas então os
dedos se cravaram em seu ombro enfaixado, e uma dor repentina forçou Miguel
a largar a arma de fogo exatamente onde estivera momentos antes. O fogo ardeu
atrás de suas pálpebras, mas o momento de distração foi o suficiente para o
capanga ganhar vantagem e rolar.
Cuspe atirou no rosto de Miguel enquanto o Caiman o encarava com uma
carranca que pertencia a um demônio, mas quando ele ergueu o punho, dedos
tatuados agarraram seu rosto pelas costas e cavaram impiedosamente nos olhos.
Sua boca se abriu como um portão para o inferno. Dentes amarelados - um
faltando, um lascado, um crescendo na direção errada - emolduravam uma
língua abanada coberta pelo brilho escuro de sangue pingando de um corte em
sua bochecha enquanto o homem uivava em agonia.
—Afaste-se!— Miguel gritou, e quando Nero se afastou, soltando a cabeça
do Caiman, agarrou a arma e atirou direto no poço da loucura que o capanga
tinha por boca.
Uma cabeça úmida apareceu acima da amurada, mas Miguel mandou o
outro Caiman direto para o inferno, junto com seu amigo.
—Porra, eles estão aqui,— Nero sussurrou, e quando Miguel olhou para
cima, três carros pretos estavam parados entre as árvores na margem próxima,
com homens se aglomerando na frente deles como uma parede de sombras sem
rosto.
A raiva queimou o peito de Miguel, e ele olhou para as águas largas, para a
floresta na outra margem, mas assim que ele se moveu para os controles na
frente, uma série de balas voou acima de suas cabeças, levando-o a mergulhar.
Ao lado dele, Nero soltou um leve suspiro, aproximando o tênis laranja da
bota de Miguel, quase como se quisesse se despedir dele discretamente. —Eles têm
uma bazuca. E metralhadoras. Acabou.
O peito de Miguel se encheu de raiva, mas quando ele olhou para a costa
distante, uma única bala perfurou a lateral do barco e sufocou suas esperanças. Se
eles não fizessem o que Cano queria, estariam afundando mais rápido do que o
pequeno barco que originalmente pegaram emprestado. Uma parte de Miguel
queria arriscar e pelo menos tentar salvá-los, mas Nero estava certo. O projétil
que acabara de atingir o barco provavelmente vinha de um rifle de precisão e, se
tentassem escapar pelo rio, seriam alvos fáceis.
Miguel mostrou a Nero a arma em sua mão, usando a amurada para
mantê-la escondida de olhares indiscretos. —Eles vão nos torturar. Poderíamos
acabar com isso agora. A escolha é sua.
Os olhos de Nero eram da cor da água beijada pelo sol quando ele olhou na
direção de Miguel e enxugou o suor de sua testa. —Não. Talvez haja espaço para
negociação. Estou pronto para morrer, mas não vou me matar.
Miguel engoliu em seco, assentindo. Ele não abandonaria o navio e deixaria
Nero sozinho com isso, mas, apesar dos horrores que se aproximavam, sentiu
alívio por não ter que colocar uma bala na cabeça de Nero. Ele faria isso como um
ato de misericórdia, mas se dependesse dele, ele teria preferido ir primeiro e
nunca ter que ver morrer o brilho malicioso da vida nos olhos de Nero.
Ele então levantou a mão e usou os controles para impulsionar a
embarcação em direção ao rebanho Caiman.
Ele cutucou o sapato de Nero com o dele na crescente poça d'água, mas
assim que chegassem à margem não haveria espaço para mais ternura. Nenhum
último beijo.
Ele deveria ter deixado Nero tocá-lo ontem à noite, em vez de recuar como
um covarde.
À sombra das árvores, Cano e Ramiro estavam lado a lado, rodeados por
mais cinco homens, todos apontando as armas para a cabeça de Miguel e Nero.
Pelo menos a bazuca havia sido abaixada e agora descansava contra um dos
veículos.
Ao comando silencioso de Cano, dois dos homens moveram-se para a beira
da água para interceptar o barco assim que ele atingisse a costa. Então os
Caimans já tinham um novo líder.
O pé de Nero passou por cima do de Miguel e esmagou-lhe os dedos. —
Gostei de ter você comigo.
Miguel olhou em seus olhos, sem se importar com o fato de estar avaliando
todas as armas apontadas para eles, mas como sempre em momentos como este,
sua voz ficou presa na garganta, recusando-se a ajudá-lo a comunicar a
profundidade de seus sentimentos.
Quando ele conheceu Nero Moreno, ele o considerou um pedaço de merda
estúpido, um festeiro sacana que se deleitava com a violência. Acima de tudo, ele
o considerava leal aos Caimans e não melhor que seu pai. Mas ele podia ver agora
que Nero havia afiado os dentes para impedir que os outros répteis arrancassem
pedaços de sua carne. Não foi uma escolha moral ou nobre, mas Miguel fez o
mesmo. No mundo deles, ou você morde de volta ou perece.
—Gostei de dançar com você,— Miguel sussurrou, repreendendo a si
mesmo por dizer uma coisa tão trivial quando suas vidas estavam em jogo. Ele
realmente não poderia pensar em algo mais significativo em seu último momento
sozinho?
O barco atingiu a margem, rangendo contra a areia.
O pomo de adão de Nero rolou para cima e para baixo em seu pescoço
enquanto ele continuava olhando para Miguel com aqueles olhos incrivelmente
verdes, que se destacavam tão lindamente contra sua tez escura. —Eu também—,
ele sussurrou antes de levantar as mãos e pular para a margem.
A aventura terminara e Miguel teria de viver com todas as suas mágoas
pelo resto da sua, sem dúvida curta e dolorosa existência.
—Nero Moreno. E por que toda essa corrida, hein?— perguntou Cano,
dando um tapinha em uma das armas presas ao arnês que ele usava sobre uma
camiseta preta justa.
A cabeça verde brilhante de Nero tombou para o lado. —Considerando o
que fiz com meu pai, imaginei que você não seria tão cortês quando nos
encontrarmos da próxima vez.
Miguel mordeu a língua, porque todo o seu ser queria gritar que aquilo era
mentira, e dizer a quem quisesse ouvir que fora ele quem matara O Canibal, não
Nero. Mas Nero sempre tinha um plano na manga, então calou a boca, não
querendo atrapalhar o que estava por vir.
Cano suspirou e colocou as mãos nos quadris. —É tudo muito lamentável,
mas nós dois sabemos que você ainda tem todas as cartas importantes, Sr.
Moreno. Vamos trabalhar com você, mesmo que até agora tenha sido uma dor de
cabeça.
Quais cartas? Miguel estava perdendo alguma coisa ou era apenas o direito
de primogenitura de Nero que importava como em alguma história medieval?
Cartéis dificilmente se importavam com esse tipo de coisa, e não haveria sucessão
de um homem que não pudesse manter o negócio sob controle.
Nero abriu os braços. —Eu gosto de um homem razoável. Acho que nem é
preciso dizer que não tenho ambições de liderança.
—Então por que você o matou?— Um dos capangas perguntou e cuspiu na
terra antes de cortar Nero com as lâminas de seus olhos escuros.
—Porque ele se recusou a pedir um pau para mim quando eles pediram
meninas. Chega um momento em que um homem tem que se defender—, disse
Nero, tornando as carrancas ainda mais profundas. Apenas a boca de Ramiro se
curvou um pouco para cima, como se achasse divertida aquela demonstração de
total destemor.
O homem deu um passo à frente, mostrando os dentes. —Seu porra...
—Ficar em pé. Em. Linha,— Cano rugiu, mandando o capanga de volta
para onde ele pertencia. Olhos cinzentos afiados encaravam Nero sob as
pálpebras caídas, analisando cada contração de seus músculos.
—Ficarei feliz em trabalhar para você, desde que não tenha que lidar com o
tráfico. Essa merda me enoja—, acrescentou Nero.
O chão se moveu sob os pés de Miguel enquanto ele observava os homens,
os veículos pretos, a estrada estreita com o rio de um lado e uma encosta íngreme
do outro. Depois de tudo que eles passaram... eles deveriam voltar? Haveria
mesmo um eles se Nero quisesse voltar ao seio seguro de champanhe caro,
metralhadoras de ouro e pau sob demanda?
Ele abaixou a cabeça, esmagado pela sensação de sua própria
insignificância. Ele só foi útil para Nero durante a fuga.
Cano considerou o pedido por vários segundos. —Não há necessidade de
um homem estar envolvido em tudo,— ele disse antes de olhar para Ramiro. —
Cuide da situação na cidade.
O olhar sombrio de The Axe roçou Miguel, mas ele não disse nada e se
dirigiu a um dos carros, batendo nos ombros de dois homens. Eles o seguiram sem
questionar.
Nero se aproximou de Cano em passos lentos, e um dos homens se adiantou
para uma rápida revista. —Talvez me traga uma bebida primeiro—, disse Nero
em um tom alegre enquanto o capanga o verificava em busca de armas
escondidas, eventualmente arrancando um canivete. Só então foi permitido a
Nero apertar a mão de Cano enquanto Ramiro e dois dos Caimans se dirigiam
para o porto.
Miguel não teve a cortesia de falar com ele, mas esperava isso. Ele tinha sido
a sombra de Nero por meses, e o fato de eles terem fugido juntos e se beijado não
mudava nada.
Um dos Caimans apontando uma arma para ele fez uma careta. —E aqueles
que eles mataram?
Cano balançou a cabeça. —Eles sabiam para o que se inscreveram. Suas
famílias serão indenizadas.
Nero ergueu os ombros, como se estivesse respirando fundo, e virou a parte
superior do corpo para Miguel, acenando para ele com um leve gesto dos dedos.
—Você tem sido leal, mas não vou mais precisar de um guarda-costas. Você
ganhou dinheiro suficiente para viver em paz com sua mãe.
Miguel lambeu os lábios em descrença. —O que?
Um homem ao seu lado riu e, embora nada tivesse sido dito, Miguel sabia
do que se tratava. O capanga estava rindo porque acreditava que Miguel tinha
sido fodido e fodido por Nero.
—Dê-lhe um carro. Ele está longe de casa,— Nero continuou, e Cano
encolheu os ombros, apontando para uma Yamaha preta, originalmente
escondida atrás do veículo de Ramiro.
—Ele pode ficar com a moto.
—Isso é tudo,— Nero disse e seguiu Cano até um dos Land Rovers pretos
restantes, abandonando Miguel sem um adeus apropriado.
Os outros Caimans não se deram ao trabalho de dar mais atenção a Miguel
e sentaram-se nos dois vagões idênticos. O único reconhecimento que recebeu foi
um dos homens cuspindo em seus pés molhados ao passar.
Em estado de choque, ele caminhou em direção à motocicleta como se o
vento o estivesse empurrando, não o livre arbítrio. De volta aos Land Rovers, Nero
bebeu uma garrafa d'água enquanto conversava com Cano, como se não tivessem
acontecido as últimas vinte e quatro horas em que Miguel ficou à deriva como
aquele barco a motor afundando. Ele meio que pensou que teria mais tempo para
explorar seus novos sentimentos confusos, mas nunca se pode confiar em um
réptil. Ele deveria ter aprendido essa lição há muito tempo.
Uma parte dele se perguntava se Nero não preferiria acabar com sua
miséria com uma bala, derrubando-o como um cachorro que ele não queria mais,
mas parecia que todos haviam esquecido sua existência, até mesmo o homem que
o beijou na noite anterior. Afinal, Nero havia confirmado que não significaria
nada.
Ainda assim, ele permaneceu como um animal faminto, acostumado demais
com as pessoas para viver longe delas, e observou todos entrarem nos carros.
Naquele momento, ele realmente sentiu falta de Nero, apesar da sensação
de traição pulsando dentro de seu peito. Mas pouco antes de a porta do carro se
fechar, um pano branco pressionou o rosto de Nero.
Capítulo 17
Miguel

NERO PODE TER SIDO o único a mandá-lo embora, mas Miguel havia
prometido trazê-lo para um lugar seguro, e ele SE manteria fiel à sua palavra. A
adrenalina correu por seu sistema e fez suas veias queimarem com propósito
enquanto ele checava sua arma em busca de balas e ligava a motocicleta.
Ele só tinha pilotado um punhado de vezes e não tinha licença para isso,
mas com buracos profundos transformando a estrada em uma pista de obstáculos,
os veículos Caiman não poderiam escapar dele tão facilmente. Então ele firmou a
mão esquerda no guidão, imaginando sua carne como aço, e pousou a mão
armada na outra. Ele manobrou entre cortes na estrada, o que o teria feito voar se
não tivesse cuidado. Nero corria perigo mortal, e Miguel preferiria quebrar o
pescoço a vê-lo preso.
Os Land Rovers andavam a princípio a um ritmo lânguido, mas os capangas
do segundo carro, que ficou preso entre Miguel e o veículo que transportava
Nero, devem ter percebido que ele os queria apanhar, porque um deles olhou
para fora, disparando duas balas no caminho de Miguel.
Ele não podia arriscar a vida de Nero atirando nas janelas escuras do
veículo de Cano, mas esses filhos da puta? Ele já os teria transformado em queijo
suíço se tivesse balas suficientes de sobra.
O sol que espreitava por entre as copas das árvores brilhava direto em seus
olhos, o que tornava ainda mais difícil esse jogo perigoso, mas, eventualmente,
Miguel puxou o gatilho, mirando na traseira do carro.
O pneu esquerdo estourou no momento em que o motorista virou para
evitar que uma das crateras se abrisse sob suas rodas como se fosse um
videogame. A mudança repentina de direção os fez subir a encosta íngreme
paralela à estrada. Miguel prendeu a respiração quando o Land Rover tombou
como uma tartaruga jogada de costas e rolou pela margem, direto para o rio.
Espirrou água em Miguel, que parou a tempo de evitar ser atropelado por seu
corpo de metal.
Mas não havia tempo para ficar para trás e observar os ratos saírem
correndo do carro que estava afundando. Isso não era sobre sua satisfação, e ele já
havia deixado aqueles bastardos o paralisarem por muito tempo. Para piorar, teve
que reiniciar a moto duas vezes e perdeu preciosos segundos de perseguição.
Assim que a Yamaha zumbiu sob ele novamente, ele se sentiu como uma
vespa furiosa que não desistiria da perseguição até picar cada Caiman.
Quando ele acelerou, a luz do sol espiando por entre as copas das árvores
transformou a estrada já perigosa em uma versão mortal de amarelinha,
confundindo seus olhos enquanto ele rolaram entre pedaços irregulares de
asfalto, rachaduras e sombras, que em um dia tão claro parecia muito com
buracos.
O suor escorria de seus lábios quando o veículo de Cano desapareceu atrás
da curva da estrada. Na segurança do carro, seu motorista não precisava ser tão
cauteloso com o terreno traiçoeiro, mas a vida de Miguel de nada valeria se ele
quebrasse sua promessa e deixasse Nero à tortura e à morte. A integridade de seus
ossos não importaria uma vez que ele terminasse sua tarefa e apodrecesse em
uma cova rasa em algum lugar.
Três Caimans estavam sentados no carro, incluindo Cano, mas sendo um
alvo menor e mais ágil, Miguel esperava escapar de suas balas. Seu coração batia
mais rápido a cada centímetro que ganhava no Land Rover e cada projétil
sibilando no ar, mas assim que alcançou o veículo, escolheu o motorista como
alvo. Nero poderia acabar machucado com a queda inevitável, mas se Miguel
cortasse a cabeça da fera de metal, não precisaria mais persegui-la.
O veículo sacudiu em sua direção, obrigando Miguel a se aproximar
perigosamente da água, mas as árvores que cresciam na orla obrigaram o
motorista a voltar para o asfalto para evitá-las.
Todos os cabelos da nuca de Miguel se arrepiaram quando a janela traseira
baixou. Se o cara que clorofórmio Nero tinha uma arma, ele estava ferrado. A voz
de Cano saiu distorcida pelo barulho em sua cabeça latejante, mas diante da
ameaça de morte, Miguel mirou no motorista.
Os olhos do bastardo estavam arregalados, e ele se inclinou para frente em
uma tentativa desesperada de ver melhor a estrada, revelando Cano no banco do
passageiro. O olhar do homem era afiado como navalhas. Ele ergueu a pistola
quando um objeto grande e escuro se aproximou cada vez mais no canto do olho
de Miguel. Um homem menor teria caído para trás para evitar a colisão, mas se
aqueles caras conseguissem chegar a uma estrada decente, Miguel nunca mais
veria Nero.
Ele se concentrou no motorista, apesar de lutar para impedir que o braço da
arma tremesse nesta porra de motocicleta.
—Pato!— Cano gritou e apontou sua própria arma de fogo na direção de
Miguel.
O motorista abaixou a cabeça, mas duas mãos cobertas por tatuagens
familiares dispararam do banco traseiro e agarraram o pescoço de Cano,
puxando-o para trás no momento em que ele deu o tiro. O puxão repentino de
seu braço enviou a bala direto para o peito do motorista, em vez da cabeça de
Miguel.
O ar quente trancou a garganta de Miguel quando o veículo mudou
rapidamente de direção. Ele pisou no freio para evitar colidir com a besta de aço
preto e, quando o Land Rover passou por ele, viu um capanga atacar Nero com o
pano branco novamente. Miguel o perdeu de vista quando Nero rolou para o
chão.
Cano deu uma corrida selvagem para agarrar o volante, mas um piscar de
olhos depois, o carro bateu no suporte de cimento de uma ponte ferroviária
abandonada. Os airbags estouraram, enchendo a frente do Land Rover como dois
baiacus gigantes, mas Cano estava sem cinto de segurança e sua cabeça bateu
contra a janela lateral.
Sem fôlego, Miguel saltou da moto, deixando-a cair como um peso morto, e
aproximou-se, pronto para enfrentar qualquer um que se interpusesse entre ele e
Nero.
Ele se encolheu quando a porta dos fundos se abriu e um dos capangas
derramou sangue por todo o rosto, mas o momento de choque não impediu
Miguel de matar aquele cachorro com duas balas para garantir.
O morto caiu na estrada como um saco de batatas, revelando o corpo de
Nero entre os bancos. Sua boca estava aberta, seus olhos fechados, mas havia cor
em seu rosto, e seu peito se moveu, então ele deve ter sido sedado de verdade
desta vez. Ele estava vivo, o que era tudo o que importava.
Eles falariam sobre o que diabos tinha acontecido no rio, uma vez que Nero
estivesse de pé novamente.
Miguel xingou baixinho e olhou para a estrada que levava ao porto. Não
podia levar um homem inconsciente na motocicleta, e esperar até que ele voltasse
também não era uma opção, já que Ramiro e os homens que o acompanhavam
poderiam aparecer a qualquer momento. Ele correu para a frente do carro para
verificar se o Land Rover ainda podia ser dirigido e abriu o banco do passageiro,
revelando a forma caída de Cano.
Sangue manchava a careca e escorria para a bochecha barbada, mas
Miguel lamentava que o nariz do bastardo não tivesse sido quebrado durante a
colisão. Traiçoeiro, filho da puta mentiroso! Nero deveria ter pedido a Ramiro
para jurar e cortar a promessa em sua carne. Mas este bastardo astuto havia
mandado seu protegido embora antes que Miguel pudesse ter pensado nisso.
Ele arrastou o corpo para fora e fez o mesmo com o motorista morto antes
de examinar o capô, que estava em bom estado, provavelmente devido à baixa
velocidade em que estava rodando no momento da colisão.
Passou por sua cabeça que talvez devesse colocar Nero no banco, mas seu
conforto não valeria nada se acabassem sendo pegos, então Miguel puxou seu
canivete e cortou o airbag do volante para esvaziá-lo.
Ele congelou quando algo tocou e seu olhar se moveu para o porta-copos,
onde um telefone celular estava virado para ele, mostrando o ID do chamador
como 67x8, que tinha que ser algum tipo de código. Se Cano realmente era tão
bom em encontrar pessoas como afirmava Raul Moreno, então talvez também
fosse paranóico com sua própria segurança. Miguel balançou a cabeça e jogou o
telefone no cadáver de Cano, que ele havia deixado na beira da estrada. Ele até
teve um pouco de satisfação em chutar a cabeça careca do filho da puta para
garantir.
Mas não era hora de se vingar de um cadáver. Ramiro poderia vir atrás
deles assim que terminasse de lubrificar as palmas das mãos na cidade, então
Miguel entrou no veículo e deu ré antes de voltar para a estrada. As rodas gordas
do Land Rover rolaram sobre um dos sacos de carne, esmagando seus ossos, mas
Miguel agora só tinha um objetivo: fugir e desaparecer o mais rápido possível.
Então ele foi embora e continuou enquanto o tanque de gasolina permitisse,
com o objetivo de se perder fazendo curvas aleatórias. Talvez ele tivesse bons
instintos, ou talvez apenas sorte, mas a floresta ao redor deles se tornava mais
densa quanto mais longe ele estava de onde a perseguição terminou. Ele parou
duas vezes para checar Nero, mas enquanto estava completamente inconsciente,
ele continuou respirando, então Miguel mudou o espelho retrovisor para vê-lo
encolhido no chão e dirigiu apesar do motor fazer barulhos de velho depois de
uma traqueostomia.
Duas horas depois, sua mente permanecia agitada e suas botas ainda
estavam úmidas. Eles tiveram sorte de estarem vivos, mas o coração de Miguel
estava pesado com a dúvida que manchou a alegria de salvar Nero.
Até o momento em que Nero aceitou tão ansiosamente a oferta de Cano,
foram eles contra o mundo. Nero realmente estava esperando por uma chance de
voltar à vida que levava até agora? Ele poderia estar blefando, mas então por que
mandar Miguel embora? Ele não teria chance de lutar sozinho contra os
capangas de Caiman, como todo esse calvário havia provado. Nero Moreno
sempre foi esse cara louco, ousado e indestrutível, mas agora ele estava mole,
vulnerável e dependente de Miguel para sua segurança. Parecia antinatural e
levou Miguel a beijar cada junta tatuada daquelas mãos ásperas durante uma das
paradas curtas. Suas vidas poderiam ser arrancadas a qualquer momento, e
embora ter sido dispensado depois de ter chegado tão perto na noite passada
tenha doído, Miguel estava determinado a não guardar rancor.
Ele estava começando a perceber que, com o tipo de passado que tinha,
nunca se sentiria pronto para explorar sua sexualidade. Então, por que não
mergulhar nas águas desconhecidas se Nero o desejasse, por mais inexperiente ou
desajeitada que a tentativa de Miguel pudesse ser?
A viagem os levou a passar por minúsculas barras de beira de estrada com
telhados de lona e chapas de metal enferrujadas, cada vez mais longe da
civilização enquanto Miguel navegava pelas estradas remotas usando um mapa
que encontrara no porta-luvas. O sol há muito se escondeu atrás de nuvens
cinzentas, mas sua ausência não tornava as árvores e pastagens ao redor de
Miguel menos exuberantes ou verdes.
Ele tinha acabado de cruzar um riacho raso, feliz por não ter sido muito
profundo para o Rover, quando um grunhido na parte de trás do carro voltou
toda a sua atenção para o corpo descansando no chão. Com o rosto de Nero
escondido pelo assento, ele se concentrou nas mãos tatuadas, que se fecharam em
punhos antes de se esticar.
—Você não me matou,— Nero falou arrastado, agarrando lentamente o
pingente Malverde, como se o santo popular fosse o responsável por sua
sobrevivência.
Miguel tinha pensado no que diria quando Nero acordasse, mas agora
estava sem palavras. Ele estava dirigindo por uma plantação de bananeiras e
entrou em uma trilha estreita cortando as plantações, desesperado por um local
isolado para estacionar.
—Eu prometi a você segurança, não prometi?— ele disse enquanto parava
o carro, sentindo-se relativamente seguro depois de dirigir por trinta minutos
sem encontrar outro veículo. O ar parecia sufocante e ele apertou o volante com
tanta força que suas juntas doeram.
Ele esperou por esse momento por muito tempo, mas ainda não se sentia
pronto.
Nero exalou e ergueu a mão, alcançando entre os assentos. — Miguel? O
que? Por quê você está aqui?— ele murmurou com mais clareza.
Miguel saltou do carro apenas para entrar pela porta dos fundos. —O que
você quer dizer? Onde mais eu estaria?— ele gemeu. Seu lugar era ao lado de
Nero.
Capítulo 18
Nero

A VISÃO DE NERO ESTAVA EMBAÇADA quando ele olhou para Miguel,


que se inclinou sobre ele, irradiando calor como se houvesse um fogo profundo
em seu peito. Ele estava tão bronzeado em comparação com as folhas das
bananeiras iluminadas pelo sol preenchendo cada espaço além do veículo. Seu
rosto e garganta estavam salpicados de sujeira e sangue, o que contava a história
de um resgate ousado que Nero não pôde testemunhar.
Ficou bem claro desde o início o que Cano queria, embora Nero esperasse
um jogo sujo em seu futuro, ele presumiu que eles iriam querer cortejá-lo
primeiro, o que lhe daria uma oportunidade de escapar. Mas seu plano vago era
arriscado, e como ele era o único que Cano queria, de que adiantaria arrastar
Miguel com ele? Ele estava tentando libertá-lo. Dê a ele um favor em troca de
todas as vezes que Miguel ficou com ele e foi o amigo que Nero nunca esperava.
E o idiota tinha arruinado essa oportunidade única na vida.
—Eu disse para você ir embora. Você teve a chance de sair. Por que você
não pegou?
Miguel olhou para ele com os olhos de um réptil - sem emoção e tão escuro
que Nero podia sentir-se afogando em suas profundezas sombrias. Com os vidros
escuros deixando o interior escuro mesmo em um dia tão ensolarado como este,
ambos eram como segredos escondidos na sombra.
—Você fez isso por mim?— Miguel perguntou, alcançando o queixo de
Nero com as duas mãos.
Nero rolou de joelhos, apesar de seus membros o arrastarem para baixo
como blocos de chumbo. Sua cabeça doía como se houvesse uma corrente elétrica
percorrendo seu crânio, e sua boca tinha um gosto doce do líquido que aqueles
bastardos o fizeram respirar, mas ele estava começando a se sentir mais como ele
mesmo, embora seu corpo doesse como se ele d levou socos em vários lugares. O
que pode ter sido o que aconteceu enquanto ele estava fora.
—Qual é o sentido de nós dois morrermos? Você era apenas meu guarda-
costas, mas agora você está definitivamente na lista de morte,— ele murmurou,
apertando os olhos com força para aliviar a sensação desconfortável de areia sob
suas pálpebras, mas quando os dedos duros de Miguel traçaram os lados de seu
rosto, ele olhou para ele. —Como diabos você sobreviveu aos trinta anos sem que
esse comportamento honroso o arrastasse para baixo?
Miguel lambeu o lábio superior de uma forma que fez Nero sentir falta
daquela língua quente contra a sua. —Eu não sou honrado. Sou egoísta. Eu fiz
isso por mim. —Ele então se inclinou e beijou Nero, ofegante como um
cachorrinho que tentou comer rápido demais.
O toque de sua boca quente desencadeou uma explosão de felicidade no
cérebro atordoado de Nero. Miguel acabou de dizer que o queria tanto que
arriscou a vida para recuperá-lo?
Isso foi uma loucura.
Eles não se conheciam tão bem.
Eles nem estavam fodendo.
Mas quando as mãos fortes de Miguel o puxaram para mais perto, Nero
engasgou de alívio. Momentos antes de perder a consciência, ele estava em paz
com a possibilidade de que seus dias restantes pudessem ser cheios de dor e
humilhação. Ele não esperava receber os cuidados de Miguel.
—Por que?— ele perguntou com um sorriso, apesar de não acreditar em
Miguel.
Ele não conhecia um homem menos egoísta.
—Eu prometi a você—, disse Miguel, deslizando as mãos sob a blusa de
Nero em um movimento lânguido. Eles eram tão frios, mas a sensação que
provocavam estava se tornando tão familiar que Nero relaxou ao toque.
Mas o que ele inicialmente assumiu seria uma busca por hematomas e
outros ferimentos logo se revelou algo muito mais sensual. As mãos ásperas
percorriam as planícies da carne, fazendo-o ofegar de prazer. Quando seus
olhares se encontraram, havia um fogo escuro queimando os de Miguel, e o
sorriso caiu dos lábios de Nero quando ele percebeu que logo ele também pegaria
fogo.
Miguel avançou, empurrando Nero mais fundo no carro enquanto ele se
arrastava atrás dele como um gato selvagem prestes a saciar sua fome. O ar ficou
preso na garganta de Nero quando ele respirou o cheiro forte do suor de Miguel,
e sua cabeça girou um pouco, ainda afetada por qualquer droga que tivesse
recebido.
—Me prometeu o quê?
Miguel gemeu e pressionou Nero contra os assentos antes de juntar seus
lábios em outro beijo. A maneira como sua perna abriu os joelhos de Nero enviou
faíscas brilhantes de compreensão em sua mente antes que Miguel respondesse.
—Eu prometi que vou foder seus miolos, então cale a boca,— Miguel
murmurou contra os lábios de Nero, enviando deliciosas vibrações direto para
seu pau. Falar teria sido impossível de qualquer maneira com uma língua quente
deslizando sobre a de Nero, sem medo dos dentes afiados.
O peso de Miguel comprimia a respiração de Nero, e quando seus braços
fortes envolveram a carne flexível, uma sensação de perigo tingiu o prazer,
transformando-o em uma combinação inebriante. Era como fazer amor com uma
jiboia, mas embora Nero não estivesse familiarizado com bondade, amor ou
compaixão, foder ele entendia perfeitamente. Então ele relaxou e jogou os braços
ao redor de Miguel enquanto aquela língua insistente sondava sua boca.
Arrepios de alívio dançaram sobre Nero quando o corpo duro do homem
que o protegia da morte e da tortura se encaixou entre suas pernas, já rangendo.
Ele permaneceu confuso, com uma estranha imprecisão em seu cérebro,
mas se havia algo que ele não duvidava, era que Miguel se certificaria de que
ninguém o machucaria neste estado vulnerável.
Era bom estar com alguém que realmente o protegeria.
Os movimentos de Miguel estavam ficando frenéticos quando ele tirou a
blusa de Nero para passar as mãos para cima e para baixo em seus lados. Cada
arranhão das unhas, cada pontada de dor por ser tocada onde os hematomas
estavam se formando, aumentava a excitação do beijo sem fim, prendendo-o no
presente.
O assento de couro grudava em sua carne, o aromatizador cheirava a
laboratório de química e, com o ar-condicionado desligado, o carro começava a
ficar abafado, mas o desejo de Miguel por ele superava todo o resto. Por mais que
Nero adorasse ser desejado, e a sensação de ser fodido, neste momento, o homem
em cima dele parecia o único que ele jamais desejaria.
Miguel lambeu o espaço entre a gengiva e o lábio como se precisasse
explorar cada centímetro da boca de Nero. E embora a posição deles fosse
estranha, com a fivela do cinto de segurança cavando no quadril de Nero, ele não
dava a mínima para tais trivialidades, desde que o pau duro de Miguel balançasse
contra ele.
Um leve gemido saiu da boca de Nero quando ele enfiou a mão entre seus
corpos e sentiu a rigidez do estômago de Miguel. Nada sociável, Miguel passava a
maior parte do tempo livre treinando, o que o tornava um herói de filme de ação.
Seu corpo tonificado era uma onda torrencial, batendo em Nero mais e mais até
que seus paus estivessem duros como duas armas carregadas.
A mão de Nero se moveu mais para baixo, para continuar de onde pararam
na noite passada, e ele sorriu contra a boca de Miguel, estalando sua língua
contra o invasor quente dentro da sua enquanto a imaginação o levava direto
para o final deste momento ardente. Ele masturbava Miguel até que seu próprio
estômago estivesse coberto por esperma quente, que ele então juntava com os
dedos e lambia enquanto olhava diretamente para aqueles olhos negros
apaixonados.
E Miguel? Ele ficaria excitado apesar de sentir que não deveria estar.
Em vez disso, Miguel empurrou para cima, segurando a parte de trás do
banco do motorista para alavancar, e tirou a blusa, revelando o peito em toda a
sua glória de tábua de lavar. Ele era a personificação da beleza masculina, com
cicatrizes e tatuagens contando sua difícil história. O cabelo espalhado por seu
estômago era como uma flecha apontando para Nero onde sua boca era desejada,
e ele lambeu os lábios, ansioso para seguir sua direção para baixo nas cristas de
músculos duros. Mas primeiro, ele tomaria seu tempo com o pescoço grosso de
Miguel, seus mamilos, peitorais e a deliciosa depressão entre as clavículas.
Ele não queria perder nem um centímetro.
Nero estava prestes a abraçar Miguel novamente, ávido por seus lábios
quentes quando Miguel agarrou a perna de Nero. Antes que Nero soubesse o que
estava acontecendo, ele caiu de cara contra o assento de couro e Miguel voltou
para onde estava antes. Entre suas pernas.
Oh?
Ah.
Miguel queria...
Os pensamentos de Nero ficaram turvos quando suas calças e cuecas foram
abaixadas em um único puxão prático, expondo sua bunda ao ar quente e à fome
do homem que Nero desejou por tanto tempo que quase perdeu as esperanças.
Mas agora que Miguel se moveu atrás dele e abriu o cinto tão rápido que a fivela
bateu na coxa de Nero, as perguntas rodopiaram no ar como fumaça. Miguel
sabia o que estava fazendo? Seu pau era bastante grande e poderia acabar
parecendo uma escavadeira, se não fosse usado com o devido cuidado, mas Nero
estava tão paralisado que não conseguia pronunciar a palavra lubrificante, de
medo que isso pudesse lembrar Miguel de quaisquer inibições que ele tivesse.
Porque não importa como as coisas iriam, Nero queria isso mais do que se
preocupava com um pouco de dor.
O sussurro do zíper abrindo era como um comando, e seu buraco relaxou,
pronto para receber aquele lindo pau.
Ele adorava ser fodido. Ele amou tanto que sacrificou muito na vida para
conseguir tanto pau quanto pudesse empanturrar-se, então não iria parar agora.
Nero poderia guiar Miguel nisso. Às vezes, o sexo doía e não era grande coisa.
A respiração áspera de Miguel encheu o carro escuro, mas ele ainda não
tinha enfiado seu pênis em Nero como um animal no cio. Ele puxou uma das
nádegas de Nero, expondo seu buraco. Nero não pôde deixar de se perguntar se
gostou do que viu, mas o gemido baixo vindo de trás dele quando a ponta do dedo
esfregou o franzido sensível respondeu a essa pergunta silenciosa, enviando
arrepios até as bolas de Nero.
Quando algo quente e escorregadio caiu em seu buraco, ele ficou ao mesmo
tempo aliviado e surpreso. Ele tentou não se preocupar com isso ser algo que não
deveria chegar perto de sua bunda, e o som do tapa de Miguel espalhando o
lubrificante em seu pau era a distração que ele precisava.
Mas, apesar de querer se concentrar em relaxar seu esfíncter para Miguel,
quando dois dedos rolaram por seu buraco, fazendo o mergulho mais suave
dentro dele, Nero soltou um gemido quebrado, transformando-se em uma
bagunça líquida.
Ele fodidamente precisava disso. Agora. Agora. Agora.
—F-foda-se...
Ele queria ser o único objeto de todos os desejos de Miguel, mesmo que
apenas pelo momento de seus corpos suados se transformarem em uma única
liga. Homens iam e vinham, mas nos breves momentos de prazer, quando Nero
podia sentir seus pênis dentro dele, eles eram dele. Isso era o que ele queria de
Miguel cada vez que ele o provocava ou se oferecia como uma máquina de venda
automática de sexo.
Mas quando Miguel deitou em cima dele e enfiou a cabeça do pênis sem
avisar, ele deixou bem claro que era Nero quem era dele. Sua pele nua estava
quente o suficiente para derreter, e o cérebro de Nero se mexeu quando o pau
grosso forçou seu caminho através do anel apertado de músculos.
Em um momento de pânico, Nero tentou abrir mais as pernas e um dos
joelhos escorregou do assento, caindo no chão. Doeu, mas toda a atenção de Nero
estava na haste grossa tentando perfurar dentro dele, e quando Miguel empurrou
a mão sob o peito para segurá-los perto, a dura circunferência afundou mais
fundo, exigindo acesso à bunda de Nero como se Miguel o possuísse.
Ele congelou com uma mão e um joelho no chão e os outros permaneceram
no assento - uma posição que o deixou aberto e vulnerável ao ataque de Miguel.
O suor escorria em seu corpo à medida que centímetro após centímetro passava
por sua entrada, abrindo-o até que tudo o que ele conseguia pensar era aquela
pesada sensação de plenitude. Graças a Deus que Miguel sabia da existência do
lubrificante, porque Nero teria que impedi-lo de outra forma.
Ele estava ofegante, mas o calor dos braços de Miguel ao seu redor e as
doces cócegas dos lábios em sua nuca fizeram Nero relaxar. Os beijos se
transformaram em mordidas quando Miguel colocou seu peso em uma estocada
final que enterrou totalmente seu pênis no traseiro de Nero, deixando escapar um
gemido de satisfação que ressoou tão perto do ouvido de Nero que parecia o
ronronar de um leão saciado.
A perna de Miguel cutucou o interior da perna de Nero, afastando ainda
mais suas coxas. Aquele empurrão final fez Nero se sentir quase cheio demais, e
ele soltou um gemido suave, enrolando os dedos dos pés enquanto suas entranhas
se contraíam, tentando acomodar Miguel depois daquela entrada rápida e áspera.
Estava uma delícia.
Era assim que o sexo deveria ser sempre. Áspero, cru e real.
Oprimido, ele esfregou o rosto contra o assento, concentrando-se nas
cócegas dos pelos do corpo de Miguel e no ar frio beliscando seu pênis, que
pendia entre as pernas abertas. Miguel não estava disposto a ficar parado, mas
teve o bom senso de começar devagar e, em vez de entrar e sair como seus
instintos provavelmente lhe diziam, ele rolou os quadris contra Nero enquanto
ofegava em seu ouvido. O movimento suave era como uma massagem relaxante,
tanto por dentro quanto por fora, então Nero se permitiu aproveitar a perfuração,
impotente sob o homem que desejava há tanto tempo.
Dedos torceram seu mamilo perfurado, fazendo com que suas entranhas
cheias se contorcessem, mas assim que ele esfregou o pé contra o de Miguel com
um murmúrio feliz, a brincadeira acabou.
Miguel puxou seu pau quase todo para fora, apenas para bater de volta.
Seus braços apertaram em torno de Nero, segurando-o no lugar quando ele
começou a empurrar como uma marreta. Cada gemido vindo de Nero provocava
Miguel a beijar, morder e lamber onde quer que alcançasse, tornando o pescoço e
os ombros de Nero deliciosamente hipersensíveis.
Talvez fosse o resquício das drogas, ou talvez a alegria de ter o cara que
Nero vinha perseguindo há três longos anos, mas ele sentia como se o pau
serrando suas entranhas o levasse para outro plano de existência, onde não havia
perigo, e onde ele poderia existir apenas para satisfazer os desejos de Miguel.
Dentes puxaram o cabelo de sua nuca antes de fechar em sua nuca, e Nero
gemeu, dominado pelo calor profundo queimando em seu buraco. O assento de
couro cheirava a limpador cítrico, mas o rico aroma do corpo de Miguel era a
nova droga preferida de Nero e dominava todos os outros cheiros, mexendo com
seu cérebro.
Ele desejava ver o rosto de Miguel, vê-lo se contorcer e escurecer enquanto
ele tomava seu prazer, mas não havia espaço para isso nesta posição onde os
papéis de dominante e submisso eram dolorosamente óbvios.
E Nero gostou muito disso.
Mordendo o lábio, ele abriu os olhos para olhar para a pulseira de ouro que
Miguel havia fechado em seu pulso. Agora parecia uma algema bonita destinada
a mostrar a Nero seu lugar e afastar qualquer outro homem.
—Sim... faça de mim sua cadela,— Nero sibilou por entre os dentes, bêbado
com a pressão repetida contra sua próstata.
A mão de Miguel deslizou pelo peito de Nero e por todo o caminho entre
suas pernas, forçando outro gemido por entre seus lábios quando apertou seu pau
duro. Os dedos frios de Miguel estavam escorregadios com o lubrificante e se
moviam com um propósito, no mesmo ritmo que o pênis esticava a bunda de
Nero sem parar.
As palavras ficaram presas na garganta de Nero enquanto ele se permitia
uivar com a natureza violenta de seu prazer quando Miguel acelerou em um
ritmo punitivo, montando-o com tanta força que estava prestes a quebrar a
mente de Nero e transformá-lo permanentemente em um buraco voluntário para
este pau. Mas então Miguel estremeceu, endureceu e soltou uma série de
grunhidos tão ásperos que pertenciam à boca de uma fera, não de um homem
humano.
Várias estocadas caóticas depois, o pênis foi enterrado por dentro e,
enquanto pulsava, jorrando sêmen profundamente no canal de Nero, tornou-se
óbvio que eles haviam esquecido os preservativos.
Inquieto com desejo chocado, Nero enrolou os dedos dos pés, existindo
apenas para consumir o esperma de Miguel. Só de pensar nisso, seu próprio pau
ficou mais sensível naquela mão áspera.
O corpo escaldante de Miguel esticou-se sobre o de Nero até que parecia
que seu coração batia nas costas de Nero como um louco. Uma parte de Nero
esperava que ele se afastasse assim que gozasse, mas quando isso não aconteceu,
Nero moveu seus quadris para dar a Miguel um acesso mais fácil ao seu pau, e
seu amante entendeu a dica sem hesitar.
Descansando a barba por fazer no ombro de Nero, ele trabalhou o pau de
Nero tão rápido e duro quanto ele tinha fodido, fazendo o anel pesado assentar no
balanço em um staccato caótico.
E assim que os dedos escorregadios o levaram ao limite, a voz de Miguel
caiu sobre ele em um murmúrio profundo que lembrava um demônio luxurioso.
—Nero…
Era como ser rasgado e recolocado ao mesmo tempo, e enquanto poderosas
ondas de prazer passavam por Nero, seus membros ficavam fracos. Se não fosse
Miguel segurando-o, ele teria rolado entre os assentos, onde poderia descansar
até que eles pudessem se levantar novamente.
Eles estariam repetindo isso.
Miguel esfregou a mão manchada de esperma na barriga de Nero, mas em
contraste com a sujeira daquele gesto, os beijos que deixou na nuca de Nero não
eram mais tangíveis que a luz do sol.
Calor deixou Nero mole e tão quente que ele desejou ficar como estava, mas
o pau de Miguel encolheu e finalmente escorregou para fora de seu buraco
ardente, deixando-o vazio e já desejando uma renovação. E com isso, regou a
evidência de que Miguel havia pulado as borrachas.
—Tem... uh, algum lenço?— ele perguntou, ainda tonto depois da foda
alucinante, embora um pouco curta. Quando Miguel saiu de cima dele, silencioso
como sempre, Nero imaginou que ele havia parado para se maravilhar com o
corpo que lhe dava tanto prazer, absorvendo as marcas de mordidas e o esperma
entre as nádegas de Nero.
Um tanto perturbado com o silêncio de seu amante, Nero olhou por cima do
ombro para aquele homem ofegante, mas quando seus olhos se encontraram,
Miguel rapidamente pegou sua mochila no banco da frente e tirou um pacote de
lenços umedecidos. Ele estava prestes a passar alguns para Nero quando parou.
—Ou eu deveria...?
Adorável.
Nero sorriu e mostrou-lhe a palma da mão aberta. —Nah, eu vou fazer isso.
Miguel continuou lançando-lhe olhares discretos enquanto os dois se
limpavam, mas conforme o silêncio se estendeu, Nero começou a duvidar de tudo
o que sabia sobre o que acabara de acontecer. Ele nunca atribuiu muito
significado ao sexo, mas Miguel sim, não importa o que ele afirmasse. Então, o
que o fez mudar de ideia sobre ir em frente?
No momento em que Nero estava prestes a fazer a pergunta que rolava em
sua cabeça, Miguel falou, pegando sua bagagem.
—Tenho uma mistura de trilha se você estiver com fome.
Maneira de matar o clima. Mas em que tipo de humor Nero estava
pensando quando eles terminaram?
Depois da paixão de seus beijos, ele meio que esperava que Miguel fosse do
tipo que descansasse ao lado dele, relaxasse enquanto permanecia perto, mas ele
avaliou o homem incorretamente, porque Miguel já havia enfiado seu pênis e
tinha o vibe de um namoro prestes a sair do apartamento.
Ele não gostou?
Não, ele tinha estado em cima de Nero. Mas e se no fundo ele se
arrependesse de ter cedido a seus desejos? Ou talvez o que ele realmente queria
era outra pessoa?
—Meu estômago não aguentou mais nada—, disse Nero, ainda se sentindo
mal.
Miguel observou-o por um longo momento. —Oh,— ele disse e franziu a
testa, deixando Nero para decifrar seu significado.
O que eles estavam fazendo? O que foi isso? Amigos de foda em fuga?
E ainda assim o sexo tinha sido tão apaixonado, e Miguel tinha abraçado
Nero como nenhum outro amante antes dele.
Como se ele quisesse se tornar um com ele.
O som de um motor fez os dois olharem um para o outro e depois
procurarem roupas.
Capítulo 19
Nero

NERO ESTAVA APENAS A UM assento de distância de Miguel, mas a tensão


de antes era como uma névoa venenosa que fazia sua garganta e músculos
doerem enquanto Esteban tagarelava no banco do motorista, indicando pontos de
interesse dentro e ao redor de sua plantação de banana.
Para um homem que descobriu dois estranhos em um veículo danificado
bloqueando uma das estradas de sua propriedade, ele se mostrou
surpreendentemente receptivo. Mas, novamente, eles estavam no meio do campo,
e as pessoas aqui costumavam ser mais gentis. Ou talvez apenas entediado e
ansioso para receber animais de rua em sua casa.
Miguel tinha um perfil tão bonito, com um nariz grande e bem feito e um
pouco de barba por fazer depois de dois dias sem fazer a barba. Nero fantasiou
em socá-lo, apenas para derrubá-lo, porque ele parecia tão despreocupado como
sempre e mastigava aquela maldita mistura de trilha como se precisasse
recuperar sua força depois da foda primorosamente áspera.
A queimação na bunda de Nero também não o deixava esquecer o que
aconteceu, e ele se mexeu no banco desconfortável para sentir cada solavanco na
estrada irregular exatamente onde ele queria.
Porra.
Ele fez tanto sexo em sua vida, com tantos caras, mas raramente isso o fez
fantasiar sobre isso depois. Era como ter bebido uma bebida de verdade depois de
uma vida de cerveja fraca, e ele não sabia o que fazer com o silêncio estranho e
desconfortável que se seguiu ao encontro rápido e difícil. E a companhia de
Esteban não ajudava, porque encher o ar de barulho não ajudava a dissipar a
tensão tão óbvia que criava uma barreira entre Nero e Miguel.
—Minha esposa faz o ajiaco15 mais incrível. Você vai recuperar suas forças,
descanse, e amanhã eu vou te levar para a cidade. Meu primo poderia rebocar o
carro, mas já está fora—, disse Esteban, olhando para eles e coçando o bigode
escuro.
Ele tinha pés de galinha profundos e pele escura por passar a maior parte
de seus dias fora de casa, mas não havia nenhum grisalho em seu cabelo preto, e
seus movimentos eram vivos como os de um jovem.
—Obrigado. Tivemos um dia difícil. Primeiro o acidente, depois a perda.
Nós apreciaremos um lugar para passar a noite,— Miguel disse, que era mais do
que ele havia dado a Nero. Mas com Esteban observando-os pelo espelho
retrovisor e ouvindo cada palavra, eles mal podiam falar sobre o que havia
acontecido. E como Nero faria qualquer pergunta sem soar carente?
Ele não era carente.
Na verdade, ele só estava preocupado porque gostava de Miguel e não
queria que algo tão básico e simples como sexo estragasse sua camaradagem. Eles
teriam que, de alguma forma, conversar de homem para homem assim que
chegasse a hora certa.
O sol descia rápido e logo a extensão de bananeiras passaria do verde para
o preto, mas assim que ele pensou nisso, o veículo deixou as plantações para trás
e subiu uma colina baixa onde uma pequena casa branca ficava no último dos
brilho alaranjado da noite, rodeado de flores.

15 Ajiaco é uma sopa de batata e galinha, que deu origem na Colômbia e, é bastante típica de Bogotá. Deve
ser feita numa quantidade razoável, uma vez que exige que se usem diferentes variedades de batata, a “fruta-
da-terra”.
Um grande caminhão enferrujado estava estacionado em frente a ele, com
um homem trabalhando ao redor. Quando as luzes do carro de Esteban o
atingiram, ficou claro que ele era mais jovem que o anfitrião, embora ostentasse
uma barba cheia e um tapa-olho preto cobrindo o olho direito.
—Esse é meu irmão—, disse Esteban. —Ele vai levar minha família para a
casa dos meus pais, mas minha esposa já preparou o jantar.
—A esta hora da noite?— Miguel perguntou naquela voz irritantemente
normal. Não deveria ser pelo menos um pouco áspero de tanto gemer?
Esteban suspirou. —Temos apenas dois caminhões e o trabalho precisava
ser feito durante o dia. Isso é viver no campo para vocês, garotos da cidade,— ele
disse e deu um sorriso para eles.
—Faz sentido—, Nero disse apenas para provar a Miguel que ele também
não havia esquecido como se fala espanhol.
Ele tinha tantas perguntas que não podiam ser feitas perto de Esteban.
Por que Miguel ficou? Como ele gostava de estar com um homem? Por que
diabos ele estava tão estranho sobre isso?
Mas não, eles estavam presos a um fazendeiro de bananas, e Nero tinha
bom senso para saber que Miguel hesitaria em ser desmascarado de qualquer
maneira. Não que Nero quisesse lavar sua roupa suja com esse estranho presente,
e correr o risco de ser expulso, se Esteban fosse homofóbico. Eles poderiam, é
claro, revidar se isso acontecesse, mas ele estava tão cansado de conflitos depois
desse dia no Inferno. Tudo o que ele queria era comer alguma coisa, deitar na
cama e usar o gostoso ao seu lado como travesseiro de corpo. Isso era pedir
muito?
—Espere aqui. Meu irmão pode ser cauteloso com estranhos,— Esteban
disse assim que estacionou. Ele saltou do carro sem esperar por uma resposta.
Em vez de olhar na direção de Nero, ou acariciar sua mão como havia feito
algumas vezes após o primeiro beijo, Miguel cruzou os braços sobre o peito e
olhou para os homens pela janela.
—Estou aqui —, disse Nero quando os dois homens do lado de fora
começaram a conversar, e o fazendeiro apontou para seu caminhão para indicar
quem ele trouxe para o jantar.
Miguel olhou na direção de Nero por uma fração de segundo, mas seus
lábios se transformaram em uma linha fina, e ele olhou para os malditos
fazendeiros novamente como se fossem aqueles que ele havia criticado como se
não houvesse amanhã.
O irmão de Esteban franziu a testa e, embora falasse baixo, a maneira como
abriu os braços sugeria que não estava nada feliz.
Uma mulher de vestido amarelo saiu para a varanda coberta que
circundava todo o prédio e, enquanto ela passava a regar flores penduradas em
jardineiras presas ao corrimão, seu olhar disparava entre os homens de sua
família e os estranhos na caminhonete de seu marido.
—Você ficou surdo?— Nero perguntou a Miguel, cada vez mais agitado,
mas sem vontade de demonstrar. Então, em vez de sacudir Miguel, ele também
cruzou os braços sobre o peito e observou Esteban, que fez uma careta para o
irmão antes de se aproximar de sua esposa.
—O que é?— Miguel sussurrou, nem mesmo olhando para Nero desta vez.
—Pode haver um problema aqui.
Nero franziu a testa para ele. —Pode haver um problema em qualquer
lugar. Toda a porra da nossa vida é um problema.
—Isso é verdade.— Miguel cantarolava, lembrando Nero do gemido
zumbido que ele fez ao gozar. Como um homem pode ser tão gostoso e ao mesmo
tempo tão irritante?
Antes que Nero pudesse dar uma resposta, Miguel saiu do caminhão sem
avisar e ergueu a mão em saudação.
Esteban sorriu e fez um gesto largo com a mão. —Este é meu irmãozinho,
Santiago. Tiago, Conheça o Nero e o Miguel.
Nero suspirou e também saiu do caminhão, aproximando-se dos outros
homens. —Fomos salvos. Algum idiota maluco nos forçou a sair da estrada,
batemos nosso veículo e, se não fosse por Esteban, estaríamos passando a noite lá
fora com apenas a mistura de trilha para comer.
Santiago deu a ele um meio sorriso, mas havia um brilho de raiva em seu
olhar. Ele realmente desaprovava convidados estranhos, ou especificamente
Miguel e Nero?
—Você pode pegar as crianças agora—, disse Esteban à esposa, que parou
como uma corça no meio da estrada, mas depois saiu correndo do terraço e
entrou em casa.
A história sobre ela ir visitar a família parecia uma desculpa, mas Nero
entendia que um homem temia que sua esposa ficasse sob o mesmo teto que dois
estranhos tatuados da cabeça aos pés. Ele tentou não chamar a atenção para seus
dentes lixados até agora, mas eles estavam lá para serem vistos por qualquer um
que prestasse atenção.
Este era o território de Caiman, e talvez a bondade de Esteban fosse mais
uma tentativa de provar a si mesmo leal, ou pedir ajuda com demandas de
dinheiro de proteção que ele não poderia atender?
—Bem vindo a minha humilde residência. Eu prometo a você, você não vai
se arrepender de experimentar a comida da minha esposa, especialmente depois
de um dia difícil—, disse Esteban, conduzindo-os a um corredor com paredes de
pedra caiadas. Fotografias de família penduradas na altura dos olhos, mas Nero
não teve tempo de se concentrar nelas, indo direto para uma sala de jantar que
tinha paredes vermelho-escuras com detalhes brancos nas janelas e portas e uma
pesada mesa de madeira no centro.
Ao fundo, uma voz feminina tagarelava sobre a visita da vovó, mas estava
claro que Esteban não queria que sua família interagisse com os homens
perigosos que ele havia convidado sob seu teto.
As crianças foram expulsas de casa tão rápido que Nero mal teve um
vislumbre das duas meninas, mas Santiago demorou, seu único olho
acompanhando cada movimento delas.
—Eu poderia ficar. Camila pode dirigir sozinha—, disse ele a Esteban. Ele
esperava que houvesse problemas e queria estar ao lado de seu irmão caso
precisasse de reforços?
—Tudo bem. Você sabe que mamãe sempre reclama que você não visita.
Você estará de volta em dois dias de qualquer maneira. Apenas divirta-se—, disse
Esteban com uma voz jovial e entrou na sala adjacente, que cheirava divinamente
a goma e carne.
Nero acenou com a cabeça para Santiago. —Tenha uma boa viagem.
O homem respirou fundo e balançou a cabeça. —Tenha uma estadia
agradável.— E com isso, ele seguiu a esposa de Esteban para fora de casa.
—O que mordeu a bunda dele?— Nero perguntou. Ele tinha uma arma
apontada para ele, assim como para Miguel, então estava bastante confiante de
que poderia se manter firme em caso de conflito. Principalmente que ele pudesse
concordar com o que Esteban exigisse dos Caimans, já que isso não lhe dizia
respeito.
O anfitrião, que entrou com uma grande panela de barro, exalou baixinho
e colocou a comida sobre uma tábua de madeira que deve ter sido deixada no
meio da mesa para isso mesmo. —Vou ser direto com você. Eu vi suas tatuagens.
Vocês são... os homens de Raul Moreno, certo?— ele perguntou e se aproximou
de um aparador de madeira para retirar pratos e talheres.
A escolha de Esteban de ser franco deixou Nero à vontade. —Está correto.
Os olhos escuros de Miguel observavam o homem mais velho com fria
intensidade. Ele lembrava tanto uma cobra que Nero meio que esperava ver uma
língua dividida saindo de seus lábios. —Não queremos problemas. Nossa história
é verdadeira. Só queremos uma cama para passar a noite.
Esteban suspirou, então trouxe uma cesta de pão fatiado e tirou as chaves
antes de destrancar o armário superior para revelar as garrafas. Ele pegou um
que tinha apenas um terço de seu conteúdo e o colocou sobre a mesa ao lado de
três copos. —Eu sei que isso pode ser... ousado da minha parte,— ele disse e deu a
eles um sorriso nervoso. —Mas eu levei você comigo porque quero pedir ajuda.
Tentei discutir isso com o Sr. Aguillar, mas é como tentar reduzir a conta de luz
ligando para a linha de ajuda.
Nero assentiu, como se tivesse alguma ideia de quem era Aguillar. O
homem local do pai, sem dúvida.
Esteban convidou-os a sentar-se e, quando Nero o fez com estudada
indiferença, Miguel sentou-se também, olhando o pão. Claramente, a mistura de
trilha não foi suficiente para satisfazer sua fome, mas Nero foi o suficiente? Ele
não saberia até que eles estivessem sozinhos e pudessem conversar sem uma
terceira roda.
Nero realmente não se importava com o que Miguel pensava, desde que
pudesse desfrutar daquele corpo duro e pau muitas mais vezes, mas o orgulho o
deixou irritado com a falta de resposta.
Esteban desenroscou a garrafa e distribuiu o líquido amarelado entre três
copos, antes de abrir a panela para revelar o ajiaco perfumado, com pedaços
inteiros de espiga de milho flutuando na superfície.
—Isso é sobre dinheiro?— Nero perguntou enquanto o anfitrião corria de
volta para a cozinha e voltava alguns segundos depois com abacate fatiado, uma
tigelinha de alcaparras e um pote de creme de leite, que devia estar pronto para a
refeição da família.
Esteban exalou e colocou um pouco da sopa quente em uma tigela e a
colocou na frente de Nero. Seu rosto se contorceu em uma carranca. —Não.
Como você pode ver, estamos indo bem. É um vizinho com quem tenho
problemas.
Ah.
—E você quer que os Caimans lidem com ele? O senhor Aguillar não fez
nada?
Esteban estremeceu. —Ele é um homem ocupado, eu entendo isso. Tudo o
que meu vizinho precisa é de um empurrãozinho na direção certa. Temos uma
disputa por terra. Durante anos, colhi minhas bananas ao sul do riacho que
divide nosso território, mas agora ele afirma que um acre ali é dele. Não consigo
convencê-lo, mas tenho certeza de que uma visita de vocês dois conseguiria, e
não precisaria mais incomodar o Sr. Aguillar. Que tal isso?— ele perguntou e
ergueu o copo com um largo sorriso.
Miguel deu de ombros, o que não significava nada, ao mesmo tempo que o
isentava da responsabilidade de fornecer uma resposta real.
A tensão nos ombros de Nero diminuiu quando o anfitrião se serviu de
comida da mesma panela e foi o primeiro a pegar o copo. —Isso pode ser
arranjado. Precisamos ouvir mais.
—Claro, vocês parecem homens razoáveis. O cara com quem tenho
problemas não é daqui e assumiu a fazenda adjacente por casamento. Nunca
houve um problema antes disso. Ele é um homem verdadeiramente ganancioso—,
disse Esteban e brindou pela saúde de Miguel e Nero antes de tomar um grande
gole do copo. Animado, Nero fez o mesmo, encantado com a doçura da bebida.
—Ah, isso é bom.
—Vinho de banana. Minha própria receita—, gabou-se Esteban antes de
cavar a comida, que acabou sendo tão deliciosa quanto prometido.
Pelo que Miguel havia contado a Nero, eles haviam viajado para bem longe
do local do acidente e Cano estava morto. Isso deixou Ramiro no encalço deles,
mas Cano era o cão de caça do pai, então Nero tinha grandes esperanças de uma
noite tranquila para desatar os nós que haviam deixado Miguel tão
dolorosamente tenso.
Eles até ganharam outra garrafa de vinho de banana para saborear no
quarto depois de uma discussão cheia de fofocas locais. Eles concordaram em ter
uma conversinha com seu vizinho logo pela manhã, mas isso seria uma
brincadeira de criança para aquecê-los para outro dia difícil na fuga.
Por enquanto, porém, eles estavam finalmente sozinhos no quarto de
hóspedes, que só tinha espaço para duas camas estreitas cobertas com cobertores
estampados com flores e tinha paredes cheias de imagens de santos, que
observavam cada movimento deles nas paredes. A Virgem de Chiquinquirá 16
coraria se visse Nero abrir as coxas firmes de Miguel e se inclinar para lamber
seu longo pau?
Nero sentou-se em uma das camas e a sentiu ranger. Ele pensou em
empurrá-los para iniciar a conversa pairando sobre suas cabeças como uma
nuvem de tempestade, mas, por mais aberto que fosse sobre sua sexualidade, ele
não queria acordar Esteban fazendo as antigas molduras de madeira rangerem no
meio da noite.
Miguel colocou o vinho na mesinha de cabeceira ao lado das taças que
tinham para acompanhá-lo, mas depois caminhou pelo espaço vazio ao lado da
porta, tornando o ambiente mais tenso do que precisava. Eles haviam escapado da
morte mais uma vez, Cano estava morto e o quarto vinha com um chuveiro
privativo. O que mais eles poderiam pedir?
Quando Nero estava prestes a puxar conversa como se não tivesse sido
esnobado na última hora, Miguel parou de se mover, olhou para Nero com os
punhos cerrados nas laterais do corpo e falou.

16 Nossa Senhora do Rosário de Chiquinquirá ou Virgem de Chiquinquirá é uma das invocações que venera
a Virgem Maria no catolicismo. Ela é a padroeira e rainha da Colômbia, do Estado de Zulia, na Venezuela, e da
cidade de Caraz, no departamento de Ancash, no Peru.
—Eu sei que fiz merda. Mas se você queria que eu usasse camisinha,
deveria ter me impedido!
Nero olhou para ele, por um momento, sem saber se ouviu direito. —É
sobre isso que você tem estado tão fundo em sua cabeça todo esse tempo?— ele
perguntou e pegou o vinho. Ele abriu a garrafa e serviu um copo cheio para cada
um, já rindo.
Fazia tanto tempo que não se enchia de esperma que tinha esquecido o
quanto costumava gostar disso como aquele garoto estúpido que não tinha o bom
senso de tomar precauções.
Miguel olhou para ele como se houvesse algo para se zangar e pegou a taça
de vinho. —Pensei que você poderia morrer e perdi a calma, mas não queria ser
tão rude. Eu nunca... me desculpe.
Um calor estranho se espalhou no peito de Nero, então ele bebeu um pouco
do doce vinho caseiro, tentando não ler muito em Miguel declarando tão
abertamente que a ameaça da morte de Nero o fez agir fora do personagem.
Ele se levantou e se aproximou dele com um sorriso perverso. —Figurado.
Você não gostaria de perder o primeiro cara com quem decidiu transar antes que
isso realmente acontecesse.
Miguel bebeu metade do copo de uma só vez, observando Nero com os
olhos como fendas. —Bem, você é o primeiro, então não é como se eu pudesse lhe
passar DSTs. De qualquer forma, o mais importante é que ainda não sei por que
Cano está atrás de você.
Nero revirou os olhos, sem vontade de compartilhar esses detalhes. —Você
só está mudando de assunto.
—Ou você?
Nero passou seus dentes pontudos sobre o lábio superior em silêncio.
Miguel balançou a cabeça. —Então você simplesmente não vai me contar?
—Talvez outra hora.
—Bem.
Miguel salvou a vida de Nero e foi seu companheiro nesta louca aventura,
mas Nero ainda não conseguia confiar nele totalmente. Mas ele não precisava
desnudar seu coração, alma e cérebro para um homem para construir uma
conexão.
Só então Nero percebeu o que Miguel estava tentando lhe dizer antes dessa
distração.
Ele se aproximou tanto que sentiu o cheiro de álcool no hálito de Miguel. —
Espere um minuto… você quer dizer o primeiro? Eu sou o primeiro cara ou...
Miguel ficou onde estava, mas não olhou nos olhos de Nero. Seu pomo de
adão barbudo balançou tão deliciosamente quando ele engoliu que Nero mal
podia esperar para mordê-lo.
—Eu não... brinco por aí. Eu nunca fiz,— ele engasgou
Nero lambeu os lábios, sentindo-se fraco da melhor maneira possível. Pela
primeira vez... Miguel tinha sido uma foda incrível. Risca isso. Ele era uma foda
incrível. Foi apenas sua maneira pós-coito que deixou muito a desejar.
Mas... se ele nunca fodeu ninguém, isso significa que ninguém mais foi
persistente ou atraente o suficiente para tentá-lo a sair do caminho equivocado
da castidade?
Enquanto Miguel entornava o copo e o tornava a encher, Nero tomou um
gole para alimentar as fantasias que queimavam em seu cérebro.
Ele nunca foi especial para nenhum de seus amantes. Apenas outra foda
quente, ou um meio para um fim.
Para Miguel, ele era algo além disso, e saber disso fez Nero desejar ter
aquele pau duro enfiado nele novamente, não importa o quão dolorido seu
traseiro estivesse. Desta vez, ele gostaria de ver o rosto de Miguel quando ele
gozasse dentro dele, enchendo-o com todo o esperma que ele estava guardando.
—Você gostou do meu buraco apertado? Acho que ordenhou você
completamente,— Nero sussurrou, já sentindo os efeitos da bebida. O material era
enganosamente forte.
O rubor no rosto de Miguel aumentou, embora fosse impossível dizer se por
causa da bebida ou das palavras de Nero.
—Seriamente? Eu salvei sua vida hoje, e essa é a sua pergunta?
Nero colocou a mão no quadril de Miguel e apertou seus peitos, já sem
fôlego. —É por isso que você me salvou, não é?
Miguel se concentrou nele apesar de suas pálpebras caírem um pouco. —O
que? Acha que te salvei para te foder? O que há de errado com você?— Ele
pressionou o ombro de Nero para afastá-lo, como se estivesse lidando com uma
criança indisciplinada.
—Então por que você fez isso?— Quando a bebida borrou o cérebro de
Nero, ele soltou uma risada. —Você está apaixonado por mim, ou algo assim?
Uma sombra escura surgiu nos olhos de Miguel. —Dificilmente—, disse ele
em uma voz feita de gelo. —É você quem está me provocando há meses. Você
conseguiu o que queria, então vamos deixar por isso mesmo.
O frio penetrou nos ossos de Nero e apertou sua mandíbula.
O que Miguel estava dizendo? Que ele tinha sido uma cama
decepcionante?
—Assim fez você. Você queria suas bolas de pau no fundo da minha bunda
desde que você colocou os olhos em mim, e você não acha que eu não sei,— Nero
disse, colocando o copo no armário quando ele errou o alvo e cutucou. Miguel no
estômago em vez do peito. Ele não precisava mais ficar bêbado. Desde quando
falar claramente era tão difícil? —Então não me empurre, porra, ou você não vai
conseguir mais disso — ele rosnou e se virou. O impulso o fez perder o equilíbrio
e acabar curvado sobre a cama, mas em seu estado tonto, isso pode ser uma
vantagem.
Nero abaixou a calça e a cueca antes de agarrar uma nádega e puxá-la
para o lado para mostrar a Miguel o que poderia acabar perdendo. —Aí está, bom
e maduro desde a última vez que você o arou—, Nero falou arrastado, parando
quando o mundo ao seu redor parou de forma não natural, como um vídeo
pausado, embora ele pudesse se sentir balançando.
—Você não sabe o que eu quero!— Miguel levantou a voz e jogou o copo
no chão onde se estilhaçou em pedaços.
Seguiu-se um baque surdo, mas quando Nero olhou por cima do ombro,
avistou Miguel de joelhos, depois tombando para o lado.
Ele congelou, mas seus próprios músculos estavam virando uma gosma, e
ele se viu superado por seus quadris, eventualmente escorregando para o chão.
Tremendo, ele tentou rastejar ou agarrar sua arma, mas estava fraco demais
para mexer o dedo mindinho e afundou ainda mais no nada, como se tivesse se
liquefeito e estivesse lentamente desaparecendo em um ralo.
O rangido de passos foi a última coisa que ele ouviu antes de perder a
consciência.
Foda-se.
Capítulo 20
Miguel

A CABEÇA DE MIGUEL BALANÇAVA DE UM lado para o outro como se


estivesse num navio. Ele levou muitos minutos cheios de dor para abrir os olhos e
perceber que era sua cabeça tonta, não o chão, que estava se movendo. Tudo
estava um pouco confuso, mas quando seu olhar se concentrou nos pelos que
cobriam seus joelhos, o calor o percorreu de cima a baixo.
Por que diabos ele estava nu?
Ele estava sentado à sombra de uma mesa alta, mas seu olhar foi atraído
para a pequena lâmpada pendurada ao seu lado, lá em cima. Seu brilho amarelo
iluminava o couro tatuado exposto em grandes molduras penduradas na parede.
Também havia ossos, uma camiseta manchada de sangue exposta entre duas
placas de vidro e...
Ele engasgou ao ver um crânio descansando em uma prateleira tão perto da
lâmpada, as sombras inicialmente enganaram Miguel fazendo-o pensar que
pertencia a um animal. Mas era humano.
—Miguel?
Ele se encolheu com a voz familiar, mas quando tentou se levantar, o metal
se cravou em seu pescoço e o puxou de volta para a parede. O pânico disparou
por seu corpo, mas quando ele tentou agarrar a... coleira que o prendia no lugar,
ele descobriu que seus pulsos estavam amarrados com algemas. Como um animal
que de repente percebeu que estava em perigo mortal, ele bateu os braços com
força na tentativa de soltar as algemas, mas o metal resistiu e ele acabou
mordendo a parte interna da bochecha para não gritar de dor.
—Que porra é essa? Nero?— Ele olhou ao redor da pequena sala sem
janelas. Indo pelas escadas de madeira que levavam a uma escotilha no teto, ele
estava começando a pensar que eles estavam em um porão.
Ele viu o cabelo verde alguns centímetros acima, na borda da mesa
resistente. A respiração ficou presa em sua garganta quando ele percebeu os
detalhes. As mãos de Nero penduradas atrás da cabeça, pesadas por uma corrente
grossa presa ao chão de pedra. Os grandes parafusos que o prendiam no lugar
eram antigos, pertencentes a uma realidade cheia de homens de peruca, que
carregavam mosquetes, mas quando Nero arqueou o peito, tentando torcer a
cabeça o suficiente para fazer contato visual com Miguel, suas coxas se ergueram,
revelando que ele também estava nu.
—Você pode se libertar? Eu tentei, mas as malditas algemas estão muito
apertadas,— Nero sussurrou e puxou sua corrente.
A mente de Miguel estava começando a se concentrar em um ritmo
alarmante. Ele olhou para as algemas presas em seus pulsos e puxou as mãos em
direções opostas, mas o metal e a corrente não cederam. Seu coração acelerou
quando ele olhou mais uma vez para Nero amarrado na mesa como se fosse um
bezerro prestes a ser massacrado.
A precariedade de sua situação o apunhalou com sua lâmina gelada quando
seu olhar voltou para as peças de couro emolduradas.
—Eu acho que é pele humana…— ele sussurrou enquanto as sombras do
pequeno interior escureciam, ameaçando engolfá-los para sempre.
Nero soltou uma risada e mais uma vez puxou a corrente, mas sua tentativa
inútil não deu resultado. —O bastardo conquistou dois troféus importantes.
—Por que você está rindo? Isso é uma merda psicótica,— Miguel
murmurou, lutando para respirar. Apenas o pensamento da bela pele tatuada de
Nero arrancada de seu corpo para ser exibida para o prazer de algum idiota
tornava o foco impossível. Como esse bastardo imundo ousa sequer pensar em
colocar as mãos em Nero? Este homem não pertencia a quem os capturou. Ele não
pertencia a ninguém além de si mesmo, e Miguel seria amaldiçoado se permitisse
que isso mudasse.
Outra tentativa de se afastar da parede machucou seu pescoço sem fazer
muito mais.
Nero exalou e moveu as mãos em direção a Miguel, tentando aliviar a base
do polegar, que as algemas pressionavam com todo o peso. Miguel podia
imaginar que seria doloroso depois de sabe-se lá quanto tempo nessa posição.
—Estou rindo porque conseguimos fugir dos Caimans duas vezes, e quem
nos pegou é um fazendeiro que mata gente tatuada nas horas vagas. Quais são as
chances de tropeçarmos nele no meio do nada? —Nero perguntou antes de soltar
outra risada.
—Olha essa tinta. São todos jacarés. Este é o território Moreno, por isso não
é de surpreender que haja um fazendeiro com rancor. Talvez ele nos deixe ir se
contarmos a ele sobre a morte de seu pai? —Miguel balbuciou apesar de saber
que estava mentindo para si mesmo. Um psicopata que esfolou homens do cartel
e os manteve vivos para a provação, não estava disposto a deixá-los ir. A única
razão pela qual eles ainda estavam vivos era porque ele queria que eles sofressem.
Nero soltou um suspiro suave. —Sim. Eu sei. Não devíamos ter bebido
daquela segunda garrafa. Não pensei no possível perigo depois que ele
compartilhou o primeiro conosco.
—Algo estava errado com ele. Eu simplesmente não conseguia identificar o
quê. —Miguel bateu com a nuca contra a parede sólida e se encolheu quando o
baque ressoou em seu crânio. A perspectiva de uma bala na cabeça parecia
misericordiosa em comparação com a provação que ainda estava por vir, mas ver
Nero preparado para a tortura fez com que suas entranhas se contorcessem além
do simples medo.
—Eu prometi colocar você em segurança,— Miguel disse, sentindo-se oco.
Ele estava preparado para morrer, mas não assim, não levando Nero com ele.
Porque se o Nero morresse aqui, a culpa seria do Miguel. Ele foi o único a matar o
Canibal e, por sua vez, causar o motivo da fuga de Nero. —Eu deveria ser o único
naquela mesa.
Nero engoliu em seco alto o suficiente para Miguel ouvir. —Não. Você não
deveria estar aqui. Você nunca foi um Caiman de verdade.
Miguel desejou poder ver os olhos verdes de Nero, mas ambos estavam
imobilizados em posições que não permitiam. —Eu não prometi a você segurança
como um Caiman. Esses nomes não importam mais de qualquer maneira. Eu
costumava fazer parte de um cartel diferente no México, mas esse maluco não vai
se importar.
Nero fechou e abriu as mãos na frente de Miguel. —Você deu o seu melhor.
Isso é mais do que qualquer outra pessoa teria feito.
Miguel puxou as algemas várias vezes, mas não cederam e tudo o que ele
fez foi coçar os pulsos até sangrarem. —Não se você morrer antes de mim. Ou eu
morro ou dou a você a segurança que você merece.
Silêncio. E então, a voz de Nero, suave como tinha sido logo depois que eles
fizeram sexo. —Eu não mereço estar seguro. Já fiz coisas más, Miguel. Eu sabia
que não teria se a situação fosse diferente, mas nunca tive coragem de fazer o que
você fez e mudar minhas perspectivas.
—Eu? Como o que?— Miguel se deslocou para o lado, mas a gola só
permitia que ele se movesse cinco centímetros. Porra inútil.
—Eu pensei em matar meu pai muitas vezes. Eu poderia ter planejado e
fugido, tive acesso a ele, mas nunca fui adiante. Você? Você colocou uma bala na
cabeça dele quinze minutos depois de colocar os olhos nele.
Miguel pensou naquele momento com carinho, embora tenha causado uma
agitação em uma escala que ele não havia previsto. —Você tinha muito amarrado
nele. Sinto muito por ter empurrado sua mão e arrastado você para a minha
confusão, mas não podia arriscar esperar. Sinto muito por muitas coisas, Nero.
Nós dois somos homens maus, mas ainda acho que você merece uma nova vida.
Mesmo que seja apenas por sua parte na destruição de Raul Moreno.— Seus
lábios secaram quando ele notou os dedos de Nero empalidecendo onde as
algemas limitavam o fluxo de sangue em sua mão. De alguma forma, era mais
fácil falar francamente quando não enfrentava o olhar inquisitivo de Nero. —Eu...
eu costumava te odiar só por causa de quem você era filho, mas agora posso ver
que não deve ter sido fácil crescer na sombra de seu pai.
—Não, não tem—, disse Nero em voz baixa. —Ele queria que eu fosse um
homem de verdade, e eu não estava à altura do padrão. Especialmente depois que
ele descobriu que eu era gay.
—É corajoso da sua parte viver do jeito que vive. Tenho negado muitas
coisas durante toda a minha vida. Como meus sentimentos por você. —Mesmo
agora, Miguel não conseguia dizer isso mais alto, com medo de que as paredes
zombassem dele por uma fraqueza tão patética.
O silêncio fez o estômago de Miguel se contorcer como uma toalha forjada
de vergonha, mas Nero finalmente falou, tão perto, mas longe demais para tocar.
—Eu-eu não sei o que fazer sobre isso.
Miguel suspirou. —Você não precisa fazer nada. Especialmente não agora.
Eu só quero que você saiba. Eu sei que você teve muitos amantes, mas para mim
você é especial. Você liberou uma parte de mim que pensei ter perdido.
E ele nunca se sentiria tão próximo de outra pessoa novamente, enterrado
em algum lugar nesta maldita fazenda, esperançosamente ao lado do homem que
mudou tudo.
A corrente tiniu quando Nero endireitou os cotovelos, tentando alcançar
Miguel, mas quando Miguel se inclinou tanto quanto o colar permitia e esticou os
próprios braços, uma bolsa de ar ainda permaneceu entre os dedos.
Ambos pararam de se esforçar ao mesmo tempo e apenas ofegavam com o
esforço que lhes custou. Desta vez, foi Miguel quem riu. —Toda a minha vida
tentei evitar o toque, e agora estou morrendo de vontade de alcançar a ponta do
dedo.
Nero jogou a cabeça de um lado para o outro. —Porra.— Eventualmente,
porém, ele suspirou, ficando mole na mesa. —As pessoas teriam te amado se te
conhecessem melhor. Então, por que você... por que você evitaria isso?
Miguel engoliu em seco e abaixou a cabeça, sentindo como se estivesse
afundando sob o peso de seu passado. —Eu não sou bom com as pessoas. Você me
conhece há algum tempo e deve ter percebido que não consigo me conectar com
ninguém. Você tem essa facilidade de falar com as pessoas, que sempre admirei,
mesmo quando te odiava. Você calça os sapatos que precisa, encanta os caras com
quem quer transar ou sabe como apertar os botões daqueles que quer irritar. Eu
sou como um pedaço de madeira seca perto de você. Tudo o que sei é como
intimidar os outros, porque esse era o meu propósito. Minha mãe me ensinou que
os sentimentos matam você. Acho que ela estava certa, porque olhe para mim
agora.
—Sua mãe parece meu pai—, disse Nero. —Mas quanto vale uma vida sem
sabor?
Miguel sorriu. —Eu não saberia. Eu só provei você ontem.
—Eu só provei você ontem também, e foi...— Nero limpou a garganta. —Eu
estava tão preocupado com a tensão entre nós que perdi as bandeiras vermelhas
sobre esta maldita fazenda. E agora estamos fodidos. Mas não sei como agir perto
de você agora. Eu nunca fui... importante para ninguém.
Depois de tudo que eles passaram, e com a perspectiva de uma morte
terrível pela frente, Miguel poderia muito bem abrir seu coração já, porque fazer
sexo com Nero tinha sido nada menos que transcendente. Nunca antes ele havia
desejado um homem o suficiente para agir sobre isso. Assistir a atraentes pedaços
de bunda tinha sido o suficiente, mas a presença desse homem, com sua natureza
provocadora e personalidade contrária, o deixava louco com a necessidade de se
conectar fisicamente. Quando eles se tocaram, ele não sentiu repulsa nem foi
indiferente, e sua luxúria só cresceu até que Nero ocupou cada um de seus
pensamentos.
—Eu vi muita merda crescendo em torno de cartéis,— Miguel disse com o
pescoço ainda dolorido pelo puxão da gola. —Incluindo estupro quando eu era
apenas uma criança. Acho que quebrou algo em mim. Eu não conseguia me ver
sendo... íntimo de ninguém. Eu não tinha interesse em mulheres e não me
permitia nem mesmo considerar homens no México. Quando saí, estava
arraigado em mim que sexo era apenas algo que outras pessoas faziam. Que não
era para mim.
—Sinto muito, Miguel,— Nero sussurrou. —Acho que... encontramos
maneiras opostas de lidar com essas coisas. Mas quando você estava comigo, você
gostou?
Miguel suspirou com a memória do corpo quente de Nero arqueando ao
seu toque, perfumado e melhor do que qualquer fantasia que ele já teve. —Meu
coração morreu há muito tempo, mas quando eu estava dentro de você, me senti
vivo. Como se por alguns momentos seu coração batesse por nós dois. —Ele não
se importava se era uma coisa brega de se dizer. Eles estavam prestes a acabar em
exibição no porão de um assassino em série, então o que importava se ele
revelasse a verdade sobre sua alma?
A respiração de Nero era áspera, e ele demorou a responder, deixando
Miguel chafurdar em uma mistura de vergonha e insegurança. Mas quando ele
falou, sua voz soou terna e doce, como se tivesse sido infundida com mel. —Você
pode estar insensível ao seu próprio coração, mas eu posso sentir isso contra mim.
E eu queria que batesse por mim, mesmo não merecendo.
Miguel estremeceu com a necessidade de encontrar o olhar de Nero. Ele
queria ser visto, reconhecido e ansiava pela atenção de Nero mais do que jamais
desejou a aprovação de sua mãe. —Vou tentar tirar você daqui mesmo que ele
corte meu pau fora e arranque a porra dos meus olhos. Você entende?
—Obrigado, Miguel. Isso é mais do que alguém já me ofereceu.
Miguel sentiu-se mal com a incapacidade de tocá-lo, mas no momento em
que a porta no topo da escada para este porão assassino rangeu, toda a sua
atenção voltou-se para a sobrevivência.
—Levante-se e brilhe meus amigos répteis!— Disse Esteban com uma
risada jovial, e uma segunda lâmpada se acendeu sobre a mesa, cegando Miguel
com sua luz branca. —Ouvi dizer que vocês dois estão sóbrios o suficiente para
saber exatamente o que vai acontecer com vocês—, disse ele, descendo em um
ritmo lânguido, como se valesse a pena saborear cada passo. A roupa casual que
ele usava antes foi substituída por um conjunto branco com vestígios de manchas
que não foram devidamente lavadas. Sangue?
—Sou só eu—, disse Nero. —Ele odeia os Caimans tanto quanto você.
Miguel franziu a testa porque a única coisa que ele conseguia pensar era
irritar Esteban a ponto de ele voltar sua ira para Miguel primeiro. Ele não
assistiria Nero morrer! —Nós dois odiamos os Caimans. É por isso que matamos
Raul Moreno. A notícia não chegou até você? Nós só queremos desaparecer.
Deixe-nos ir e você nunca mais ouvirá falar de nós.
—Ah, não se preocupe com isso. Você vai desaparecer.— Esteban
aproximou-se de uma mesa encostada à parede onde estava exposta sua
desprezível coleção. De sua posição no chão, Miguel não conseguia ver o que ele
procurava, mas o som de metal deslizando contra metal o gelou até os ossos.
—Olha, eu sou Nero Moreno. O próprio filho do chefão. Por que você
precisa de alguém como ele quando você já me tem?— Nero perguntou, fazendo
o coração de Miguel subir pela garganta. Mas Esteban bufou e guardou suas
ferramentas, recuando para as sombras como um vampiro pairando em torno de
sua vítima.
—Ainda tentando salvar seu namorado? Eu ouvi vocês dois conversando
antes de desmaiar. É por isso que você matou Raul, supostamente? Porque ele não
concordaria com o que quer que você estivesse fazendo?
Nero balançou a cabeça. —Não. Eu não precisava da porra da aprovação de
ninguém para isso.
Quando Esteban voltou para a luz, estava arrastando uma vassoura pelo
chão. —Bom. Não é da conta de ninguém. Não é por isso que você está nesta
mesa. Você está aqui porque os Caimans queimaram a fazenda do meu pai. Tive
que começar tudo do zero. Mas meu pai sofreu e nunca mais voltaria a ter uma
vida normal. Eles tiveram que amputar suas mãos, você vê,— Esteban disse a eles
com uma carranca, e quando ele apontou para a parede, o olhar de Miguel
seguiu, fixando-se em uma moldura profunda. O vidro que cobria a frente
refletia a luz, mas quanto mais ele olhava para a maldita coisa, mais as formas lá
dentro se pareciam com o que eles tinham acabado de discutir - mãos
desencarnadas dispostas na vertical, com todos os dedos bem abertos.
Um estremecimento de repulsa torceu o estômago de Miguel, levando-o a
antecipar uma oportunidade de usar as pernas contra Esteban, mas o bastardo
permaneceu do outro lado da mesa, longe demais para ele alcançar.
Miguel esperava pegar esse fio de simpatia. —Eu entendo sua dor. Os
Caimans mataram meu pai e minhas irmãs. Levei minha vida sob a bota de Raul
Moreno durante anos. Mas o Canibal está morto e Nero não é filho de seu pai
como você pensa. Por favor, não faça isso.— Ele nem sentiu vergonha por ter sido
reduzido a mendigar. Ele faria qualquer coisa para salvar Nero.
Ele puxou os joelhos para cima para parecer menor, mas também para que
Esteban não pudesse avaliar até onde suas pernas iam quando esticadas. Com
cartas tão míseras na mão, Miguel não se furtava de usar nenhum truque na
manga.
A boca de Esteban se curvou em um sorriso maldoso e ele rodou a vassoura
no chão. —Pena que ele não conseguiu que você transasse com ele de novo antes
de vocês dois desmaiarem. Mas não se preocupe, posso apenas satisfazê-lo
também,— ele disse e pegou a vassoura com as duas mãos, ficando entre as coxas
abertas de Nero.
—O-o quê?— Nero perguntou com uma voz ofegante, pela primeira vez
perdendo a calma. —Cara, sua esposa aprovaria isso? Tenho certeza de que isso é
trapaça.
Mas Miguel não tinha aquele senso de humor frio e se lançou para frente
com fúria, apesar da coleira o segurando no lugar. —Não se atreva a tocá-lo, seu
filho da puta! Você não se importa com vingança, seu psicopata! Você não está
enfrentando o cartel, apenas pegando os Caimans que você pode colocar em suas
mãos em sua raiva impotente! Você pode vir aqui nos fins de semana, olhar para
sua parede de troféus e pensar que é alguém, mas no fundo você sabe que é um
covarde que falhou com seu pai e paga o cartel para deixar sua fazenda em
paz.— Miguel cuspiu para garantir.
O sorriso não desapareceu do rosto de Esteban, mas suas sobrancelhas se
abaixaram e os olhos escuros brilharam como relâmpagos. Ele deslizou a
vassoura até a mesa e, enquanto olhava diretamente para Miguel, deu um golpe
rápido com ela.
Nero ergueu os quadris e cerrou os punhos. Ele não fez um som até que seu
atormentador empurrou a maldita coisa com mais força, arrancando um
grunhido sufocado dos lábios que Miguel tinha beijado apenas algumas horas
atrás.
Lágrimas escorriam pelo rosto de Miguel enquanto ele abaixava a cabeça,
apertando a mandíbula com tanta força que seu rosto doía. Todo o seu ser estava
em chamas, picado por milhares de vespas ao mesmo tempo, e nem era ele quem
estava sendo violado.
—Olha quem está cheio de 'raiva impotente' agora—, riu Esteban. —Quem
sabe eu veja aquele cabo de madeira por dentro quando eu cortar ele aberto,—
Esteban disse entredentes e se afastou, deixando a vassoura do chão e penetrando
em Nero.
Miguel se odiava bastante no dia a dia, mas agora, o desamparo
transbordava dentro dele, criando um buraco negro. Ele era um saco de merda
inútil que deveria ter morrido depois de matar Raul e poupar Nero do trabalho de
lidar com ele. Se ele não podia garantir a segurança de Nero, qual era o sentido de
sua existência?
De repente, ele era aquele menino de doze anos novamente, forçado a
testemunhar a violação e assassinato de suas amadas irmãs e incapaz de ajudar.
Nero se lembraria de sua fraqueza e veria Miguel como o verme que ele
era.
Com lágrimas de impotência escorrendo pelo rosto de Miguel, ele sacudiu
as algemas na tentativa de libertar as mãos e se lançou para a frente com todo o
corpo como um boi desesperado para tirar sua carroça da areia movediça. Mas o
colar pressionou contra sua garganta, sufocando sua fúria incandescente, e uma
vez que sua visão ficou turva, ele se recostou, ofegante.
Ele não seria bom para Nero inconsciente.
Esteban inclinou a cabeça, sorrindo para Miguel. —Você terá sua vez, não
se preocupe. Acho que vou começar a descascar esses crânios de seu rosto
primeiro...
—Foda-se—, Nero disse asperamente quando Esteban pegou uma faca fina
e a rolou contra uma pedra de lixar.
—Não foi estimulado o suficiente? Devo voltar entre suas pernas? Ou devo
puxar esse anel em seu pênis até que se solte?— Esteban sussurrou,
aproximando-se do rosto de Nero e segurando sua cabeça com uma das mãos.
O ar deixou os pulmões de Miguel quando ele viu a oportunidade que
precisava.
No movimento rápido de um escorpião estalando o rabo, Miguel estendeu
as pernas, deslizando o corpo para baixo até onde a coleira permitia e enrolou os
pés no tornozelo do desgraçado. Ele puxou para trás com toda a força que pôde
reunir, derrubando Esteban sobre Nero. Se houvesse a menor chance de Nero
pegar a faca, valia a pena.
Quando a lâmina caiu no chão, longe de seu alcance, Miguel enrijeceu com
uma sensação de destruição iminente, mas quando Esteban estava se levantando,
a cabeça de Nero disparou e ele fechou as mandíbulas no pescoço do
sequestrador. A raiva que contorcia o rosto de Esteban transformou-se em pânico,
e ele deu um soco no peito de Nero, mas a piranha humana não desistiu mesmo
com o sangue jorrando por todo ele e formando rios nos cabelos verdes.
Esteban fez um barulho engasgado e bateu na cabeça de Nero em seguida,
desta vez conseguindo se afastar, mas o sangue jorrou de seu pescoço dilacerado,
encharcando a frente de sua blusa, apenas para chegar às calças.
Seus olhos estavam arregalados quando encontraram os de Miguel, mas
então ele desabou na parede, tentando freneticamente bloquear a rápida perda de
sangue.
—E quem fodeu quem no final, hein?— gritou Nero, espirrando sangue no
ar com cada palavra, mas Esteban estava determinado a sobreviver e tão confuso
que rastejou em direção a Miguel, como se a razão tivesse deixado seu corpo
diante da morte.
O filho da puta não teve chance, mas ele poderia apenas carregar as chaves
das algemas, então Miguel estendeu as mãos para a frente como se pretendesse
oferecer sua ajuda.
Esteban não conseguiu alcançá-lo e caiu no chão em uma poça de sangue
que crescia rapidamente.
Passar do desespero absoluto para a euforia que Miguel agora sentia era
como rastejar para fora da areia movediça. Ele ficou tão chocado que riu alto, já
agarrando Esteban com as pernas e puxando o quase cadáver para mais perto.
—Ainda bem que você lixou os dentes depois de tudo,— Miguel disse com
o coração martelando como se tivesse cheirado muita coca.
—Talvez tenha sido o destino,— Nero murmurou, respirando cada vez mais
alto. —Ele está morto?
—Ah, você conseguiu. Você sangrou até secar este porco,— Miguel disse
entre dentes. Ele odiava a necessidade de tocar no fodido doente, mas não havia
outra maneira de procurar em seus bolsos, então ele mergulhou, ignorando o
sangue fresco grudado em sua pele.
Apesar de estar algemado, suas mãos tinham relativa liberdade, e ele
rapidamente encontrou um molho de chaves, que parecia mais precioso do que
qualquer outra coisa que ele já teve em suas mãos.
Talvez exceto para Nero.
—Eu tenho eles—, Miguel balbuciou no caso de Nero não perceber o que o
tilintar do metal implicava. Momentos depois, suas mãos estavam livres e ele
empurrou o corpo quente de Esteban para longe. O cadeado no colarinho era
complicado, mas ele o tirou rapidamente e ficou com as pernas trêmulas. —Eu
tenho você, eu tenho você.
Ele correu para o lado de Nero como se o próprio diabo estivesse atrás dele.
Ele engoliu em seco ao ver o rosto salpicado de sangue, mas se inclinou para dar a
seu amante um beijo gentil que tinha gosto de sangue vermelho brilhante
cobrindo tudo o que a luz branca ofuscante tocava.
Nero se abriu para ele com um gemido suave, e as correntes em suas mãos
tilintaram quando ele as sacudiu, pedindo para ser libertado. Claro. Certo.
Constrangido por ser egoísta, Miguel se abaixou para alcançar as pesadas
algemas, mas removê-las demorou uma eternidade, porque suas mãos tremeram
ao sentir o quão frios e rígidos eram os dedos de Nero depois de serem carregados
pelas pesadas algemas e correntes. Ele se levantou, mas os braços que acabara de
liberar o puxaram para perto do corpo manchado de sangue na mesa.
—Ainda temos sorte,— Nero sussurrou.
Miguel apertou-o com todas as forças, exultante com o abraço inesperado.
Nero esteve aqui. Vivo. —Desculpe. Ele não estava perto o suficiente até aquele
momento. Eu não poderia arriscar tentar alcançá-lo mais cedo. —Ele esperava
que Nero não visse suas lágrimas, mas tudo estava borrado, obscurecido pela
copiosa quantidade de sangue em que seus pés escorregavam.
—Eu sei. Apenas... liberte-me,— Nero disse, apesar de ainda segurá-lo perto
como se estivesse com medo de que Miguel fosse uma miragem.
Miguel se afastou e se moveu ao longo da mesa, usando-a como apoio, já
que ainda não confiava em suas pernas, mas quando estendeu a mão para a alça
no pé de Nero, parou ao ver a vassoura entre suas pernas. Ainda estava lá, como o
último foda-se de Esteban.
Nero pigarreou e cobriu o rosto com as mãos que só agora recuperavam a
cor. —Sim, tem aquela coisa também... Apenas desaparafuse lentamente, sim?
Os lábios de Miguel tremeram enquanto sua garganta se enchia de pedras
de culpa. Ele não podia voltar no tempo e impedir que isso acontecesse, mas a dor
aguda em seu coração foi aliviada pelo fato de que, ao contrário de suas irmãs,
Nero ainda estava vivo. Ele agarrou a vassoura e, o mais delicadamente possível,
puxou-a em um ritmo que certamente foi uma agonia para os dois.
Ele tinha visto Nero nu muitas vezes antes, mas sempre associou esses
momentos com sexo, força e liberdade. Ele ainda era musculoso, mas sua língua
afiada estava entorpecida pela vergonha do que aconteceu, e ver sua carne
estremecer sob a luz gelada acima fez o coração de Miguel transbordar com a
necessidade de protegê-lo. Não havia lençóis ou cobertores no pequeno porão,
então o único conforto que ele poderia oferecer a Nero era jogar a vassoura no
chão.
—Finalmente,— Nero gemeu enquanto Miguel começava a tirar as algemas
de seus tornozelos. Ele fez questão de não olhar onde o objeto acabara de estar,
para dar a Nero um pouco de privacidade, mas o deixou louco de tristeza por
Esteban só ter feito isso porque sabia que tipo de relacionamento Miguel e Nero
compartilhavam.
Nero se sentou e continuou reclamando, como se precisasse provar que o
que aconteceu não o incomodava nem um pouco. —Se aquele filho da puta ainda
estivesse vivo, eu teria afiado essa merda e enfiado direto no espeto. Ou melhor
ainda, afiou alguma árvore velha e o empalou nela, vá todo medieval no bastardo.
Mas a raiva arrogante não teria enganado ninguém familiarizado com a
linguagem corporal de Nero, e Miguel estava de volta para um abraço manchado
de sangue no momento em que todas as algemas foram desfeitas. Então,
novamente, talvez fosse ele quem precisava da garantia de que Nero ficaria bem
depois disso, porque o peso em seu peito ainda envenenava todos os seus
pensamentos enquanto ele engasgava com o ar e puxava o corpo amado para
perto. O sangue de Esteban estava por toda parte e se espalhou pelas costas de
Nero quando Miguel o acariciou ali, mas seu cheiro forte e metálico era uma
presença calmante no ar, porque significava que o bastardo estava morto
enquanto o coração de Nero ainda batia contra o de Miguel. A nudez deles não
parecia sexual e, em vez disso, os acalmava, como se tivessem regredido a um
estado em que o toque quente poderia consertar qualquer dor.
Nero exalou, cravando os dedos na carne de Miguel enquanto o abraçava
de volta. —Porra. Eu pensei que seria feito por este tempo. Mas, mais uma vez,
meu anjo da guarda interveio.— Ele deu uma risada suave, do tipo que Miguel
tinha aprendido a responder. —Não queria que você visse algo assim. Desculpe.
A raiva explodiu no peito de Miguel. —Desculpe por ele ter te torturado?
Apenas cale a boca, idiota,— ele murmurou, tentando não imaginar o corpo de
Nero se juntando ao de suas irmãs na pilha de carne que o assombrava desde a
infância. Mas ao contrário deles, ele ainda estava quente e vivo, e Miguel desejou
ficar com ele assim a noite toda, por medo do que o sono poderia trazer.
Mas Nero lentamente afrouxou o abraço e virou a cabeça para beijar o
queixo de Miguel. —Faça do seu jeito. Mas eu quero sair daqui.
Miguel estava relutante em se afastar, mas sabia que Nero estava certo. Ele
tilintava com as chaves na mão. —Eu sei. Não estaremos seguros até sabermos
onde estamos.
Capítulo 21
Miguel

A SOMBRA VÍVIDA DE sangue fresco realçava a escuridão da pele de Nero,


e Miguel se viu incapaz de desviar o olhar da carne tatuada enquanto eles saíam
do porão do crime e exploravam a sala de tamanho médio acima. Havia um
antigo fogão e forno de pedra de um lado - restos de uma cozinha que não era
usada há anos - e uma cama de solteiro, mas enquanto o interior trazia vestígios
de ter sido usado como uma casa no passado, não mais serviu a esse propósito.
Vazio e monótono, com apenas alguns ossos de animais para decoração, muitas
ferramentas agrícolas empilhadas à vista e teias de aranha sob o teto, desde então
se tornou um galpão. Ninguém esperaria que tivesse um porão de horrores.
Miguel pegou uma espingarda em um suporte em cima do armário. Estava
carregado e não coberto de poeira, então Esteban deve tê-lo trazido aqui
recentemente.
—Como estão seus braços?— Miguel perguntou, ainda tão chocado com o
que havia acontecido no andar de baixo que não se incomodou com a nudez
deles, ou com o sangue cobrindo seus corpos. Seu pescoço doía de tanto roçar o
colar de metal, mas era um pequeno preço a pagar pela liberdade.
Nero olhou para os pulsos e suspirou. —Eles vão ficar bem—, disse ele,
apesar da pele quebrada lá.
Miguel olhou para ele, assombrado pela visão das mãos de Nero se
fechando quando ele conteve um grito, mas eles precisavam ter certeza de que
este lugar era seguro antes de passar para qualquer outra coisa.
O banheiro, embora básico, havia sido instalado há pouco tempo, pois era
mais moderno que o quarto ao lado, o que fazia sentido. Esteban não gostaria de
deixar pegadas sangrentas na casa da família. Depois de esfolar pessoas vivas.
Miguel tinha visto tortura mais vezes do que ele poderia contar - fazia
parte da realidade dos cartéis - mas a raiva que este homem evocava nele
disparava toda vez que via o verde suave dos olhos de Nero. Ele desejava trazer o
bastardo de volta à vida apenas para poder matá-lo novamente.
Eles verificaram a área externa e, enquanto ainda estava escuro, o céu
sugeria o nascer do sol. O telefone de Esteban informava que já passava das 4 da
manhã. Seu caminhão estava parado em frente à casinha no meio dos bananais.
—Tenho a sensação de que o irmão dele não conhece este lugar—, disse
Miguel quando terminaram de verificar a casa e constataram que estavam
sozinhos.
—Se o fizer, ele não está feliz com sua existência—, concordou Nero. —A
cama sugere que Esteban dorme aqui às vezes, então presumo que o irmão só
começaria a se preocupar com sua ausência no final do dia.
—Precisamos sair antes que ele chegue, mas acho que podemos reservar
dez minutos para um banho. Estamos cobertos de tanto sangue que poderíamos
fazer morcilla17. —Os ombros de Miguel cederam, liberando um pouco da tensão
crescente, e ele finalmente deu um tempo para dar uma olhada melhor em Nero.
Com as manchas vermelhas por todo o rosto, ele era um jacaré que já havia
saciado sua fome de vingança, mas Miguel se aproximou e o abraçou mesmo
assim. Nada seria o mesmo depois da conversa franca que eles compartilharam
em momentos que pareciam ser os últimos. Ele não retiraria uma única palavra.

1717 Chouriço.
Apesar de ser tão ávido pelo toque de Miguel no andar de baixo, agora que
o perigo não parecia mais iminente, Nero enrijeceu nos braços de Miguel, mas ele
não se afastou e acabou acariciando seu bíceps.
—O chuveiro parece perfeito. Não quero cheirar a esse bastardo o dia todo.
Suas roupas e pertences foram deixados em um saco de lixo ao lado da
cama, então pelo menos eles teriam algo para vestir quando terminassem de se
lavar.
Miguel beijou a lateral da cabeça de Nero e se afastou. —Vamos, podemos
discutir nosso próximo passo debaixo do chuveiro... a menos que você prefira ir
sozinho?— ele perguntou após um momento de hesitação, só agora percebendo
que Nero poderia querer um pouco de privacidade para lidar com os ferimentos
que a vassoura poderia ter causado.
Nero piscou, bufou e, em seguida, passou o braço em volta do meio de
Miguel com a expressão tentadora que Miguel achava tão difícil de resistir. —
Sem chance. Estou com muito medo de ficar sozinho,— ele brincou, balançando
as sobrancelhas enquanto puxava Miguel em direção ao banheiro.
Mesmo agora, ele sabia o que dizer para deixar Miguel à vontade. —Você?
Você não tem medo de nada.— Miguel costumava pensar que se tornara imune
ao medo, mas a noite passada provou que ele estava errado. Ele estava realmente
com medo de alguém machucar Nero.
—Nah, estou apavorado por ficar sem Miguel para cuidar de mim,— Nero
disse com um sorriso e entrou no pequeno e surpreendentemente limpo espaço.
As paredes eram cobertas com três tipos diferentes de ladrilhos - o que estivesse
disponível por um preço baixo, provavelmente - e, embora nada no interior
tivesse sido finalizado com a estética em mente, o chuveiro tinha uma cortina
colorida que iluminava o espaço.
—Seu pau me diz que você não tem medo. Eu nunca deixaria ninguém
colocar uma agulha—, disse Miguel, apontando para o piercing que pesava no
pênis de Nero. —Não é... doloroso?
As sobrancelhas de Nero se ergueram e, momentos depois, seus dentes
apareceram em um sorriso. —Não posso dizer que foi confortável no começo,
mas torna tudo mais intenso. Você gosta disso?— ele perguntou, batendo seu
quadril contra o de Miguel.
Oh, sim, ele fez isso, porra. —Eu faço, e os anéis de mamilo também—, disse
ele sem fôlego, lutando contra o desejo de acariciar o pênis de Nero.
—Espero que este lugar tenha água morna,— Nero murmurou, apertando a
cintura de Miguel com mais força e se inclinando contra ele, como se precisasse
de conforto, apesar de parecer relaxado. Ambos sabiam que, se a sorte não
estivesse do lado deles, seriam eles que logo perderiam o sangue pelo ralo.
Miguel entrou primeiro no chuveiro e deixou a água fria congelar sua pele,
mas ela esquentou rapidamente e, uma vez que isso aconteceu, ele puxou Nero
para dentro, ainda chocado com a naturalidade de tocá-lo. Assim como quando
eles foderam no carro. Miguel tinha estado nervoso antes e depois da ação, mas
não no momento, quando as inibições se tornaram translúcidas em comparação
com a presença física do homem mais atraente que ele já conheceu.
Ele sentiu alívio quando a água penetrou em suas tranças apertadas,
lavando um pouco do sangue. Visitar um barbeiro estava longe de sua lista de
prioridades agora, então isso teria que ser suficiente.
—Toda a área está cheia de jacarés—, disse ele, observando Nero enxaguar
o sangue de sua boca. Mas, apesar de certamente haver uma quantidade limitada
de água quente, nenhum deles parecia pronto para parar de dar as mãos ainda.
Eles não se incomodaram em fechar a cortina, o que lhes deu mais espaço
para se mover, mas com Nero parado tão perto e gemendo baixinho quando as
gotas quentes atingiram sua pele, isso fez pouca diferença. Ele descansou a testa
no ombro de Miguel e acariciou seu peito sob o pretexto de lavar toda a sujeira e
sujeira de seu dia terrível.
—Toda a Colômbia é.
Essa foi a resposta deles. —Então, precisamos sair do país. Onde você
gostaria de ir? Vou levá-lo a qualquer lugar que você quiser. —Miguel engoliu
em seco e se afastou um pouco para deixar a água escorrer pelo rosto de Nero. Ele
acariciou as bochechas barbadas para soltar o sangue seco, e Nero o deixou,
parado ali com os olhos fechados, como se realmente se sentisse seguro.
Foi uma nova experiência. E embora houvesse pessoas que confiaram em
Miguel com sua segurança no passado, havia algo especial sobre Nero se sentir
confortável em sua presença depois da tortura pela qual acabara de passar. Sua
língua escorregou entre os lábios carnudos, puxando sobre sua carne.
—Vamos começar com o Peru e ver o que acontece.
—Faz sentido. Há outras organizações lá mantendo os Caimans afastados.
Uma vila? Cidade grande? Em algum lugar perto do oceano?— O que quer que
Nero escolhesse, Miguel faria acontecer.
—Não sei. Talvez uma cidade grande com praia?— Ele esguichou um
pouco de sabonete líquido na mão e começou a lavar porque, por mais adorável
que fosse, eles tinham pouco tempo. Nero seguiu seu exemplo, massageando a
espuma em seus cabelos curtos, o que deu ao sabonete um tom esverdeado. Ele riu
antes de enfiar a cabeça na água, que estava começando a ficar morna.
—Vamos mirar em Lima então, e partir daí. Você ainda será uma praga
durante nossa viagem?— Ele ousou um sorriso e acariciou o lado de Nero.
Um arrepio visível percorreu o corpo de Nero, mas no momento em que
Miguel queria se afastar de preocupação, seu toque não era mais desejado, foi
oferecido a ele um sorriso cheio de dentes afiados, que salvou o dia. —Você quer
dizer praga ou praga sexual?— Nero perguntou e se aproximou, apertando as
mãos nos peitorais de Miguel.
Miguel congelou. Por muito tempo, seus instintos o impediram de ter
intimidade e, enquanto eles ainda estavam no lugar, a proximidade que ele
compartilhou com Nero mudou as coisas. A reação inicial de seu corpo ainda era
não, mas sua mente e coração diziam sim.. O toque de Nero era bom. Apenas...
novo. Ele engoliu em seco, envergonhado quando um arrepio percorreu todo o
caminho até seu pênis. —Eu... hum... eu acho que você vai precisar descansar
depois do que aconteceu hoje antes que você possa cumprir seu destino como
peste sexual.
Nero não só não se afastou como também pressionou seu corpo contra o de
Miguel, aproximando seus pênis. —É verdade que foi um pouco difícil, mas isso
nunca me impediu de cumprir meu destino. Eu tenho outro buraco perfeitamente
bom que você pode usar,— ele disse e deixou sua mão deslizar pela forma de
Miguel em um ritmo tentador. Seus olhos escureceram quando baixou as
pálpebras enquanto observava Miguel, como se quisesse deleitar seus olhos com
ele.
—E... você iria querer isso?— As orelhas de Miguel esquentaram tão
rapidamente que ele agradeceu que o chuveiro começasse a esfriar. Eles deveriam
seguir em frente a partir daqui, mas Nero desmoronou as paredes que seguravam
os desejos secretos de Miguel. Como poderia a razão competir com tal força da
natureza? O pênis de Miguel só tinha um mestre agora, e não era seu cérebro.
Nero exalou, puxando os dentes sobre o lábio inferior que agora parecia tão
carnudo, macio e tão... acolhedor. O calor cru queimou o crânio de Miguel,
criando uma fumaça inebriante que anuviou seus pensamentos racionais quando
a mão de Nero pousou em sua coxa, tão perto de seu pau.
—Eu quero seu pau grande deslizando pela minha língua? Cutucando o
interior da minha bochecha, empurrando minha garganta enquanto eu me
ajoelho lá e pego?— ele murmurou, hipnotizando Miguel com olhos tão verdes
quanto as plantas que cercam o galpão. —Oh, inferno, sim. Use minha boca como
quiser, Miguel.
Ele queria tudo isso, de uma só vez. Eles não tinham tempo para isso, e ficar
para satisfazer uma fome tão opcional era uma coisa louca de se fazer, mas
Miguel já sabia que se Nero queria alguma coisa, ficar em seu caminho era como
tentar deter um incêndio florestal. E agora, Miguel realmente não tinha
autocontrole para negá-lo. Para negar os dois.
—É assim que você gosta?— ele perguntou, ofegante com a necessidade,
mas ainda tentando encontrar seus pés na situação. Seu sonho molhado sobre a
cabeça de Nero entre suas pernas estava prestes a se tornar realidade de maneiras
tão deliciosas que ele não poderia ter imaginado se tentasse. Sua mente luxuriosa
vagou para Nero no passado, mas ele sempre o imaginou com homens sem rosto,
incapaz de pensar em um cenário onde esta criatura linda e confiante o desejasse
por mais do que um único encontro necessário para cortar outro entalhe na
cabeceira da cama. Mas desde então ele descobriu novos lados de Nero, e saber o
quanto eles tinham em comum sob a superfície lançou uma nova luz sobre os
sorrisos provocantes que Nero vinha enviando para ele por tanto tempo. E agora
aqui estava ele, luxúria personificada, convidando Miguel para mais.
Nero inclinou a cabeça enquanto seu sorriso se tornava carregado de
tentação erótica. —Gosto de muitas coisas, mas já falei pra você me fazer sua
cadela, não disse?— ele perguntou suavemente e desligou a água fria. —Eu quero
sentir sua força,— ele ronronou antes de deslizar sua língua para fora para
lamber o queixo de Miguel. Estava quente como carvão em brasa.
Uma parte dele se sentia culpada por imaginar Nero em cenários imundos -
fodido contra a parede, pressionado à força, com esperma no rosto - porque
parecia puni-lo por ser tão desejável. Mas se era isso que Nero queria, se isso o
fez gozar como no carro, então ele terá toda a força masculina de que precisava. E
enquanto Miguel não tinha experiência, ele se esforçaria para fazer Nero
esquecer que outros homens existiam.
No momento em que Nero caiu de joelhos nos ladrilhos molhados, o pau de
Miguel estava ficando dolorosamente duro. Sua respiração acelerava a cada
segundo, e agora que a boca de Nero estava nivelada com seu pênis, ele mal podia
esperar para enterrá-lo entre os lábios carnudos. —Algum último desejo
enquanto você ainda pode falar?
Um estremecimento delicioso sacudiu a pele morena clara.
Nero respirou fundo e olhou para cima enquanto fazia cócegas na ponta do
pênis de Miguel com a língua. —Eu sou seu buraco quente e úmido agora. Use-
me.
Era uma provocação, e Miguel não resistiu à isca.
Ele ficou tonto ao ver a boca aberta de Nero e o tapete vermelho de sua
língua se estendendo para ele em um convite. O sangue que costumava manter
seu cérebro funcionando agora fazia seu pau latejar, e o único pensamento que
lhe restava era o desejo de esvaziar suas bolas naquela garganta disposta. Mas isso
não era sobre a fantasia de poder, mas a pura alegria piscando nos olhos verdes
brilhantes e o pau escuro projetando-se entre as coxas musculosas e apontando
para o teto. Nero queria isso. Queria ele, mesmo depois do que aconteceu lá
embaixo. Quem era Miguel para lhe negar o prazer?
Ele agarrou os lados da cabeça de Nero, bem perto das orelhas, e puxou-o
em seu pau. A intrusão abafou um gemido necessitado, e quando aquela língua
macia e flexível se moveu, seu deslizamento enviou eletricidade da parte inferior
do pênis direto para as bolas de Miguel, e então para seu cérebro, fazendo-o
embaçar.
Seu olhar não se desviava daquele rosto bonito e da forma como os lábios
carnudos de Nero se apertavam ao redor da circunferência de Miguel, mas os
olhos verdes o olhavam de volta, destemidos e cheios de orgulho, como se para
mostrar a Miguel que Nero estava exatamente onde ele queria estar, e que ele não
tinha vergonha de deixar outro homem levá-lo dessa maneira.
Suas bochechas se afundaram, criando um vácuo delicioso ao redor do
pênis de Miguel.
—Oh, foda-se...— ele gemeu, e revirou os olhos. Este era o céu puro.
Não muito tempo atrás, ele pensou que nunca se sentiria à vontade com
outra pessoa dando-lhe prazer dessa maneira íntima. A ideia era tão quente que
às vezes até entrava em seus sonhos, mas ele ficava frio sempre que alguém
tentava tocá-lo com intenção sexual. Mas as coisas eram diferentes com o Nero.
Este não era apenas um estranho procurando algum prazer. Nero o conhecia, se
conectava com ele, gostava dele e precisava dele de uma forma que ninguém mais
precisava. E, por sua vez, Miguel foi descobrindo todo um mundo de sentimentos
por Nero, que não ousava colocar em palavras.
Miguel não pôde deixar de empurrar os quadris para frente, testando até
onde Nero poderia levá-lo. Os lábios macios esticados sobre a circunferência de
seu pênis como uma manga feita para foder, e como cada vez que Miguel se
aprofundava, a resposta de seu amante era um gemido, as inibições que
inicialmente o mantinham sob controle gradualmente se afrouxaram.
Este era Nero Moreno, uma peste sexual luxuriosa que gostava de ser fodido
e que disse que queria ser a cadela de Miguel. Como um homem poderia resistir a
tal tentação?
Ainda assim, a sensação de atingir uma barreira no fundo da garganta de
Nero e ouvi-lo engasgar fez Miguel parar, com medo de que ele pudesse tê-lo
machucado acidentalmente. Nero aceitou com calma e colocou as mãos nos
quadris de Miguel, como se sentisse a necessidade de acalmá-lo, e se deslocou na
frente de Miguel, erguendo o queixo enquanto olhava para cima e se inclinava
para frente, observando centímetro após centímetro.
Fogos selvagens dançaram na base da espinha de Miguel quando ele viu seu
pau longo e grosso desaparecer naquela boca gananciosa, até que o nariz de Nero
afundou no arbusto escuro na base.
O aperto na garganta de Nero era intenso, mas Miguel já estava
constrangido por não durar muito quando eles foderam pela primeira vez, então
ele pelo menos queria dar a Nero o que ele pediu antes de atirar sua carga
naquela boca quente e gananciosa.
Quero sentir sua força, passou pela mente de Miguel em um sensual
flashback, e ele agarrou as orelhas de Nero, encontrando os lindos olhos
brilhantes.
—Toque na minha perna se precisar de uma pausa,— ele murmurou, antes
de empurrar todo o caminho para começar o ataque que seu amante havia
pedido. Músculos molhados se contraíram ao redor de seu pau, mas Miguel
puxou de volta, começando um ritmo áspero de estocadas ao longo daquela
língua macia.
Nero não parava de olhar para ele, mesmo quando seus olhos lacrimejavam
e ficavam vidrados. Sua mão apertou a coxa de Miguel, agarrando a carne com
força enquanto relaxava, mantendo a boca bem aberta para o pênis brutal entrar
e sair como se fossem duas partes da mesma máquina. Suas narinas dilataram,
sugando o ar sempre que Miguel puxava para fora, mas a baba grudada no pênis
de Miguel fornecia a lubrificação necessária para golpes rápidos e duros que
faziam as bolas de Miguel apertarem enquanto batiam contra o queixo úmido de
Nero.
Ele não assistia muito pornô, mas este era muito mais quente do que
qualquer outro que ele tinha visto. Nero era tão flexível e ansioso, seu corpo era a
imagem da perfeição muscular. E mesmo que Miguel tivesse visto os dentes de
Nero arrancarem um pedaço da garganta de um homem, ele não teve escrúpulos
em enfiar seu pênis naquela boca mortal, porque ele era o guardião deste
predador e receberia apenas prazer.
Ele grunhiu seu desejo, pela primeira vez não tentando esconder a
excitação enquanto bombeava o aperto na garganta de seu amante, querendo que
seu amante visse o quão mútuo isso era.
As sobrancelhas de Nero se juntaram em uma carranca deliciosa, e ele
colocou a mão entre as próprias pernas, movendo a mão em alta velocidade,
como se não pudesse mais conter o desejo provocado por Miguel usando sua boca
como um brinquedo pessoal. Fazer isso parecia egoísta na superfície, mas não
havia dúvida na mente de Miguel de que ele estava oferecendo a Nero o que ele
precisava.
A saliva escorria da boca de Nero quando Miguel se afastou apenas para
bater com força, incitado pelo insistente grito de necessidade que o fez bombear
seus quadris mais rápido, esmurrando aquela boca flexível com a sutileza de um
animal no cio.
Prazer borbulhou em sua cabeça e disparou direto para suas bolas. Ele
estava gozando. Na boca de Nero Moreno.
Impulsionado pela necessidade primordial de marcar seu amante, ele se
retirou bem a tempo de deixar Nero provar seu sêmen, em vez de bombeá-los
goela abaixo. Ele queria ter certeza de que Nero conhecesse bem o sabor, porque
isso definitivamente aconteceria de novo, mais cedo ou mais tarde, se Miguel
tivesse alguma opinião sobre isso.
Nero deu um gemido abafado e moveu a mão esquerda da coxa de Miguel
para seu pênis. Com o aperto firme de seus dedos tatuados, ele empurrou Miguel
seco, direto em sua boca, que já estava transbordando de porra.
E então, Miguel mal podia acreditar nisso, todo o corpo de Nero estremeceu
e ficou tenso quando o calor pegajoso espirrou nos pés de Miguel.
Ele ofegou, lutando para ficar de pé. Parecia que seu corpo, depois de trinta
anos de desinteresse, agora estava entrando em curto-circuito com a quantidade
de desejo que fluía por ele.
—Tão bom. Engula. Como uma boa cadela. —Ele queria adicionar por
favor, mas se Nero pedisse para ser usado , Miguel daria isso a ele.
Nero choramingou como um cachorrinho e fechou os braços ao redor dos
quadris de Miguel, olhando para aprovação enquanto juntava as mechas brancas
de seu queixo antes de levá-las direto à boca.
—Woof,— ele murmurou e tomou o pênis de Miguel com extrema
gentileza, e o calor suave de sua boca drenou Miguel de toda a energia que ainda
tinha nele.
Em um mundo perfeito, ele teria caído na cama com Nero ao seu lado, mas
o mundo deles estava longe de ser perfeito e eles precisavam partir logo.
Ele assistiu Nero chupar seu pau amolecido como se não conseguisse o
suficiente, e acariciou o cabelo curto no topo da cabeça de Nero. —Isso foi tudo o
que você sonhou?— ele perguntou, tentando obter algumas respostas sem soar
carente.
Nero soltou um grunhido ininteligível e encostou a bochecha na coxa de
Miguel, tentando recuperar o fôlego.
Miguel suspirou. —Estou lhe dando um ou três minutos, mas precisamos ir.
Pode haver problemas na saída. —Ele odiava ser o único a tirar Nero de sua bolha
cheia de sexo, mas alguém precisava controlar a realidade. Ainda assim, ele sorriu
e acariciou o cabelo, que começaria a enrolar se não fosse cortado novamente em
breve.
Os olhos de Nero se abriram e ele deu a Miguel um sorriso largo e tímido.
—Yeah, yeah. Eu sei. Realmente precisava disso,— ele disse, exalando como se
estivesse segurando o ar.
Nos últimos dois dias, Miguel sorriu com mais frequência do que nos
últimos dois anos. Eles mal escaparam da morte várias vezes, e ainda não estavam
fora da floresta, mas ele ainda estava flutuando em uma nuvem fofa feita de
felicidade.
Foi a presença de Nero que fez isso com ele, então ele se inclinou para
sussurrar em seu ouvido. —Precisava de quê? Diz.
Nero estremeceu e virou a cabeça para encontrar os olhos de Miguel. —
Uma boa transa.
Esse era o único elogio de que Miguel precisava. Ele beijou o topo da cabeça
de Nero. —Você é o melhor que já tive,— ele brincou, já que ambos sabiam que
ele era virgem até muito recentemente.
Nero riu e agarrou o pulso de Miguel, levantando-se. —Eu costumo ter esse
efeito nas pessoas. Agora preciso manter meu jogo para que você não fuja,— ele
sussurrou, pressionando seu peito contra o de Miguel.
Miguel tinha aprendido a ver os outros homens como competidores e
ameaças, então não conseguia parar de se surpreender com a naturalidade de
segurar Nero, deslizar as mãos pelas laterais do corpo e permitir o mesmo em
troca. Mesmo que seu tempo juntos fosse limitado, e um dia Nero seguiria em
frente, Miguel decidiu que valorizaria cada momento brilhante e morreria um
pouco mais feliz.
Mas a brincadeira havia acabado, então ele deu um tapinha na bunda de
Nero ao sair do chuveiro, satisfeito por agora ter tais liberdades. —Ainda não
estou correndo.
Nero olhou por cima do ombro, sua bunda redonda, musculosa e nua sob as
costas densamente cobertas de tatuagens. Ele era lindo pra caralho. E tão fodível
Miguel já sonhava com as coisas que faria com sua boca assim que se
acomodassem para a noite.
—Não tente. Eu vou te encontrar onde quer que você vá,— Nero disse e
saiu do banheiro, indo direto para a bolsa com seus pertences.
Ele derramou seu conteúdo na cama e remexeu neles antes de encarar
Miguel com um sorriso brilhante. Em sua mão estava a pulseira de ouro que
Miguel havia roubado do turista americano.
Miguel assentiu e verificou se sua arma ainda tinha balas. —Bom, vai
render um pouco de dinheiro se o penhorarmos.
Nero franziu a testa. —De jeito nenhum. Isso é meu,— ele disse e entregou
a pulseira a Miguel antes de oferecer seu pulso esquerdo.
Um pequeno sorriso apareceu nos lábios de Miguel quando ele encontrou
os olhos de Nero, mas ele obedientemente fechou o fecho, feliz por ver seu
presente apreciado. —Ambicioso.
—O que você vê é o que você obtém.
Capítulo 22
Nero

NERO ESTAVA LIDANDO com seu novo telefone em um café e saboreando


um café doce em uma mesa alta. Ele engoliu enquanto seu novo dispositivo
emparelhava com o aplicativo de localização que ele tinha instalado no de
Miguel. Uma parte dele se perguntava se deveria discutir isso com seu
companheiro, mas conhecendo a natureza teimosa de Miguel, essa conversa
poderia acabar em um impasse desnecessário.
Então ele fez o que queria, depois desligou o telefone de Miguel e o colocou
de volta em sua caixa antes de sair da mesa e seguir pelo amplo beco da área de
compras ao ar livre com prédios de dois andares de cada lado e longas tiras de
tecido colorido drapeadas acima, entre lâmpadas ornamentais de estilo do
Oriente Médio.
A enorme estrutura de um hotel cresceu a partir de um trecho de árvores à
frente, além de uma rodovia urbana, bloqueando a visão das montanhas que
cercam a cidade por todos os lados, mas Nero não tinha vindo aqui pela beleza
natural, então ele apareceu na farmácia do outro lado da rua de uma Levi's e
deixou com uma caixa de tintura de cabelo.
Com isso resolvido, ele entrou em um beco estreito que ligava duas áreas
comerciais e se dirigiu ao banco onde ele e Miguel haviam combinado se
encontrar.
E lá estava ele, o prêmio de Nero, fumando desleixado, com os cotovelos
apoiados nos joelhos. Ambos estavam empoeirados depois de um dia inteiro
andando de moto, mas Nero não conseguia deixar de pensar nas horas que
passara com Miguel grudado em suas costas. Depois de pegar a caminhonete de
Esteban para chegar à cidade mais próxima, eles tiveram que trocar para um
veículo menos visível, e a velha motocicleta encontrada atrás da casa de alguém
foi a mais fácil de roubar.
Conhecendo Miguel, ele estava à espreita do perigo, mas como um animal
perfeito que era, ele ainda não tinha olhos na parte de trás da cabeça. Sua
camiseta suja não escondia a forma fina de seus ombros, e Nero se divertiu ao ver
um grupo de adolescentes de olho no homem que dormiria em sua cama esta
noite.
Os dois mereciam um descanso depois de tudo pelo que passaram, e ele
sorriu só de pensar no lugar que os reservou por telefone. Ele merecia mais dos
olhares intensos de Miguel e queria um espaço para ser mantido como se seu
homem falasse sério.
—Você tem as roupas?— ele perguntou, colocando as duas mãos nos
ombros de Miguel.
Miguel se encolheu e seus olhos estavam instantaneamente em Nero,
convidando-o a entrar como dois buracos negros gêmeos prestes a obliterar o
intruso que ousasse tocá-lo sem ser convidado. Mas então ele relaxou. —Sim. Eu
não gosto de todas as pessoas e câmeras aqui. Vamos indo.
Quando ele se levantou, alto e musculoso, passou pela cabeça de Nero que
ele poderia foder um pouco com Miguel tentando segurar sua mão em público.
Mas isso não seria propício para uma noite agradável juntos, então ele desistiu
dessa ideia. Ele abriu caminho para fora da área comercial e em direção a uma
parte mais antiga da cidade, onde os prédios eram baixos e as ruas muito mais
silenciosas.
—Mostre-me o que você tem—, disse ele enquanto passavam por um túnel
projetado para conectar as lojas com a antiga área residencial do outro lado de
uma grande rua.
Miguel ergueu as sobrancelhas e deu uma última baforada no cigarro. —Só
roupas. Você estava esperando algo... sofisticado?
Nero riu. —Eu posso dizer que você não gosta de moda só de olhar para
você. Estou curioso para saber o que vou vestir nos próximos dias—, disse ele
enquanto subiam uma encosta suave com casas de família em ambos os lados. Um
pequeno restaurante se anunciava com um banner bem à frente, mas a área
parecia silenciosa, e agora que as luzes da rua estavam acesas e lançavam um
brilho laranja em tudo, o dia parecia ter se transformado rapidamente em noite.
Ou talvez eles simplesmente não tenham notado isso quando cercados pelo
brilho intenso das lojas?
Miguel pigarreou e tirou uma camiseta preta ainda embrulhada em plástico
amassado. Ele então mostrou a Nero um par de jeans azul escuro sem
características discerníveis. Mas o pior veio quando Nero perguntou sobre o que
Miguel havia comprado para ele, apenas para descobrir que era exatamente o
mesmo conjunto, no mesmo tamanho.
—Temos cintos se precisarmos ajustar a cintura,— Miguel disse como se
acreditasse honestamente que suas escolhas faziam sentido.
Nero entendeu a necessidade de se misturar à multidão, mas isso... —Vamos
nos destacar se estivermos vestidos como gêmeos.
Miguel olhou para a sacola de roupas com uma carranca cada vez maior,
então bufou de aborrecimento. —Apenas pegue uma camiseta chamativa então.
Por que fui designado para esta parte do trabalho?
Porque Nero queria instalar um software de localização no telefone de
Miguel, mas esse era um detalhe que ele não iria compartilhar.
Ele riu e passou a mão pelas costas de Miguel, rápido o suficiente para
parecer um gesto amigável. —Entendo. Você está tendo fantasias gêmeas. Devo
chamá-lo de irmão mais velho quando você me foder?
Miguel fez uma careta, mas um rubor atingiu seu rosto. —Isso é nojento.—
Mas ele não estava alegando que eles não iriam foder novamente, o que era um
progresso, porque Nero temia que pudesse haver algum retrocesso vindo em sua
direção.
—Suas compras dizem o contrário. Ah, ou talvez seja uma fantasia de
prisão, e esses são os nossos uniformes!— Com um largo sorriso, Nero se
aproximou, tentando captar o olhar de Miguel enquanto caminhavam.
—Eu não tenho 'fantasias' assim!— Miguel protestou, adoravelmente
agitado. Porque agora, Nero apostaria nisso, ele estava pensando em rapidinhas
brutas atrás das grades.
A realidade não teria sido tão excitante, mas era para isso que serviam as
fantasias.
—Claro que não. A maneira como você me fodeu no carro diz o contrário.
A tensão nos músculos de Miguel crepitava e preenchia o espaço entre eles.
—Talvez eu estivesse um pouco... ansioso,— ele murmurou, e não escapou à
atenção de Nero que ele estava apertando a sacola de compras com tanta força
que os nós dos dedos empalideceram.
—Oh eu sei. Eu também. Me ame como um garanhão bruto,— Nero disse e
deu um tapa na bunda de Miguel enquanto eles se aproximavam do hotel, que
parecia uma versão maior das casas ao redor, completo com telhas de cerâmica
no telhado e barras ornamentais no janelas do primeiro andar.
—Você faz? Você tem certeza?— Miguel lançou-lhe um olhar incerto,
como se não ouvisse Nero falar disso há anos. Apenas a lembrança do corpo
pesado de Miguel em cima dele e aquele pau grosso deslizando sem piedade, já
fez Nero desejar estar dentro.
Assim, parados em frente às portas de vidro que se abriam para uma
espaçosa área de recepção decorada com pedras naturais e plantas verdes
exuberantes, Nero deu um breve aperto na mão de Miguel que certamente deixou
os dois com um desejo profundo.
—Tenho certeza.
E com isso, ele entrou.
Miguel agarrou seu pulso, arregalando os olhos enquanto observava o
elegante saguão. —Não podemos pagar por isso,— ele sussurrou. Ainda tão
severos, mesmo que eles possam estar mortos amanhã.
Nero o encarou. —Nós merecemos isso. Uma boa cama. Uma deliciosa
refeição. Uma porra de uma grande banheira.
—Nós?— Miguel pronunciou, mas deu um olhar de desejo ao interior
limpo. Até o sofá de couro na frente da recepção parecia convidativo o suficiente
para tirar uma soneca.
—Vamos, eu estou pagando,— Nero acrescentou e deu um tapa nas costas
de Miguel antes de entrar.
Seus orçamentos eram limitados e dificilmente separados neste ponto, mas
Miguel não apontou isso. A tentação de um travesseiro macio e limpo e um banho
morno deve ter derretido suas defesas, porque ele o acompanhou e viu Nero
gastar metade do que restava na suíte nupcial.
Um homem só vivia uma vez, e Nero queria devorar Miguel com o conforto
que ambos mereciam.
Armados com os cartões-chave e com o pedido de comida em andamento,
eles caminharam até o segundo andar e finalmente entraram no espaço tranquilo
e alongado com janelas em estilo de igreja e vigas de madeira escura no teto
acima de uma enorme cama de dossel.
Era exatamente disso que os sonhos eram feitos.
—Deus, sim,— Nero murmurou e tirou os sapatos antes de começar a
remover o resto de suas roupas.
Miguel hesitou, mas acabou tirando a camiseta suja. Ele ainda tinha marcas
no pescoço onde se contorceu contra o colar de metal. —Nem quero ficar com
essas roupas, eles podem queimá-las, pelo que me importa.
Nero riu e se apertou contra as costas de Miguel, nu. Queria sentir o sangue
de Miguel pulsando, para se lembrar de que os dois conseguiram se manter vivos.
—Não, eu só quero ficar limpo.
Miguel enrijeceu, e seu batimento cardíaco acelerou. Nero não estava
acostumado com um amante que tinha um lado tímido, apesar de ser tão
vigoroso, mas não se importava em ser mais experiente.
—Eu admito. Merecemos isso, mas não poderemos pagar todas as noites a
caminho do Peru.
Uma parte de Nero temia que Miguel rejeitasse seu toque agora que ele teve
um dia inteiro para pensar demais nas coisas, mas quando isso não aconteceu, ele
descansou o queixo contra as costas quentes e fechou os olhos, respirando o
cheiro forte de suor.
—Provavelmente não. A menos que nos sirvamos da riqueza de alguém.
Ambos precisavam de um banho, mas a proximidade do outro era
reconfortante, por mais sujos que estivessem. Miguel abraçou e beijou Nero
apesar dele estar coberto de sangue, então o que era um pouco de sujeira e suor?
Quando Miguel desafivelou o cinto, Nero sentiu um calafrio ao se lembrar
daquele estrondo no carro e de como Miguel estava desesperado e com tesão por
ele depois de vê-lo em perigo.
—Quanto menos rastro deixarmos, melhor—, disse ele como se os planos
futuros importassem diante do prazer que logo transformaria seus corpos em
uma única besta.
Nero deu um beijo na nuca de Miguel, mas depois voltou para o pequeno
corredor na frente da suíte e abriu o grande banheiro com ladrilhos de imitação
de pedra e uma banheira de canto que cabia nos dois.
—Bingo,— ele disse e abriu a água, desesperado para lavar toda a
viscosidade e odor do dia.
Nero ouviu pés descalços batendo nos ladrilhos atrás dele e se virou para
contemplar a glória do corpo tatuado de Miguel. Ele era uma obra de arte,
evocando imagens de uma jibóia com braços que podiam estrangular com tanta
facilidade. Seu pau, mesmo quando macio, tinha um bom comprimento, e vê-lo
lembrou Nero de todo o sêmen que Miguel havia deixado em sua língua, do
intenso empurrão em sua garganta, mas acima de tudo, dos olhos escuros
prendendo Nero a o chão. A cara que Miguel fez quando gozou era uma coisa
linda, e Nero mal podia esperar para vê-la novamente. Era quase intimidador o
quão intenso seu desejo por Miguel permanecia, depois de tê-lo já duas vezes.
—Tem sangue no seu cabelo.
Miguel passou a mão pelas tranças. —Não temos exatamente tempo para
visitar um barbeiro e refazer tudo.
—Eu poderia ajudá-lo a lidar com isso se você me ajudasse a pintar meu
cabelo—, disse Nero e esfregou seu curto cabelo verde.
—Claro, vou te ajudar, mas você não sabe trançar... ou sabe?— Miguel se
aproximou, como um predador tentando impedir que sua vítima fugisse.
Estava muito quente, porque enquanto a presa de Miguel tinha dentes e
garras afiadas, Nero gostava que seus homens tivessem uma sensação de poder
sobre ele. Ele sempre foi para os caras grandes e masculinos cuja aparência
prometia um passeio quente.
—Eu posso fazer uma trança.
Miguel passou o braço em volta da cintura de Nero, causando arrepios nos
braços de Nero. Ele não podia acreditar que estava ficando tão excitado quando
eles nem estavam fodendo. O que foi isso? Adolescência de novo?
—Ok, uma trança simples serve, porque não posso deixar que moscas
tentem comer pedaços de Esteban da minha cabeça.
—Eles não são conhecidos pelo bom gosto—, disse Nero e colocou a tinta na
borda da banheira antes de gesticular para Miguel entrar na água. —Vá em
frente, eu preciso de acesso ao seu cabelo.
Miguel hesitou, mas então se inclinou para dar um beijo rápido em Nero
antes de entrar na banheira. Nero teria pago o dobro do preço do quarto para
obter uma visão de sua mente agora, mas como aquele crânio era mais duro que
aço, ele achou que deveria esperar as coisas passarem. Sentou-se na beirada da
banheira antes de colocar um dos pés na água, bem ao lado de Miguel.
—Gosto quando você toma a iniciativa—, disse ele enquanto abotoava o
elástico da primeira trança.
—Oh?— Miguel olhou para ele com uma centelha de curiosidade em seus
olhos. —Você quer dizer... sexualmente?
Adorável.
—Sim. É quente estar com um homem que sabe o que quer,— disse Nero,
desenrolando o cabelo preto retorcido que parecia mais seco que o seu logo após
a descoloração. Seu olhar varreu a pequena prateleira à sua direita e ele se
inclinou para pegar um pequeno frasco de condicionador, que espremeu na
trança antes de continuar a tarefa meticulosa. Havia algo de primitivo em cuidar
de seu homem dessa maneira, e sua vida passada não havia lhe oferecido muitas
oportunidades para esse tipo de experiência. Se ele quisesse tratar alguém no
passado, ele pagaria por isso, não o faria ele mesmo, mas enquanto Miguel
relaxava, e seus cabelos crespos foram gradualmente revelados em seu estado
natural, Nero achou o processo imensamente satisfatório.
—O que você gosta sobre isso? Você parece sempre saber o que quer.
Nero sorriu, logo avançando para a outra trança. —Acho que só gosto do
perigo. Predadores são meu vício.
—Você me vê como um predador?— Miguel perguntou, e as cobras em sua
pele pareciam ganhar vida quando ele se mexeu na água. A visão despertou um
instinto primitivo profundo em Nero, e ele se inclinou para puxar seus dentes
afiados sobre a nuca de Miguel.
—Sim. Silencioso, mas mortal quando ataca. Como uma onça.
Miguel cantarolou. —Eu gosto do som disso. Eu posso ser isso para você.—
Como sempre, ele parecia se abrir quando não estavam frente a frente, e Nero se
aproveitaria disso.
—Eu sei. Você apenas começou a afiar suas garras para me rasgar
corretamente,— Nero disse com um sorriso enquanto terminava a outra trança e
pegava uma tigela de plástico cheia de itens essenciais do hotel. Ele jogou tudo na
prateleira ao lado da pia para que pudesse usar o recipiente para mergulhar.
Momentos depois, ele o usou para despejar a água morna na cabeça de Miguel.
—Isso é bom. Antes de eu deixar o México, minha mãe costumava trançar
meu cabelo. Eu não queria que um estranho fizesse isso e, embora tenha me
acostumado com isso desde então, é reconfortante ser tocado novamente por
alguém próximo a mim. Não quero dizer como uma mãe, quero dizer... você sabe.
—Você é mais do que bem-vindo para chupar meus mamilos... e não
apenas eles—, disse Nero, derramando mais água sobre a cabeça de Miguel. Só a
ideia da cabeça de Miguel mergulhando entre suas coxas já o deixava com tesão.
Ele seria o primeiro pau na boca de Miguel e o ensinaria tudo o que havia para
saber sobre boquetes incríveis. Incluindo como tratar o príncipe Albert, já que
pode não ser confortável trabalhar com isso no começo.
Ele não gostou do silêncio que se seguiu à provocação, mas passou xampu
na cabeça de Miguel, massageando o couro cabeludo.
—T-talvez ainda não,— Miguel murmurou. —Eu amo seus mamilos
embora. Os piercings os fazem parecer duros, como se você estivesse excitado o
tempo todo.
Nero supôs que chupar pau era uma das coisas que definem sobre deixar a
identidade de um homem hétero para trás, e Miguel ainda não estava pronto para
isso. Justo, considerando que Miguel só beijou seu primeiro homem duas noites
atrás. De qualquer maneira, havia muitas outras maneiras de experimentarem
prazer juntos.
—É por isso que eu os perfurei. Eles são muito sensíveis também,— Nero
disse e lavou o xampu com mais água enquanto os músculos de Miguel
relaxavam na cascata. Ele gostaria de repetir isso. Talvez se ele aprendesse a
trançar, isso poderia se tornar parte de sua rotina?
Se sobrevivessem à viagem para Lima.
Miguel bufou e enrolou as pernas para cima. Nero queria dar uma olhada
em seu pênis, mas a espuma ensaboada já estava flutuando na superfície da água
e obscurecendo a visão. Quando ele imaginou romper as barreiras de Miguel e
transar com ele, este ambiente aconchegante nunca foi o que ele imaginou. Mas
ele gostou.
—Vou me lembrar disso da próxima vez que for apertá-los.
—Você pode puxar e torcer também—, acrescentou Nero enquanto
terminava de esfregar o condicionador no cabelo limpo. Inclinando-se para a
frente, mergulhou a mão na água morna e puxou a mão de Miguel, levando-a até
seu peito nu.
Miguel ficou em silêncio, mas seus dedos estavam ávidos por toque, e ele
agarrou o mamilo sem ser solicitado duas vezes, provocando-o com seu toque
gelado.
O calor subiu ao rosto de Nero, e ele mordeu o lábio, pronto para ser
puxado para a água pelo mamilo, assim como um touro pode ser impulsionado
para frente por seu piercing no nariz. Mas quando seus olhos encontraram os de
Miguel, houve uma batida na porta.
—Ah, o serviço de quarto.
Isso foi um sorriso no rosto de Miguel? Provocador.
Nero pegou um roupão, já se sentindo um pouco mais como antigamente
enquanto atravessava o luxuoso quarto para pegar comida feita para ele
enquanto um cara gostoso esperava na banheira.
Ele trouxe para eles toda uma seleção de frutas, doces e salgadinhos, além
de bife, que cortou em pedaços pequenos para facilitar o consumo.
Uma parte dele estava um pouco desapontada porque, quando voltou ao
banheiro, Miguel já estava lavando o condicionador, porque estava ansioso para
lidar com todo aquele lindo cabelo preto por mais um tempo.
—Ainda vou trançar—, ressaltou, empurrando o carrinho de comida para o
banheiro, pois os dois estavam famintos demais para esperar.
—É melhor,— Miguel disse com um sorriso tão despreocupado que fez algo
estranho no coração de Nero.
Eles se conheciam há muito tempo, mas Nero raramente via o sorriso de
Miguel que parecia uma expressão desconhecida. Mas saber que ele era a fonte
de alegria para um homem tão especial alimentava as necessidades que ele nem
sabia que tinha.
O estômago de Miguel roncou, chamando Nero de volta à realidade.
—Pronto, você precisa de um pouco de proteína—, disse ele e entregou a
Miguel um dos bifes em um prato branco.
—Acho que nunca comi no banho, mas não estou reclamando,— Miguel
disse e cavou na comida. —Estou com tanta fome. Espere. Você não comeu
quando fomos às compras, não é?
Nero deu de ombros e penteou com os dedos os cabelos escuros e pesados
de Miguel. —Não. Acabei de tomar um café.
—Coma, vou te passar um pouco,— Miguel disse, sério como se fosse uma
emergência. Ele esfaqueou um pedaço de bife e levou-o à boca de Nero.
Nero poderia ter esperado, apesar da dor no estômago, mas quem poderia
resistir a ser alimentado pelo homem mais gostoso do mundo? Sufocando um
sorriso, ele pegou um pedaço do filé quente com ervas na boca e grunhiu quando
a carne macia e malpassada derreteu em sua língua. —Ah, você está preocupado
que eu possa cair inconsciente?
Miguel franziu a testa. —Inferno sim, eu sou. Você passou por tanta coisa e
temos um longo caminho pela frente amanhã.
O sorriso permaneceu na boca de Nero, mas algo em seu peito se apertou
quando ele percebeu que Miguel não estava brincando e pensou genuinamente
que Nero poderia estar precisando do alimento.
Ele não conseguia se lembrar da última vez que alguém quis ter certeza de
que ele estava bem quando não estava na descrição de seu trabalho.
—Obrigado.
Ele não sabia o que mais se poderia dizer, dadas as circunstâncias, então
mastigou a carne e trançou o cabelo de Miguel da melhor maneira que pôde. Não
era uma obra-prima, mas faria o trabalho de manter as madeixas grossas para
trás. Eles comeram sem muita conversa, mas o bife com batatas fritas provou ser
um impulso de energia muito necessário.
Só quando isso foi feito, Miguel se virou e deu a Nero o beijo mais doce nos
lábios. —Obrigado. Agora vamos pintar seu cabelo para que fique um pouco
menos destacado - é tinta vermelha.
—Bem, sim, mas é vermelho escuro. Atenuado,— Nero disse e entrou na
água, aliviado por sentir o calor em sua pele.
Miguel cantarolou, mas balançou a cabeça. —Ok, vamos fazer isso. Pelo
menos será diferente caso alguém pergunte por um homem de cabelo verde.—
Miguel sentou na beirada da banheira e começou a ler as instruções, como se
fosse desmontar uma bomba de não pintar o cabelo. Nero, por outro lado,
esfregou sabão no corpo, ávido por estar limpo antes de Miguel começar a
trabalhar.
Sem necessidade de descoloração, o processo de aplicação da tinta foi fácil
devido ao baixinho do cabelo e, momentos depois, os dois comeram o resto da
comida e beberam uísque do frigobar.
—Talvez essa seja uma opção de carreira para você no futuro?— Nero
perguntou, relaxando na banheira. —Você prefere ser barbeiro ou cabeleireiro?
Miguel deu de ombros e mordeu um pedaço de bolo, deslizando de volta
para a água, em frente a Nero. —Que futuro?
Nero congelou e seu olhar se desviou para o belo perfil de Miguel. —Sabe...
assim que pararmos de correr.
Miguel deu de ombros. —Nunca pensei muito nisso, porque tudo o que
fazia era para servir ao meu propósito ou para passar o tempo. E você? Você será
feliz como um tatuador pobre um dia? Fodendo em Lima?
Nero riu. —Você acha que eu sou tão ruim assim?
Miguel se aproximou para passar um pedaço de bolo para Nero. —Não sei.
Você é?
Foi um desafio, e Nero não era conhecido por recuar, então ele pegou o
telefone da cômoda de madeira para procurar seu blog secreto. Ele não fazia
login, caso os Caimans tivessem alguém rastreando a atividade na conta, mas
como uma quantidade razoável de pessoas visitava sua página, ele não precisava
se preocupar em se destacar para alguém que monitorava o site.
Ele se interessou por diferentes estilos, mas tinha um interesse particular em
designs com contornos arrojados e o uso simbólico de animais.
—Esses são todos os meus projetos—, disse Nero e passou o celular para
Miguel.
O interesse cru nos olhos de Miguel deu a Nero uma sensação de vertigem
no estômago.
—Estes são realmente bons,— Miguel disse com uma careta, percorrendo a
galeria. —Como eu não sabia que você pode desenhar? As tatuagens que você
deixou nas pessoas no seu aniversário não eram... assim.
Nero sorriu para ele, porque ele marcou propositadamente alguns idiotas
com tinta infantil extremamente pouco atraente. —Eu só estava fodendo com eles.
Miguel bufou. —Estou apenas surpreso que você esteja fingindo que não
tem habilidade. Sua vida não era sobre fazer o que diabos você queria?
Nero mordeu o lábio. —Basta que eu seja gay e que eu seja o fundo. Além
disso, não precisava dizer a todos que gosto de desenhar, mas… agora as coisas
podem mudar. Talvez seja isso que eu vou fazer de agora em diante?— disse ele e
buscou a confirmação de Miguel, apesar de nunca ter investido em nada
relacionado à arte. Ele adorava tatuagens, ou não teria coberto a maior parte de
seu corpo com elas.
Miguel guardou o telefone e enfiou a mão na água para massagear a
panturrilha de Nero. —Com sua vontade e confiança, tenho certeza que você vai
conseguir.
Era como se o sol tivesse descido no peito de Nero, e ele se viu sorrindo sem
motivo além de alegria. —Eu sei. Eu poderia torná-lo meu assistente.
Miguel balançou a cabeça, olhando para a água. —O que isso envolveria?
Trabalhando na recepção? Você sabe que não sou bom com as pessoas.
—Detalhes—, disse Nero, acariciando o ombro de Miguel. —Você tem toda
essa tinta linda para mostrar. Seria uma pena escondê-lo na parte de trás. Por que
você gosta de tatuagens?
Miguel ficou pensativo por um tempo. —Você não pode rir de mim,— ele
avisou, e quando Nero assentiu com seu interesse despertado, Miguel continuou.
—Quando eu era criança, ficar nu era desconfortável, e de onde eu venho era
quente demais para usar até mesmo uma regata. Ter a tinta por toda parte me
ajudou a me sentir coberto, como uma segunda pele, para que ninguém pudesse
realmente me ver.
Nero engoliu o súbito peso em sua garganta, porque embora essa fosse a
última coisa que esperava ouvir, a confissão fazia todo o sentido. —Meu
assistente pode ter toda a tinta que quiser, de graça—, disse ele e ofereceu a
Miguel um sorriso suave.
Uma estranha tensão pairou no ar por um breve momento, mas então o
cronômetro que ele havia ajustado para a revelação da tinta tocou, forçando-os a
mudar de assunto. Esvaziaram a banheira e Miguel lavou a tinta do cabelo de
Nero. Foi um prazer ver a água correr limpa e, uma vez que tudo acabou, ele se
espreguiçou, espiando Miguel por cima do ombro.
—Uma noite inteira pela frente. Eu pareço ardente o suficiente para você?
Miguel semicerrou os olhos e inclinou a cabeça, o que não era um bom
sinal. —Acho que…— ele disse, pegando uma toalha.
—O que isso significa?— Nero perguntou e esfregou o rosto ao sair da
banheira, preocupado que pudesse ter manchas de tinta ali, mas foi quando ele
encarou o espelho que a realidade o atingiu como água salgada esguichada direto
nos olhos.
Seu cabelo era de um castanho avermelhado feio, em vez da cor vibrante da
embalagem.
—Que porra é essa? Escolhi o mais caro!
Miguel se virou, mas Nero podia ouvi-lo tentando (e falhando) conter o
riso.
Inacreditável.
Em retrospectiva, ele deveria ter considerado que estava colocando a cor em
cima do cabelo verde, não descolorido, mas como ele deveria saber disso quando
sempre fazia o cabelo profissionalmente?
Seu tom natural era preto como o de Miguel, mas o marrom que agora
ostentava lembrava a água da louça acumulada na pia durante um dia inteiro em
um restaurante movimentado. Faltava personalidade e combinava estranhamente
com o tom de sua pele.
—Eu odeio isso. Vou ficar invisível com isso nas roupas que você me deu!
Miguel suspirou e se aproximou dele com uma toalha amarrada na cintura.
—Não é tão ruim—, disse ele e passou os dedos sobre o cabelo curto. —Você pode
pintá-lo com todas as cores do arco-íris assim que chegarmos a Lima e, por
enquanto, isso nos manterá fora do radar.
Mas nenhuma simpatia poderia fazer Nero gostar ou mesmo se sentir
neutro sobre o rosto que o observava do espelho. —É como se eu não estivesse lá,
porra.
Miguel o abraçou por trás enquanto eles se olhavam no espelho juntos, e ele
deu um doce beijo em sua têmpora. —Afinal, o que isso quer dizer?
Nero zombou, mas se inclinou para o abraço, apesar da nova cor de cabelo
prejudicar sua aparência. —Bem... isso simplesmente não parece comigo. Não sou
o tipo de pessoa que quer simplesmente ficar em segundo plano e ser um entre
muitos.
As mãos de Miguel deslizaram até os peitorais de Nero e ele gentilmente
puxou os dois piercings nos mamilos. —Olhe para você. Você não seria capaz de
se fundir ao fundo, mesmo que quisesse. Isto é temporário.
Nero grunhiu e deixou sua cabeça cair no ombro de Miguel enquanto
dedos frios e ásperos rolavam seus dois mamilos, já provocando choques de
prazer.
Ele supôs que Miguel não gostasse dele pelo cabelo verde, mas olhar de uma
certa maneira significava muito para ele.
—Sempre soube que era diferente. E isso parece que não tenho permissão
para mostrar isso.
—Ah. Então é disso que se trata. Deixando sua bandeira queer tremular? —
Miguel arrastou os lábios até a orelha de Nero, depois beijou seu pescoço sem dar
trégua aos mamilos de Nero.
—É como estar de volta ao armário. E eu sei que parece idiota, mas é assim
que eu vejo. Há uma verdade sobre mim, e agora está obscurecida.— Nero
balançou a cabeça e descansou uma das mãos na coxa de Miguel, relaxando em
seus beijos.
—Por que você precisa mostrar isso do lado de fora?— Miguel perguntou,
mas assim como Nero esperava que ele estivesse inclinado sobre a pia para uma
foda completa com sabão como lubrificante, Miguel puxou seu pulso e o levou
para a sala principal.
A cama parecia confortável em forma de mobília com seu colchão grosso,
lençóis brancos e cortinas finas de algodão penduradas em todos os lados. Apesar
do cansaço se instalar nele agora, Nero observava avidamente as costas tatuadas
de Miguel, que ficavam tão lindamente tensas quando Miguel ficava excitado.
—Porque eu não tenho vergonha de quem eu sou. Eu quero que as pessoas
saibam.
Miguel sentou-se, mais uma vez fazendo Nero imaginar todas as posições
em que eles poderiam estar fodendo quando ele jogou a toalha em uma cadeira
próxima. —Isso é corajoso da sua parte. Sempre achei você ultrajante, mas talvez
só estivesse com ciúmes de você viver como bem entendesse.
A boca de Nero se curvou com o elogio, e ele se arrastou para a cama,
apoiando o queixo nas costas de Miguel. Suas mãos se moveram para aquele
estômago musculoso e ele cantarolou. —Eu era muito infeliz quando estava me
escondendo. Como se eu fosse translúcido. De certa forma, aquele cara que me
fodeu primeiro me fez um favor.
—Você poderia ter voado sob o radar, estar mais seguro. Talvez até mesmo
tenha sido o herdeiro óbvio de seu pai, alguém que todos apoiariam. —Miguel
entrelaçou os dedos sobre seu estômago, mas a tensão estava de volta em seus
ombros.
—Mas valeu a pena. Não preciso me preocupar com o que pode acontecer
se alguém descobrir. Eu poderia apenas... ser, você sabe. Fiquei tão assustado
quando aquele cara contou a todos o que eu o deixei fazer, e fiquei tão
envergonhado, mas também foi libertador. E decidi seguir em frente,
independentemente do que acontecesse.
—Meu pai me batia muito quando saiu, mas eu não conseguia parar. Eu
tenho uma libido enorme e não consigo me imaginar escondendo isso ou tendo
que desistir dos homens. Então procurei outra pessoa alguns dias depois. Ele era
realmente gay e melhor nisso.
Miguel se virou e os rolou, fazendo Nero se perguntar se eles estariam cara
a cara, afinal.
—Estou feliz por ter matado seu pai então,— Miguel disse, passando a mão
pelo lado de Nero enquanto o observava do outro travesseiro.
Os batimentos cardíacos de Nero aceleraram novamente. Nada aconteceu
ainda, mas não ser capaz de ler Miguel ou prever suas ações o manteve no limite.
Miguel estava cansado? Se fosse esse o caso, Nero poderia explodi-lo novamente,
ou montá-lo e fazer todo o trabalho, sem problemas. Então talvez ele também se
sentisse cansado, mas agora que Miguel tinha provado o que era sexo, acabaria se
cansando de um homem e fugiria para perseguir outro. E Nero queria se
empanturrar de Miguel enquanto estivessem juntos.
—Você o teria matado de qualquer maneira—, disse Nero com um sorriso.
Os dedos de Miguel seguiram sem pressa as linhas dos músculos dos braços
de Nero. —Eu teria. Esse era o meu propósito. Crescendo... houve um momento
em que eu esperava começar a gostar de garotas como meus amigos gostavam,
mas isso nunca aconteceu, então percebi que estava quebrado pelas coisas que vi.
Eu estava bem com isso até certo ponto. Isso me fez pensar que não me distrairia
com mulheres, então demorei um pouco para ligar os pontos sobre o que
realmente estava acontecendo. Mas quando descobri que não apenas admirava
homens bonitos e musculosos como qualquer outro garoto querendo ser como
eles, a ideia de tocar um estranho, ou ter suas mãos em mim ainda não era...
atraente. Eu não queria apenas enfiar meu pau em algum cara aleatório. Até você.
Achei você gostoso, mas isso não significava automaticamente que eu queria fazer
algo a respeito.
O peito de Nero aqueceu com o calor da atenção de Miguel. —Mas agora
você tem.
—Eu faço. Eu... costumava imaginar você com outros homens. Nunca
comigo, mas os homens não importavam, eram apenas um pretexto para te
imaginar nu, descontrolado, insaciável, sempre querendo mais pau.— Miguel
apertou o quadril de Nero e o empurrou para mais perto, até que quase não havia
espaço entre eles. O movimento brusco, lembrando um réptil prestes a estalar as
mandíbulas, fez Nero estremecer, e ele colocou a perna no quadril de Miguel.
Com os lábios pulsando na necessidade de um beijo, ele se inclinou e passou
os braços em volta do pescoço quente que ainda trazia as cicatrizes da luta da
noite anterior com Esteban. Eles não teriam conseguido se não fosse pelos reflexos
rápidos e astúcia de Miguel.
Sabendo que a luxúria por ele estava fermentando há muito tempo em
Miguel alimentou a excitação que já fervia por dentro, e ele lambeu os lábios
tentadores. —Você quer me abrir de novo?
Miguel limpou a garganta e deu-lhe outro beijo. —Eu... você precisa
descansar depois de ontem.
Ah. Isso foi simplesmente adorável. —Miguel, eu já fiz gangbangs18. Eu
posso totalmente ir de novo.

18 Sexo grupal.
Desta vez, Miguel desviou o olhar e a surpresa de Nero se transformou em
frustração. —Não parece certo depois do que ele fez com você. Especialmente
porque eu era tão duro antes disso.
Nero olhou para ele, perplexo. —O que ele... ooh,— ele murmurou,
percebendo do que se tratava. Ele sorriu e deslizou os dedos pela bochecha
barbada de Miguel enquanto os olhos escuros teimosamente evitavam seu olhar.
—Você não foi excessivamente rude. E aquela vassoura nem era tão grossa
quanto o seu pau. Então foi uma merda que aconteceu, e não estou feliz que você
tenha visto isso, mas está tudo no passado.
Doeu a Nero ver Miguel ficar ainda mais tenso. —Eu deveria ter feito algo
antes.
A boca de Nero secou, com a memória visceral. Ele realmente pensou que
morreria naquela mesa, em uma dor torturante, e com Miguel forçado a assistir
isso acontecer. Mas o que Esteban conseguiu fazer? Não foi a pior coisa que já
aconteceu com ele. Ele estava consciente, não havia sangue e, embora a vassoura
enfiada no traseiro doesse, às vezes o sexo consensual também o fazia. Por que
Miguel estava dando tanta importância a isso?
—Você estava acorrentado e salvou o dia. Você merece minha gratidão,—
Nero sussurrou, deslizando a mão pelo torso de Miguel.
—Você está dizendo que vai me foder como um agradecimento?— Miguel
fez uma careta.
Claro que ele teve que tornar isso difícil e complicado sem motivo.
—Oh, vamos lá, Miguel,— Nero gemeu, deslizando para mais perto até que
seus corpos se encaixassem. A apenas alguns centímetros de distância, ele sentiu o
cheiro de cravo e tabaco no hálito de Miguel e esfregou seu rosto contra ele. —Eu
quero você, tudo bem? Você deixa meu pau duro. Eu quero que você desça pela
minha garganta e abra minha bunda. É isso que você precisa ouvir?
Os braços de Miguel o envolveram e suas mãos deslizaram até as nádegas
de Nero. —Sim. E eu também quero isso. Mas eu tenho uma palavra a dizer sobre
isso também, e sua bunda está descansando até que eu diga, ok?— Dois de seus
dedos deslizaram para dentro da fenda de Nero sem avisar e esfregaram contra
sua abertura em uma óbvia tentativa de distração.
O filho da puta estava aprendendo rápido.
—Mas não quero que descanse. Estou sempre com tesão,— Nero reclamou,
mas havia uma parte dele que se sentia bem com essa conversa frustrante. Miguel
pode estar enganado sobre o lado físico das coisas, mas o fato de que ele estava
rejeitando algo que ele claramente queria pelo bem de Nero era estranhamente
cavalheiresco. E embora Nero acreditasse que o cavalheirismo estava morto há
muito tempo, ele não pôde deixar de sorrir com a ideia de Miguel vestindo uma
armadura medieval sofisticada e fazendo uma serenata para ele sob sua janela.
Em um cinto de castidade.
Miguel bufou e esfregou o rosto no pescoço de Nero. —Você precisa de
uma mão com isso?— Seus dedos varreram o pênis de Nero e puxaram o
piercing, lembrando Nero da breve masturbação que Miguel lhe dera durante o
sexo no carro. Ele tinha estado tão sobrecarregado que mal se lembrava disso,
mas agora a memória da mão familiar apertando seu pau duro voltou para ele
com força total.
Ele curvou os dedos dos pés e se deitou, surpreso com o ataque de sensações
que o inundavam enquanto a língua de Miguel rolava contra sua garganta. Sua
mão encontrou o pênis duro empurrando em sua coxa e o esfregou, ansioso para
fazer seu amante se contorcer também.
Miguel engasgou, e sentir seus cílios vibrando era algo que Nero gravaria
em seu cérebro para sempre. Miguel era um homem deslumbrante, mas ninguém
mais conseguia vê-lo assim - excitado e desprendido. Os dedos de Miguel
continuaram pressionando o buraco de Nero, fazendo-o ansiar por mais, mas ele
aproveitaria o que Miguel queria dar.
Faminto por seus lábios, Nero não se importava em falar sacanagem e
puxava o pau duro de Miguel enquanto duas mãos habilidosas, que pela primeira
vez nem sentiam frio, o provocavam em um ritmo implacável que logo lhe subiu
à cabeça como uma copiosa quantidade de champanhe.
Fazia muito tempo desde que ele se masturbou com outro homem, e foi tão
gentil e reconfortante que ele logo se viu dominado pelo calor produzido por seus
corpos. Cada fragmento de sua pele estava em chamas. Quando Miguel enrijeceu,
montando sua mão até que a porra quente espirrou na carne de Nero, ele assumiu
enquanto Miguel descansava em seus braços, observando-o sob as pálpebras
abaixadas.
—Você é tão gostoso e sem vergonha... eu adoro isso,— Miguel
choramingou enquanto seu olhar vagava do pau de Nero para seu rosto. —Quero
ver você gozar.
Nero deu um grunhido engasgado e arqueou as costas quando a mão de
Miguel se moveu mais rápido, alimentando a necessidade entorpecente faiscando
por todo o seu corpo. —Brinque com eles. Chupe-os,— ele choramingou quando
os olhos de Miguel brilharam. Ele não especificou a que parte do corpo se referia,
mas momentos depois, uma língua quente como lava rolou contra o mamilo de
Nero, deixando sua cabeça confusa. Ele não conseguia mais pensar.
Em sua cabeça, ele estava sob Miguel, dobrado em dois e implorando por
aquele pau duro, mas assim que o eixo imaginário dividiu suas nádegas, suas
bolas latejaram e o sêmen disparou, pintando sua carne.
Por um momento, ele nem teve certeza se o grunhido satisfeito de Miguel
não tinha sido uma invenção de sua fantasia, mas não, era definitivamente real.
—É errado eu não querer tomar banho até de manhã?— Miguel sussurrou
contra o peito arfante de Nero.
Nero balançou a cabeça, afundando nos lençóis como se fossem líquidos. —
Nem eu. Gosto do seu cheiro em mim—, disse ele, abrindo os olhos para olhar
para Miguel, mas seu homem já estava cochilando. Ambos mereciam o sono, mas
havia mais uma questão premente.
—Então... isso significa que você vai ser meu namorado até Lima?— Nero
murmurou enquanto fechava os olhos.
Miguel cantarolava mas não abria os olhos. —Não temos quatorze anos,
Nero.
—Você vai, no entanto?
Por um segundo, Nero ficou totalmente acordado, mas então Miguel
murmurou: —Sim—, enviando-o para os doces braços de Morfeu.
Capítulo 23
Nero

ELES DEMORARAM A VIAJAR PELA COLÔMBIA E EQUADOR E, EMBORA


TENHAM ESCOLHIDO HOTÉIS MODESTOS, O DINHEIRO acabou e eles foram
forçados a usar as habilidades de batedor de carteiras de Miguel para abastecer
seu orçamento. Compraram camisetas novas para Nero e visitaram uma
barbearia, da qual Nero saiu com cabelos pretos e Miguel com tranças frescas. E,
mais importante, eles compraram um velho SUV preto de um cara em Popayán. O
veículo deles, embora cheirasse a cigarro e não tivesse ar-condicionado, era uma
melhoria significativa em relação à motocicleta roubada. E eles se divertiram
muito no caminho, embora Miguel ainda insistisse em tratar Nero como uma
virgem preciosa que não suportava ser perfurada.
Isso significava que sua vida sexual era limitada, mas o que eles faziam era
intenso e inesperadamente satisfatório. Nero sentia um alívio imenso toda vez que
colocava o pau de Miguel na boca. Ele foi o único a fazer isso por Miguel, e isso
deu a ele um alto poder sobre esse cara gostoso que, de outra forma, era tão
organizado. E esse poder se estendia muito além das vezes que fodiam. Quando
eles estavam em algum lugar público, às vezes ele pegava Miguel mandando
olhares sedentos em sua direção, mas mesmo na privacidade de um quarto de
hotel ou do carro deles, Miguel às vezes o tocava ou beijava por nenhum motivo
além de buscar conexão física. A doçura daqueles gestos fez derreter um pouco o
coração cínico de Nero.
Parecia estar em lua de mel, então Nero se soltou e apenas aproveitou toda a
diversão. Como aquela vez em que Miguel quase foi convencido a comprar um
macaco, ou quando Nero comprou um unicórnio inflável com desconto, que
infelizmente estourou sob o peso combinado dois dias depois.
Mas, por mais despreocupados que tenham sido alguns dos momentos que
compartilharam, uma semana depois de deixar o sul da Colômbia, eles se
aproximaram dos subúrbios de Lima, e nenhum dos dois falou, sem saber o que
fazer, agora que o fim de sua jornada estava próximo.
Começariam uma nova vida em Lima? Separadamente? Juntos? Poderia tal
coisa funcionar para homens como eles? Uma parte de Nero achava que nenhum
deles tinha mais ninguém em quem se apoiar, mas outra se sentia amarga por ser
esse o único motivo para Miguel ficar por perto.
Isso e o jeito ganancioso de Nero chupar suas bolas e beber seu esperma.
Não muito tempo atrás, eles podiam ver as montanhas nuas e as planícies
secas de ambos os lados da estrada, mas a noite havia obscurecido a paisagem até
que apenas as pequenas cidades pelas quais eles estavam passando parecessem
existir. Ocorreu a Nero que, sem as vistas do cenário natural além dos limites das
estruturas feitas pelo homem, o cenário tinha pouco em termos de caráter. Em
qualquer lugar do mundo, as estradas principais eram mais ou menos
semelhantes, assim como os prédios, os postes de iluminação e todas essas merdas.
Se fosse esse o caso, por que não correr mais longe? Por que ficar neste
continente?
Estaria Miguel disposto a ir para a Europa ou para a Ásia, longe da evasiva
mãe com quem não se preocupou em entrar em contato desde a morte de seu pai?
Ela parecia tóxica pra caralho, mas ele não podia dizer isso para um filhinho
como Miguel. E enquanto Nero estava longe de ser normal, ele com certeza sabia
que nenhuma mãe deveria colocar seu filho em uma missão de assassinato sem se
importar com sua segurança ou felicidade.
Miguel era quem estava ao volante, mas Nero já se preparava para sugerir
que era hora de ele assumir. O cansaço era apenas uma desculpa para que Nero
não tivesse que dizer a Miguel que ele era um péssimo motorista, porque isso
teria ferido seu orgulho sem motivo. Seu desempenho foi bom na estrada, mas
uma vez que eles entraram em uma área urbana, Nero preferia estar no comando
do carro.
Ele olhou para o perfil de Miguel, iluminado pelas luzes que passavam. Ele
poderia passar mais tempo com este homem? Ele transformou o fato de Miguel
ser seu namorado em uma piada contínua, mas como seria realmente pertencer a
alguém que não o via como uma partícula de sujeira que não poderia ser
removida da camisa favorita de alguém?
—Que tal pararmos por aí e explorarmos nossas opções amanhã?— Miguel
o tirou de seus pensamentos apontando para algum lugar à frente, onde um néon
colorido iluminava um outdoor tão esfarrapado que devia ter pelo menos dez
anos. O pôster nele anunciava um hotel de três andares.
O prédio era monótono, com reboco rosa rachado cobrindo varandas que
levavam a quartos individuais, mas ainda parecia bastante moderno quando
comparado a algumas das pequenas estruturas pelas quais eles passaram alguns
minutos atrás. A estrada que Nero e Miguel vinham seguindo desde que deixaram
o Equador dava para uma cidade, ou pelo menos um centro local com lojas
lotadas dos dois lados.
—Sim, por que não?— Nero disse, e Miguel estacionou em uma área de
estacionamento cheia de cascalho.
—Assim podemos beber os dois—, Miguel disse e sorriu um pouco, como se
não estivessem chegando ao fim da viagem sem saber o que viria a seguir.
Então, novamente, e se Nero se sentisse ansioso sem motivo, enquanto
Miguel estava perfeitamente feliz em seguir o fluxo e teria rido dele dedicando
tanto pensamento à situação deles. Sentimental como ele era, talvez para Miguel
eles fossem tão bons quanto casados?
Nero revirou os olhos só de pensar nisso. Casados. Ele estava se enganando
e teria sorte se guardasse o bracelete de ouro como lembrança do tempo que
passaram juntos. Ele já havia se acostumado com sua presença e só o removeu
para lavar. E sempre fazia Miguel prendê-lo no pulso depois, só porque era bom,
como ganhar um presente de novo.
Assim que deixaram seus pertences no pequeno quarto alugado, subiram a
passarela acima da estrada, que por algum motivo estava pintada de laranja neon,
e se dirigiram ao bar do outro lado.
O lugar não era nada de especial. Cheirava bem, a massa frita, mas depois
de pegarem uma garrafa de rum e um pouco de frango assado, subiram as
escadas para se sentarem no terraço. Um dossel foi estendido sobre suas cabeças,
agora desnecessário devido à falta de luz solar, embora seus suportes fossem
equipados com lâmpadas, proporcionando um agradável brilho ambiente.
Quando eles se sentaram em uma mesa que oferecia vista para a rodovia,
Nero ficou feliz porque, embora a música rock soprando de um único alto-falante
não abafasse o barulho dos carros, ela conseguiu mascará-lo o suficiente. Ele teve
o suficiente do tráfego.
Miguel recostou-se na cadeira de plástico branco e serviu um copo de rum
para cada um. —É isso. Lima. Você acha que The Axe vai nos seguir aqui com
Cano morto? Ele daria a mínima ou se concentraria em manter o poder?
Nero olhou em volta, mas eles estavam sozinhos no terraço, então ele
relaxou, mordendo a carne terrosa da coxa de frango enquanto mastigava seus
pensamentos.
Ele sabia que Cano não o havia matado quando teve a chance apenas
porque seu cérebro guardava segredos que não podiam ser extraídos com força
bruta. Encontrando o olhar de Miguel, ele mergulhou sua comida no molho que
veio com ela e se perguntou o que aconteceria se Miguel soubesse, e como ele
reagiria se alguém lhe dissesse. Ele provou ser leal, mas um cara pode beijar e
chupar um homem inúmeras vezes sem chegar a possuí-lo.
Ainda assim, era hora de mergulhar.
Nero limpou a garganta e encontrou o olhar negro, sabendo que sua
decisão poderia fazer ou quebrar as coisas entre eles. E possivelmente revelar
coisas sobre Miguel que Nero não queria ver.
—Eles estão me caçando porque meu pai me contou informações que
ninguém mais sabe.
Miguel franziu a testa e tomou um gole de rum, mas enquanto seu olhar se
concentrava, ele não parecia surpreso. —Como o que?
Nero arrancou um pouco da carne do osso. —Como códigos para um
computador que se autodestrói se você usar a senha incorreta duas vezes. Tem
muita informação sensível aí. Material de chantagem e assim por diante.
Miguel sentou-se mais ereto, mas seu olhar se desviou e ele semicerrou os
olhos, como se sua mente tivesse se tornado um computador calculando as
implicações do que acabara de ouvir. —Porra. Porém, estamos fora do radar e já
se passaram quase duas semanas. Ninguém nos seguiu.
A boca de Nero secou com as palavras empurradas no fundo de sua
garganta, mas quando ele encontrou o olhar de Miguel, seu desejo natural de
manter suas cartas fechadas parecia bobo. Este homem já havia sacrificado tanto
por ele. Como ele poderia não confiar nele neste momento?
—Tenho dinheiro em algumas contas secretas. No momento, estou com
medo de tocá-los, mas, no futuro, podemos usar esse dinheiro para nos
estabelecermos.
As sobrancelhas de Miguel se ergueram. —Então você não gastou tudo em
roupas íntimas Versace?
Nero sorriu. —Não, mas posso comprar alguns para você.
A oportunidade de conversar livremente terminou quando várias jovens
subiram ao terraço com bebidas na mão. Eles conversavam alto e seus saltos
estalavam no chão de concreto como se fossem uma máquina de escrever
humana, mas Nero não correria o risco de alguém ouvir a conversa.
Então ele encolheu os ombros e se aproximou de Miguel, olhando para o
mar de prédios baixos que se estendia até a escuridão absoluta das montanhas
escondidas além do véu escuro da noite. —Estaremos seguros enquanto nos
escondermos.
—O que você está bebendo aí?— Uma das mulheres perguntou enquanto
seu grupo de quatro se acomodava em uma mesa próxima.
Miguel deu de ombros. —Rum. Quer um pouco?
Nero franziu a testa, porque desde quando eles precisavam de companhia?
Mas ele não disse nada enquanto as senhoras, que já estavam cheias de bebida,
riam como um bando de papagaios, exibindo suas penas coloridas. E para
adicionar insulto à injúria, seus dentes estavam começando a doer.
—Claro—, disse a corajosa e se aproximou com um copo vazio. O vestido
tubinho amarelo brilhante que ela usava contrastava fortemente com a bela pele
escura, mas Nero não conseguiu se concentrar em seu exterior, porque enquanto
Miguel servia uma bebida para ela, ela encostou o quadril nele e colocou a mão
em seu ombro! Miguel não fez nada.
O fogo zumbiu no fundo da barriga de Nero quando, em vez de tentar se
desculpar com mentiras sobre ter uma namorada, ou rejeitá-la de alguma outra
forma, Miguel serviu uma bebida à mulher, apenas encorajando-a.
—Vocês são daqui? Eu me lembraria de alguém tão bonito…— Ela esfregou
o ombro de Miguel e riu.
—Traga sua bunda bêbada de volta aqui!— uma de suas amigas gritou,
rindo em uma demonstração óbvia de apoio ao que ela estava fazendo.
Miguel deu a ela um breve aceno de cabeça, mas não tirou a mão dela de si
mesmo, embora Nero estivesse sentado ali —Estamos apenas de passagem.
E quando ele sorriu para ela, uma nuvem de pensamentos confusos e
quebrados desceu sobre Nero e envenenou seu sangue. Ficou claro para ele que
Miguel era gay. Não bissexual. Não questionando. Gay. No entanto, apesar de ser
tão estranhamente gentil às vezes, ele ainda lutava com as coisas mais simples.
Como chupar pau.
Então ele ainda era um bebê gay e poderia se preocupar com seu reflexo de
vômito, ou temer ser ruim nisso, mas se esse fosse o caso, então Miguel deveria
comunicá-lo, em vez de fazer Nero se perguntar se Miguel sentia que havia algo
errado com ele, ou seu pau.
Ou talvez as coisas fossem muito piores do que isso?
Ele estava flertando com essa mulher porque sentia que ainda havia um
caminho de volta para uma vida normal, já que ainda não havia colocado um pau
dentro dele e via o flerte dela como sua chance de experimentação?
—Sim, e ela quer que você passe por ela !— gritou outra mulher, e as três
gargalharam, alimentadas por tudo o que já haviam bebido em outro bar. Nero
estava começando a odiar o som estridente de suas vozes combinadas.
A mulher que pousou a mão em Miguel mostrou à outra o dedo médio. —
Não dê ouvidos a ela. Mas é meu aniversário…— Ela riu, cobrindo a boca.
—Não é!— a amiga gritou com lágrimas nos olhos.
Miguel tomou outro gole de rum. —Fico lisonjeado...
—Você tiraria a mão do meu namorado?— Nero perguntou quando sua
paciência acabou. A mulher piscou, olhando para eles como se se perguntasse se
não tinha ouvido mal, mas apesar dos olhos de Miguel ficarem arregalados, Nero
falou ainda mais alto. —Eu disse o que disse. Se alguém estiver montando seu pau
esta noite, serei eu.
O rosto de Miguel se transformou em pedra, uma expressão bem conhecida
que recentemente era uma visão tão rara. O estômago de Nero se apertou. Miguel
negaria? Para mulheres que nunca mais veriam?
—Oh-kaay…— a mulher gaguejou com a boca aberta, mas sua mão
finalmente caiu de Miguel. Como se ela tivesse o direito de tocá-lo em primeiro
lugar!
Seus amigos estavam escondendo suas risadas atrás de copos de coquetel,
mas um deles olhou para Nero com espanto. —Sério?
—Muito real—, disse Nero em voz baixa que veio do fundo de sua
garganta.
Seus pulmões estavam cheios de fogo, mas por enquanto ele deixou
queimar e terminou seu copo de rum antes de se servir de outro. Atrás da estátua
que Miguel se tornou, todas as mulheres se levantaram e se moveram em direção
às escadas, enviando sorrisos incrédulos em sua direção.
Nero não seria as letras pequenas. Seu nome era a porra do título de cada
capítulo.
Miguel bateu o copo contra a mesa no momento em que o público
indesejado se foi. —Você só tinha que fazer isso!
— Alguém tinha que fazer. Ela teria enfiado os peitos na sua cara antes que
você decidisse fazer a coisa certa. Estou começando a pensar que é isso que você
secretamente quer,— Nero estalou e bebeu o segundo copo também. A bebida
medíocre queimou sua garganta, mas ele ainda queria mais.
—O que eu quero é que você pare de dizer às pessoas que eu sou gay. É
realmente tão difícil manter a boca fechada sobre isso? Eu já te disse várias
vezes!— Miguel endireitou-se na cadeira e observou Nero com olhos frios, como
se fossem estranhos.
E eles não eram. Não mais.
—Se você não é mais meu namorado e quer ver se foder comigo de alguma
forma desbloqueou sua capacidade de se sentir atraído por mulheres, então
apenas diga isso em vez de me deixar sentar lá enquanto ela te apalpa!— Nero
disparou. —Você não sabe onde ela esteve ou com quem. Você sabe que os
héteros nunca fazem o teste e só se preocupam com a gravidez?
—Eu não estou transando com uma mulher! Estou sentado aqui com você.
Qual é o seu problema?— Miguel abriu os braços tão abruptamente que um
pouco de sua bebida espirrou e escorreu por seus dedos, mas ele não pareceu se
importar.
—Meu problema é que você estava todos ansioso para flertar com essa
garota, mas não vão me dar um boquete, como se meu pau estivesse coberto de
verrugas!
Miguel respirou fundo que fez suas narinas dilatarem, e manteve os olhos
em Nero como se fosse um alvo. — Esse é o seu problema? Isso é o que é
importante para você?
—Está começando a ser, porque sempre que tento tocar nesse assunto, você
me fecha. Você acha que sou estúpido e não vejo o que você está fazendo?
—Diga-me. O que eu estou fazendo?— Miguel perguntou e bebeu um
pouco de cachaça de seu copo como se estivessem discutindo o tempo.
—Você está mantendo suas opções em aberto. Não sou gay desde que não
tenha o pau dele na minha boca. Eu não sou gay se eu apenas fodi sua bunda uma
vez e nunca mais vou fazer isso — Nero rosnou, prendendo Miguel na cadeira
com seu olhar. —Mas nem todo mundo está bem vivendo celibatário. Eu tenho
necessidades, ok?
Como isso surgiu da simples raiva por Miguel não ter dispensado a mulher
rápido o suficiente, Nero não sabia, mas agora que ele falou, cada pensamento
frustrado que ele recentemente teve saiu de sua boca sem nenhuma barreira para
detê-los.
—Parece que você vai morrer se não conseguir um boquete,— Miguel disse
friamente, olhando para Nero como uma cobra prestes a atacar.
Nero bufou e ofereceu a Miguel um sorriso malicioso. —Bem, se meu pau é
tão repugnante para você, talvez eu deva consertá-lo em outro lugar.
A cadeira de Miguel caiu no chão quando ele se levantou e se inclinou para
a frente, agarrando a mandíbula de Nero. —Não se atreva, porra!
Oh. Então ele se importava. Bom.
—Como você vai me impedir?
Miguel soltou apenas para arrancar Nero da cadeira pelo braço. —Vamos.
Vamos fazê-lo. Isso é o que você quer, então vamos fazer isso.
O olhar de Nero se desviou para a comida, depois para o hotel do outro lado
da rua. —Como agora?
—Sim, porra agora! Ou prefere comer a porra da sua galinha? —Miguel
rosnou, sem deixar dúvidas sobre qual era a sua escolha e o quão zangado ele
estava com isso. Mas talvez ele colocasse toda aquela raiva no melhor boquete
que um iniciante poderia dar?
Nero esperava ser conduzido escada abaixo e até o hotel, mas quando, em
vez disso, Miguel o arrastou para o banheiro, ele protestou, sem saber o que
pensar sobre as ações de seu homem. —Temos um quarto a três minutos daqui.
—Eu não vou esperar três malditos minutos.
Jogado no quarto apertado, Nero sentiu a pia cavar em suas nádegas
enquanto a luz branca e forte se acendeu acima. Sem dizer uma palavra, Miguel
caiu de joelhos no chão sujo.
Nero teve a clareza de espírito para fechar o trinco e trancar a porta, mas
quando Miguel puxou para baixo seus corredores e expôs seu pau macio, nada
sobre a atmosfera parecia excitante.
Não era o cenário, já que Nero tinha desfrutado de um ótimo sexo em locais
muito piores do que este, mas apesar de cada reclamação que ele expressou, seu
primeiro boquete de Miguel não deveria ser tão rápido e clínico.
Ainda assim, se Miguel preferisse arrancar aquele band-aid, Nero deixaria.
Embora ainda não estivesse excitado, ele tinha certeza de que estaria à
altura da ocasião no momento em que os lábios macios de Miguel começassem a
trabalhar.
Em vez disso, ele esperou, olhando para o topo da cabeça de Miguel. Diante
do pau bem à sua frente, Miguel colocou as mãos nas coxas de Nero, mas não se
aproximou, como se o pau de Nero fosse um porco-espinho. Seu hálito quente
fazia cócegas na pele de Nero, despertando pelo menos um pouco sua excitação,
mas quanto mais tempo eles permaneciam naquele impasse, menos Nero
acreditava que algo iria acontecer. Que cara normal queria um boquete de
alguém que claramente não queria dar?
—Isso não está funcionando, mas tudo bem,— ele tentou e acariciou as
tranças escuras e lisas. —É o piercing? Você não precisa ir tão fundo quanto eu,
ok?
Teimoso como sempre, Miguel se inclinou e pressionou os lábios no eixo,
mas quando Nero pensou que eles estavam tendo um avanço e ele conseguiria se
livrar da atmosfera estranha, Miguel se afastou novamente. A princípio, Nero teve
certeza de que Miguel estava apenas respirando com dificuldade, mas o som se
transformou em chiado, e Miguel agarrou suas coxas com tanta força que suas
unhas cravaram na pele de Nero.
Era isso. Nero puxou as calças, sentindo-se péssimo com a coisa toda. —
Estivemos viajando o dia todo. Disse que podíamos ir para o hotel e talvez depois
do banho!
Mas Miguel não se levantava. Ele caiu de quatro, parecendo incapaz de
recuperar o fôlego. O som que ele fez foi enervante e foi além de causar ofensa a
Nero. Algo estava profundamente errado, e as preocupações de Nero foram
confirmadas quando Miguel caiu de bunda, segurando sua garganta.
O alarme na cabeça de Nero deveria ter tocado há muito tempo, mas agora
que tocou, ele se abaixou para olhar o rosto de Miguel.
—Ei...
Miguel balançou a cabeça, fechando os olhos com força e ainda lutando
para respirar. Na luz forte, seu rosto estava ficando mais escuro.
Porra.
—Miguel… você precisa de um médico? Isso é uma alergia que eu não
conheço?— Nero perguntou, puxando-o para perto e tentando puxá-lo de pé.
Miguel não olhou para ele, mas seu rosto e pescoço não estavam inchados, e
ele balançou a cabeça novamente tão rapidamente que suas tranças estalaram
como chicotes. Ele se apoiou na pia, mas Nero o abraçou por trás assim que
percebeu as pernas de Miguel tremendo.
O que quer que estivesse acontecendo, ele lidaria com isso no futuro, mas
agora eles tomariam uma inalação de cada vez.
Ele destrancou a porta e a abriu com um chute, guiando Miguel de volta ao
terraço vazio. —Vamos, sente-se.
Miguel abriu os olhos apenas o suficiente para ver à frente, mas sua
respiração era irregular mesmo quando ele se sentou na cadeira de plástico. —
Sinto... dd-desculpe,— ele engasgou assim que conseguiu seu primeiro gole de ar.
Sua mão tremia incontrolavelmente na de Nero, alimentando a culpa
queimando no fundo de seu peito. Mas Nero não estava disposto a fugir dessa
bagunça e arrastou sua cadeira para perto, então seus joelhos se tocaram. —Você
claramente não estava pronto, ok? Eu entendo isso,— ele murmurou.
—T-talvez outra hora?— Miguel pronunciou sem erguer os olhos e deu
um tapinha na mesa em busca de seu maço de cigarros.
Nero exalou e esfregou a mão enquanto o rock alto tocava ao fundo, em
completo contraste com a situação deles. Seu peito era um buraco negro. Isso era
sobre ele, ou Miguel reagiria da mesma forma se tentasse dar um boquete em
qualquer homem? Se ele estava tão desconfortável com a ideia de ceder, então
deveria ter sido honesto sobre isso e poupar os dois desse fiasco embaraçoso. —
Seriamente?
O silêncio na mesa deles era tão alto que os ouvidos de Nero zumbiam.
Miguel largou os cigarros e ficou sentado por um tempo, curvado sob o
peso de seus próprios pensamentos. —Sim. Eu só... não posso... —Ele respirou
fundo. —Agora que estamos aqui, em Lima, você se sente seguro?
Um pivô estranho, mas Nero não questionaria o que era obviamente uma
mudança intencional de assunto. Eles teriam que voltar para a penisofobia19 de
Miguel eventualmente, mas não era a hora e o lugar para isso. Além disso, não
era como se Nero realmente não pudesse viver sem boquetes. Toda a discussão
tinha sido sobre a natureza confusa do comportamento de Miguel.

19 Fobia de pau? kkkk


—Eu suponho. Não é território Caiman.
Miguel apertou sua mão e olhou em seus olhos. —Mas você se sente
seguro?
Agora, com Miguel tão perto? —Sim.
Miguel se inclinou para um beijo surpresa que adoçou a bagunça de
minutos atrás. —Bom. Este é um bom lugar para se esconder. Ouça, eu… não me
lembro se tranquei o carro. Volto daqui a pouco, ok?— Seus dedos escaparam das
mãos de Nero.
Nero suspirou e apontou para o prato de papel. —O frango está quase frio.
Seja rápido,— ele disse e pegou outro pedaço. Ele tinha certeza de que a coisa do
carro era apenas uma desculpa para Miguel ter alguns minutos para se acalmar,
mas ele não estava disposto a denunciá-lo.
Miguel assentiu, mas antes de sair deu mais um beijo em Nero, como se
quisesse compensar o fracasso do boquete. Seus ombros estavam rígidos quando
ele desapareceu escada abaixo, deixando Nero com um frango esfriando, rum
desagradável e uma bola de frustração no peito.
Nero deixou cair os cotovelos na mesa e esfregou o rosto com um rosnado
baixo. Ele deveria ter mantido a porra da boca fechada. Miguel tinha problemas.
E daí? Nero também, mas eles trabalharam tão bem juntos.
Assustadoramente bem.
Com um suspiro profundo, Nero serviu-se de mais um copo de rum e
observou o céu, que estava completamente nublado. Se houvesse alguma estrela lá
em cima, ele não poderia vê-la.
Ele tomou um gole. Então outro. E outro, até o copo ficar vazio.
Ele bateu com força, fazendo o metal tilintar.
Nero franziu a testa e olhou para as chaves do carro perto do cinzeiro antes
de olhar para o outro lado da rua, para seu velho SUV. Miguel não estava lá, nem
na passarela laranja, e sua carteira estava ao lado do prato de frango assado frio,
como um pedaço de lixo que ele escolhera deixar para trás.
Por que ele questionaria tão persistentemente como Nero se sentia sobre sua
segurança, apenas para sair logo depois? Um sentimento ruim se instalou no
estômago de Nero, mas ele não conseguia entender por que aquela troca final
deixou um gosto tão amargo.
Ele pegou a garrafa para se servir de mais rum e parou quando viu seu
pulso esquerdo.
Sua pulseira protetora ainda estava lá, mas a de ouro? Perdido.
Em uma explosão de pânico, ele olhou em volta, apenas para lembrar que
estava lá quando ele e Miguel deram as mãos antes. Será que ele... pegou?
O que. Na. Porra. Isso significava?
Que tudo o que eles compartilharam acabou? Miguel não poderia se
despedir como uma pessoa normal? Todo esse drama por causa de um boquete?
Miguel sentiria muito por essa covardia uma vez que Nero o pegasse.
Frenético, ele circulou pela mesa e pegou seu telefone, abrindo o aplicativo
que lhe permitiria encontrar a localização de Miguel.
Ele congelou, confuso quando viu o minúsculo ponto se movendo pela rua e
depois virando em direção a uma área marcada como um cemitério. Que tipo de
movimento emo era...
Não.
—Não não não não não não!— Nero olhou para o ponto, pondo os pés em
movimento.
Era por isso que ele perguntou se Nero estava seguro! Ele queria... fazer o
que não tinha feito na villa do pai. Ele queria encontrar uma sepultura vazia e dar
um tiro na própria cabeça, exatamente como disse dramaticamente a Nero.
Ele pretendia fazer isso durante todo o tempo em que estiveram juntos?
Deixar Nero sem se despedir depois de cumprir sua promessa?
As mãos de Nero tremiam quando ele saiu correndo para a rua e correu
com um grito silencioso na garganta.
Capítulo 24
Miguel

O CEMITÉRIO FOI UM tanto decepcionante, mas os mendigos não podiam


escolher. Miguel imaginava que, vingando a família, encontraria um lugar para
esconder a vergonha de ser o único sobrevivente do massacre. Mas como ele
encontraria um buraco fundo o suficiente no vale escuro cheio de túmulos de
concreto em todas as cores do arco-íris? Dispostas ao longo de vielas sinuosas,
muitas tinham espaço para várias pessoas e, embora as abóbadas tivessem formas
e tamanhos diferentes, quando Miguel ficou no portão aberto e iluminou o
caminho principal pelo terreno, sentiu como se estivesse prestes a entrar em um
enorme cidade ainda estranhamente tranquila.
O brilho frio e branco da lanterna do telefone o guiou colina acima,
passando por estruturas, algumas mais altas que ele, projetadas para manter os
corpos acima do solo. À medida que se afastava do portão, onde a encosta se
tornava mais íngreme, fileiras de sepulturas erguiam-se em terraços de terra e
tijolo, como pequenas casas que durariam os habitantes silenciosos desta
necrópole por toda a eternidade.
Ele caminhou por mais de dez minutos e, assim que avistou um terraço
onde havia uma tumba vazia, desligou a lanterna antes de descansar em cima
dela. As luzes da cidade e a larga estrada que leva a Lima contrastavam com o
cemitério escuro como breu, e ele engoliu em seco, apertando a mão na pulseira
de ouro que decidira tirar de Nero, para ter algo seu no próprio momento final.
Quando eles chegaram aqui, ele estava mentindo para si mesmo que as
coisas haviam mudado. Que este não era o fim da linha para ele, porque Nero
ainda precisava de proteção. E talvez, se os sorrisos afiados oferecidos a ele fossem
honestos, o homem que se tornou a razão de existir de Miguel nunca iria querer
que ele fosse embora.
A humilhação absoluta no bar provou o quão inadequado ele era. A falha
que carregava dentro de si não o deixaria ser o homem de que Nero precisava e,
embora o tivesse empurrado para cumprir seu destino e matar Raul Moreno,
também o impedia de se conectar com outras pessoas como uma pessoa normal.
As esperanças que ele nutria não valiam nada, porque como ele poderia oferecer
seu coração a alguém se ele fosse oco em primeiro lugar?
Nero passaria para alguém divertido, alguém sem bagagem tão pesada que
acabaria esmagando os dois. Alguém que não tinha assassinado seu pai. Alguém
que não tinha medo de fazer sexo oral nele.
Ele foi um fracasso.
Um soluço rasgou-se de Miguel quando ele pensou que, mesmo no final de
seus dias, mancharia esta sepultura perfeitamente boa com seu sangue sujo. Seus
donos não mereciam ter que lidar com seu cadáver, mas acabar com as coisas
aqui ainda era preferível a fazê-lo em um lugar menos remoto.
A arma pesou em sua mão enquanto ele pensava em todas as pessoas que
havia matado. Vários Caimans morreram em suas mãos na semana passada, mas
ao longo de sua existência miserável ele tirou inúmeras outras vidas. Qual foi
outro?
Ele era como uma rede de pesca descartada no oceano e flutuando sem
propósito Pior ainda, ele se enroscou em Nero e acabaria sufocando-o, então era
hora de cortar o desagradável pedaço de corda que se enterrava no pescoço de
Nero.
Este mundo não tinha lugar para pessoas como ele. Com a realidade tão
escura quanto o céu acima dele, e tão fria quanto a laje de cimento em que estava
sentado, ele pressionou a arma contra o queixo.
—Miguel!
O grito agudo veio de longe e por um momento ele se perguntou se não
seria o vento, mas então seu nome se repetiu e, ao olhar para baixo na encosta,
em direção à cidade, avistou uma luz se movendo.
Miguel cerrou os dentes, incapaz de lutar contra a tristeza em seu peito.
Desde que passou pelos portões deste lugar, ele se considerava morto, mas como
ele puxaria o gatilho agora? Nero não deveria estar aqui e vê-lo dar seu último
suspiro. Ele deveria continuar com sua vida, levemente irritado depois de ser
abandonado, mas no fundo aliviado porque o passado não mais se arrastaria atrás
dele na forma de um homem que não poderia satisfazê-lo.
Se Miguel se matasse agora, deixaria Nero cuidar de seu corpo.
Pego nesse enigma, ele não fez nada, apenas segurou a arma no lugar
enquanto as lágrimas escorriam por seu rosto. Ele não conseguia nem se matar
direito.
—Eu sei que você está aqui, seu desgraçado! Você acha que pode
simplesmente me abandonar? Pense novamente,— Nero gritou, cada vez mais
alto.
Miguel poderia tentar se esconder, mas Nero o encontraria eventualmente,
então por que lutar contra a maré da vontade deste homem teimoso?
Pelo menos o manto da escuridão lhe deu tempo para se recompor.
Seu telefone tocou, revelando sua localização, e um grito desesperado saiu
de seu peito quando os passos de Nero aceleraram.
—Vá embora!
—Eu vejo você, seu idiota de merda,— Nero gritou, correndo pelo beco
principal. Era uma situação desesperadora, e Miguel só poderia evitar o confronto
iminente se explodisse seus miolos antes que Nero o alcançasse.
Nero tinha visto morte suficiente em sua vida para lidar com isso. E se ele
visse Miguel partir, talvez ele fosse verdadeiramente livre. Mas o dedo de Miguel
estava congelado no gatilho. Seu coração patético e carente ainda esperava ser
salvo.
Logo, ele podia ouvir os passos de Nero, depois sua respiração e, então, uma
luz branca o iluminou como se fosse um interrogatório.
Nero calou a boca.
O pomo de adão de Miguel empurrou contra o cano da arma quando ele
engoliu, dominado por violentos tremores no fundo do peito. —Vá embora,
Nero—, disse ele, engolindo outro soluço. —Você não precisa mais de mim.
—Quem disse?— Nero perguntou, e enquanto sua lanterna permaneceu
em Miguel, seu brilho o iluminou também.
—Eu. Eu posso ver isso. Você está inquieto. Eu trouxe você para a
segurança, então agora vá encontrar o seu futuro,— Miguel engasgou quando a
forma de Nero borrou na frente dele, mas ele não tinha forças para manter a
fachada estóica por mais tempo. Nero precisava ver a bagunça que Miguel tinha
estado o tempo todo. Talvez então ele virasse as costas e o deixasse onde
pertencia. Entre os mortos.
—Eu não tenho futuro—, disse Nero, dando o passo mais lento para a
frente.
Miguel lançou-lhe um sorriso triste e fungou. —Você faz. Você vai
conseguir um estúdio de tatuagem e vai encontrar um cara divertido que tem
esperanças e sonhos, que não tem tanto sangue nas mãos e que não desmorona
por chupar pau. Que valor tenho eu se nem ao menos consigo satisfazer o homem
que amo?— Ele pressionou a arma sob a mandíbula com outro soluço, querendo
que esse tormento acabasse, mas incapaz de puxar o gatilho.
Nero ficou em silêncio, é claro. Ele não queria o amor de um verme tão
patético. Miguel parou de respirar enquanto esperava que Nero se afastasse.
Mas quando Nero se moveu, foi em direção a ele.
—Não me deixe,— ele disse em um tom estranho e ofegante, e sua lanterna
apagou, afogando-os na escuridão.
Miguel baixou a arma. Estupefato, ele observou a silhueta de Nero a poucos
passos de distância. —Eu sou um buraco negro no qual você caiu. Eu estraguei
sua vida, mas isso sou eu devolvendo para você. O que quer que você ainda possa
salvar.
Nero aproximou-se dele, agarrou-lhe o pulso e, num momento de terror,
obrigou Miguel a pressionar o cano contra a sua garganta.
—Não!— Miguel se encolheu, mas o aperto de Nero era de pedra. —O que
você está fazendo?— Seu coração batia como se quisesse lembrar a Miguel de sua
existência, mas ele não se atreveu a lutar ou mesmo tentar tirar o dedo do gatilho,
com medo de acabar apertando-o.
—Não?— Nero exigiu em voz baixa, inclinando-se tão perto que seus olhos
queimaram Miguel no escuro. —Por que diabos não? Se você quer morrer, por
que não me leva também?
Com a situação invertida, a mente de Miguel estava em pleno
funcionamento, derretendo como cera em um forno quente. —Você merece tudo.
Especialmente uma nova vida.
—Então por que você veio aqui para sair deste trem, hein? Porque eu
cometi um erro lá atrás? —Nero rugiu, movendo a mão de Miguel e a arma
carregada para o meio do peito. Apesar de seus esforços, Miguel não conseguiu se
soltar sem correr o risco de uma tragédia.
— Eu sou o erro. Eu não deveria ter... sobrevivido ao que aconteceu com
minha família,— ele proferiu. —Eu morri lá atrás e não sei como viver. Agora seu
pai está morto e pensei que isso iria me curar, mas estou tão quebrado quanto
costumava estar.
—Sim, você tirou tudo que eu costumava ter, então agora seja responsável
porra,— Nero gritou, subindo na sepultura como se não se importasse se fosse
baleado. —Você é o único homem em quem confio! Como ousa me deixar? —Ele
deu um tapa na bochecha de Miguel. —Fale comigo. Diga-me o que está te
machucando.
Prendendo a respiração, Miguel puxou a arma de Nero e jogou-a fora,
deixando-os parados.
Seu rosto queimou com o tapa, mas tudo com o que seu coração se
importava era que Nero confiava nele.
—Antes de seu pai e seus amigos matarem minhas irmãs, eles as
estupraram.— Ele engoliu em seco e entrelaçou os dedos com os de Nero. —Eles
me fizeram assistir, enquanto nosso pai já estava morto.— Sua voz não parecia
mais a sua. Estava vindo de algum lugar além do túmulo. —E depois de tudo, um
deles me fez lamber seu pau mole, na frente da minha mãe. E então ele atirou em
mim. Fui jogado em um buraco no chão com minhas irmãs, mas de alguma
forma... sobrevivi. Eu mal me lembro de estar lá, mas então há um flash de minha
mãe me puxando para fora. É isso que quero dizer quando digo que morri lá. Não
sou o menino que dançou tango ou sorriu. Você não pode amar um cadáver,—
ele sussurrou, mas se inclinou para abraçar Nero com suas mãos frias.
Ele congelou quando Nero permaneceu imóvel, mas quando Miguel estava
prestes a recuar, envergonhado e com medo de ter confessado tais coisas, Nero
agarrou-se a ele e esfregou o rosto no pescoço de Miguel. —Eu não me importo
com quem você costumava ser. Você é o homem que conheci há três anos. Mal-
humorado do caralho, e ainda assim muito divertido de se estar por perto. Você é
meu agora. Eu te proíbo de morrer, você me entende?— Nero perguntou,
respirando rápido enquanto sacudia Miguel.
As palavras atingiram mais forte do que a bala poderia ter, e ele apertou
Nero em seus braços, quando o peso em seu peito foi repentinamente aliviado. —
OK. Eu prometo nunca morrer.— Ele beijou o ombro de Nero e depois esfregou o
rosto contra a pele quente. Ele nunca sentiu isso desejado. Era como cair em uma
poça do pudim mais doce e flutuar ali enquanto Nero o beijava. —Mas não posso
prometer que vou superar... o que eles fizeram e dar a você o prazer que você
deseja.— Ele esperava que Nero entendesse, porque ele não conseguia mais falar
francamente. —Talvez você possa conseguir... em outro lugar,— ele engasgou,
mas seu coração já se partiu em pedaços quando ele pensou em Nero se afastando
para deixar alguém tocá-lo.
—Onde está o seu orgulho?— Nero interveio, subindo ainda mais perto.
Seu hálito cheirava a rum quando ele agarrou as tranças de Miguel e ficou de
joelhos, quase invisível no escuro. —Você quer que eu simplesmente saia com
algum cara e chupe meu pau enquanto você espera?
Miguel rosnou e agarrou os braços de Nero. —Claro que não quero isso! Dá
vontade de matar todo filho da puta que tem boca. Mas não posso fazer isso e
quero que você seja feliz.
—Então mate todos os filhos da puta que se aproximarem de mim e me
mantenha na linha,— Nero gritou na cara dele, agarrando a frente da camiseta
de Miguel.
Miguel o empurrou para baixo com um empurrão controlado e caiu por
cima para deixar sua posição clara. Se Nero queria sentir a força de um homem,
Miguel poderia lhe dar o que precisava. Ele pressionou sua testa contra a de Nero
enquanto uma sensação de poder floresceu profundamente dentro dele. Ele
poderia realmente dar as ordens sobre isso? —E se isso significar que você nunca
chupa o pau?— ele perguntou com uma voz áspera, testando os limites da
situação deslizando o joelho entre os de Nero.
Esse? Oh, isso ele poderia fazer o dia todo.
Nero soltou um gemido baixinho e apertou os peitorais de Miguel. —Você
vai ter que me foder com mais força para que eu não perca.
O fracasso no banheiro parecia ser castrado, mas com Nero provocando-o,
o ego de Miguel voltou com força total. Cada vez que pensava em Nero
reivindicando-o com suas palavras, colocando sua vida em risco apenas para
manter Miguel, sua auto-estima voltava, junto com uma coceira para provar a si
mesmo.
Ele olhou ao redor, mas o cemitério não tinha outros visitantes tão tarde da
noite, então ele pegou os lábios de Nero em um beijo. —Aquela vez em que
fizemos isso… adorei. Você debaixo de mim, gemendo e se contorcendo,
implorando pelo meu pau... isso me fez sentir vivo.— Ele pressionou com os
quadris para esfregar a virilha de Nero.
Estava escuro como breu lá fora, mas embora ele não pudesse ver Nero
bem, a forma de seu corpo, seu cheiro e calor o guiaram entre as pernas abertas.
—Por favor... sinta-se vivo em mim. Miguel,— Nero sussurrou e moveu
suas mãos quentes pelas costas de Miguel, apertando e acariciando sua carne.
Porra. Sim.
Nero o fazia se sentir como um garanhão, desperto para seus desejos
sexuais e pronto para o cio. Ele agora estava feliz por ainda carregar os sachês de
lubrificante roubados de Big Bill no barco, porque isso não podia esperar. Ele
precisava mostrar a Nero que nada poderia impedi-lo de foder até os miolos.
Ele era um animal em época de acasalamento, com apenas sexo em seu
cérebro. Ele nunca quis agir com tais impulsos primitivos antes de Nero, mas
agora apenas o pensamento de empurrar dentro do canal apertado entre suas
nádegas fez o pau de Miguel endurecer. Ele abaixou o rosto para beijar a
garganta de Nero, mas suas mãos já estavam abaixando a calça e a cueca de Nero.
Nero o agarrou como se estivessem sendo levados pela corrente e ele
desesperadamente não queria que eles se separassem. Seus piercings nos mamilos
empurraram Miguel através de suas camisetas, e ele choramingou, obedecendo a
tudo que Miguel queria até que suas pernas peludas estivessem nuas.
—Agora,— ele pronunciou e empurrou suas coxas contra os lados de
Miguel.
O suor escorria na testa de Miguel quando ele abriu o zíper da calça jeans
com o sachê de lubrificante pendurado entre os dentes. Alguém podia vê-los, mas
ele não dava a mínima. Ele estava esperando por mais para que Nero pudesse se
curar, mas esse tempo acabou, e tudo o que ele queria era se enterrar naquele
traseiro quente e musculoso.
Enquanto puxava a calça jeans para baixo, Nero pegou o lubrificante e o
apertou em sua mão. Miguel sabia exatamente o que seu amante estava fazendo
quando ele alcançou entre eles, e dedos escorregadios encontraram o pênis de
Miguel.
Ele gemeu de prazer, arqueando-se sobre Nero. —Mal pode esperar?
—Não. Estou tão fodidamente desesperado por você que vou queimar se
você não colocar esse pau dentro,— Nero sussurrou, puxando o eixo de Miguel.
O gel estava frio e deixou o pau duro excessivamente sensível enquanto Nero
levantava as pernas e descaradamente colocava as panturrilhas nos ombros de
Miguel. —Me dobre em dois e mergulhe.
A cabeça de Miguel ferveu com o encorajamento flagrante. Ele alinhou seu
pau com o buraco de Nero. —Levante sua camisa, mostre-me seus mamilos,— ele
murmurou, esfregando sua cabeça contra a entrada apertada de seu amante. Ele
ainda se lembrava de como isso o sugou da última vez, e ele precisava sentir a
mesma sensação novamente. Só então, sua vida valeria a pena ser vivida.
E se Nero achava Miguel digno, então talvez ele não fosse tão patético e
inútil quanto acreditava.
Ele mal viu a sombra branca da camisa de Nero no escuro, mas quando ela
se moveu para revelar a carne escura, apenas saber que os mamilos estavam lá foi
como um impulso de excitação no fundo da mente de Miguel. Suas bolas
latejavam, e cada golpe deliberado de seu pênis entre as nádegas escorregadias
era como uma promessa feita a ambos.
Ele deu um meio sorriso quando Nero ergueu os quadris, bufando
impacientemente.
—Eu disse agora !
Miguel não o deixou esperando desta vez, e quando ele empurrou seus
quadris para frente, enterrando seu pênis no calor acolhedor do corpo de Nero,
foi até o fim, deixando-o sem cérebro enquanto as endorfinas cascateavam por
todo o seu corpo. —Ah, porra, sim,— ele grunhiu e se abaixou para um beijo
faminto, tateando as coxas peludas que o abraçavam.
Nero estremeceu e agarrou as tranças de Miguel enquanto a língua quente
e ágil que sempre se sentiu tão bem no pau de Miguel penetrou em sua boca,
como uma cobra que não morde só porque gostou dele. O gemido que ele fez foi
abafado pelos lábios de Miguel, e depois de inicialmente apertar, o buraco de
Nero relaxou ao redor de Miguel.
Eles eram como os jacarés entrelaçados no corpo de Nero em uma dança
primitiva de amor e violência. A cabeça de Miguel girou enquanto ele segurava a
perna de Nero enquanto puxava e torcia um dos mamilos perfurados. O instinto
lhe disse para bombear seus quadris rápido, perseguindo a liberação que ele
desejava, mas quando Nero ganiu, acariciando-o, Miguel acompanhou seu ritmo
e começou lentamente a sair do calor apertado. Ele podia sentir o pulso de Nero
onde seus lábios se encontravam, e quando seu amante o puxou para perto, os
lânguidos e cuidadosos impulsos se tornaram apressados e ásperos.
O corpo de Nero segurava seu pau, como se não quisesse soltá-lo, e ambos
gemiam cada vez que as bolas de Miguel batiam na bunda grossa de Nero. Não
faz muito tempo, os tapas fortes teriam envergonhado Miguel, mas a culpa e a
vergonha evaporaram e o deixaram livre para expressar sua excitação com
gemidos guturais, como nunca teria proferido no passado.
Mas era Nero quem realmente não conseguia conter o prazer e uivava
como um animal selvagem sempre que paravam de se beijar para respirar. Seu
corpo forte se retorceu sob Miguel, dando-lhe as boas-vindas de volta ao mundo
dos vivos.
Se Nero quisesse que ele continuasse vivo, ele o faria.
O túmulo de concreto era duro sob os joelhos de Miguel, então ele se
inclinou para frente, pressionando as pernas de Nero para baixo, até que seu
homem se dobrasse em dois. A nova posição deixou a respiração de Nero mais
rasa, mas não o impediu de proclamar seu prazer.
—Tão bom? Você gosta de preencher esse buraco?— Miguel grunhiu no
ouvido de Nero antes de morder o vulnerável pedaço de carne.
Seu homem respondeu com um balbuciar incoerente, que enviou a
excitação de Miguel através do telhado. Ele se tornaria o amante perfeito de Nero
- cuidaria dele e o protegeria, e então faria dele sua cadela na cama - seria o que
Nero sempre sonhou.
E Nero adorava ser levado forte e rápido, então Miguel o prendeu com uma
série de golpes duros que os transformaram em dois animais no cio sob o céu
escuro, unidos pela necessidade de marcar um ao outro com esperma. Mas
enquanto o prazer teria levado Miguel a continuar indefinidamente, sua
excitação estava atingindo seu pico.
Então ele foi duro e rápido, escondendo o rosto no pescoço quente de seu
amante enquanto braços fortes e perfumados o seguravam perto, nunca
deixando-o pensar que não era digno disso. O concreto era áspero contra a mão
que Miguel usava para se manter de pé, mas apenas a luxúria dirigia seus
movimentos neste ponto, e ele se chocou contra Nero uma última vez, enchendo-
o de esperma grosso.
A eletricidade passou por seu corpo como se tivesse sido atingido por um
raio, mas quando ele esticou as costas, arqueando-se sobre Nero, o calor líquido
espirrou em seu estômago e peito quando seu amante convulsionou, gozando
também.
Ele sorriu. Então riu enquanto a felicidade fluía dentro dele como ouro
líquido, afugentando até mesmo a escuridão da noite quando ele desabou em
cima de Nero. Respirar o cheiro de seu homem era a sobremesa estimulante que
ele precisava, então ele tomou seu tempo com isso, pacífico enquanto mãos
quentes acariciavam suas costas enquanto seu pênis ainda pulsava no doce
arrebol. Ele realmente considerou a morte sua única opção minutos atrás, quando
este homem o queria ao seu lado? Isso realmente aconteceu?
—Eu sei,— Nero murmurou e estendeu a mão para tocar o rosto de Miguel
com uma mão que parecia um pouco úmida e cheirava a esperma.
Miguel pode ter uma reação visceral e traumática a um pau em qualquer
lugar perto de sua boca, mas ele lambeu a semente dos dedos de Nero sem
problemas. —Eu amo estar dentro de você,— ele sussurrou, banhando-se no
calor do afeto de Nero.
Nero cantarolou e embalou Miguel contra ele com todos os quatro
membros. —E eu te amo dentro de mim.
Um soluço subiu no peito de Miguel e empurrou sua garganta, mas ele o
engoliu, porque ele se envergonhou o suficiente esta noite. Conseguir segurar
Nero logo o acalmou. Ele nunca esteve tão próximo de outra pessoa, não apenas
no sentido físico, mas também na maneira como se desnudou, não escondeu nada
e foi aceito mesmo assim.
Nero o viu por quem ele era e não sentiu repulsa pelo que viu.
E de alguma forma isso tornou mais fácil para Miguel não sentir mais
repulsa por si mesmo também.
Capítulo 25
Nero

NERO ESTAVA EXAUSTO. SUAS coxas doíam e seu buraco doía por causa
da foda vigorosa, mas Miguel estava lá para segurar sua mão enquanto eles
subiam a passarela laranja acima da estrada barulhenta e se dirigiam para o
hotel. Como qualquer casal normal.
Como se Miguel não tivesse a intenção de explodir seus miolos uma hora
atrás.
Nero estremeceu pensando no que poderia ter acontecido se não tivesse
sido intrometido, e apertou a mão de Miguel enquanto as luzes dos veículos que
passavam faziam sombras sobre seus pés.
Então talvez a escuridão obscurecesse sua proximidade, e não havia muitas
pessoas por perto para notar seus dedos entrelaçados, mas Nero ainda estava nas
nuvens ao sentir as mãos frias de Miguel o apertando de volta. A temperatura
deles tornava seu toque tão distinto. Nero estremecia cada vez que Miguel enfiava
as palmas das mãos sob a roupa, mas havia algo reconfortante em reconhecê-las
pelo tato.
O quarto genérico deles tinha uma cama, um chuveiro e grades nas janelas.
Apenas o que eles precisavam para uma noite. Ele não tinha ideia do que viria a
seguir, mas o dia inteiro de carro, a discussão e o sexo o esgotaram e ele não tinha
mais energia para pensar em assuntos sérios. O que ele sabia era que, como a
trágica façanha de Miguel mostrava que ele não tinha planos, cabia a Nero
garantir que seu ainda definitivamente namorado não tivesse mais ideias idiotas e
abraçasse o fato de que ele viveria.
Ele se empurrou para os braços de Miguel assim que a porta foi trancada
atrás deles e passou os braços ao redor de sua cintura. A palavra amor flutuava
em seu peito com a lembrança de Miguel dizendo isso para ele no cemitério,
quando ele acreditava estar no fim de sua vida.
O homem que eu amo.
Não era a primeira vez que alguém confessava seus supostos sentimentos a
Nero, mas desta vez, seu primeiro instinto não foi cortar os laços, mas tranquilizar
Miguel e mostrar a ele o quanto ele se importava.
Ele teve que morder o lábio quando as mãos de Miguel subiram por suas
costas, pressionando o tecido de sua camiseta contra a pele arranhada. Em
retrospectiva, talvez foder no concreto não tenha sido uma boa ideia, mas foi tão
gratificante que ele não teria trocado por uma noite agradável em lençóis de seda.
Miguel murmurou no ouvido de Nero. —Eu nem sei como cheguei a esse
ponto. Com você.
Sua voz era rica e quente como chocolate quente temperado com um pouco
de pimenta, e Nero esfregou a bochecha contra a clavícula exposta de Miguel,
saboreando o cheiro almiscarado de seu suor. —Nem eu. Nunca fui... muito
constante antes.
Miguel bufou. —Afinal, o que isso quer dizer?
Nero se afastou. —Que eu sou uma vagabunda que não se importa com
ninguém.
Miguel parou, e seus olhos escuros desnudaram a pele de Nero, virando-o
do avesso. —Não mais.
E lá estava. Aquela simples palavra de quatro letras crescendo dentro de
Nero e bloqueando sua garganta.
Ele assentiu, olhando para a janela gradeada, porque encontrar o olhar de
Miguel de repente parecia opressor.
—Vamos, preciso escovar os dentes para que você me prove, não rum e
frango—, disse Miguel, guiando-o até o pequeno banheiro.
Nero riu, um pouco mais à vontade. O frango devia ter sido curado com
açúcar, ou algo assim, porque seus dentes limados estavam um pouco doloridos
desde a refeição. Talvez se houvesse sal em algum lugar, ele pudesse dissolvê-lo
na água e aliviar a sensação desagradável com a mistura?
—Você e eu. E mal posso esperar para juntar as camas.
O brilho amarelo da lâmpada do banheiro afundou nas rugas rasas da pele
de Miguel e deixou sua sombra pálida, mas de alguma forma não tirou o quão
bonito ele era para Nero, que ansiava por lamber cada centímetro de seu corpo.
Miguel vasculhou sua bolsa. —Estou ansioso para acordar com você em
meus braços.
Um romântico foda. Ridículo, doce homem.
Nero juntou-se a ele no espaço estreito que não foi projetado para o uso
simultâneo de dois homens adultos, mas quando pegou a escova de dentes que
havia deixado na pequena prateleira acima da pia, seus olhos pousaram no
pequeno tubo que estava dolorosamente familiar.
—V-você conseguiu para mim?— ele pronunciou, pegando o creme para
sensibilidade nos dentes e olhando para Miguel.
Miguel não olhava para ele enquanto enfiava a cabeça da escova de dentes
na boca. —Hum, sim, eu vi na farmácia e pensei em você.
O coração de Nero batia mais rápido e ele pressionou delicadamente os
dedos de Miguel com o pé enquanto abria o tubo novo para esguichar um pouco.
—Uau. Isso é... incrível. Obrigado.
Se Miguel pretendia morrer esta noite, deve ter deixado para Nero
descobrir por conta própria, em uma tentativa de cuidar dele mesmo depois da
morte.
Miguel deu de ombros, mas deu a Nero um sorriso tímido e espumoso,
como se ele não tivesse acabado de intimidá-lo como um demônio.
E embora ele precisasse de prática para entender melhor as necessidades de
Nero, ele já era um ótimo parceiro. O entusiasmo cru queimando dentro dele não
era algo que um homem pudesse aprender.
Nero piscou para ele e segurou a escova de dentes na boca para tirar a
camiseta suja, que a essa altura estava grudada nas crostas recém-formadas em
suas costas.
Ele só esperava que a extravagância missionária no cemitério não
estragasse suas tatuagens.
Miguel enxaguou a boca, mas parou quando pegou a toalha pendurada
atrás de Nero. —Porra! Não. Oh, foda-se. Por que você não disse que eu estava te
machucando? Jesus Cristo.— Ele molhou a toalha e a esfregou na carne dolorida
de Nero.
—Não é grande coisa. Apenas alguns arranhões.
Miguel balançou a cabeça com a testa franzida, abrindo caminho pelas
costas de Nero com a toalha. —Espero que meu pau tenha valido a pena,— ele
resmungou.
Nero sorriu e franziu as sobrancelhas para ele no espelho. —Vamos lá, eu
estava tão envolvido que não percebi que estava sendo arranhado. Não seja tão
sério,— ele disse e se virou para beijar Miguel com seus lábios igualmente
mentolados. Ele então colocou a escova de dentes de volta para distribuir a pasta
sobre os dentes pontiagudos.
Miguel suspirou, passando a mão no quadril de Nero. —Eu só... eu quero
que você esteja seguro e feliz. Seus dentes doem muito?
Nero cantarolava, roçando suas bordas sensíveis, mas eventualmente
assentiu, porque muitas vezes eram sensíveis a ponto de distraí-lo quando era
inapropriado.
—Sinto muito,— Miguel disse e beijou sua nuca. —Eles nos salvaram de
um serial killer Caiman.
A ternura fez os pelos dos braços de Nero se arrepiarem.
Nero cuspiu a espuma e lavou o rosto, afundando-se em pensamentos
sombrios envolvendo uma realidade onde chegara tarde demais e encontrara o
corpo de Miguel esfriando em cima daquele túmulo vazio. Ele precisava ter
certeza de que isso nunca aconteceria. Miguel dizia que não sabia viver, mas
Nero o ensinaria.
Cada um deles tomou um breve banho na pequena cabine na parte de trás
do banheiro, mas uma vez que Nero estava seco, tudo o que ele queria era rolar
para as camas que Miguel havia juntado nesse meio tempo. —Eu estava
pensando...
—Sim?— Miguel perguntou, tão bonito em sua nudez Nero ansiosamente
sentou em seu colo. A pressão da carne quente contra seu buraco o fazia parecer
macio, mas ele saboreava a sensação toda vez que se lembrava da tempestade de
emoções passando por ele enquanto eles fodiam.
—Sua mãe. Você ainda não entrou em contato com ela.
—Oh.— Os ombros de Miguel caíram e ele abraçou Nero, colocando sua
bochecha contra o peitoral de Nero. —Tenho pensado sobre isso, mas
simplesmente não sei como abordá-lo. Eu não tinha certeza do que aconteceria
quando chegássemos a Lima, então continuei adiando.
Nero pegou um marcador preto do criado-mudo e o abriu, procurando um
pouco de espaço vazio entre as tatuagens nos ombros de Miguel. —E agora?
Miguel não questionou Nero deslizando a ponta de feltro do marcador
sobre sua pele e até moveu a cabeça para o lado para dar mais espaço à mão de
Nero. —Agora eu tenho você, e você realmente não pretende começar a foder
com os locais, então... eu não sei ainda como introduzir o assunto sobre você.
Digamos apenas que não fui muito gentil quando contei a ela sobre você antes.
Nero parou, afastando o marcador da pele para evitar que fizesse um ponto
muito grande. —Você contou a sua mãe sobre mim? Uau.
Miguel deslizou as mãos pelas nádegas de Nero, massageando-as
suavemente. —Meu contato com ela era esporádico, mas eu compartilhava muito
pouco, ela já odiava os Caimans, e você os tem gravados na pele. Se algum dia
voltarmos para minha cidade natal, ela saberá quem você é.
—Oh? E onde fica o lar? —Nero perguntou, voltando ao pequeno pára-
quedas que surgia em golpes confiantes do marcador.
—Giro. Não muito longe da fronteira dos EUA. Não é exatamente um
paraíso para homens gays.
O nome tocou um sino, mas não teria sido a primeira vez que uma cidade
compartilhou seu apelido com muitos outros. —O que vai ser pior? A coisa gay
ou a coisa Caiman?— Nero perguntou, tentando esconder uma crescente
sensação de mal-estar. Talvez ele não devesse ter lembrado Miguel sobre sua
mãe? Porque se eles se mudassem para lá, o que seria de sua vida em um lugar
que odiava sua espécie e onde ele não poderia se misturar à multidão? Será que
Miguel se assumiria para a mãe, ou manteria Nero como amigo, permitindo-se
apenas gestos de ternura a portas fechadas?
—Eu sei—, disse Miguel, apesar de Nero não pronunciar uma palavra. —A
situação está longe de ser perfeita, mas perdi tantos familiares que não quero
descartar o único parente vivo que tenho.
—Talvez pudéssemos... morar em outro lugar e apenas visitá-la de vez em
quando?— Nero perguntou.
Quando Miguel olhou para ele, seus olhos brilharam com vulnerabilidade.
—Ainda não consigo entender que há um futuro para mim agora. Em algum
momento, parei de pensar em qualquer coisa além da morte de Raul Moreno e
agora, acho que estou… um pouco perdido.
A emoção apertou o peito de Nero, e ele puxou a cabeça de Miguel para
perto. —Tudo bem. Você passou por muita coisa. E eu... eu não deveria ter te
pressionado antes. De agora em diante, faremos as coisas no seu ritmo, ok?— ele
perguntou enquanto as memórias terríveis que Miguel lhe contara perfuravam
seu abdômen como agulhas envenenadas.
Miguel o agarrou com mais força e esfregou sua bochecha arranhada
contra a pele de Nero. —Não, eu deveria... eu deveria ter superado isso. Você não
é como aqueles bastardos. Quero você.
O coração de Nero doía, como se estivesse sendo esmagado. Ele segurou o
rosto de Miguel e o forçou a olhar para cima até que seu olhar escuro encontrasse
o de Nero novamente. —Não. Não diga isso. Você era uma criança. Você os viu
machucar suas irmãs e matar todo mundo, e ainda por cima eles agrediram você
e quase mataram você também - isso é incrivelmente pesado.
—A vida nunca mais foi a mesma depois.— Miguel acariciou as costas de
Nero, fazendo-o perceber o quão diferente isso era de qualquer proximidade que
ele já havia experimentado. Mesmo as melhores interações com os homens
sempre foram sobre diversão e foda, nunca nada além disso. Quando um cara
parava de ser uma alegria constante, Nero o expulsava de sua vida. Mas, de agora
em diante, ele queria estar ao lado de Miguel, assumir um pouco de seu fardo e
talvez até permitir que Miguel carregasse um pouco do seu.
—Você quer falar sobre isso?
—Não há muito o que dizer. Tenho vergonha de ter me quebrado.— A
rouquidão na voz de Miguel partiu o coração de Nero.
Ele era o tipo de pessoa que acreditava em seguir em frente,
independentemente do que acontecesse, mas se viu incapaz de aconselhar Miguel
a fazer o mesmo. Ele queria embalá-lo e certificar-se de que nunca mais teria que
pensar no dia que mudou a trajetória de sua vida.
—Você não está quebrado. Você está aqui comigo. Você finalmente está
fazendo algo de que precisa — Em vez da ordem de sua mãe psicopata, pensou
Nero, mas isso era conversa para outra hora.
—Eu só... gostaria de poder te dar tudo.
Nero o silenciou e se inclinou para um daqueles beijos suaves, que ainda
faziam seus dedos se curvarem de prazer. —Você está me dando tudo que eu
preciso, ok? Você não precisa fazer isso para me manter satisfeito.
Miguel exalou e abriu a boca para mais. Sua língua deslizou para o palato
de Nero, fazendo-o derreter, e enquanto Miguel não disse nada, parecia que a
mensagem de Nero havia sido absorvida. Ele só podia esperar que tirasse um
pouco do peso dos ombros de Miguel.
Suspirando, ele colocou um braço no ombro forte e entrelaçou a outra mão
com a de Miguel quando a pesada nuvem da memória do pai se recusou a se
levantar. —Sinto muito por ele ter feito isso com você. Mas pelo menos agora
estamos ambos livres dele.
—Deve ter sido difícil crescer perto dele.
—Eu também sou um canibal,— Nero deixou escapar, olhando além de
Miguel, para a imagem genérica de uma praia tropical pendurada acima das
camas.
—O que? Ele não te define—, Miguel disse baixinho, mas não entendeu que
Nero não se referia a ser filho de Raúl Moreno. O pai havia deixado uma cicatriz
inegável nele e, embora invisível, nunca iria embora. Assim como o de Miguel.
—Não, quero dizer literalmente. Ele, hum...— A comida que Nero havia
comido antes subiu em sua garganta, mas ele continuou falando. —O homem que
matei... meu primeiro. Papai me fez comê-lo.
As sobrancelhas de Miguel baixaram, mas ele nunca desviou o olhar. —
Jesus... Nero... sinto muito, isso é horrível.
O sangue de Nero continuou fervendo, não importa o quanto ele tentasse
afastar suas emoções. —Ele ficou em cima de mim e me mandou cortar o pau
dele. E então me fez preparar assim... baseado em algum tipo de receita. Estava em
uma panela. Porque, você sabe, eu claramente não conseguia o suficiente de pau.
Ele fez uma careta quando sua voz falhou. —Qualquer que seja. Não importa.
—Você não teve alternativa, não foi algo que você escolheu fazer.
Nada poderia ser mais reconfortante do que o toque de Miguel. Mesmo
quando ele acidentalmente moveu a palma da mão sobre os arranhões nas costas
de Nero, a sensação de picada que causou lembrou a Nero o quão real Miguel era,
quão tangível e aberto a ele.
Uma parte de Nero queria pegar tudo de volta. Correr e não ter que
enfrentar esse homem que sabia demais sobre ele. Mas em vez disso, ele se
inclinou para o toque e o abraçou. —Fui vegetariano por um tempo depois disso.
Até hoje não como carne de porco. O gosto é muito... parecido.
—Estou tão feliz que ele está morto. Quando o encontramos juntos e ele deu
um soco em você, eu estava prestes a abri-lo ali mesmo. Ele nunca vai te
machucar de novo.
Nero sorriu e beijou a testa de Miguel. —Você não esperou muito para
fazer o trabalho.
Seu segredo estava fora. E apesar de muitas vezes esconder até de si mesmo,
Nero ficou aliviado por Miguel saber o que ele era e não o rejeitar. Seus demônios
encontraram conforto um no outro.
—Sinto muito por não ter lhe dado uma pista naquela época, mas não podia
deixá-lo sobreviver.
Nero suspirou e encostou a testa na de Miguel, aproveitando o calor de seu
abraço. —Você não tinha nenhum bom motivo para confiar em mim na época.
Nós dois sabemos que sou um idiota.
Miguel sorriu. —Você é muito mais do que isso.
As entranhas de Nero ferviam e ele deu-lhe um beijo suave. —Então o que
você fará agora? Diga a sua mãe que o trabalho está feito?
—Acho que quero que ela saiba que sobrevivi. Você gostaria de ver uma
foto da minha família? De antes dos Caimans nos separarem?
Não deveria ter parecido um grande gesto da parte de Miguel, mas Nero se
viu sem palavras e acenou com a cabeça, oferecendo um sorriso. Miguel pegou o
telefone no criado-mudo e, depois de alguns cliques, tirou uma foto em que todos
estavam vestidos com suas melhores roupas, incluindo um menino - Miguel -
que usava um smoking minúsculo. Cinco meninas adolescentes usavam vestidos
coloridos com fileiras de babados, e seus pais estavam atrás de seus filhos com
sorrisos brilhantes brilhando com orgulho que logo seria arrancado de seus
rostos.
Miguel apontou para uma das meninas e sussurrou: —Essa é a Elisa, era a
quinceañera dela.
Nero estava pronto para chorar com Miguel, para se concentrar em sua
perda e oferecer apoio, mas uma vez que seu olhar parou no rosto estreito de
Elisa, o reconhecimento o apunhalou como uma adaga. Ele imaginou que estava
vendo coisas, e que a mulher que ele lembrava da infância devia ser alguém com
feições parecidas com as da irmã de Miguel, mas sua garganta se fechou quando
ele percebeu o formato do nariz dela, o tamanho dos olhos dela, o néon uma
mecha rosa no cabelo, mas acima de tudo - uma pequena marca de nascença no
alto da bochecha, que parecia ter recebido um beijo da própria Vênus.
Ele a conhecia.
—Ela lutou com unhas e dentes contra nossos pais para pintar o cabelo,
então combinava com o vestido.— Miguel deu uma risada triste. —Eles decidiram
permitir esse único fio. Meu pai fez. Lembro que ele era assim, um homem durão,
mas com uma queda por nós, crianças.
A mancha rosa sumiu logo depois que Raul Moreno trouxe Elisa para casa.
Nero ainda era um menino, mas ela não foi a primeira jovem que foi morar
com eles apenas para desaparecer logo depois. Alguns deles o pai se desfez
quando ficou entediado, outros deixaram a casa com os bebês para serem criados
em outro lugar. Papai não gostava de ser incomodado por gritos e choro,
especialmente quando o novo bebê era uma menina e não poderia ser útil para
ele no futuro.
Com uma pedra crescendo em sua garganta, Nero falou: —Ela está linda.
Vocês parecem tão felizes juntos.
Miguel lançou mais um olhar à família que já não existia e guardou o
telefone. —Eu entendo se você não quiser ir para o México comigo. As coisas
podem ficar feias.
Nero franziu a testa, pensando ainda no fato de que Elisa havia dado à luz
sua meia-irmã e provavelmente ainda vivia com ela em algum local discreto.
Preso e incapaz de entrar em contato com a família. —O que você está dizendo?
—Estou dizendo que poderíamos instalar você aqui em Lima, e eu poderia
me juntar à minha mãe para lidar com o que ela precisa fazer em casa. E quando
for seguro para você se juntar a mim, você o fará. —Miguel acariciou suas costas,
mas isso não aliviou a tensão nos músculos de Nero, porque ele só conseguia
pensar que Miguel pretendia deixá-lo para trás. Depois de tudo que eles
passaram.
—Não,— ele disse rispidamente e apertou o ombro de Miguel.
Miguel inclinou a cabeça. —Não? Você já sabe que minha mãe não é
inocente. Ela pode ser um perigo para você até que eu a acalme.
—Eu não vou apenas sentar aqui enquanto você prepara um ninho seguro
para mim,— Nero disse e agarrou a mão de Miguel. A verdade sobre Elisa soava
no fundo de sua cabeça como um sino irritante que tocava a nota certa para
torná-lo constantemente consciente disso, mas se ele contasse a verdade a Miguel
então...
Então Miguel o deixaria. Porque não havia como Elisa aceitar o filho de seu
sequestrador como parte da família.
Miguel suspirou. —Eu só queria dar a você a escolha, mas esperava que
você dissesse isso.— Ele puxou Nero para perto e, enquanto ambos estavam
limpos e nus, o cérebro de Nero pela primeira vez não disse 'vamos foder, eu
poderia ir de novo'. Ele estava feliz por estar apenas com Miguel.
— Você vai contar para sua mãe antes de irmos?
Miguel hesitou, mas depois esfregou o queixo de Nero com os dedos. —Sim,
mas vamos dar uma licença criativa e dizer que você me ajudou a planejar o
assassinato de Raul. Você quer alguns pontos de brownie com sua sogra, não é?
—Ele riu disso, mas borboletas quentes e doces ainda vibravam por todo o
estômago de Nero.
—Sim, é uma boa ideia. E... bem, vou usar mangas compridas para começar.
Talvez algumas das tatuagens possam ser cobertas também?— Nero perguntou
enquanto a esperança crescia em seu peito.
—Como o que está no meu ombro?— Miguel riu, arqueando o pescoço
para ver a arte que Nero havia criado na tela de sua pele com o marcador. —O
que é? Não consigo ver bem deste ângulo.
Nero riu e pegou seu telefone para tirar uma foto do pequeno paraquedista.
Mostrou-o a Miguel com um largo sorriso. —Momento mais feliz de nossas vidas.
Miguel balançou a cabeça. —Achei que ia morrer… mas pelo menos por
um minuto vivi o momento.
Nero sorriu. —Foi bom. Foi aí que realmente começamos, certo? Talvez eu
possa lhe dar este permanentemente?
Miguel assentiu e passou a mão pela data tatuada no pescoço, mas com a
outra já pegou o celular. —Você poderia cobrir este caso eu não seja mais um
homem morto andando.
O calor floresceu no peito de Nero, e ele abraçou Miguel, observando-o
escolher um número.
Tudo ficaria bem. De alguma forma.
Uma voz masculina atendeu a chamada. —Miguel?
Miguel franziu a testa. —Onde está minha mãe?
O homem suspirou tão profundamente que a linha estalou. —Sinto muito,
Miguel. Ela foi morta.
Capítulo 26
Miguel

—O QUÊ?— MIGUEL PROFERIU COM a mente mergulhada em um oceano


de alcatrão.
—Uma mensagem foi deixada por seu corpo,— Paz, a mão direita de
mamãe, continuou em um tom sombrio. —Ele dizia: ' Da próxima vez, verifique
se o homem que você está tentando matar está realmente morto - C. ' E um
número de telefone.— Paz recitou os dígitos, mas a mente de Miguel ainda
zumbia com a terrível notícia.
Cano. Porra Cano!
Seu coração torceu quando o ácido substituiu seu sangue.
—Ela sabia? O que eu fiz?— Miguel murmurou, esperando que pelo menos
ela morresse sabendo que o homem que arruinou sua vida havia sido sacrificado.
—Ela fez. Descobrimos um dia antes do ataque. Ela estava orgulhosa de
você.
Miguel teve que morder a bochecha porque seus olhos arderam e se
encheram de lágrimas, e ele já havia mostrado sua fraqueza para Nero muitas
vezes esta noite.
A má notícia transportou sua mente para Giro, mas quando dedos quentes
acariciaram seu ombro, ele estava de volta com Nero, cujo peso no colo de Miguel
parecia leve como uma pluma em comparação com o fardo que havia caído sobre
seus ombros.
Nero não falou, apenas esfregou as palmas das mãos em círculos suaves
onde quer que alcançasse.
Paz limpou a garganta. —Vou te mandar uma foto da mensagem. Mas
também tem... outra coisa perturbadora que acho que você deveria saber. Para
enterrar sua mãe, abrimos o túmulo da família e um dos rapazes empurrou sem
querer o caixão de Elisa. Estava tão claro que decidimos olhar, e estava vazio.
Nenhum corpo, apenas uma boneca vestida com um vestido rosa. Eu estive
investigando, mas até agora ninguém poderia me dizer nada.
Miguel franziu a testa, lutando contra seu instinto de recuar ao toque de
Nero. Ele não estava mais sozinho, mas velhos hábitos custam a morrer. —Isso
não faz sentido. Alguém a moveu? Paz... preciso ir, mas entrarei em contato.
—Não conseguimos entrar em contato com você, então... o funeral foi
ontem. Se quiser prestar suas homenagens e pensar no que fazer com seu legado,
prepararei tudo para sua chegada.
Miguel ficou muito engasgado para falar, então ele ficou sentado, abraçado
a Nero, sua alma desnudada.
Nero descansou a boca no topo da cabeça e deu-lhe um beijo, mas a
realidade era como um cobertor de espinhos que fazia doer cada respiração.
Paz ainda esperava do outro lado da linha, mas Miguel não teve coragem de
tomar decisões e, após uma breve despedida, desligou.
Nero suspirou. —Eu sinto muito.
Miguel puxou-o para perto, mordeu seu lábio inferior trêmulo e apertou o
abraço até seus músculos doerem.
—Cano…— ele murmurou depois de dolorosos segundos.
Nero deslizou para fora de seus braços e se ajoelhou para segurar seu rosto
em um gesto tão terno que Miguel teve que morder a carne de sua bochecha para
não chorar.
Os planos provisórios de mostrar a sua mãe quem ele realmente era e voltar
como um herói, arruinados antes que ele pudesse planejar seu retorno.
—Tem certeza?— Nero perguntou.
Miguel agarrou os lados de Nero enquanto pressionava seu rosto no ombro
de Nero. Não haveria tempo para lamentar enquanto Cano respirasse. —Sim. O
presunçoso filho da puta! Ele bateu a cabeça na batida do carro, estava coberto de
sangue, não se movia, não dava para ouvi-lo respirar. Eu tinha certeza de que ele
estava morto e estava tão preocupado que o Axe pudesse nos alcançar que não
verifiquei direito.
Os braços de Nero se fecharam ao redor de Miguel, segurando-o perto
enquanto ele tremia, dominado pela dor. Ele permaneceu em silêncio por muito
tempo, mas finalmente falou com uma voz suave. —Farei o que você achar certo.
—Ele precisa morrer. Ele precisa morrer por isso! Ela era a única família
que me restava,— Miguel acrescentou quando a tristeza veio até ele em ondas de
fúria e sede de sangue.
Nero ficou rígido nos braços de Miguel, mas continuou acariciando-o. —
Eu... eu tenho algo para te dizer.
Os olhos de Miguel se voltaram para ele. Ele não queria desconfiar de Nero,
não depois de tudo que eles passaram, mas o tom baixo em sua voz fez Miguel
ficar tenso de preocupação. —O que é?
Nero, o festeiro que não temia a morte e ligava para poucas coisas na vida,
estava tenso. Sua boca pressionou em uma linha pálida quando ele encontrou o
olhar de Miguel. —Você pode ter mais família sobrando.
—O que? O que você quer dizer?— ele perguntou, mas sua mente já estava
vagando para o caixão vazio de Elisa.
A pálpebra de Nero se contraiu. —Não tenho certeza, porque já faz anos,
mas acho que conheci sua irmã mais velha. Quando eu ainda era criança.
Miguel afastou Nero dele e levantou-se, desesperado por um cigarro. —
Você sabia sobre a minha irmã?— ele perguntou, tentando dar sentido a mil
pensamentos, que se contorciam e giravam mais rápido do que ele podia
entendê-los.
—O que você quer dizer com 'sabia'?— Nero perguntou, levantando-se.
Miguel o encarou assim que pegou o cigarro e o isqueiro. —Estou
perguntando se você sabia que minha irmã estava viva depois daquele
massacre?— Ele levantou a voz, lutando para manter a sanidade agora que estava
enfrentando o aparentemente impossível. Mas, novamente, ele também foi
declarado morto no papel e, desde então, viveu como sobrinho de sua mãe. Suas
memórias dos assassinatos eram uma bagunça traumatizante, então não era
impossível que ele não tivesse visto Elisa sendo levada. Ou que ela nunca se
juntou a ele naquele buraco no chão, para começar.
Nero fez uma careta e seu peito se encheu de ar, mas ele deve ter decidido
se acalmar e exalar em vez de explodir. —Não. Mas eu conheço a garota que
tinha a quinceañera na sua foto de família. Ela morou comigo por alguns meses,
há muito tempo.
Miguel encostou-se à porta e só conseguiu pensar depois de inalar a
primeira baforada de fumaça. Nero era mais novo que ele, então não teria nem
dez anos na época em que a família de Miguel foi massacrada. Além disso, ele não
sabia de onde Miguel era até mais cedo esta noite. As suspeitas que surgiram nele
ainda doíam, porém, exacerbadas pela notícia da morte de sua mãe.
—Seu pai a levou,— Miguel disse com dor piscando em seu peito. Não era
uma pergunta neste momento. Miguel não queria imaginar os horrores que ela
deve ter passado na casa do Canibal.
—Ela deve estar segura em algum lugar, porque... ela tinha minha meia-
irmã.
A fumaça do cigarro envenenou a garganta de Miguel e o deixou nauseado
à medida que a parede invisível entre ele e Nero crescia.
—Ele não a matou? Me diga mais.— Se Nero sabia disso, Cano também
poderia.
Nero balançou a cabeça e cruzou as mãos sobre a virilha, como se estivesse
envergonhado de sua nudez. —Não. Ela teve um bebê, e quando uma mulher dá à
luz uma menina, ele geralmente a despacha para algum lugar para que ela possa
criar a criança.
Miguel se afastou da porta e se aproximou. —Mas ele deixou sua mãe ir,
porque ela lhe deu um filho. Você sabe onde está a Elisa? Se ela nunca contatou
minha mãe, ela deve ser mantida em cativeiro de uma forma ou de outra.
Nero engoliu em seco, sua pele brilhando de suor enquanto ele curvava os
ombros. —Não sei. Mas tenho certeza de que poderíamos descobrir.
Miguel deu mais um passo em sua direção e agarrou sua mão. —
Precisamos encontrá-la antes que Cano o faça.
Os dedos de Nero apertaram os dele, e os olhos verdes brilharam para
Miguel, cheios de simpatia e remorso, embora não tivesse sido ele quem levou
Elisa embora. —OK. Sim claro.
—Eu odeio pensar que... ela ainda pode estar sofrendo, depois de todos esses
anos.— Miguel balançou a cabeça quando mais revelações apunhalaram seu
peito. —Minha mãe. Ela organizou os funerais e deve ter sido ela quem colocou a
boneca dentro do caixão. Ela me deixou acreditar que todas as minhas irmãs
estavam mortas para que eu não saísse à procura de Elisa. Ela desistiu dela.
—Mas nós não vamos,— Nero disse, puxando Miguel para mais perto, seus
olhos escaneando seu rosto em busca de... algo.
—Não vamos.— Miguel assentiu e exalou um pouco de fumaça pelo nariz,
deixando os dois se afogarem na fumaça. Sua mãe sempre foi uma mulher dura,
mais do que capaz de fazer escolhas difíceis para o bem maior, mesmo que essas
escolhas envolvessem esquecer que sua filha mais velha ainda vivia. Doía pensar
na decepção dela, mas Miguel sempre manteve os dois pés firmes no chão e não
fugiria da verdade, por mais desconfortável que a achasse.
Nero exalou e puxou-o para dentro, trazendo seus corpos quentes juntos,
apesar da nuvem escura pairando sobre eles. —Está tarde. Podemos pensar em
nosso próximo passo pela manhã.
Miguel beijou a lateral da cabeça de Nero e fechou os olhos, subitamente
temeroso. Até agora, seu amante havia sobrevivido à sua bravata, mas e se ele
morresse depois que Miguel o arrastasse para outro caminho de guerra? Esta não
era a luta de Nero, mas ele não iria discutir sobre isso quando ambos estavam tão
cansados.
Ele apagou o cigarro e eles se deitaram nus na cama, para ficarem o mais
próximos que a pele permitisse.
A cabeça de Miguel estava tomada por uma confusão de pensamentos, mas
enquanto a respiração de Nero desacelerava para um ritmo que tornava óbvio
que ele havia adormecido, o caos na cabeça de Miguel formou um plano.
Nero não gostaria, mas Miguel não via outro caminho.
Cano precisava morrer pelo que havia feito e, se sabia o paradeiro da irmã
de Miguel, não havia tempo a perder. Uma vez eliminado, de preferência
dilacerado por uma metralhadora, Miguel voltaria a unir forças com Nero, e
encontraria Elisa.
Nero teria ido com ele em um piscar de olhos, mas se os Caimans quisessem
acessar as informações que ele carregava em sua própria cabeça, levá-lo para um
trabalho tão perigoso seria um risco muito grande. Eles poderiam discutir sobre
isso quando Miguel voltasse. Melhor pedir perdão do que permissão.
Com o coração pesado, Miguel entrou no banheiro e abriu a torneira para
abafar o som, só por precaução.
O toque parecia um desfibrilador em seu ouvido, mas o coração de Miguel
parou quando Cano atendeu.
—Tenho algo que você quer—, disse Miguel, embora o que ele quis dizer
fosse ' Da próxima vez, vou verificar se você está morto '.
Capítulo 27
Nero

NO FINAL DA NOITE, O sangue de Nero era fúria líquida. No entanto, ele


ficou parado, como um urso prestes a acordar com sede de sangue após meses de
hibernação. Ele esperou pelo toque de pés traiçoeiros. Por uma lâmina fria contra
sua garganta. Pelas mãos que o seguraram com tanta firmeza poucas horas antes
de apertar seu pescoço.
Mas Miguel continuou no escuro, descansando ao lado de Nero como se
não o tivesse oferecido a Cano, tudo por causa de uma irmã que não via há quase
vinte anos. Se era uma escolha feita por afeto, culpa ou um senso de honra
equivocado, não importava, porque não havia honra em entregar o homem que
dizia amar, sob quaisquer circunstâncias.
Nero ouviu cada palavra que Miguel pronunciou por trás da porta frágil,
mas desde que confrontá-lo sobre isso daria ao traidor a chance de vomitar mais
mentiras, Nero esperou.
Quando a cobra deixou a cama novamente, Nero se preparou para uma
luta, mas uma lâmina nunca chegou perto de sua garganta. Não havia algemas,
nem mordaça. Ele não estava sendo levado. Miguel provavelmente queria ter
certeza de que Cano estava com sua irmã antes de fazer a troca. Nero ouviu o
mais leve rabisco de caneta contra papel, depois o farfalhar de roupas e,
finalmente... o clique mais suave da fechadura do quarto.
Traidor. Desgraçado. Réptil de sangue frio de um homem.
Ontem à noite, Miguel quase tirou a própria vida, e foi Nero quem esteve ao
seu lado. Não a irmã. Ninguém mais.
Ele queria arrancar aqueles olhos negros, que Nero agora lembrava como
gelados, como dois seixos pescados no oceano. Ele se sentou e pegou as roupas
preparadas para a manhã enquanto se certificava de que Miguel havia pegado
seu telefone. Ele estava pronto para seguir o ponto azul no aplicativo quando seu
olhar parou na forma pálida descansando na mesa de cabeceira de Nero.
Uma parte dele queria ignorá-lo, já que tudo o que continha eram
mentiras, mas o moedor de carne mastigando suas entranhas o fez acender a luz e
pegar o pedaço de papel enquanto o calor subia por seu rosto.
Desculpe. Eu não posso deixá-lo ir. Se eu não voltar à noite, encontre minha
irmã.
Miguel.
Ele nunca foi um homem de muitas palavras, mas essa mensagem vaga e
encharcada de besteira levou o bolo. Esta era uma nota destinada a mantê-lo na
sala para que ele pudesse ser levado à vontade de Cano? E qual foi o pedido de
desculpas, a mensagem foi honesta? Para sair? Por sacrificá-lo por um parente de
sangue?
Quando Nero ouviu a conversa secreta de Miguel, ele se convenceu de que
era uma tentativa de manipular Cano e esperava ser acordado no momento em
que terminasse. Mas isso nunca aconteceu e, em vez de falar com ele sobre
qualquer ideia maluca que ele teve, Miguel voltou para a cama em silêncio.
E isso só podia significar uma coisa: a oferta que fizera a Cano era honesta,
e Miguel pretendia sacrificar Nero, pouco depois de confessar seus sentimentos.
Isso também era mentira?
Ele jogou o pedaço de papel no chão com um silvo baixo. —Uma
emboscada. Seu filho da puta…— O fato de ele ter deixado este bilhete para Nero
ler e agonizar por horas antes da inevitável captura e tortura, foi a cereja no topo
deste bolo de merda.
Nero tinha razão em se proteger espionando Miguel e dormindo com um
olho aberto, pois como a vida lhe ensinara, não podia confiar em ninguém.
Sempre foi assim e, independentemente das esperanças que ele se permitia
alimentar, sempre seria assim. Ele simplesmente afundaria nas profundezas de
Lima, ou encontraria trabalho em um cargueiro para viajar discretamente para
um continente diferente, desaparecendo sem deixar vestígios.
Mas primeiro, ele lidaria com o filho da puta que havia arrancado a
esperança dele logo após oferecê-la.
Miguel havia deixado as chaves do carro, então Nero as pegou da mesa e
saiu para a manhã fria. O céu ainda estava escuro, mas uma sombra pálida e
rosada já havia aparecido no horizonte. As poucas horas desde a ligação de
Miguel teriam bastado para um avião particular levar Cano a Lima. Se o seu
doberman miniatura, Ramiro, também veio, era uma questão que Nero não queria
focar agora, mas se ele tivesse a chance, ele mataria todos eles. No final desta
história, ninguém, nem mesmo ele, estaria dirigindo para o pôr do sol.
Miguel deve ter pegado um táxi, ou roubado um veículo, porque o ponto no
mapa acelerou, levando Nero a não perder tempo.
Era muito cedo para o congestionamento da hora do rush matinal. Ele
dirigiu para a rodovia com o celular pressionado contra o volante para poder ver
os movimentos do traidor. A princípio, parecia que iriam se aprofundar em Lima,
mas então o ponto mudou de direção e se moveu em direção às montanhas a leste,
deixando a cidade para trás a tempo do nascer do sol.
O estômago de Nero apertou de preocupação, mas ele decidiu desligar o
cérebro e se concentrar na música enquanto seguia Miguel por uma paisagem
seca repleta de pequenas cidades escondidas entre colinas beges. As árvores e
arbustos verdes que cresciam ao redor das casas das pessoas pareciam
exuberantes em comparação com a paisagem natural além, mas sua sombra não
conseguia acalmar o coração de Nero, que agora parecia tão sem vida e sombrio
quanto as encostas rochosas à vista.
Ele realmente havia cedido a Miguel ontem à noite. Eles não tinham apenas
trepado. Eles tinham feito amor da única maneira que sabiam - intensamente,
com um lado da violência. Tudo sobre Miguel parecia tão honesto que Nero não
teria acreditado que ele fosse capaz de trair se mais alguém estivesse na linha.
Mas Miguel vivia por um código de honra fodido e não abandonaria sua irmã há
muito perdida. Ele a perseguiria até que a encontrasse ou morresse. Uma parte de
Nero se arrependeu de ter contado a Miguel sobre sua existência, mas não havia
como voltar atrás, e ele não poderia ter vivido ao lado de Miguel com uma
mentira tão monumental.
Agora ele não tinha nada.
Então, pelo menos ele logo teria sangue em suas mãos.
Nero estava acelerando para alcançar Miguel, até que o ponto estava cerca
de um quilômetro à frente dele. Quando fez uma curva, saindo da estrada
principal, Nero sabia que estava se aproximando do destino final. Uma vasta
extensão de planície com alguns telhados espreitando entre as árvores se estendia
até as montanhas rochosas, e era exatamente para onde Miguel estava indo.
Molhando os lábios, Nero diminuiu a velocidade e entrou em uma estreita
estrada de asfalto salpicada de areia clara, depois entrou em um vilarejo.
Pequenas casas estavam todas escondidas atrás de paredes de tijolos - algumas
deixadas nuas, outras cobertas com pichações - criando um mundo de concreto
seco e poeira, que de alguma forma ainda brotava uma variedade de arbustos e
árvores verdes. Mas eventualmente a estrada pavimentada chegou ao fim,
substituída por uma estreita trilha de terra com galhos chegando a ela de ambos
os lados. A poeira ainda pairando no ar confirmou que Miguel deve ter passado
por lá não faz muito tempo, então Nero seguiu seu exemplo, lamentando o fato de
que seu veículo fazia muito barulho e precisaria ser deixado para trás mais cedo
ou mais tarde.
Uma velha placa de trânsito, quase completamente consumida por um
arbusto, indicava que havia algo médico à frente, mas embora a ferrugem tivesse
comido a maior parte das letras, a distância ainda era visível. Nero parou o carro
e disparou pelo caminho de terra. Sua garganta estava seca por causa das
partículas flutuando no ar, mas isso era preferível a ser descoberto.
A pista era irregular e pontilhada de pedras, mas dura o suficiente para
caminhar, então Nero acelerou, entrando no ritmo de sua corrida. Logo, a direção
da estrada mudou e, assim que ele seguiu sua curva, a silhueta de blocos de um
prédio de dois andares apareceu no final.
E então, ele ouviu vozes.
Com o ar empoeirado enchendo seus pulmões, Nero disparou entre as
árvores, que, felizmente, esconderam sua presença.
Vários carros estavam estacionados perto do que deve ter sido um centro
médico no passado. Nero avistou oito homens parados na frente dos veículos, mas
pode não ser todo o grupo de Cano. Se Nero tivesse apenas granadas, ele teria
jogado três delas nos Caimans assim que Miguel saiu do sedã desconhecido.
Todos eles iriam embora sem muito esforço da parte de Nero.
Sua mente sanguinária gostou da ideia, mas imaginar Miguel feito em
pedaços ainda doía tudo dentro dele, então talvez fosse seu coração o maior
traidor de todos. Não que isso importasse, porque ele não tinha granadas.
Assim que Miguel parou o carro a pouca distância do grupo de Caimans,
Cano endireitou-se e estufou o peito como um galo careca, enquanto Ramiro
recuou como se fosse a sombra do novo patrão. Mais três homens deixaram os
carros, e a tensão no ar fez cócegas no nariz de Nero como a terra havia feito.
Se Miguel trocasse Nero por sua irmã... ela estaria aqui? Talvez dentro do
prédio.
Feliz por seu cabelo não estar mais tão chamativo, Nero se agachou e foi se
aproximando, usando as mãos para facilitar o processo, até chegar à carcaça
enferrujada de um Toyota nos arredores do que antes era o estacionamento do
posto médico. Brincando com o pingente pendurado em seu pescoço, ele deixou a
segurança de seu esconderijo arborizado e se ajoelhou em uma das lajes de
concreto poroso que cobria cada espaço ao redor do prédio.
Agora que pacientes e médicos já se foram, grafites maciços na frente do
prédio transformaram as instalações em uma tela genérica para saudar a
superioridade deste ou daquele clube de futebol. Mas enquanto o sol da manhã
pintava tudo com um tom dourado brilhante, a atenção de Nero se concentrou
nas costas de Miguel e na curva de seu pescoço enquanto ele olhava lentamente
para fora do veículo vermelho que devia ter roubado.
Seus movimentos eram de cobra em sua fluidez, perfeitamente condizente
com um mentiroso.
—Onde ele está?— Cano perguntou, esticando seu corpo alto em uma
tentativa de intimidação, mas ele ficou onde estava.
—No porta-malas,— Miguel disse e abriu a porta do motorista.
O ar bombeado para fora de Nero como uma cascata de gelo por seu corpo,
porque isso era uma mentira. Obviamente.
Miguel estava jogando um jogo que só ele entendia, e Nero não tinha ideia
de qual era seu objetivo final.
Mas enquanto tentava lidar com aquela bola curva, Cano gesticulou para
um de seus homens, que se moveu para verificar o referido porta-malas enquanto
Miguel saía do carro.
Nero congelou no meio de uma inspiração quando Miguel sacou uma arma
com a velocidade de um atirador de elite do Velho Oeste. O estrondo dos tiros
ricocheteou nas paredes do centro médico e Cano desmaiou ao tentar sacar sua
própria arma de fogo. Ele mal conseguira meio grito. Um de seus homens caiu
morto em seguida.
—Você não mata minha mãe e sai impune!— Miguel gritou, e a
compreensão passou pela mente de Nero como uma supernova. Mas se Miguel
nunca planejou entregar Nero por Elisa, por que não havia compartilhado seus
planos? Por que ele se aventurou em uma missão insana de vingança, na qual não
poderia sobreviver sozinho?
O chão sob Nero tremeu, mantendo-o imóvel enquanto observava os
Caimans se espalharem enquanto Miguel se agachava atrás de seu carro
emprestado e desaparecia de vista. A voz de Ramiro ergueu-se acima de todo o
barulho, parando a investida das balas como um muro de concreto entre os
Caimans e Miguel.
—Eu preciso dele vivo!
Nero não conseguia ver a situação muito bem, mas considerando que ele
não ouvia mais a voz de comando de Cano, era seguro presumir que o bastardo
estava morto. O machado era agora o homem no comando, e as imagens do que
Ramiro, cuja crueldade Nero havia testemunhado em primeira mão, poderia
pretender fazer com Miguel passaram pela mente de Nero como cores em um
caleidoscópio giratório que tinha sangue coagulado em vez de formas
geométricas. Ele não podia deixá-los levar esse idiota. Porque neste ponto, Miguel
era o idiota de Nero, e ele seria amaldiçoado se deixasse alguém mais tê-lo.
E o processo de pensamento que levou Miguel a esse terrível
empreendimento?
'Não posso puxar Nero para minha vingança', 'vou ter sucesso ou morrer,
mas não posso deixar isso passar', 'preciso fazer isso sozinho, para que ele não se
machuque'. Porque esse era exatamente o tipo de coisa que esse homem
irremediavelmente honrado faria ao levar em consideração aqueles que amava.
Maldito idiota.
Mas Nero poderia ficar furioso com ele assim que ambos saíssem daqui
vivos.
Ele recuou para as árvores e rastejou para trás dos arbustos, tentando
encontrar o caminho para dentro do prédio, para que pudesse lançar um ataque
surpresa para o qual os Caimans não estavam preparados, mas, impulsivo como
Miguel era, ele saiu de trás do veículo em vez de ficando em sua sombra
protetora, e atirou, fazendo alguém uivar.
Nero não se importava com o sangue de Caiman agora afundando no
concreto, mas enquanto observava Miguel tentando matar os homens que se
escondiam, proibidos de machucá-lo, percebeu que seu amante nunca havia sido
conhecido por tal imprudência. Agindo como estava, oferecia-se de bandeja ao
primeiro homem que perdesse a paciência com aquela troca desigual. Não valia
mais a pena proteger sua vida agora que a vingança havia sido cumprida e o pai
estava morto, como Miguel havia prometido à mãe?
Nero não valeu a pena ficar vivo? Ele não era alguém para quem voltar?
Miguel havia prometido a Nero nunca morrer, e a nota sugeria que Miguel
esperava voltar.
Se Nero acreditasse nele em vez de se apoiar na desconfiança habitual,
poderia facilmente ter detido Miguel no caminho, confrontado-o e posto fim a
esta loucura. Em vez disso, ele estava preso observando Miguel se arriscar para
encontrar uma abertura em uma situação em que nenhuma poderia aparecer.
Nero prendeu a respiração quando Miguel levantou a arma no momento
em que uma silhueta familiar emergiu de trás de um veículo preto. Algo brilhante
voou da mão de Ramiro com a precisão de um ataque de cobra, e Miguel uivou
quando atingiu sua mão, derrubando sua arma.
A mão de Nero correu para sua própria pistola quando avistou um dos
Caimans usando a distração de Miguel para espreitá-lo por trás, mas se ele
atirasse, todos saberiam que Miguel tinha reforços, e o benefício da surpresa seria
perdido. Nero colocou a trava de segurança e estremeceu quando dois homens
desceram sobre Miguel, que se debatia como um peixe enorme jogado na praia.
Mas não adiantou, e logo acabou algemado aos pés de Ramiro.
—Você conseguiu realmente me irritar—, disse o Machado, elevando-se
sobre Miguel com uma expressão tensa enquanto… Ezra Correa de todas as
pessoas verificou o porta-malas de Miguel para encontrar garrafas plásticas
vazias e uma bomba de pneu.
—Nada!— Ezra gritou como se isso não fosse óbvio.
Miguel estava sendo segurado por um homem de cabelos grisalhos, mas
conseguiu torcer e chutar o pé de Cano, como se até agora sua única preocupação
fosse a morte do desgraçado. Quando ficou satisfeito de que seu inimigo pessoal
estava morto de verdade desta vez, seus olhos dispararam para Ramiro. — Agora
podemos negociar—, disse ele com os dentes cerrados.
O Caiman de cabelos grisalhos deu um soco no lado de sua cabeça, fazendo
a mão de Nero coçar com a necessidade de aço e pólvora, mas em vez de revelar
sua presença como um idiota impulsivo, ele usou sua distração e se moveu ao
longo do prédio, onde avistou uma janela mais equipado com vidro.
As pessoas muitas vezes o consideravam descuidado e quase suicida, mas os
ataques aparentemente aleatórios de violência eram frequentemente curados para
causar medo nas pessoas que Nero queria manter na linha. E se Ramiro
pretendesse questionar Miguel, haveria tempo suficiente para reduzir o número
de jacarés por metro quadrado e talvez até se livrar de todos sem que ele e Miguel
morressem.
Ainda assim, enquanto Miguel grunhia sob uma investida de chutes e socos
que Ramiro permitia que seus homens liberassem um pouco de energia, tudo
dentro de Nero o compelia a simplesmente correr para lá e transformá-los todos
em picadinho. Mas então Miguel poderia morrer. E Nero também. Agarrou-se
então à esperança de que Ramiro demorasse a extrair informação do seu novo
prisioneiro, e concentrou-se na janela. O espaço vazio esculpido na parede estava
cercado por um grafite feio que o 'artista' provavelmente pretendia ser Jabba the
Hutt de Guerra nas Estrelas, com a janela como sua boca escancarada.
—Você estará negociando com um alicate,— Ramiro gritou, enviando um
arrepio na espinha de Nero e amplificando o senso de urgência. —Leve-o para
dentro. Você, fique de guarda na porta para garantir. O caralho sabe onde
Moreno está.
O outro Correa, Carlos, saiu de trás do muro que até então o mantinha
escondido de Nero e varreu as árvores com o olhar, empunhando uma
metralhadora. — Você está dizendo que ele pode estar aqui agora?
Ezra bufou, balançando a cabeça enquanto esticava sua forma esguia. —Se
ele estivesse aqui, teria vindo para cima de nós como uma hiena raivosa no
momento em que o machado jogou aquela faca.
A vergonha caiu sobre os ombros de Nero, mas por baixo havia o orgulho
de ter conseguido controlar seus instintos. Ele tiraria Miguel dessa situação e
daria um soco nele por causa dessa decepção.
E então beije seus lábios sangrando.
Os Caimans arrastaram Miguel para dentro e Ramiro os seguiu, deixando
um homem na porta da frente. —Mantenha contato,— Ramiro ordenou ao
guarda.
Nero não hesitou mais e entrou pela boca de Jabba. Ele não poderia
começar sua matança com o único homem que esperava ser alcançado por
Ramiro, mas se ele estripasse esta hidra de várias cabeças por dentro, o cara na
porta não saberia.
Um pedaço de vidro que deve ter sobrevivido ao que quer que tenha
quebrado a janela cortou a carne de Nero quando ele se levantou, mas ele
manteve a boca fechada e só examinou a extensão dos danos quando escalou para
um espaço vazio com a tinta descascando das paredes e o teto, como se todas as
superfícies tivessem sido borrifadas com ácido.
O corte não foi tão ruim, apesar de sangrar quando Nero puxou o
fragmento transparente, então ele o limpou na parte de cima antes de sacar a
faca. Quando se tratava de matar, poderia não ser tão eficiente quanto uma arma,
mas usar uma lâmina manteria sua presença em segredo.
Ramiro deve ter se acomodado com Miguel apenas alguns quartos no
corredor, porque Nero podia ouvi-los vagamente enquanto o som ecoava nas
paredes vazias.
—Amarre-o aqui—, ordenou o Machado, o que significava que havia pelo
menos um homem com ele. —O resto de vocês, dê uma olhada, certifique-se de
que o prédio está seguro.
A risada zombeteira de Miguel foi interrompida por um baque, que levou
Nero a se mover.
Ele tinha homens para matar e um para salvar.
Concentrado em rolar os pés pelo chão para fazer o menor barulho
possível, prendeu a respiração e adentrou um corredor que lhe deu um momento
de vertigem. O teto estava se desintegrando. As paredes tinham rachaduras, mas o
pior de tudo era um enorme buraco no chão, que parecia o resultado de um
gigante agarrando o corredor e tentando torcê-lo em dois. Enquanto ele se
perguntava se deveria tentar atravessar a lacuna mantendo-se estritamente de
um lado ou voltar para a frente do prédio e encontrar um caminho diferente para
Miguel, a terra rangeu sob as botas de sola grossa. Ele correu de volta para a sala,
parado com as costas contra a parede.
—Eu realmente não acho que eles estavam fodendo. Miguel não é o tipo,
você sabe,— alguém disse em uma voz baixa e anasalada que Nero teve que
suportar por meses. Maldito Ezra Correa.
—Bichas não são todas como Nero, então eu tive minhas suspeitas depois
que eles... fugiram .— Carlos bufou e pelo jeito acendeu um cigarro.
Mas isso foi bom. Os dois palhaços estavam relaxados. Fácil de matar.
—Eles não o fizeram. Nero tem algo contra ele, ou prometeu a ele
montanhas de dinheiro,— Ezra continuou com sua teoria. —Ou eles mataram o
Canibal por algum acidente estranho e ficaram presos juntos.
O grito de Miguel rasgou o ar, enviando um choque de eletricidade no
cérebro de Nero.
—Não tenho nada a perder, filho da puta!— Miguel gritou ao longe.
—Ele não vai dizer isso quando o Machado começar a atacar suas bolas,—
Carlos disse sombriamente.
Uma víbora se contorceu no estômago de Nero, e ele engoliu em seco,
ouvindo os homens, que pararam atrás da parede, sem saber que estavam na
companhia de uma verdadeira fera furiosa. Os amuletos protetores que usavam
não os ajudariam diante da fúria de Nero.
—Isso o tornaria inútil para Nero,— Ezra riu.
Carlos soltou um grunhido de nojo. —Mas não eram como... aqueles
cantores de ópera que eram castrados muito populares entre as mulheres no
passado? Então eles devem ter conseguido levantá-lo.
—Desde quando você está interessado em saber quem consegue e quem
não consegue?
—Foi em um documentário sobre Veneza, ou algo assim!
Ezra rosnou, e então um cigarro caiu na sala, caindo perto do sapato de
Nero. —Você é um bicha amante da ópera agora?
Carlos deu um passo para trás para que Nero pudesse ver a parte de trás de
seu braço. —Não é gay assistir a documentários, seu idiota...
Um único golpe com a faca serrilhada de Nero transformou o pescoço de
Carlos em uma fonte de sangue. Choveu sobre Ezra, que cambaleou para trás com
os olhos fixos em Nero do rosto salpicado de vermelho. Sua garganta também se
abriu em um sorriso sangrento antes que ele pudesse fazer um som.
A realidade flutuou em torno de Nero em uma confusão nebulosa, mas
quando ele respirou o ar com cheiro de cobre e olhou para os dois corpos
trêmulos caídos a seus pés, sua vontade se solidificou e ele agarrou a
metralhadora de Carlos, pendurando-a na frente do peito. .
Talvez este tenha sido o dia em que o Caiman foi comido inteiro por um
predador que afundou nas profundezas do rio para nunca mais emergir.
—Espere um pouco mais,— Nero sussurrou baixinho quando Miguel soltou
um grito esfarrapado. Até a necessidade de socá-lo diminuiu diante de tanto
sofrimento.
—Isso pode continuar por muito tempo, Miguel,— Ramiro disse em algum
lugar mais distante enquanto Nero avançava, em busca de seu próximo alvo no
labirinto de quartos desolados. —Você teve sua vingança, e eu não me importo se
você viverá ou morrerá, desde que eu pegue Moreno. Isso não é pessoal. Mesmo
que a tortura sempre parecesse pessoal para a pessoa do lado errado da lâmina.
Nero exalou e disparou sobre o sumidouro para pousar com segurança do
outro lado. O sangue tinha gosto salgado em sua boca e grudava as roupas em seu
corpo, mas apesar da raiva zumbindo dentro de seu peito, ele não estaria
saboreando nada do que estava para acontecer. Precisava tirar Ramiro de cima de
Miguel, porque cada ruído, cada grunhido abafado ecoando nas paredes era
como uma agulha enfiada sob suas unhas.
Seu próximo alvo era mais fácil de lidar do que os Correa, porque ele estava
olhando pela janela, de costas para Nero e ignorando o perigo que vinha de
dentro. Para abafar qualquer som, Nero agarrou a boca do cara por trás, mas sua
faca manchada de sangue começou a funcionar uma fração de segundo depois,
abrindo a garganta do Caiman.
Ele deve ter se aproximado da câmara de tortura improvisada, o que foi
uma bênção, mas ter que ouvir o sofrimento de Miguel com mais detalhes
tornava quase impossível pensar direito.
—Sei que ainda há algo que te interessa,— Ramiro disse. Ele deve ter
parado o tormento, porque a respiração ofegante de Miguel ecoava em algum
lugar nas entranhas do prédio. —Eu poderia libertar sua irmã, deixá-la ir para
casa com você e nunca mais incomodar vocês dois. Você deve ter ouvido que
quando dou uma promessa, sempre a cumpro. Tudo o que quero em troca é
Moreno. Eu mesmo extrairei dele o que preciso.
Nero não parava de se mexer, mas estaria mentindo se afirmasse que não
prendeu a respiração esperando a resposta de Miguel. Embora fosse óbvio agora
que Miguel tinha vindo aqui para vingança pessoal, até mesmo as poucas
palavras que ele deixou para Nero mencionaram seu irmão perdido.
Nero ouviu com o coração na garganta, mas seus sentidos estavam em
alerta máximo e ele ainda avistou a ponta de um sapato espreitando por trás da
parede à frente. Seu próximo alvo.
—Você não está conseguindo ele. Por que eu me importaria com uma
garota da qual mal me lembro? —A voz de Miguel tremeu. Porra, só sabia o que
estava acontecendo naquela câmara de tortura.
—Tem certeza que? Você não quer levá-la para casa, para um lugar
seguro? Para alguém como Nero Moreno? Você não pode estar falando sério,—
Ramiro disse, levando Nero a se mover, apesar dele querer desesperadamente
saber cada nuance da resposta de Miguel. Ele se levantou, agarrou o próximo
homem e enfiou a faca em sua têmpora. Foi uma morte instantânea.
Pelas suas contas, ainda tinha dois para ir além de Ramiro, mas poderia ter
havido um homem dentro do prédio antes de eles chegarem, então ele não podia
ter certeza. Quando Nero ouviu Miguel em seguida, seus pés cresceram no chão
quando ele percebeu o quão perto ele estava. Desconfiado de fazer um som que
pudesse alertar Ramiro ou o outro Caiman, ele se moveu em direção às vozes.
—Estou falando sério, não estou desistindo dele, e você não precisa
entender isso. Ninguém precisa,— Miguel não poderia ter soado mais sólido.
Seguiu-se um prolongado silêncio, mas quando Ramiro voltou a falar, sua
voz era surda. Ele deve ter entendido que Miguel não cederia. —Como quiser.
Outra pessoa soltou um suspiro, mas quando Nero se esgueirou para um
corredor mais amplo e se deparou com uma grande porta no final, o grito de
Miguel rasgou o ar e rasgou sua carne. Ele podia ver movimentos instáveis e
trêmulos através do espaço entre as duas alas da entrada quando o grito se
transformou em um chiado alto e dolorido, apenas para parar completamente,
assim como o coração de Nero.
Seu sangue era gelo.
Capítulo 28
Nero

ELE NÃO DEVERIA TER ESPERADO. Ele deveria ter fodido a segurança e ido
direto para esta porra de quarto. O plano que ele considerava sólido falhou, e se
Miguel ainda estivesse respirando, Nero se certificaria de nunca jogar pelo seguro
novamente.
Deixando cair a faca manchada de sangue, Nero sacou sua arma, agarrou o
rifle de assalto enquanto ainda estava pendurado em seu corpo e invadiu uma
sala com paredes verdes e janelas altas. Sob uma enorme lâmpada que lembrava o
olho de uma mosca, Miguel estava amarrado a uma cadeira médica com sangue
manchando a frente de sua camiseta e gaze enchendo sua boca tanto que fios
vermelhos apareciam entre seus lábios.
A pele pálida de Miguel brilhava de suor, mas sua cabeça pendeu para o
lado enquanto o sangue escorria para o chão de seu braço mutilado, onde uma
longa tira de pele foi arrancada para revelar a carne por baixo.
Nero era tarde demais.
O choque deixou seus reflexos muito mais lentos enquanto ele observava a
cena encharcada de sangue à sua frente.
Uma figura familiar de fato branco e cabelo não muito mais escuro
levantou as mãos ao ver a espingarda nas mãos de Nero, mas Ramiro deu o passo
necessário para alcançar Miguel. Ele colocou uma grande faca em sua garganta,
levantando a cabeça no processo.
O cérebro de Nero falhou. Ramiro não teria feito isso com um cadáver, o
que significava que Miguel ainda respirava.
—Não dê mais nenhum passo,— Ramiro advertiu, pressionando a lâmina
no pescoço, que estava escorregadio com o sangue que escorria da boca de
Miguel.
O doutor Zapata, o homem que havia administrado um coquetel para
ressaca em Miguel e Nero no dia da morte de seu pai, escondeu-se atrás de seu
novo mestre, curvando-se para a frente para se tornar menor. Seus olhos
redondos estavam fixos no chão, e ele tremia tão violentamente que Nero
suspeitou que ele poderia estar prestes a mijar em suas calças impecavelmente
passadas.
O maldito traidor.
—Senhor. Moreno, eles só precisam de informações...
—Cale a boca,— Nero retrucou, respirando cada vez mais forte quando um
vapor picante encheu seus pulmões, como se ele estivesse prestes a se transformar
em um dragão e queimar qualquer bastardo que colocasse um dedo em Miguel.
Ele abriu a boca para falar quando a nuca formigou e seus ouvidos
captaram o menor ruído do outro lado da porta. Ele estava se virando quando a
madeira pesada atingiu seu lado, jogando-o no chão no momento em que um
Caiman irrompeu com uma arma na mão.
Nero puxou o gatilho do rifle de assalto, e o filho da puta desmoronou na
chuva de balas enviadas para ele de perto.
Ele girou de volta para Ramiro, só para ver o cano de uma pequena arma
olhando para ele.
Esguio e com feições suaves, Ramiro pode ter parecido modesto à primeira
vista, mas seus olhos – escuros e frios como os de Miguel costumavam ser –
traíam uma vontade sólida como rocha. —Parece que estamos parados, senhor
Moreno—, disse Ramiro, cada vez mais perto de Miguel. —Mas seu amigo não
tem tanto tempo. Você sabe o que eu quero.
O coração de Nero batia como um louco quando Miguel estremeceu,
fazendo o menor grunhido.
Ele realmente estava vivo!
Com uma vivaz agitação em suas veias, Nero ficou de joelhos com a
metralhadora em um aperto firme. —O que você está dizendo?
Ramiro pôs os dedos esguios no ombro de Miguel, e eles percorreram-no
como as patas de uma aranha gigante. —Estou dizendo que ele está sangrando e
precisa ser tratado em um hospital para sobreviver. Eu tinha preparado isso para
garantir, mas estamos aqui enquanto o tempo está passando. Só para esclarecer,
se eu morrer aqui hoje, a irmã dele também morrerá.
Miguel bufou pelo nariz e balançou a cabeça, embora mantivesse os olhos
fechados e parecesse apenas meio lúcido.
—Mig...— Nero parou de se aproximar e exalou em uma tentativa de
manter a calma. —Você quer os segredos, ou minha vida?— ele perguntou,
movendo o olhar para o rosto de Ramiro, apesar de querer focar em Miguel e
levá-lo a algum lugar onde pudesse receber os cuidados de que precisava.
Ramiro ficou parado, e nem o braço estendido da arma tremeu sob o peso
da pistola. —Eu quero esses números, Nero. Cano queria você morto. Mas eu não
sou ele. Estou disposto a negociar.
A garganta de Nero secou, e ele superou a necessidade insistente de se
esconder do ardor do olhar de Ramiro. —Bem. Se eu te der as senhas, você vai
deixar eu e Miguel em paz. E liberte a irmã dele.
Superficialmente, essas não eram exigências ridículas, mas sendo filho de
seu pai, Nero sempre teria algum tipo de reivindicação sobre a organização e
saberia segredos que nenhum chefe do cartel queria revelar, o que provavelmente
era o motivo pelo qual Cano queria que ele fosse embora. Ramiro realmente
ficaria bem em deixá-los ir?
—Você não quer ser um dos líderes?— Ramiro inclinou a cabeça, mas era
difícil se concentrar nele quando o sangue do braço de Miguel continuava
gotejando pinga pinga e espirrando nos azulejos sujos que cobriam o chão.
Os olhos escuros que haviam comido Nero na noite anterior finalmente se
abriram, mas faltava foco, e a tensão em suas feições distraiu Nero do homem
com quem ele deveria se preocupar. Ele só queria que isso acabasse.
—Não. Eu estou farto disso. Eu quero pegar Miguel e cavalgar em direção
ao pôr do sol para que possamos viver nossas vidas gays em paz. Esse é realmente
um conceito tão difícil de entender?— Nero disparou.
Ramiro apertou o ombro de Miguel. —É sim. Devo mesmo acreditar que
você não vai voltar para se vingar depois que seu namorado deixou claro que não
pode esquecer o passado? E você ainda está mirando em mim. Estamos todos no
gelo fino, mas se vocês dois podem deixar de lado um rancor, então eu também
posso. Todos nós podemos conseguir o que queremos.
O safado tinha motivos de sobra para se preocupar, porque não havia nada
que Nero desejasse mais do que encher a cabeça de balas.
A oferta era boa demais para ser real.
Mas Nero queria acreditar, porque se Ramiro os deixasse em paz e
cancelasse os ferozes cães Caiman, eles realmente teriam uma chance de
recomeçar. —Dê-me sua palavra e eu lhe darei a minha.
As feições de Miguel se contorceram em agonia e ele soltou um grunhido
ininteligível, olhando para Nero. Fodas-se sabia o que queria comunicar, mas
parecia tão desesperado para conectar que partiu o coração de Nero em dois. Essa
porra de mordaça tinha que ir.
Ramiro assentiu. —Eu te dou minha palavra. Se eu conseguir esses códigos,
você estará morto para mim. E assim que confirmar que funcionam, vou liberar a
irmã dele.
—Por 'morto para mim', você quer dizer que nós dois estaremos realmente
vivos, e você apenas agirá como se não estivéssemos mais?— Nero perguntou,
porque ele com certeza não estava caindo em alguma maldita armadilha de
palavras de Rumpelstiltskin.
Ramiro sorriu. Ele fodidamente sorriu enquanto Miguel sofria. Ele estava
tentando enganar Nero usando palavras vagas? —Sim. Contanto que você fique
fora do radar, você pode viver suas vidas em uma fazenda de alpaca à beira-mar,
pelo que me importa. Vou informar a todos que você está morto.
Foi uma oferta generosa, mas o dedo indicador de Nero se contraiu contra o
gatilho enquanto sua fúria queimava cada vez mais. O bastardo merecia sufocar
em seu próprio sangue pelo que tinha feito a Miguel. Eles não conseguiram
encontrar a irmã de Miguel sozinhos? Ele tinha certeza de que Ramiro estava
blefando sobre o risco para a vida dela, mas, novamente, talvez fosse Nero quem
estava se enganando pensando que poderia ter tudo?
Miguel fez um lento aceno com a cabeça, implorando sem palavras para
que ele aceitasse o acordo, mas Nero se recusou a ceder à pressão tão facilmente.
—Quero discutir isso com ele. Tire a mordaça — exigiu, fixando o olhar primeiro
em Ramiro, depois no doutor Zapata, que supôs seria mais dócil. Mas o velho
bastardo não se mexeu um centímetro, como se a pergunta tivesse congelado suas
juntas.
—Eu gaguejei?— Nero perguntou, levantando a voz.
Em vez de fazer o que foi dito para selar o acordo, Ramiro deu um passo
atrás das costas da cadeira médica, como se precisasse usar Miguel como escudo
humano.
—Isso… não será possível. E preciso lembrá-lo de que, se atirar em mim,
não vou apenas estripá-lo. Também estará matando a sua irmã,— Ramiro disse
em um sussurro agudo que ecoou pelas paredes nuas.
—Senhor. M-Moreno, só fiz o que me mandaram. No mínimo,
supervisionei o procedimento para garantir que ele não morresse—, disse o
doutor Zapata, erguendo as palmas das mãos. Seu rosto estava quase tão pálido
quanto o terno que vestia.
O calor atingiu a cabeça de Nero enquanto ele tentava entender do que se
tratava, mas quando seu olhar mais uma vez se desviou para a grande mancha de
sangue bem na frente do top de Miguel, sua mente gritou que poderia não ser o
resultado de uma surra, e que a gaze não era apenas uma mordaça. Sem fôlego,
avistou um pedaço de carne caído no chão, perto do sapato de Ramiro.
Um pedaço de língua.
Sua visão nublada pela fumaça, e ele avançou, guiado pela necessidade de
enfiar as unhas nos olhos de Ramiro.
—Seu filho da puta!
Ramiro deve ter percebido que Nero estava prestes a perder, porque
pressionou o cano de sua arma na cabeça de Miguel. —Você pode atirar em mim,
mas eu vou puxar o gatilho.
Miguel soltou um pequeno gemido, deixando Nero culpado por se
concentrar em sua raiva quando seu homem estava com dor e sangrando naquela
mordaça. Miguel estava tão fodidamente pálido que parecia uma daquelas
horríveis representações medievais de Cristo na cruz.
Nero rugiu. —Porra!
—Senhor. Moreno...— Zapata tentou, e Nero mal se conteve para não atirar
nele, porque isso poderia ter provocado Ramiro.
—Cale a boca, sua boceta inútil!
Dividido entre esquartejar Ramiro e querer largar tudo para levar Miguel
para fora daqui, estava preso em um estado de raiva impotente, apesar da
metralhadora em suas mãos.
Ramiro pigarreou. —Já que você quis consultá-lo... Aceita o trato, Miguel?
Miguel estremeceu, mas levantou a cabeça e encontrou os olhos de Nero,
assentindo.
Com os dentes afundando na carne delicada de sua bochecha interior, Nero
manteve-se imóvel, concentrando-se na tensão em seus músculos, em vez do fogo
que tentavam conter, porque uma vez solto, consumiria tudo em seu caminho.
Até o homem que Nero procurou proteger.
—Bem. Você vai conseguir o que precisa, mas se ele não sobreviver a isso,
vou te encontrar e substituir seus olhos por suas próprias bolas.
Ramiro assentiu, mas não vacilou ante a ameaça. —Ele é aguardado no
hospital mais próximo. Você pode pegar qualquer carro estacionado do lado de
fora.
Nero olhou para Zapata. —Se este acordo for apenas entre você e nós dois,
e a testemunha?
Ramiro levantou o braço para o lado e atirou. A bala atravessou o lado da
cabeça de Zapata, deixando-o com uma expressão atordoada ao cair no chão
manchado de sangue.
—Que testemunhas?— Ramiro disse com um sorriso que Nero coçava para
arrancar com seus dentes afiados. E ele teria se não estivesse algemado com as
correntes invisíveis de seu acordo.
Ele havia dado sua palavra, e enquanto seu coração não encontraria paz
antes que a cabeça do bastardo fosse esmagada sob seu pé, os olhos de Miguel
imploravam para que ele desistisse da vingança.
Nero teve que obedecer.
—OK. Então, o que eu deveria fazer? Escrever um e-mail com as senhas?
—Estou saindo primeiro. Você pode pegar o telefone de Cano no bolso
quando sair, e eu ligo para você assim que ele for tratado. O número da senha é
4556. Quando eu confirmar que os códigos funcionam, você pegará a irmã dele e
informarei a todos que você está morto. Ramiro recuou e se afastou de Miguel.
Colocou a arma no coldre e arregaçou a manga antes de fazer um pequeno corte
no braço, sob toda uma escada de cicatrizes com a mesma faca que havia usado
para talhar a carne de Miguel. —Essa é a minha promessa.
Nero esperava sentir a tensão dentro dele diminuir ao ver o gesto, mas a
parte primitiva dele ainda queria arrancar as entranhas de Ramiro pelo que ele
tinha feito. Então ele assentiu e deixou cair o rifle no chão. —Bem. Vá.
Quando Nero finalmente se aproximou de Miguel, Ramiro escapuliu como
uma barata e Nero deu um certo prazer ao ouvir a velocidade com que ele corria
pelo corredor. Mas não havia tempo para se entregar ao prazer de ser temido
quando Miguel ainda estava amarrado e sangrando.
Nero parou, por um momento com medo de que tocar em qualquer parte
dele pudesse causar danos, mas no final desafivelou as correias que prendiam seu
homem no lugar e enfiou a mão em uma bolsa aberta cheia de suprimentos
médicos, que Zapata costumava levar consigo em todos os lugares quando ele
ainda respirava.
—Você tem que explicar porra alguma,— ele rosnou, focando na aba de
pele separada da carne de Miguel. Mesmo embrulhar isso para a viagem ao
hospital doeria, mas não havia como evitar.
Miguel gemeu e, embora não pudesse se desculpar, inclinou-se para a
frente e esfregou a testa no ombro de Nero como um gato amoroso.
—Se você acha que vou esquecer como você me abandonou, estou lhe
dizendo agora, isso não vai acontecer—, disse Nero, baixando a voz quando sua
garganta começou a fechar. Miguel havia sido chutado repetidamente, além de
todos os ferimentos graves, e ver os cortes, o sangue e os hematomas deixou Nero
cada vez mais frenético, não importa o quanto ele tentasse se concentrar em
cobrir o grande ferimento. Ele só podia esperar que todo o dano fosse externo,
porque se Miguel não sobrevivesse a isso, Nero iria caçar Ramiro até os confins da
terra.
Nero ajudou Miguel a sair da velha cadeira no momento em que o curativo
em seu braço foi colocado. Por mais que ele quisesse repreendê-lo, sacudi-lo,
esbofeteá-lo pelas mentiras, tudo isso teria que esperar até que houvesse um
ponto saudável em seu corpo para socar.
Miguel segurou-o com um braço enquanto o outro pendia inutilmente ao
seu lado, mas ele ainda se inclinou novamente e encostou o nariz na têmpora de
Nero.
Foi um gesto tão doce, que Nero não teve tempo de reconhecer, mas quando
ele arrastou Miguel para fora da sala, sobre o corpo carregado de balas do último
Caiman de pé e pelo corredor, uma emoção desconhecida agarrou seu corpo.
peito e fez cada músculo dentro dele endurecer. O fogo que ardia pelo sangue de
Ramiro momentos antes havia sido sufocado pelo alcatrão preto e espesso que se
instalou na garganta de Nero e fez seus olhos arderem com uma sensação
desconhecida.
—Ele merecia morrer—, disse com uma voz tão baixa que Miguel talvez
nem ouvisse.
Tudo o que conseguiu foi um grunhido de confirmação quando saíram do
prédio, ofuscados pela luz do lado de fora. Ramiro deve ter pescado o telemóvel
de Cano antes de sair, porque estava em cima do corpo, por cima do buraco de
bala, segurando um bilhete com a morada de um hospital. O carro mais próximo
estava com a porta do motorista aberta e a chave na ignição. Esse bastardo pensou
que estava fazendo um favor a eles? Depois de brutalizar Miguel, arrancar sua
língua e castrar a fera dentro de Nero com ameaças?
Até respirar era difícil agora, mas Nero ajudou Miguel a sentar no banco do
passageiro antes de pegar o maldito telefone a caminho do lado do motorista.
—Aguente firme,— ele murmurou, acomodando-se e ligando o motor,
cheio de pensamentos sombrios.
Miguel segurou o braço enfaixado contra o peito, mas assim que eles
partiram, ele pegou a mão de Nero e a apertou. Exausto e abatido, ele procurou se
comunicar com Nero, apesar de não conseguir falar. E enquanto seu olhar
expressava uma gama infinita de emoções, Nero não suportava saber que as
coisas nunca mais seriam as mesmas. A frieza familiar dos dedos de Miguel era
reconfortante.
Sua visão ficou nublada quando o veículo passou pela estrada coberta de
mato e entrou no vilarejo a caminho do hospital. Ele não era alguém que chorava.
Tendo aprendido desde cedo que mostrar vulnerabilidade não lhe traria nada de
bom, ele resistiu a isso desde menino, mas as lágrimas que rolavam por seu rosto
não eram de tristeza. O que ele sentiu foi uma raiva impotente. Ramiro merecia
morrer, mas o acordo pôs uma mordaça de ferro em Nero, impedindo-o de
morder.
Ele piscou para ver com mais clareza enquanto acelerava entre as
habitações muradas dos habitantes locais, e o calor das lágrimas queimava sua
pele. —Eu te amo.
Uma parte dele acreditava que Miguel estava muito dominado pela dor
para entendê-lo, mas os dedos ásperos apertaram os dele, embora Miguel
continuasse caído contra a porta do carro.
Nero apertou de volta e colocou o pé no chão, determinado a levar seu
homem para um lugar seguro.
Capítulo 29
Miguel

QUANDO MIGUEL ABRIU OS OLHOS INCHADOS, SENTIU-SE TÃO


ENTORPECIDO QUE não sabia se estava acordado ou ainda sonhando. Mas
quando seu olhar recuperou o foco, ele avistou Nero em uma cadeira ao lado da
cama, vivo e bem. Ele parecia rude e sem glamour com a cabeça inclinada para
trás e um pouco de baba escorrendo pelo canto da boca, mas vê-lo tão
desprotegido fez Miguel sorrir. Ou tentar porque seu rosto ainda estava...
A lembrança do alicate puxando sua língua para fora para que pudesse ser
cortada o fez se contorcer de desconforto. Lembrou-se do sangue inundando sua
boca e da dor, ah, a dor de tudo isso.
Ele ficou aliviado ao ver que Nero estava pronto para a nova situação,
porque um caderno estava na mesinha ao lado de três canetas.
Eles estavam sozinhos, mas o quarto era tão pequeno que mal cabiam os
três móveis e, à primeira vista, não parecia um espaço de recuperação normal.
Miguel não viu nenhum botão para pedir ajuda médica, e uma foto de família
deixada na parede sugeria que ela normalmente era ocupada por funcionários do
hospital.
Ele grunhiu, esperando acordar Nero, mas o mísero som não foi suficiente,
o que o levou a começar a bater na cama com a mão que não era bandagem – oh
Deus, Ramiro tinha rasgado uma aba de sua pele também. E foi excruciante.
Ele estava se sentindo bem agora, embora um pouco confuso devido aos
analgésicos que estavam em seu sistema, mas uma sensação latejante e maçante
tentou abrir caminho para sua consciência, no entanto.
Sua boca parecia... vazia na frente. Dormente. Ramiro não tinha arrancado
toda a língua, o que poderia ter sido fatal, mas com o conteúdo da boca dolorido e
inchado, ainda não podia avaliar o quanto estava mutilado.
O calor se espalhou em seu peito quando ele se lembrou de Nero
aparecendo do nada como um anjo da guarda com um rifle de assalto - santo
padroeiro das causas perdidas. Ele até desistiu de seu orgulho para negociar a
segurança da irmã de Miguel...
Nero cantarolava e se espreguiçava na cadeira, levando Miguel a pegar o
caderno e rabiscar com a mão boa - felizmente, Ramiro havia esfolado o braço
esquerdo.
[Como você me encontrou?] esperou Nero assim que limpou a baba do
queixo.
Mas quando seus olhos se abriram, eles dispararam para o rosto de Miguel
ao invés do bilhete. Ele estava pálido, com os olhos inchados, mas o cansaço não o
impediu de se inclinar.
Miguel suspirou. Ele deveria saber que isso aconteceria.
Ele arrancou a página em que havia escrito e colocou-a de lado para
escrever sua resposta, nervoso com essa nova realidade. Ele não conseguia falar.
Ele nunca falaria. Ele sabia disso, sua boca estava dormente e vazia, mas ele ainda
não conseguia entender essa nova realidade.
[Eu precisava consertar as coisas.]
—Você me deixou para trás sem dizer uma palavra e caiu direto em uma
armadilha. Eu poderia ter coberto você,— Nero rosnou, cruzando os braços sobre
o peito.
Miguel começou a rabiscar freneticamente no meio da frase de Nero,
frustrado por não conseguir infundir emoção nas cartas. Que ele não podia gritar
e se enfurecer. Ele estava percebendo a cada minuto que ele havia perdido muito
mais do que apenas um pedaço de carne.
[Foi a minha vingança. Eu não tinha o direito de puxar você. E deixei um
bilhete!!! ]
Nero olhou para baixo e seu rosto pálido começou a corar. — Foda-se sua
nota! Deveria ter sido minha decisão. E você simplesmente me deixou, sabendo
que talvez não voltasse! Eu quero te socar pra caralho!
Miguel abriu os braços e sentou-se, dizendo silenciosamente -vá então!-
embora o gesto rápido doesse e puxasse a cânula presa ao cotovelo. Como ele
deveria ter esse tipo de conversa por escrito? Seus olhos inchados se encheram de
lágrimas, mas ele lutou com unhas e dentes para que nenhuma lágrima caísse de
seu rosto.
Nero torceu o pescoço. —Você está oi...sim. Sim, você está drogado e não
sentiria nada de qualquer maneira. Vou esperar até que você esteja todo
curado,— ele disse e cutucou o meio da testa de Miguel.
A tensão desapareceu de Miguel e seus ombros caíram. Ele nunca se curaria
totalmente.
[Minha língua não vai crescer de novo, ] ele escreveu, mas depois puxou o
caderno das mãos de Nero, querendo acrescentar mais. [Eu não poderia arriscar
você e não poderia deixar passar. Eu precisava mantê-lo seguro, mas talvez seja
eu quem estraguei tudo.]
Nero puxou o caderno de suas mãos tão rápido que a caneta deixou uma
marca na página. —Sim. Sim, você fez merda. Se eu não tivesse seguido você, você
não teria voltado para mim,— ele disse e baixou a cabeça quando sua voz falhou.
Nero poderia ter confessado seus sentimentos quando eles deixaram o
prédio abandonado onde Miguel foi mutilado. Mas Miguel estava tão fora de si na
época que só agora percebeu o quanto Nero se importava.
Nero o amava.
Era mais do que ele esperava de alguém, e agora eles estavam presos a uma
desvantagem que tornaria a vida de Nero muito mais difícil do que Miguel já
havia feito.
[Eu não posso consertar isso! ]
Ele apontou para a boca em crescente angústia enquanto Nero lia a nota.
Isso não era o pior que poderia ter acontecido, sua mente sabia disso, mas ele se
preocupava com todas as maneiras que isso poderia afetar o relacionamento
deles. Mesmo alguém muito mais paciente do que o Nero pode eventualmente
ficar doente por não conseguir se comunicar livremente.
Nero balançou a cabeça e seu rosto ficou vermelho. —Esse é literalmente o
menor dos nossos problemas agora. Teremos apenas que aprender a linguagem
de sinais. Não pode ser tão difícil.
Miguel inclinou a cabeça, atordoado. [Você faria isso? Para mim?] ele
finalmente escreveu, sentindo a pulsação na garganta.
Os ombros de Nero caíram e ele rolou para trás em sua cadeira. —O que
você acha? De que outra forma eu falaria com você? O que você acha que é isso?
O calor inundou o coração frio de Miguel. Nero estava certo. Depois de
passar por tanta coisa juntos, ele teria seguido Nero até um prédio em chamas e
deveria começar a confiar que seu amante faria o mesmo por ele.
Ele sorriu apesar da dor que causou, e passou a Nero a próxima nota. [Onde
está meu anel então? ]
Nero franziu a testa e mordeu o lábio antes de colocar a mão ao lado do
quadril de Miguel e se inclinar até que estivessem a apenas alguns centímetros de
distância. —Você quer um anel? Vou tatuar uma no seu dedo.
Para que você nunca possa tirá-lo, não precisou ser adicionado em voz alta,
porque pairou no ar, aquecendo o coração de Miguel.
Mas isso não significava que ele não iria provocar Nero... Sr. Eu nunca vou
me contentar com um homem - um pouco mais. [Como vou jogar na sua cara
quando discutirmos sobre lavar a louça? ]
A expressão tensa no rosto de Nero se desfez quando ele riu e cutucou a
testa de Miguel. —Essa é a coisa boa sobre isso. Você não será capaz. E de agora
em diante, vou mantê-lo sob rédea curta. Você é meu, e você vai ficar no meu
calcanhar. Está claro? Chega de se esgueirar pelas minhas costas.
O pedido de Nero contrariava tudo o que Miguel acreditava. Ele havia
passado a maior parte de sua vida em isolamento emocional, e essa chance de ter
alguém com quem compartilhar seu futuro parecia um sonho impossível.
Principalmente com Nero, que podia ter quem quisesse.
E ainda assim ele estava aqui, escolhendo um homem mutilado.
Por mais impossível que isso parecesse, quando Miguel pensava na
intimidade que haviam compartilhado, em todas as conversas e nos momentos em
que o apoio mútuo estreitava o vínculo, o amor surgia como o resultado mais
natural.
Ele nunca esteve mais errado do que todas as vezes que considerou Nero
superficial.
[Sinto muito. Eu deveria ter discutido tudo com você.] Mas então ele se
lembrou de sua primeira pergunta e passou a Nero o pedaço de papel anterior.
[Como você me achou?]
O rosto de Nero azedou e ele exalou, apoiando os cotovelos nas coxas
enquanto se curvava na cadeira. —Eu grampeei seu telefone. Foi assim que te
encontrei no cemitério. E como consegui te seguir.
Miguel semicerrou os olhos e deu um tapa em seu braço com o 'que porra é
essa?' esperançosamente óbvio em sua expressão, mas ele escreveu [WTF ] para
garantir. Ele sempre trabalhou para não ser muito animado e manter a calma,
mas agora que sua voz havia sido tomada, haveria muita comunicação não-
verbal em seu futuro próximo.
—Bem, você estaria morto duas vezes se eu não o fizesse, porque você não
valoriza sua própria vida!— Nero rugiu, ficando de pé.
Miguel bufou para ele e escreveu: [Por que você me grampeou? !]
Nero engoliu em seco, cerrando os punhos enquanto se elevava sobre
Miguel, respirando pelas narinas dilatadas. —Eu não confiei em você.
A raiva de Miguel transformou em tristeza, e ele murchou, deixando a
cabeça cair no travesseiro. [Mesmo ontem? Você ainda não confia em mim? Sei
que saí, mas com as melhores intenções. Eu nunca teria machucado você. ]
Os ombros de Nero caíram e ele enfiou as mãos nos bolsos, mastigando
aquilo por um segundo. —Eu... quando você acabou de sair, pensei que você
queria me trocar por sua irmã,— ele disse em um sussurro.
Miguel assentiu com um suspiro profundo que fez sua língua mutilada
arder de dor. [Você confia em mim agora? ]
—Sim—, disse Nero e sentou-se na beira da cama de Miguel, colocando a
mão sobre a dele quando os olhos verdes viciantes encontraram os de Miguel. —É
minha culpa que você tenha se machucado. Eu poderia tê-lo alcançado e
impedido, mas fiquei tão amargurado por você ter ido embora sem me dizer que
eu... —Ele engoliu em seco, baixando o olhar. —Eu queria pegar você em
flagrante.
Miguel apertou os dedos de Nero, embora a confissão doesse. Mas essa parte
da vida deles acabou. Eles tinham um ao outro agora. Eles confiavam um no outro
agora.
Nero ficou imóvel, como se o peso da culpa estivesse se tornando grande
demais, então Miguel soltou sua mão para escrever.
[Eu entendo que é difícil para você confiar. A única certeza em um cartel é
que a morte chegará mais cedo ou mais tarde. Mas você não é mais um Caiman.
Nós dois cometemos erros. ]
O rosto de Nero se contorceu, então se contorceu, e ele o virou com uma
inspiração estrangulada em uma demonstração de remorso que fez Miguel lutar
contra a dor para alcançá-lo e agarrá-lo. Ambos cheiravam a sangue e
desinfetante, mas a necessidade de proximidade venceu, e Miguel exalou quando
os cachos curtos de Nero fizeram cócegas na parte inferior de sua mandíbula.
Segurá-lo foi o melhor alívio da dor.
Com um suspiro, Nero torceu o corpo para puxar Miguel para o abraço
mais gentil. —Sinto muito, Miguel. Eu estava tão bravo. E quando penso que
poderia ter evitado tudo isso...
Miguel desejou poder dizer-lhe que ninguém tinha culpa, que ele não
poderia saber o que iria acontecer, mas como não podia, acariciou suavemente as
costas de seu homem em um gesto reconfortante, que esperava comunicar, ' Tudo
bem'.
O abraço era segurança, e Miguel só se afastou, pois precisava anotar
novamente seus pensamentos.
[Eu te amo. Eu gostaria de poder dizer a você .] Seu coração estava pesado
de ternura quando ele passou o bilhete.
Os olhos de Nero frequentemente piscavam com diversão ou alegria, mas
agora seu tom verde era quente, como o cachecol mais aconchegante para manter
Miguel confortável. —Eu... disse a você que sinto o mesmo. Nunca pensei que
pudesse, mas... parece que você é outra coisa.
Miguel não tinha certeza de beijar com a boca tão machucada e maltratada,
mas esfregou a bochecha no cabelo de Nero. Ele mal podia esperar para vê-lo
verde, rosa ou azul enquanto Nero voltava a florescer em seu verdadeiro eu.
[Obrigado por lutar pela minha irmã. Você já enviou os códigos para
Ramiro? ]
Nero deu de ombros. —Sim. Já faz horas. Ele me disse que ela está em um
hotel em Lima. Podemos ir lá assim que você receber alta.
[Ela está aqui?! ] O coração de Miguel acelerou ao pensar em como sua
irmã estava no dia anterior ao massacre, tão empolgada com o futuro. Seus
sonhos foram destruídos por Raul Moreno, mas a menos que Ramiro mentisse
para eles – e ele nunca quebrara uma promessa – então ela agora estava livre, e
ele a veria em breve.
Nero sorriu. —Sim. Tenho o número do quarto e tudo.
Miguel engasgou e teve que respirar fundo algumas vezes para se acalmar.
[Obrigado por desistir desses códigos, deixando Ramiro viver... Eu sei que não foi
fácil. Mas ele cumprirá a promessa. Se ficarmos longe da Colômbia, não seremos
encontrados. Faremos esse estúdio de tatuagem acontecer para você ] Esse seria o
objetivo dele. Ele manteria Nero seguro e o faria feliz. Que outro motivo para
continuar vivendo ele precisava?
A boca carnuda de Nero, que ele tanto desejava beijar, abriu-se num sorriso
enquanto ele acariciava a mão de Miguel. —E vamos encontrar algo bom para
você também.
Miguel acariciou os cabelos de Nero. [Eu já tenho um emprego para a vida
toda. Sou seu guarda-costas, lembra? ]
Os dentes afiados de Nero cravaram-se em seus lábios quando ele tentou
conter outro sorriso. —Ok, guarda-costas. Vou tentar não sobrecarregar você
demais.
Miguel sorriu um pouco, mesmo doendo, mas então se afastou de Nero ao
som de alguém batendo. Ele procurou por uma arma, mas não havia nenhuma.
Em desespero, ele fez uma arma de dedo e apontou para a porta, mas Nero
revirou os olhos e não se incomodou em sair da cama por decoro.
—Entre!
Em vez de uma enfermeira ou um médico entrando com confiança para
checar Miguel, uma mulher na casa dos trinta, bastante baixa e com uma longa
cabeleira escura, entrou. A princípio, Miguel pensou que ela estava perdida, mas
então seu olhar pousou na marca de nascença no topo de sua bochecha e, em seu
contexto, suas feições se tornaram tão queridas e familiares.
Ele tentou dizer o nome dela, mas sua voz se reduziu a um grunhido, e ele
pagou com dor. Era Elisa - de volta da vida após a morte e caminhando entre os
vivos, mesmo que muito diferente da garota que ele conheceu anos atrás.
Vestida com jeans e um top, ela não teria se destacado na multidão de
mulheres de sua idade, mas para ele, ela era um anjo trazido de volta do inferno.
Nero parou, apenas para se levantar como se algo o tivesse picado. —Eu...
Olá. Você é... quem eu penso que você é?
Ela abaixou o queixo e torceu nervosamente a alça da bolsa quando Nero
levantou a mão, quase tocando sua marca de nascença em forma de coração. Mas
uma inspiração alta depois, ela se endireitou e falou, desviando o olhar de Nero,
porque eles obviamente não tinham os mesmos pais.
—Miguel?
Ele assentiu, perdido em seu próprio silêncio, mas Nero estava lá para
intervir e ajudar.
—Nós passamos por... muita coisa. Seu irmão perdeu a língua,— ele disse e
bateu no caderno no colo de Miguel, lembrando Miguel de sua existência.
Oprimido pelo súbito aparecimento deste amado fantasma de seu passado,
Miguel lutou para segurar a caneta, mas finalmente passou um bilhete para ela.
[Garantimos sua liberdade. Você está seguro. Estou tão feliz que você está vivo. ]
Elisa hesitou um pouco depois de ler a mensagem, mas depois as lágrimas
brotaram em seus olhos e ela se inclinou sobre a cama, apertando-o com todas as
forças que tinha. Doeu, mas a alegria de segurá-la em seus braços fez a dor
desaparecer. Um profundo soluço saiu de seu peito, expressando todo o medo,
tristeza e raiva que ela carregava, mas agora eles estavam juntos. E ela finalmente
estava livre.
—Todo esse tempo, ele não sabia que você estava viva. Só descobrimos
depois que te reconheci em uma foto antiga—, disse Nero enquanto Miguel se
afogava em sentimentos de ternura e paz. Sua mãe pode estar morta, mas a vida
continua, e ele se concentra em ter sua irmã de volta, em vez de chorar por algo
que não pode mais ser mudado.
Elisa se afastou, olhando na direção de Nero com lágrimas escorrendo pelo
rosto. —E... como você me conhece?
A sala ficou quieta, e Nero olhou para ela com a boca aberta até que ele
organizou seus pensamentos. —Eu sou… Nero Moreno.
Ela ficou imóvel, como um animal apanhado em armadilhas, mas já devia
ter descoberto que o pai de Nero estava morto. —Um jacaré?— ela proferiu,
enxugando as lágrimas.
Miguel sabia que Nero seria o primeiro a responder, mas mesmo assim
começou a escrever.
Nero limpou a garganta. —Não mais...
Miguel deu-lhe outra nota, cada vez mais frustrado por sua incapacidade
de acompanhar a conversa. [Ele não é mais um Caiman. Obteremos novas
identidades e nos mudaremos. Ele salvou minha vida e garantiu sua liberdade. Eu
quero que todos nós fiquemos juntos, você é minha única família, mas ele vai
ficar comigo mesmo que isso signifique que você decida não ficar ]
Suas sobrancelhas se franziram quando ela leu a nota, e ocorreu a Miguel
que, apesar de seu medo de que as pessoas deduzissem facilmente a natureza de
seu relacionamento com Nero, Elisa ignorava isso. Uma pulsação viciosa sufocou
a garganta de Miguel, mas ele lutou contra seu medo e entrelaçou seus dedos com
os de Nero. Ele não esconderia seu amor. Não na frente dela.
Os dedos de Nero se contraíram antes de apertar a mão de Miguel com
força.
—Sinto muito, Elisa—, murmurou baixinho, como se enfrentá-la depois de
tantos anos fosse um fardo difícil de suportar.
Ela cobriu a parte inferior do rosto com um suspiro profundo. —Eu - não
esperava isso.
Claro que não. Mas Miguel também não esperava se apaixonar. Não com
ninguém, e especialmente com Nero Moreno, o filho incrivelmente caótico do
homem que destruiu a família de Miguel e Elisa. No entanto, aqui estavam eles. A
vida poderia ser estranha assim, permitindo que as mais belas flores brotassem de
um cadáver mutilado.
—M-mas está tudo bem,— ela disse com um sorriso nervoso e deu um
passo para trás, abrindo a porta para espiar o corredor. —Hum… Valéria? Entre!
Miguel apertou a mão de Nero com mais força, ainda sobrecarregado pelo
fato de ter acabado de reivindicar Nero como seu homem, mas quando uma
jovem entrou, seu coração bateu mais rápido. Seus grandes olhos verdes eram do
mesmo tom dos de Nero, mas fora isso ela parecia exatamente como a adolescente
Elisa. Se ela visse sua mãe na velha foto de família de Miguel, poderia até
inicialmente acreditar que estava olhando para algum dia esquecido em sua
própria vida.
Mas a Elisa estava mesmo ao lado dela, o que significava que esta menina
era sobrinha do Miguel. E a meia-irmã de Nero. Vestida com calça de moletom
preta e uma camiseta tie-dye, ela lembrava muito sua mãe, com exceção daqueles
olhos e uma leve depressão em seu queixo.
—Hum... olá?— ela perguntou timidamente, olhando para sua mãe como se
não tivesse ideia de por que qualquer um deles estava aqui.
Elisa mais uma vez enxugou os olhos e olhou para a filha. —Este é seu tio,
Miguel, e este,— ela hesitou, —é Nero, seu meio-irmão, e... namorado de Miguel.
Estaremos nos mudando com eles.
O olhar de Valéria passou por eles, mas então ela cobriu a boca, rindo,
claramente ignorando as condições em que havia sido concebida. —Oh meu
Deus. Minha vida é uma novela.
Miguel sorriu gentilmente o suficiente para não causar dor a si mesmo. Ele
preferia uma novela ao narco horror que estava vivendo. De agora em diante, ele
abraçaria a rom-com e ensinaria Nero a dançar o tango.
Epílogo
Nero

A CABEÇA DE NERO CAIU PARA TRÁS quando os lábios de Miguel


chuparam seu mamilo com tanta força que ele brevemente parou de montar em
seu homem e se acomodou com aquele grande pau embutido em seu corpo. Mas a
pressa dentro dele o fez puxar Miguel para trás pelos cabelos e beijar sua
mandíbula enquanto suas coxas ardentes mais uma vez começavam a funcionar.
O sofá de couro afundou com o peso deles e, quando Miguel rolou pelo
encosto, virou uma meia-lua, mas ele não pareceu se importar com o desconforto
e apertou com mais força os quadris de Nero, ajudando-o a se mover.
—Você se sente tão malditamente bem,— Nero murmurou e segurou seu
pênis com força antes de dar um tapa na cabeça perfurada contra o estômago de
seu amante. Cheio de prazer, ele agarrou o ombro de Miguel e se moveu em um
ritmo errático até que solavancos quentes passaram por seu corpo e manchas
pintadas de esperma sobre o peito corado de Miguel.
Com olhos de homem selvagem, Miguel soltou um grunhido vigoroso e
ergueu os calcanhares para o assento. Ele então colidiu com a boca de Nero e o
segurou no lugar enquanto seu pau gordo batia como um pistão. A liberação
estava a apenas alguns momentos de distância, e logo depois, eles descansaram
juntos, recuperando o fôlego.
Nero estava cheio de porra, suado, dolorido e em cima de Miguel - sua
definição pessoal de felicidade. Ele sorriu para seu amante e sinalizou: [ Adoro ter
minha bunda cheia com seu esperma. ]
O rosto de Miguel, brilhante de suor fresco, roçou o dele. [Eu ainda posso
ouvir você. ]
Nero riu. —Mas é divertido assinar obscenidades.
Miguel balançou a cabeça, mas antes que pudesse se afastar, Nero segurou
seu rosto e deu-lhe um beijo profundo. Tremendo, Miguel esticou o que restava
de sua língua e esfregou-a contra a de Nero enquanto terminavam
preguiçosamente a rapidinha da tarde.
Bem a tempo para o jantar.
Eles se vestiram em um silêncio confortável, que finalmente terminou
quando Nero olhou para a cadeira de tatuagem. —Estou tentado a cobrir outra
mancha em você. O que você diz?— ele perguntou.
Miguel encolheu os ombros e ofereceu-lhe um sorriso tímido. [Você é o
chefe. ]
Isso estava certo, porque este era o estúdio de Nero. Bem, na maioria das
vezes, ele pensava nisso como deles, porque enquanto Miguel não tinha talento
para a arte, ele ajudava em tudo e era o parceiro que Nero não sabia que
precisava.
No início de sua nova vida, ele estava preocupado em como lidaria com o
fato de permanecer fiel a um único parceiro, mas com o passar do tempo, ficou
claro que os encontros emocionalmente distantes que ele costumava ter eram
junk food quando comparados a refeição nutritiva que agora fazia todos os dias.
Três anos depois, ele ainda não se cansava de sua besta sexy.
Mas era hora de um tipo diferente de sustento, então eles passaram pela
área de recepção, decorada por um mural intrincado representando animais
selvagens na selva, e então saíram para a noite escura.
Não havia postes de luz no beco estreito do lado de fora, mas o brilho do
apartamento de cima foi o suficiente para guiar Nero quando ele enfiou a chave
na fechadura, prestes a...
—Mãos ao alto—, disse uma voz ofegante e desconhecida, congelando Nero
no local. Ele exalou e olhou para a porta de vidro para ver uma sombra escura
aparecendo atrás dele. Foram os Caimans? Não, esses bastardos teriam sido mais
espertos em sua abordagem, e como prometido, Ramiro os havia deixado em paz.
Seu olhar vagou ao longo do vidro, e quando ele viu o contorno de uma
faca na mão de um homem parado atrás das costas de Miguel, seus ombros
relaxaram.
—Vocês estão falando sério, porra?
O agressor com a parte inferior do rosto coberta por uma bandana franziu
a testa em confusão. —Isso não é uma piada, filho da puta!
Nero engoliu o riso. Aqueles dois eram amadores, mas mesmo um amador
poderia causar sérios danos ao esfaquear cegamente. —Olha, eu não tenho
dinheiro comigo. Deixa eu pegar um pouco—, disse ele e abriu o estúdio,
entrando sem se preocupar em esperar uma resposta. Se o pior acontecesse, ele
chutaria o idiota para o chão. Mas quando ele parou atrás do balcão e se
aproximou do taco de beisebol de aço montado atrás dele, a rua explodiu com
uma cacofonia de barulho.
Não adiantava mais fingir.
Nero pegou sua arma e saltou sobre o balcão da recepção para ver a figura
alta de Miguel empurrando um homem menor para a calçada.
O outro já estava caído, com a faca na mão de Miguel. —Você vai se
arrepender disso!— ele choramingou, lutando para se levantar. Sua bandana
havia caído, revelando um pouco de bigode.
Miguel grunhiu para ele como um urso bravo, e quando o cara tentou se
levantar, ele apontou para ele com a faca. Isso foi o suficiente para o pretenso
assaltante se encolher.
Nero não foi tão sutil e acertou o bastão com tanta força que o joelho do
bastardo cedeu. Um grito rasgou a noite, levando Nero a se ajoelhar e pressionar
a mão com força sobre a boca do garoto.
—Nós temos a porra dos vizinhos.
Lágrimas escorriam pelo rosto do sujeito, e seu parceiro no crime os
encarava apavorado, levantando as mãos, mas sem ousar se levantar. —Nós
iremos! Nós iremos! Sinto muito!
[Diga a eles para nunca ousarem pisar nesta rua ] Miguel assinou com um
grunhido. Desde que perdeu a língua, ele se tornou muito mais expressivo com
seus gestos, e Nero realmente gostou disso.
Nero empurrou seu bastão para o outro garoto. —Vocês dois têm sorte de
não terem tentado isso alguns anos atrás. Naquela época, eu teria mirado em seu
rosto. Então me ajude a continuar vivendo como um bom cidadão e nunca mostre
a cara nesta rua. Estou sendo claro?
—S-sim!— O ileso rastejou para longe com os olhos como pires, enquanto
seu amigo com o joelho quebrado se enrolou com um chiado.
Miguel balançou a cabeça. Apesar de ficar longe de problemas hoje em dia,
foi bom receber um lembrete de que Miguel poderia lidar com qualquer coisa. Se
Nero não estivesse tão satisfeito com a rapidinha, teria puxado Miguel de volta à
loja para comprar um.
As desculpas patéticas para ladrões desapareceram sob o olhar atento de
Miguel.
Nero suspirou e fechou a loja assim que colocou o bastão de volta na
parede. —Primeira vez desde que abrimos. Não é tão ruim.
Miguel bufou e balançou a cabeça. [Você gostou disso. ]
—Eu claramente preciso da adrenalina. Vamos saltar de paraquedas no
próximo fim de semana—, disse Nero, sinalizando enquanto falava. Ele não
precisava, mas era uma boa prática, e fazer ele mesmo tornava mais fácil
entender Miguel.
A casa ficava a uma curta distância a pé e, quinze minutos depois, eles se
aproximaram da parede pálida que cercava a propriedade.
O prédio modernista mais adiante era dividido em dois apartamentos e
cercado por um jardim exuberante, cuidadosamente cuidado por Elisa, que tinha
os dedos mais verdes que Nero já conhecera, inclusive jardineiros profissionais.
Era como se ela falasse com as plantas, não apenas as mantivesse. Ele gastou um
grande pedaço de suas economias para comprar esta propriedade para eles, mas a
privacidade e a segurança ou portas de ferro e grades em cada janela valeram o
dinheiro.
Assim que fecharam o portão atrás de si, as luzes suaves colocadas entre as
plantas dissiparam qualquer tensão remanescente após o encontro desagradável
na loja, e Nero agarrou a mão de Miguel, liderando o caminho pela entrada
principal, para o pátio do outro lado da a casa.
Um cheiro delicioso de queijo fez cócegas em seu nariz enquanto eles
passavam pela janela aberta da cozinha, e ele assobiou, imediatamente
respondido por um gemido agudo.
Elisa olhou para fora, ainda com seu avental brilhante. —Vocês dois estão
atrasados!— ela reclamou antes de desaparecer de vista, ao delicioso chiar do
óleo quente.
Elisa era uma cozinheira incrível e compartilhava alegremente essa
habilidade com eles, desde que fizessem as compras. Uma justa simbiose, já que
nem ele nem Miguel eram competentes na cozinha.
—Desculpe. Algo nos segurou,— disse Nero, descendo rapidamente no
momento em que ouviu o barulho de patas de cachorro.
Bone explodiu pela porta do pátio no momento em que a encararam, e
empurrou sua forma branca e musculosa em seus braços como apenas um pit
bull necessitado poderia.
—Bem, olá, os papais estão em casa!
Miguel sorriu e se inclinou para acariciar o cachorro também. Os quase
assaltantes tiveram sorte por ela não ter acompanhado Nero e Miguel ao trabalho
esta noite, pois eles teriam ficado sem as bolas.
Valéria acenou para eles da mesa de jantar. —Vamos! Estou com fome!
Enquanto o cachorro lambia a mão de Nero, ele parou, congelado em sua
própria mente. Alguns dias, ele se pegou pensando se essa nova vida não era
apenas um sonho, mas tudo parecia sólido, lembrando-o de que não teria nada
disso se não fosse por Miguel.
Ele teve que diminuir sua expectativa em termos de riqueza, porque suas
economias só chegaram até certo ponto, mas embora ele precisasse desistir dos
relógios Don Perignon e Gucci, a vida deles era muito confortável e eles puderam
se divertir juntos.
Com Miguel, Nero não só ganhou um parceiro de vida sólido, mas também
uma família adotiva que ele nunca esperava ter, e uma carreira que não envolvia
alimentar jacarés com pessoas.
O passado não poderia ser esquecido. Cada pessoa nesta casa (incluindo
Bone) sobreviveu ao trauma e o administrou da melhor maneira possível, mas por
causa disso, eles se entendiam melhor. Nero nunca havia experimentado esse tipo
de proximidade e até zombou disso no passado, porque não poderia ser real no
mundo que ele conhecia. De onde ele era, as pessoas se vendiam por dinheiro ou
prazeres de curto prazo. Agora, ele foi forçado a admitir que realmente havia
coisas que o dinheiro não podia comprar, mas que valiam mais do que a
opulência de sua vida anterior.
Ele bateu palmas ao ver a mesa posta, com os acompanhamentos frios já
salpicados. A pérgula cheirava a flores trepadeiras e criava o interior perfeito
para uma noite quente como esta, então ele se sentou em seu lugar habitual, em
frente a Valéria, e olhou para Miguel, que não podia negar a Bone ainda mais
carícias.
—Você parece extraordinariamente animado. Há algo que você queira nos
contar?
A garota corou e baixou o olhar para o telefone. —Não por que?
Ah.
—Cara? Garota? Vamos, enquanto sua mãe ainda está fora,— sussurrou
Nero.
Ela mordeu o lábio e colocou uma longa mecha de cabelo atrás da orelha.
—Menina, tudo bem? Eu meio que quero trazê-la.
Miguel exalou, acomodando-se ao lado de Nero. [Obrigado porra. Homens
são problemas. ]
Valéria riu alto. —É por isso que você escolheu um?
Miguel balançou a cabeça e beijou a têmpora de Nero. [Eu não tive voz
nisso. ]
A boca de Nero se abriu em um sorriso quando ele encontrou o olhar de seu
amante, dominado por uma onda de ternura que ninguém mais havia evocado.
—Nem eu.

O fim
Obrigado!
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