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1 Caiman é um gênero de jacarés das Américas Central e do Sul que inclui três das espécies de animais
de instrumentos cortantes.
servissem como um sinal de alerta aos predadores, sugerindo que Nero era
perigoso e tóxico.
Ele desviou o olhar quando Aaron, o homem bonito que Nero estava
entretendo, colocou sua mão bronzeada no traseiro redondo do gângster e
apertou com força suficiente para enrugar o tecido pálido que cobria a carne.
Nada mais era sagrado. Nero Moreno se considerava intocável e assim
permaneceria enquanto fosse do interesse de Miguel mantê-lo vivo. Três meses
no cargo, e nenhum membro do cartel rival, amante rejeitado, homofóbico ou
esposa ciumenta matou Nero a tiros, então Miguel estava fazendo algo certo.
Nero rugiu em triunfo quando outra garrafa preciosa quebrou,
derramando bebida dourada por todas as escamas do animal morto. Ele levantou
sua arma cravejada de cristais Swarovski e inclinou a cabeça para trás, deixando
Aaron beijá-lo. Miguel desviou os olhos, sem querer imaginar como seria beijar
um homem cujos dentes de baixo foram lixados até parecerem os de um tubarão.
A villa contemporânea com enormes janelas de vidro era um pouco menos
ofensiva de se olhar. Enorme e cheio de espaços vazios, era a personificação do
excesso moderno, mas o jardim nos fundos, com sua vegetação luxuriante e fonte
sussurrante trouxe a Miguel o consolo tão necessário.
Nero rugiu quando Aaron errou a enorme garrafa que descansava no ex-
animal embaixo dela. —É assim que você mira no quarto também? Começando a
ter dúvidas sobre o seu desempenho depois.
O sangue de Miguel congelou quando Aaron fez uma careta e empurrou
Nero. Um movimento, e sua arma estava apontada para a cabeça de Aaron, mas
Nero começou a rir, seus olhos verdes reptilianos fixos em Miguel.
—Bom menino! Alguém merece um mimo por ter o dono de volta,— ele
disse e estalou os lábios, como se Miguel fosse realmente um cachorro.
O olhar de Nero então se moveu para a forma rígida de Aaron, e ele
agarrou a mandíbula bem barbeada do bastardo. A parte superior de seu corpo,
tonificada pelo levantamento de peso diário, ficou tensa e o infeliz filho da puta
estremeceu com o poder por trás do aperto de Nero. —É melhor ter cuidado.
Depois de irritar um cão de guarda, você pode perder um membro até os dentes.
A risada de Aaron foi forçada, e ele ergueu as mãos em derrota. —Eu só
estava brincando. Ele tem deveres de padreador3 também?
Miguel balançou a cabeça e se recostou na beira da fonte. Ele não estava
disposto a entreter essa conversa. Ele matou muitas pessoas para contar,
contrabandeou drogas para os Estados Unidos e traficou armas para quem podia
pagar. No entanto, aqui estava ele, fazendo babá glorificado apenas para que um
dia pudesse alcançar o indescritível Raul 'O Canibal' Moreno e parar seu coração
para sempre.
Pena que o caminho até ele passava por Moreno Júnior.
Miguel baixou os olhos quando as laçadas douradas dos mamilos de Nero
brilharam ao sol, como as laterais de um tríptico com o retrato de Jesús
Malverde4. O pingente oval pendurado em uma grossa corrente dourada que
certamente custou mais do que uma casa média na Colômbia e apresentava
madrepérola, bem como pedras preciosas, em seu design intrincado, mas
inacreditavelmente exagerado. Nero nunca foi à igreja, nem se preocupou em
33 substantivo masculino Animal que padreia, que acasala, procria; reprodutor, procriador.adjetivo Que
bandido", "anjo de pobres", ou o "narcossanto", é um herói folclórico, do estado mexicano de Sinaloa. Ele
possuia ascendência Yoreme e espanhola. Ele é um "Robin Hood ", que se supõe ter roubado dos ricos para
dar aos pobres.
participar de quaisquer outras atividades religiosas costumeiras, mas isso não o
impediu de carregar sempre o retrato do 'santo' do folclore.
Apesar de ter entrado cedo na vida do narco, Miguel nunca acreditou que
homenagens a Malverde ou Santa Muerte5 pudessem fazer alguma diferença em
seu sucesso ou fracasso. Talvez a devoção de sua mãe a esta última figura tenha
sido o que o manteve vivo todo esse tempo, mas se ele acreditava em alguma
coisa, era que a sorte de um homem dependia apenas dele e que nenhuma ajuda
vinha - seja de cima ou de baixo. Nero, no entanto, era tão supersticioso quanto
qualquer outro colombiano e usava uma pulseira em tons de azul de fios
trançados e miçangas, embora sua versão do amuleto popular apresentasse ouro e
safiras em vez dos materiais mais usados e mais baratos. Talvez as joias fossem
simplesmente um amuleto de boa sorte, semelhante a pendurar uma ferradura
dentro de casa, mas talvez ele as usasse porque o ouro e os tons de joias realmente
realçavam seu tom de pele. Não adiantava perguntar.
—Ah, às vezes me pergunto por que o mantenho por perto. Ele pode ser
perigoso e sombrio, mas que cachorro não quer provar o presunto mais suculento
que existe?— Nero perguntou e virou a bunda para Miguel, como se seu tom
sugestivo já não tivesse deixado claro o que queria dizer.
O problema com Nero era que... o bastardo era de fato atraente, e guardar
essa opinião para si mesmo era crucial para o sucesso do plano de Miguel.
Envolver-se com Nero de qualquer forma que não fosse estritamente profissional
teria causado uma avalanche de problemas com os quais Miguel não queria lidar.
Além disso, a única pessoa autorizada a tocar em Miguel era a garota que
5 Santa Muerte é uma figura sagrada venerada no México, provavelmente um sincretismo entre crenças
católicas e mesoamericanas. A cultura mexicana mantém desde a era pré-colombiana uma certa reverência
em relação à morte, manifestada em celebrações sincréticas como o Dia dos Mortos.
trançava seu cabelo a cada três semanas. Sua mãe costumava fazer isso por ele,
mas ele não a via há vários anos, preso a ligações ocasionais que precisavam ser
mantidas em sigilo.
—Você me mantém por perto porque eu mantenho você vivo—, disse
Miguel, medindo cada palavra entre os dentes. Se Nero e Aaron já tivessem saído
para foder, em vez de perder tempo com as caras preliminares com champanhe,
ele poderia roubar um momento para ligar para a mãe e relatar seu progresso.
Nero sorriu, exibindo dentes afiados enquanto sua mão se movia pelo corpo
de Aaron como uma cobra enfeitada com um relógio de ouro grosso. Ele podia
usar mais joias do que a mulher comum, mas servia a um propósito duplo, e
Miguel tinha visto o estrago que os sinetes de Nero causavam no rosto dos
homens.
—Isso mesmo. E se ele me atacar quando eu estiver mais vulnerável? —
Nero perguntou, puxando o cinto de Aaron com força suficiente para fazê-lo
ofegar.
Miguel deu-lhes um olhar nivelado. —Então não foda com ele.
Aaron riu. —É isso o que você faz? Permanecer casto como freira?
O olhar de Nero era o de uma pantera que escolheu Miguel como próxima
refeição. —Ou você pode estar no quarto e se certificar de que estou seguro.
Aaron respirou fundo, seus olhos disparando para Miguel como se temesse
que a presença de outra pessoa pudesse afetar seu desempenho.
Suor frio escorria na nuca de Miguel, apesar do calor. —Isso é uma
ordem?— ele perguntou, tentando transmitir que a provação não lhe daria
nenhum prazer, mas seus verdadeiros sentimentos sobre o assunto eram uma teia
emaranhada de luxúria indesejada e auto-aversão.
Nero colocou a trava de segurança e enfiou a arma na parte de trás da
calça, mexendo-a sugestivamente para frente e para trás. —Eu tenho dois
buracos, Miguel.
Miguel alegrou-se com o tom escuro de sua pele, pois o calor desencadeado
por aquelas palavras chegou até aos seus ouvidos. Ele tinha trinta anos, tinha visto
coisas que dariam pesadelos à maioria das pessoas e havia cometido crimes sem
piscar, mas esse homem, esse filho de Satanás, ainda era capaz de fazê-lo perder a
língua. O flerte unilateral tinha sido implacável desde o momento em que se
conheceram, mas agora que Miguel se tornou o guarda-costas de Nero, não havia
um dia sem que um comentário sexual saísse daqueles lábios carnudos.
Eles despertaram algo indomável em Miguel, um pedaço dele que não
estava morto por dentro. Mas o resto dele era, então ele poderia facilmente
manter este demônio Caiman à distância.
Os pelos de seu corpo se eriçaram quando ele encontrou o olhar verde. —
Você está dizendo que quer que eu chame outro homem para você?
Aaron riu, mas se ele estava genuinamente divertido ou nervoso por causa
da tensão crescente no ar, Miguel não se importava. —Oh, você não vai precisar
de mais ninguém quando eu colocar minhas mãos em você—, ele murmurou e
puxou o anel do mamilo de Nero, fazendo-o ofegar. Lábios macios se abriram, seu
nariz se alargou e o corte em seu queixo se esticou quando ele se inclinou para o
toque como uma cadela no cio.
A única coisa que o mantinha vivo, apesar de ser tão escandalosamente e
abertamente gay, era seu pai canibal, e um dia esse privilégio seria cortado sob os
pés de Nero. Até então, Miguel faria o possível para ignorar os avanços
indesejados.
Miguel se levantou para acabar logo com isso. 'Serviço de vigia' era como os
outros homens do cartel às vezes chamavam o trabalho de Miguel. Nunca na cara
de Nero.
—Para onde vamos, Nero?— ele perguntou.
Aaron olhou para ele, confuso, mas então se virou para seu futuro amante.
—Você quer contar o dinheiro primeiro?
Miguel revirou os olhos, mas se Nero queria dar uma olhada na bolsa que
Aaron trouxera com ele, então talvez Miguel pelo menos tivesse um momento
para si mesmo e ligasse para sua mãe sem ser incomodado.
Mas Nero dispensou o outro homem e segurou sua virilha, aproximando-se
como uma prostituta bêbada. —Nah, você não me enganaria, não é? Agora é sua
chance de me entreter.
—Seu quarto?— Aaron riu e puxou o braço de Nero. Algo estava errado em
sua linguagem corporal, mas Miguel não conseguia identificar o quê. Então,
novamente, talvez ele estivesse nervoso.
Afinal, mesmo o mais corajoso dos homens hesitaria em colocar seu lixo em
qualquer lugar perto de dentes tão afiados.
Nero se espreguiçou e olhou ao redor do jardim íntimo. Embora espaçoso,
continha muitos elementos paisagísticos que criavam uma atmosfera íntima à
sombra de palmeiras e um enorme rododendro. O sussurro suave das folhas
pairava no ar como uma promessa, e Nero arrastou seu futuro garanhão
passando pelo jacaré ainda coberto de cacos de vidro e pelo grande forno de
pizza instalado em uma parede coberta de hera.
—Estou me sentindo aventureiro hoje.
Miguel suspirou, mas o seguiu. —Você quer que eu...
—Sim,— Nero respondeu antes que Miguel pudesse terminar. Se ele
realmente se preocupava com sua segurança ou apenas queria torturar Miguel
não estava claro, mas não importava. Miguel tinha feito pior.
Aaron colocou o braço sobre os ombros de Nero. —Lidere o caminho!
—Segure isso para mim—, disse Nero, oferecendo a Miguel sua arma
enquanto se aproximava da parede que serviria como uma tela de privacidade
para o que ele estava prestes a fazer. Miguel pegou a arma sem fazer comentários
e encarou o forno de pizza enquanto Nero puxava Aaron para trás da estrutura
iluminada pelo sol.
Miguel estava feliz por não ter que ver seu chefe sendo fodido, mas os sons
geralmente eram suficientes para estragar o dia de Miguel. Ele não era avesso ao
sexo como uma ideia, era que outros assuntos tinham prioridade em sua vida.
Pelo menos foi o que disse a si mesmo, preferindo ignorar sua falta de atração por
mulheres e o que isso poderia significar.
Mas estar perto de Nero o fazia enfrentar essa fraqueza diariamente e
implacavelmente.
E o bastardo pervertido também não perdeu tempo com Aaron, já falando
sobre o quanto ele queria ter suas entranhas espancadas. A cada palavra e som
desleixado, Miguel apertava a arma com mais força. Ele se encostou no outro lado
da parede e pressionou a nuca contra a superfície fria.
Em dias como este, Miguel se arrependia de sua escolha de roupas
totalmente pretas, mas uma regata branca não teria grudado menos em seu suor.
Ele olhou para a arma ridícula em sua mão tatuada, se perguntando por que
pessoas como Nero viviam suas vidas ao máximo enquanto ele estava preso em
um mundo monocromático onde o sangue era a única cor.
E então começou. O tapa de pele contra pele, os gemidos, os palavrões, a
conversa obscena. Miguel imaginou os dedos gananciosos de Aaron deslizando
sobre as escamas da cicatriz no corpo de Nero, sobre cada centímetro de músculo
liso, depois apertando os quadris...
Nero soltou um grunhido sufocado que parecia tão faminto, tão
desesperado que as bolas de Miguel pareciam mais pesadas, e ele piscou para
afastar as imagens das mãos de Aaron apertando a carne de bronze, seu pau
prendendo o único filho vivo de Raul Moreno na parede como se ele fosse a mais
barata prostituta. O lábio superior de Miguel estava suado, mas quando ele o
lambeu, seu corpo perguntou como sua transpiração se comparava à de Nero, e
ele deu um tapa no próprio rosto com força suficiente para deixar uma
queimadura.
Não fazer sexo era mais fácil do que lidar com qualquer consequência que
isso pudesse causar.
Uma risada abafada chegou até ele das paredes brancas da villa, e quando
ele olhou para cima, os outros dois homens do cartel que ficaram aqui ao lado de
Miguel e Nero sorriram enquanto passavam pelo jardim com cervejas na mão.
Os primos Correa eram tão diferentes um do outro que Miguel se referia a
eles em particular como Laurel e Hardy. Baixo e desengonçado, Ezra colocou a
garrafa contra a frente de sua calça jeans e moveu a mão sobre o vidro úmido em
uma paródia obscena de masturbação. Seu companheiro alto e corpulento, Carlos,
riu, murmurando algo sobre o relógio de cadela de Miguel, mas o que quer que
fosse exatamente, provavelmente não valia a pena saber de qualquer maneira.
Claro, Miguel considerava Nero um degenerado, mas depois de três meses
cuidando dele, ele se apegou à ideia de ser seu protetor. Embora ele nunca se
conteve em dizer a seu chefe o que pensava das constantes escapadas sexuais e
festas, era algo que ele nunca iria confrontá-lo quando alguém estivesse por
perto. E definitivamente não pelas costas. Só a lealdade levaria Miguel ao pai de
Nero.
Os sons ritmados atrás da parede se intensificaram, acompanhados de
gemidos altos, e tornou-se impossível não pensar em Nero achatado contra os
tijolos, as pernas abertas e pegando o pau como se tivesse nascido para isso. Ele
até grunhiu para Aaron ir mais rápido, levando a imagem dos quadris do
grandalhão fazendo hora extra para dar à cadela gananciosa uma boa foda.
Miguel firmou a respiração e esfregou a testa, desejando afastar a visão
luxuriosa.
Mas então Nero ficou mais alto, gemendo como se estivesse com dor, o que
levou Miguel a se afastar da parede e olhar para ela com a certeza de que apenas
o tijolo o separava de um Nero suado e corado, que então, em voz baixa e rouca,
pronunciou seu nome. Ele quase podia sentir uma língua quente contra seu
pescoço.
Ele congelou, dominado por um rio de intenso calor em cascata por seu
corpo. Isso foi... um pedido de ajuda?
Miguel pigarreou, mas sua boca ainda estava seca quando ele falou. —
Devo... ir?
Nero gemeu, e o cascalho rangeu sob o sapato de alguém enquanto o som
de carne batendo se intensificava. —Ah... por que não... Aaron está prestes... a
terminar... Adoraria ver você vir6, Miguel...
7 Dança de colo.
Levou toda a vontade de Miguel para não olhar para sua virilha. Ele não
precisava desse elemento em pensamentos intrusivos que o atormentavam sempre
que Nero se dava bem com alguém.
—Você é muito emotivo, Miguel.
Miguel piscou. —Eu? Emocional?
—É só sexo. Nada para se preocupar. —Nero encolheu os ombros e, desta
vez, o movimento entre as pernas atraiu a atenção de Miguel para baixo. E uma
vez que se desviou, ele deu uma olhada dupla em um anel de ouro perfurado na
ponta do pênis de Nero. Certamente, doeu durante o sexo, ou mesmo quando
acidentalmente arrastou as coisas?
—Você não se sente usado?— Miguel não conseguia imaginar um mundo
em que permitisse que os homens o enfiassem como se fosse um buraco em um
colchão velho.
—Todos usam uns aos outros,— Nero disse, encontrando o olhar de Miguel.
Bem, Nero não estava prestes a utilizar o pau de Miguel, isso era certo. —
Ainda estou surpreso que seu pai esteja bem com isso, mas isso não é da minha
conta.
Nero sorriu, gravitando em direção ao banheiro. —Ele não tem escolha.
Não penso que o pau dele não funciona mais, então eu sou tudo o que resta,— ele
disse e fechou a porta atrás de si, deixando Miguel no quarto que cheirava à
colônia cítrica favorita de Nero.
Esta poderia ser a única chance de ligar para sua mãe por um tempo, então,
assim que ouviu o murmúrio de um banho, Miguel pegou o telefone e digitou o
número.
—Sou eu—, disse ele, já que sua mãe não falava até ouvir sua voz.
Em vez de uma saudação, tudo o que ele conseguiu foi —algum progresso?
Ele esfregou a testa, desejando confiar em alguém o suficiente para
massagear os nós de seus ombros. —É lento. Preciso esperar a oportunidade certa.
—Você está esperando há três anos—, ela disse com uma voz fria, e ele
quase podia vê-la bater suas longas unhas contra a mesa de jantar em forma de
caixão, muito, muito longe, no norte do México.
Sem suporte então.
—Eu tenho trabalhado...
—Você tem um trabalho, Miguel. Só há uma coisa que quero antes de
morrer, é saber que o Canibal, o homem que destruiu nossa família, não existe
mais. Prefiro que ele sofra também, mas mendigos não podem escolher. Entre nas
boas graças de seu filho, prove a si mesmo e faça isso. Você quer que sua mãe
nunca encontre a paz?
O peso de suas expectativas caiu sobre os ombros de Miguel, lembrando a
terra jogada sobre ele na cova rasa onde ele foi enterrado com suas irmãs há
muitos anos. Às vezes, ele se arrependia de ter sobrevivido.
—Eu vou...
—Me ligue de novo quando terminar.
Miguel suspirou quando ela desligou e olhou para a porta do banheiro. Se
ele decidisse entrar lá e dar a Nero o que ele estava querendo, ele poderia dizer a
si mesmo que só fez isso para matar Raul Moreno?
Ele escolheu pegar um cigarro em vez disso.
Capítulo 2
Miguel
MIGUEL JÁ TINHA TENTADO DE tudo. Ele propôs que Nero levasse um dos
Correas em vez dele, depois insistiu que Nero deveria levar todos os três de seus
homens, já que haveria muitas pessoas no clube, e até tentou se desculpar com
uma dor de estômago, mas foi tudo em vão. Nero preferia que ele vomitasse na
pista de dança reflexiva do que desistir do castigo cruel e incomum de expor
Miguel a strippers masculinos, um dos quais rolou no poste e fez espacates,
apresentando suas nádegas nuas. E como todos os pisos e o teto também estavam
cobertos de espelhos, o corpo tonificado e quase nu do dançarino podia ser visto
de todos os ângulos ao mesmo tempo.
Miguel se virou para o bar onde um homem com um arnês de couro
vermelho servia bebidas para uma multidão de homens em trajes de festa que iam
de ternos a sungas com penas. Ele poderia usar alguns tiros para si mesmo. Como
se a provação de ter que estar neste mercado de carne não fosse irritante o
suficiente, Nero continuou cutucando-o em vez de procurar um novo pau para
sentar nesta caixa barulhenta de vidro, suor e desejo.
—Vá em frente, olhe. Ele pode estar escondendo uma arma nele,— ele disse,
agarrando o queixo de Miguel e puxando-o para direcionar seu olhar de volta
para o belo dançarino, que estava de costas contra o poste e apontou seu chapéu
de cowboy para o pequeno grupo.
—Seu guarda-costas é tão bonito, Nero! Eu o deixaria guardar meu corpo
qualquer dia,— arrulhou um dos amigos de Nero, Arturo, enquanto ele ria de sua
quarta margarita. Apesar de ser redondo como uma rosquinha e ostentar uma
barba espessa, ele era de alguma forma o mais feminino do grupo.
Nada perturbou Miguel neste momento, então ele ficou em silêncio
enquanto a stripper se dobrava ao meio, mostrando o tecido fino da tanga mal
cobrindo seu cu.
—Miguel é bom no que faz. Ele sempre sabe o que eu preciso—, disse Nero
em tom enigmático, o que levou tanto o barbudo quanto um cara magro de
cabeça raspada, cujo nome Miguel não havia entendido até então, a cair na
gargalhada. O último membro do grupo, um moreno musculoso com pele escura
brilhando com pó de ouro e um bigode fino e meticulosamente modelado, sorriu
sem encontrar os olhos de ninguém. Ele pegou um coquetel azul que estava na
mesa à sua frente e tomou um longo gole.
O careca balançou a cabeça e acenou com a mão bem cuidada. —Você
sempre precisa de pau, então ele fornece isso também?
Miguel zombou. —Eu posso ouvir você e tenho meus limites.
—Que limites são esses?— Arturo perguntou e se aproximou, esfregando o
ombro no de Miguel com toda a audácia de quem está bêbado demais para sentir
medo. Seu rosto era da cor de suco de amora e gorducho, Miguel se perguntou se
seu sangue teria gosto de morango.
—Por que vocês não ficam incomodando os homens que querem transar
com vocês, hein?— Miguel disse com crescente irritação. Ele odiava ser uma
fonte de entretenimento.
Por um momento, a mesa ficou em silêncio, sem vozes irritantes para abafar
o ritmo irracional da música alta, mas nada de bom poderia durar muito.
—Ele é apenas tímido—, disse Nero e deu um tapinha na bochecha de
Miguel.
Como foda. Se Miguel quisesse, teria dado um jeito de foder alguém. Ele
simplesmente não se importava em se preocupar com algo tão trivial. Sexo traria
muitas complicações, exigiria muito esforço, e não era como se ele precisasse de
distrações quando seu trabalho envolvia lutar com um Caiman.
Magro sorriu. —É por isso que você só veste preto? Para evitar atenção?
Miguel bufou. —Eu o uso em luto por aqueles que matei e aqueles que
matarei no futuro.
Nero e seus amigos se entreolharam antes de cair na gargalhada.
—Tão nervoso! Eu gosto,— Arturo disse e piscou para ele. Mesmo o homem
sombrio sorriu, embora a diversão não alcançasse seus olhos.
—Oh, não seja tão dramático—, disse Nero, levantando a voz quando a
música ficou mais alta, e riu com seus dentes afiados. —Se você estivesse
realmente arrependido, nenhuma dessas pessoas estaria morta.
—Nero sempre diz que não se arrepende de nada—, disse magro, e quando
ele se espreguiçou, as pontas de seus piercings nos mamilos empurraram a
camisa apertada por dentro.
—Não. Nada. Nem uma única morte. Não tenho tempo para luto quando a
vida é tão curta — disse Nero, seus olhos verdes encontrando os de Miguel.
Se ele soubesse que sua vida teria sido interrompida semanas atrás, se ele
não fosse um peão conveniente no jogo de Miguel...
—Exatamente!— Arturo entrou na conversa. —O que você faz para se
divertir, Miguel? Você gosta de dançar?
Miguel franziu a testa, tentando descobrir se Arturo estava tentando dançar
com ele. Houve um tempo em sua vida em que ele dançava quase todos os dias,
mas isso foi há muito, muito tempo. —Não gosto de perder meu tempo—, disse
ele, esperando que o assunto morresse.
—Miguel mal sorri—, disse Nero, balançando os quadris na beirada do
assento em uma paródia de dança. Mas o movimento e a protuberância
cutucando o tecido atraíram os olhos de Miguel até que ele sentiu o suor em seu
lábio superior.
—Isso é bom! Os calados com um passado sombrio são os mais sensuais—,
disse Arturo e estalou a língua contra o canudo, mantendo os olhos em Miguel.
—Até que eles matem você,— Miguel acrescentou para tirar o cara de suas
costas.
—Aposto que poderia fazer você sorrir—, magro riu.
Miguel podia apostar que nenhuma dessas vadias sem cérebro estaria
agindo dessa maneira se Nero não estivesse aqui para protegê-las de um nariz
quebrado. Nenhum deles era do tipo que carregava uma arma, mas parecia que
não temiam os dentes afiados de Nero, como se fossem pássaros simbióticos,
autorizados a se banquetear com os restos de carne nos dentes de um predador.
—Não, essa é a minha aposta—, disse Nero, alongando-se para mostrar
seus músculos. —Vou fazer você sorrir, Miguel.
Miguel estava muito entediado para não pensar nisso. Qualquer coisa em
que ele pudesse derrotar Nero era uma vitória em seu livro. —Tudo bem, vamos
esperar um mês. O que eu ganho quando ganho?
Nero deu de ombros e os jacarés lutando em seu peito nu se flexionaram. —
O que você quer?
O cérebro de Miguel pegou fogo. Quero conhecer seu pai não seria
suficiente. Muito suspeito. —Quero ver os jacarés do seu pai.— Dessa forma, ele
poderia soar como se fosse apenas uma vítima de uma curiosidade mórbida.
O olhar de Nero brilhava como duas moedas antigas. —Feito. E se eu
ganhar, ganho um longo e delicioso boquete,— ele disse e agarrou-se através da
calça de moletom.
O calor queimou as bochechas de Miguel quando ficou claro que o
bastardo não usava cueca.
—Isso está me deixando com sede—, falou o homem de bigode.
Nero olhou na direção de Miguel. —Você ouviu o que Juan disse. Que tal
você nos trazer outra rodada?
Miguel hesitou, olhando para o mar de pessoas entre ele e o bar. —Tem
certeza de que é seguro para mim deixar você aqui?
Nero sorriu e se aproximou para que seu hálito quente provocasse a orelha
de Miguel. —O que pode acontecer? Chop-chop, Miguel. Preciso de você de volta
para o concurso de camiseta do Sr. Molhado, porque você está participando.
Miguel olhou para ele, mas ainda assim cheirou discretamente a colônia de
Nero. — Você não preferiria ganhar?— Um pouco de lisonja para evitar o
embaraço.
—Nah, isso vai ser mais uma exposição de cães. Me deixe orgulhoso.
Miguel cerrou os dentes. Se não estava conseguindo o que queria, o mínimo
que podia fazer era contra-atacar com comentários maldosos. —Tudo bem.
Alguma bebida machuca seus dentes sensíveis?
Nero rosnou. —Se isso acontecer, vou pegar algo quente e pegajoso para
lavar a boca.
Miguel considerou uma rejeição, mas não valia a pena, então ele saiu com a
imagem de várias cargas de porra por toda a boca de Nero embutida em seu
cérebro. A forma como este homem era ávido por isso, como ele nunca deixou de
mostrar o quanto gostava de pau, despertou algo enterrado profundamente em
Miguel. Algo que ele não queria explorar.
Felizmente, seu comportamento sombrio e as caveiras tatuadas acima de
sua sobrancelha fizeram o mar de homens bêbados e excitados se separar, e ele
não teve dificuldade em chegar ao bar. Esperar sua vez de fazer o pedido era
outra questão.
—Oh meu Deus, olhe para você!— disse uma voz queimada de cigarro
atrás dele, mas Miguel não se preocupou em olhar para trás, e se concentrou em
chamar a atenção do barman enquanto corpos suados o empurravam,
balançando no ritmo da música eletrônica tocando nos alto-falantes.
Em um mundo diferente, em que não precisasse ficar em guarda o tempo
todo, em que não tivesse pavimentado seu caminho até Raul Moreno com
paralelepípedos feitos de morte, ele teria retribuído o flerte? Ele teria gostado de
uma noite com o toque de um estranho? Ele nunca considerou tais coisas antes de
deixar o lado de sua mãe, mas essas fantasias não tinham sentido se ele não
pretendesse seguir em frente.
—Oito doses de qualquer coisa, apenas deixe-as coloridas—, disse ele ao
barman por causa da música alta. Ele preferia bares sossegados e degradados
onde se pudesse sentar em um canto com seu copo de rum. Mas este era o
mercado de carnes, e tudo aqui era sobre as pessoas serem capazes de se
apresentar a potenciais compradores.
—Adoro bad boy tatuado—, dizia a mesma voz, zumbindo no ouvido de
Miguel como um mosquito. Desta vez, uma mão acariciou seu bíceps em uma
tentativa de chamar a atenção.
Embora ele não gostasse de ser tocado, ele não estava disposto a matar
alguém por isso em um lugar público, especialmente não com tantas pessoas
assistindo. Pelo menos foi o que ele disse a si mesmo, porque outra parte dele disse
que não faria mal olhar ou trocar algumas palavras com um homem que ele
nunca mais veria de qualquer maneira.
O estranho era um pouco mais novo que ele e usava um corte de cabelo
loiro choque que contrastava com sua pele morena. A sombra azul brilhante de
seus olhos provavelmente era artificial, mas seus braços tonificados? Aqueles
eram reais.
—Eu dificilmente sou um menino.
O cara sorriu e cutucou o quadril de Miguel com o dele. —Forma de falar.
Você parece perigoso. Você é?— ele perguntou em um tom que sugeria que ele
gostaria de responder.
Miguel ansiava por um cigarro, para ter algo a ver com as mãos, mas em
vez disso tirou a carteira e pagou as bebidas. Ele costumava ter um amigo que
flertava com qualquer coisa que se movesse e sabia o que o cara teria dito em
resposta à pergunta de flerte. 'Só há uma maneira de descobrir' ou 'Só se você
quiser'.
Mas aquele não era Miguel. Ele não queria o acompanhamento.
—Eu sou muito perigoso para você.
O homem sorriu e sua língua rosada disparou para lamber os lábios, como
se fosse um lagarto. —Ou talvez seja o contrário? Qual é o seu nome, estranho?
ele perguntou, virando-se para se encostar no bar e encarar Miguel.
A língua de Miguel parecia um pedaço de madeira seca. Ele sempre rejeitou
os comentários desavergonhados de Nero porque eles só existiam para irritá-lo e
humilhá-lo. Mas isso era diferente. Esse cara estava interessado nele, então por
que sua reação inicial foi tão negativa?
Um pensamento estranho se infiltrou no fundo de sua mente. E se ele fosse
tímido? Ele não tinha nenhuma experiência romântica para falar. Afastar as
mulheres nunca foi uma luta, embora muitos parecessem achá-lo bonito, e antes
de chegar à vizinhança de Nero, não era como se os homens o atacassem, a menos
que tivessem um desejo de morte. Mas em um clube gay, ele era um jogo justo.
Ele estava realmente desinteressado ou era o medo do fracasso que o
impedia de agarrar as oportunidades casuais quando elas se apresentavam? Ele
gostava de olhar para homens bonitos, mas a ideia de tocar um estranho de
maneira sexual fazia algo se mexer desconfortavelmente na boca do estômago.
—Mmm-iguel,— ele disse, incrédulo com sua própria hesitação, e olhou
para a bandeja de diversos shots sendo colocada no balcão, só para ter uma
desculpa para não olhar para o homem na frente dele. Mas, apesar da música e
dos corpos lotando cada pedacinho do interior espelhado, ele só conseguia ver
esse estranho de pele macia e sorriso viciante.
—Elonzo. Prazer em conhecê-lo,— o cara disse e apertou a mão de Miguel,
mas sua voz estava tão cheia de desejo que ele poderia muito bem ter colocado a
mão no peito de Miguel, porque era para onde ele estava olhando. —Vou ver
aquela regata que você está vestindo molhada e grudada em você ou tenho que
removê-la para ver como o resto de vocês se parece?
Teria sido tão fácil quebrar sua mão ou ameaçá-lo. Isso teria sido familiar.
Esse? Miguel estava fora de seu alcance. —Eu...— ele parou apenas para verificar
se Nero não o estava espionando, mas congelou quando viu seu chefe se levantar
e abrir os braços agressivamente.
Juan enfiou a mão na parte de trás de suas calças, e Miguel se moveu antes
mesmo que o bastardo traiçoeiro mostrasse sua arma. Este era o elemento de
Miguel.
Capítulo 4
Nero
88 Assistente particular.
De perto, ele podia ver que o estranho tinha fones de ouvido e permanecia
alegremente inconsciente dos predadores afiando suas garras logo atrás dele
neste beco de concreto cheirando a comida podre e mijo.
—Sim, ele sacou uma arma no clube. Onde estava a segurança quando isso
aconteceu? —o homem gritou em um alto-falante preso aos fones de ouvido, mas
quando a bota de Miguel rangeu contra algum pedaço de metal, ele girou e
congelou diante do cano de aço.
Mesmo em um lugar tão sombrio, Nero viu seu rosto empalidecer. —M-
Miguel?— ele perguntou, arrancando os fones de ouvido.
Nero parou, mas quando olhou para o homem mais de perto, percebeu que
era o estranho que havia conversado com Miguel no bar, pouco antes da pequena
proeza de Juan arruinar uma noite perfeitamente boa.
Miguel fez um barulho estranho, algo entre um suspiro e um gemido. —
Você perguntou se eu era perigoso. Agora você sabe. Chaves.— Ele mostrou a
palma da mão aberta e os ombros do cara caíram.
—Vamos lá, cara...
Nero fez uma careta e passou por Miguel, agarrando as bolas do estranho
com tanta força que ele tropeçou na parede mais próxima e deixou cair o
telefone. A voz de alguém se elevou do dispositivo, mas eles não estavam aqui
para ajudar seu amigo em perigo. —Pedimos educadamente, não foi? Não se
preocupe, você pode recuperá-lo. Eventualmente.
O cara levantou as mãos em derrota, encolhendo-se quando Nero deu uma
leve torção em suas bolas - E pensar que algumas pessoas gozavam com isso! -
Ele engoliu em seco, como se estivesse lutando contra uma náusea, e deu sua
motocicleta preta um olhar ansioso antes de deixar cair as chaves na mão de
Nero.
—Encantado. Se algum dia eu reconhecer seu lixo na câmara escura, vou
me certificar de lhe dar um boquete extra bom,— Nero brincou, soltando seu
aperto no saco do pobre homem. Os olhos do estranho se arregalaram, mas ele
não respondeu e simplesmente se afastou mancando, respirando com dificuldade
como um animal que escapou dos dentes de um predador por uma margem
estreita.
— Suba — disse Miguel, como se agora fosse ele quem mandasse, o que
Nero achava adorável.
—Oh, Miguel, se você quisesse se esfregar na minha bunda, você poderia
simplesmente ter dito isso.— Nero agarrou o guidão e fez um show balançando a
perna acima da traseira da moto enquanto ligava o motor.
Miguel o encarou como se tivessem tempo para essa confusão de 'mas-eu-
sou-hétero'. —Talvez eu deva ser o único a dirigir,— ele disse, mas franziu a
testa, percebendo que isso significaria a virilha de Nero esfregando contra sua
bunda, que era uma ideia que ele provavelmente gostava ainda menos.
Nero bufou com as emoções passando pelo rosto bonito. —Se algo der
errado, eu seria empalado naquele maldito vidro, e embora eu definitivamente
queira me aproximar de você, prefiro que você enfie outra coisa em mim. Suba—,
disse ele enquanto uma viatura da polícia passava na rua à frente, cobrindo-a
com um brilho colorido.
Miguel xingou baixinho, mas não perdeu mais tempo e subiu na garupa da
moto. Ele tentou manter distância, mas assim que Nero colocou o veículo em
movimento, Miguel não teve escolha a não ser agarrá-lo. Com os quadris se
movendo no assento, o pacote de Miguel pressionado contra a bunda de Nero e os
braços envolvendo-o poderiam muito bem ser feitos de aço.
Essa experiência valeu uma perseguição policial.
Nero acelerou, fazendo com que Miguel o segurasse com mais força, e
disparou para fora do beco, cortando bem na frente de um carro da polícia.
Miguel soltou um xingamento, mas quando o veículo buzinou, Nero sentiu
adrenalina nas veias e disparou para o meio da rua. Foi tão abrupto que ele quase
bateu em um caminhão que se aproximava, desviando para o lado no último
momento.
Tanto para manter um perfil baixo.
A cabeça de Nero zumbiu com uma névoa eufórica quando Miguel se
inclinou, empurrando tão perto que eles se tornaram um corpo zapeando pela
rua movimentada com neon brilhante piscando ao redor deles como um
caleidoscópio com esteróides. Ele se sentia tão malditamente vivo!
O coração de Miguel batia rápido contra suas costas, peitorais musculosos
pressionados firmemente contra sua carne, e enquanto a adrenalina rasgava as
cordas da alma de Nero, ele imaginou estar sob este homem estóico. Ele seria tão
silencioso na cama quanto era em vida? Nero estava morrendo de vontade de
descobrir.
O carro da polícia roncou atrás deles enquanto Nero dirigia ao longo da
linha entre as pistas, mas quando os outros carros se moveram para o lado para
deixar os policiais passarem, a motocicleta se transformou em um torpedo
disparando direto para o brilho vermelho à frente e o fluxo de faróis passando
por uma travessia enorme.
Os dedos de Miguel cravaram na carne de Nero, mas a máquina trêmula já
parecia uma parte do corpo de Nero, e quando o carro da polícia os alcançou, ele
disparou para o cruzamento movimentado. Um jipe parou abruptamente para
evitar colidir com eles, e sua buzina soou nos ouvidos de Nero enquanto ele
ziguezagueava entre outros veículos. Metal colidiu em algum lugar atrás de suas
costas, mas ele se concentrou na lacuna entre dois ônibus e, assim que disparou
através dela, a sensação de vitória explodiu lá no fundo. Ele gritou, acelerando no
meio da rua, passando por motoristas esperando o sinal mudar, mas depois de
várias centenas de metros, ele entrou em um beco vazio reservado para pedestres.
Enquanto diminuía a velocidade, a respiração de Miguel fazia cócegas em
seu pescoço, fazendo a mente lasciva de Nero vagar. Ele olhou para as mãos frias
travadas em seu peito como suportes de ferro e ouviu o batimento cardíaco
furioso perfurando sua espinha quando a moto parou perto de um grande
contêiner de lixo. O cheiro intenso de óleo frito sugeria que eles haviam chegado
aos fundos de alguma lanchonete, mas, por mais desagradável que fosse o cheiro,
a escuridão do beco deveria mantê-los a salvo de serem descobertos.
—Você está tentando nos matar?— Miguel cuspiu, mas segurou Nero como
se fisicamente não pudesse abrir os braços. Sua virilha estava pressionada contra
a bunda de Nero com tanta força que seu pau era uma característica clara, apesar
de ser macio.
Se ao menos Nero pudesse chupar melhor.
—Relaxe. As coisas acontecem e você tem sorte ou não. Nós escapamos
ilesos, não é?— Nero perguntou, mas não tentou descer da moto e apenas
aproveitou o calor do corpo de Miguel.
Ser fodido em uma motocicleta costumava ser uma fantasia dele, então
talvez ele e Miguel pudessem torná-lo real?
Os pensamentos de Nero ficaram em branco quando o pau de Miguel
inchou um pouco, como se sua imaginação tivesse de alguma forma passado para
ele.
Mas antes que pudesse perguntar sobre isso, Miguel soltou e desceu tão
abruptamente que acabou tropeçando. Sorrindo, Nero quis comentar sobre a falta
de jeito de Miguel, mas em vez de se levantar, Miguel caiu para frente, direto
para os sacos de lixo empilhados ao redor dos contêineres. Joelhos macios após o
passeio?
Miguel respirou fundo várias vezes, nem mesmo tentando se levantar desta
vez, e foi só então que Nero lembrou que as costas e o ombro do pobre coitado
eram uma almofada de alfinete para vidro.
A sirene da polícia soou novamente e Nero desceu da moto, empurrando-a
para trás do contêiner. —Vamos, eu cuido disso, mas vamos entrar—, disse ele, já
observando os prédios residenciais estilo anos 70 que se erguem dos dois lados do
beco de paralelepípedos.
—Estou bem,— Miguel murmurou e alcançou um alforje preso à
motocicleta para recuperar a garrafa de vodca que ele pegou no bar.
Nero gargalhou e moveu o braço para dar um tapinha nas costas de Miguel
para dar ênfase. Ele se deteve no último momento, lembrando-se mais uma vez de
seus ferimentos. —Com certeza você é. Um puta exemplo de saúde—, disse,
procurando um lugar onde pudesse ver melhor os ferimentos.
Tudo o que conseguiu de Miguel foi um resmungo incoerente, mas Nero
não dava a mínima, desde que não fosse preso e o braço de Miguel permanecesse
em seus ombros. Eles caminharam no ritmo de dois vovôs com insolação por mais
dois quarteirões até que Nero avistou uma casa abandonada no cruzamento da
passagem de pedestres com uma rua estreita e tranquila.
O edifício de estilo colonial teria sido encantador se alguém decidisse
renová-lo, mas agora sua antiga fachada intocada estava coberta de pichações e a
varanda de ferro acima da entrada principal enferrujada. Uma porta de metal
verde e persianas do mesmo material foram anexadas a cada ponto de entrada no
primeiro andar à vista, mas quando Nero agarrou o cadeado na entrada, ele se
abriu, como se alguém o tivesse deixado assim de propósito.
Aleluia.
Não foi assim que ele imaginou que esta noite seria, mas ei, eventos
inesperados eram o tempero da vida, e ele preferia aproveitá-los em vez de viver
uma vida chata em seus oitenta anos. Se não fosse pela loucura de Juan, ele teria
encerrado o passeio recebendo seu pau reparado por algum rando de câmara
escura. Em vez disso, ele compartilhou momentos de pulsação com Miguel e
sentiu a prova de sua excitação. Os dois precisavam andar de moto com mais
frequência.
Acendeu a lanterna do telefone e conduziu Miguel a um espaço empoeirado
com um enorme balcão de bar nos fundos. Um par de mesas e cadeiras estavam
agrupadas em um canto, mas, apesar dos quadros toscos pintados com spray nas
paredes e uma rachadura no meio do piso de ladrilhos, o negócio esquecido -
provavelmente um bar - estava em uma forma decente. Garrafas vazias e uma
pilha de sacos de batatas fritas sugeriam que este lugar às vezes servia como um
ponto de encontro para os jovens, mas como Nero não viu nenhuma evidência da
presença de ninguém, presumiu que estariam sozinhos.
E se não fossem, ele simplesmente lidaria com isso.
—Quão ruim é isso?— perguntou, contorcendo as feições quando o raio de
luz fez brilhar o vidro na pele de Miguel.
Miguel mastigou a pergunta como se estivesse prestes a morder um limão e
sentou-se ansioso em uma cadeira que não estava caindo aos pedaços. —Apenas
desinfete—, disse ele, passando a garrafa de vodca para Nero. Antes que Nero
pudesse protestar, ele tirou a blusa com um silvo de dor, arrancando parte do
vidro no processo. Um enorme crânio de demônio olhou para Nero da elaborada
tatuagem nas costas de Miguel. Seus olhos vazios eram o foco do desenho, mas a
imagem continha uma riqueza de outros elementos, como metralhadoras com
canos cruzados nas costas de Miguel, chifres chegando até a nuca e uma cobra
saindo do crânio no olho, tudo na tela de belos músculos.
Miguel ofegou, deixando cair o top no chão, mas Nero ainda estava olhando
para a face da morte observando-o de volta da carne de Miguel. Se não estivesse
coberto de sangue, ele teria lambido a boca cheia de dentes de tinta. Era por isso
que ele amava tanto tatuagens e modificações corporais. Bem feito, eles realçavam
as características de uma pessoa e, ao contrário da carne natural, a arte mostrava
quem a pessoa realmente era. Mesmo as pessoas que fizeram tatuagens para
esconder sua verdadeira personalidade as usaram para expressar quem elas
queriam ser.
E Miguel? Se ele era um demônio ou desejava ser um, sua tinta prometia
obliteração para qualquer um que estivesse em seu caminho. Nero pagaria a ele
pelo privilégio de colocar suas habilidades de iniciante com a pistola de tatuagem
para trabalhar naquela pele quente e escura.
—Você não consegue ficar parado?— Nero perguntou, tentando identificar
cortes menores com a ajuda da lanterna. Eles não pareciam ser tão numerosos
quanto ele temia, então ele foi em frente e puxou um fragmento verde da carne
de Miguel. Ele desobstruiu o corte e uma faixa vermelha pingou no olho esquerdo
do crânio.
Nero assobiou. —Uau, espero não sangrar você como um bezerrinho,
hein?— ele perguntou e deu um tapa no quadril de Miguel.
Miguel balançou a cabeça. —O filho do Canibal, afinal. Dê para mim,— ele
disse e estendeu a mão para trás, pegando o telefone da mão de Nero. Apoiando os
cotovelos nas costas da cadeira, ele a segurou acima do ombro curvado para
iluminar seus ferimentos.
A boca de Nero azedou e ele cuspiu no chão empoeirado enquanto o sabor e
o cheiro de carne grelhada voltavam a ele, forçados a entrar em sua língua. Sem
sal e sem graça, a lembrança daquela sensação nunca estava longe.
—Só há um tipo de carne humana que eu quero comer—, disse ele,
voltando à segurança das insinuações sexuais, porque imaginou que isso calaria a
boca de Miguel.
—Isso de novo?— Miguel resmungou, ficando rígido quando Nero
removeu mais fragmentos de sua carne. —Isso é o que te meteu na confusão desta
noite em primeiro lugar. Você é o maldito Nero Moreno. Você poderia ter
qualquer pau, mas dorme com cada pedaço de lixo que encontra!
Nero parou, movendo os dedos sobre a pele quente e úmida em busca de
pedaços menores de vidro. —Oh, você se importa com quem me fode?
Miguel bufou e, enquanto descansava a testa no encosto da cadeira, a risca
de seu cabelo preto trançado atraiu o olhar de Nero. —É só... Acho que tornaria
minha vida mais fácil se você escolhesse homens melhores.
Nero suspirou, concentrando-se na deliciosa divisa de pele cortando o
cabelo na nuca de Miguel. —Não existem homens bons. Todos eles querem
alguma coisa, e a maioria não é confiável. Posso muito bem foder cada um que eu
gosto.
—Isso não faz você se sentir... sujo?
Essa deve ser uma das conversas mais profundas que eles tiveram. Talvez
fosse mais fácil para Miguel fazer perguntas tão íntimas quando não podiam se
olhar nos olhos?
Era assim que Miguel se sentia sobre sua própria atração por homens, que
neste momento era dolorosamente óbvia para Nero? Ele o via como sujo? Homens
enrustidos criavam tantos problemas em suas próprias cabeças.
—Sim, mas isso é um pouco da diversão. Eu sei que eles me temem, ou
querem algo de mim, ou me odeiam, mas eu ainda consigo o que quero. Posso ser
a cadela deles por meia hora, mas eles sabem que nunca serão o verdadeiro chefe.
E eles se ressentem disso—, disse Nero, pegando o celular da mão de Miguel para
escanear as costas feridas uma última vez. Parecia que ele havia extraído todos os
fragmentos.
Miguel ponderou suas palavras em silêncio preenchido apenas com
respirações trêmulas. —Você gosta de ser fodida por homens que te odeiam? Mas
você... abre-se para eles.
Claramente não é um especialista em sexo gay então.
Nero suspirou e abriu a tampa da garrafa de vodca antes de tomar um gole.
O licor mordaz rodou em sua boca, limpando o sabor da carne fantasma. —
Aprendi minha lição cedo. Me apaixonei muito por um dos homens de meu pai.
Continuei me envergonhando e ansiando por ele. Eu até fiz sanduíches para ele
uma vez - tudo para deixá-lo saber que eu estava interessada sem realmente
dizer isso. Ele entendeu a dica. Primeiro me fodeu, depois me fodeu, contando a
todos o que aconteceu. Até aquele dia, mantive em segredo meus sentimentos
pelos homens, mas depois todos descobriram, inclusive papai.
Raul Moreno não estava entendendo. Nem sendo gentil.
—Então eu peguei minha arma e atirei no rosto dele,— Nero terminou,
derramando a bebida sobre feridas recentes sem aviso, porque ver alguém
sofrendo sempre aliviava a queimadura das memórias de Nero.
Miguel gritou e se agarrou à cadeira como se fosse sua tábua de salvação.
—E-então você costumava ter um coração—, ele finalmente murmurou
enquanto Nero acariciava os cortes encharcados de vodca com lenços de papel
limpos de seu bolso.
—Ter um coração é superestimado. Eu tinha quinze anos e sabia que todo
mundo iria me odiar daquele ponto em diante. Achei melhor dar a eles um
motivo real,— Nero disse e tomou um gole do licor restante antes de oferecer o
resto a Miguel.
—Você sabe que eu não te odeio porque você é gay, certo?— Miguel disse
com uma voz surpreendentemente suave e puxou as teias de aranha que
cresceram no lugar do peito de Nero onde costumava haver um coração. Mas o
que restou foi protegido por fio eletrificado, que o trouxe de volta à normalidade.
—Eu não acho que você me odeie, Miguel. Se você tivesse, teria deixado
Juan acabar comigo esta noite,— Nero sussurrou.
Quando um pouco mais de sangue escorria pelas costas de Miguel, Nero
pegou a tampa descartada e a esfregou contra a pele.
O corpo de Miguel ficou tenso. —Eu odeio o jeito que você fala com as
pessoas. Para mim. Como se todo mundo fosse um pedaço de carne. Não entendo
por que você gosta de ser usado.
Nero imaginou ouvir aquela voz profunda na cama com as luzes apagadas,
e um arrepio percorreu sua espinha, pois a essa altura ele conhecia Miguel, e
acreditava que ele seria tão metódico e atencioso entre os lençóis quanto em
qualquer outro momento. Mas Miguel também entendia muito pouco sobre a
vida sexual de Nero e quem usava quem a portas fechadas.
Com um sorriso se abrindo na boca, Nero se aproximou o suficiente para
sentir o cheiro da vodca na pele de Miguel. —Eu me sinto vivo com um pau na
boca. E quando um homem monta em mim, é um foda-se para todos que já
tentaram me dizer como viver minha vida e como ser um homem. Tem esse ponto
dentro de mim, e quando é cutucado com um pau me deixa louco, Miguel. Nada
mais importa quando estou preso. Espero que seja assim que eu morra. Em êxtase
e dor.
Miguel engoliu alto o suficiente para Nero ouvir. Um homem hétero já teria
rido disso, dito a Nero que conseguiu, mas que nunca conseguiria. Mas Miguel
virou a cabeça para olhar para Nero por cima do ombro.
Sua boca era uma linha tensa, mas seus olhos brilhavam na escuridão como
as asas de um besouro. —Você realmente gosta de ser fodido...— ele meio
perguntou, meio disse como se só agora percebesse que Nero não estava fingindo
para rir.
Nero poderia sentar no colo de Miguel agora e mostrar a ele o quanto ele
gostava de um pau no cu. Ele iria se lubrificar, fazendo um show disso para que o
elusivo pau escondido nas calças de Miguel ficasse duro como pedra. E então ele o
levaria e cavalgaria, cavalgaria, cavalgaria, até que o sêmen de Miguel o enchesse
com seu calor.
Com o Miguel ia querer fazer sem borracha também, porque o que um cara
tão casto como ele poderia passar naquela porra deliciosamente quente?
Nero passou a mão pelo bíceps de Miguel, sentindo-o arrepiar-se. Seu
toque ainda não havia sido rejeitado, então ele sustentou o olhar de Miguel no
calor do prédio abandonado onde as janelas bloqueadas os escondiam de olhares
indiscretos.
—Sim. Eu anseio por isso todos os dias.
Miguel abriu a boca como se fosse dizer algo, mas nada saiu e ele
continuou olhando para Nero como se estivesse coberto de concreto endurecido e
não pudesse escapar.
Ele estava tenso sobre duas pernas, e a ideia de quebrá-lo para finalmente
dar a este homem o alívio que ele precisava torceu a mente de Nero até que fosse
capaz de seguir apenas uma trilha. Como seria Miguel relaxado? Nero não fazia
ideia e estava morrendo de vontade de descobrir.
Com ele, ele pode apenas seguir o fluxo e deixá-lo explorar em vez de dar
ordens. Se ele pudesse encontrar uma maneira de alargar a rachadura na casca
dura de Miguel.
—O convite está aberto. E você pode não acreditar em mim, mas posso ser
discreto,— Nero sussurrou, apertando aquele braço duro. Ele lamberia este
homem de cima a baixo se tivesse metade da chance.
Miguel não falou, mas um dos maiores cortes nele se abriu novamente,
levando Nero a pressionar o topo da ferida. Miguel respirou fundo, como se
estivesse pronto para falar. Talvez ele estivesse prestes a admitir que gostava de
homens, mas então o telefone de Nero vibrou com o toque irritante que ele havia
definido para seu pai.
—Foda-se—, sibilou Nero, apertando o bíceps de Miguel, mas o pai nunca
ligava para falar de coisas triviais e, na verdade, contatava Nero o mais raramente
possível, então ele o soltou e ficou de costas para Miguel, atendendo a ligação. —
Sim?
—Tenho um trabalho urgente para você. Algo caiu e preciso que você junte
os pedaços. Escolha um homem para ir com você, não mais. Não deve ser difícil,
mas requer discrição. Sem merdas.
Nenhum dos dois se preocupou mais em cumprimentar o outro, e o tom
monótono e um tanto rouco do fone parecia a voz de um estranho.
—Você vai me enviar os detalhes ou planeja me contar agora?
—Os detalhes virão amanhã. Eu só preciso saber que você não está se
embebedando em algum iate na costa ou fazendo o que você gosta de fazer. —A
voz do pai tornou-se mais áspera, mas Nero gostava de irritá-lo.
—Eu estava ficando desossado, mas você sabe que atendo suas ligações
independentemente da situação.
Ele quase podia ouvir o pai rangendo os dentes. —Esteja lá amanhã—, disse
ele e desligou. Ele não havia especificado onde havia, mas essas informações
mundanas fariam parte do pacote de informações que Nero receberia pela
manhã.
Expirando, Nero enfiou o telefone no bolso, mergulhando o interior na
escuridão quase perfeita. Tudo o que ele podia ouvir além do ruído branco da
cidade era a respiração de Miguel. Ele se virou e estendeu a mão para a figura
escura de pé ao lado da cadeira. Seu coração acelerou quando ele tocou a carne
quente.
Miguel deu um passo para trás na escuridão, escapando das mãos de Nero,
embora não tenha dado um tapa na mão de Nero. —Nós devemos ir.
A raiva zumbia em Nero como uma vespa que ele mantinha na boca, apesar
de picar repetidamente até a garganta de Nero se fechar. O momento de
vulnerabilidade de Miguel se foi.
—Sim.
Capítulo 5
Miguel
9 A arepa é um prato de massa de pão feito com milho moído ou com farinha de milho pré-cozido nas
culinárias populares e tradicionais da Bolívia, Colômbia, Panamá e Venezuela. É um dos pratos tradicionais e
emblemáticos da Colômbia e Venezuela.
As pessoas passaram. Dois casais estavam sentados ao lado de mesas de
plástico, jogando um jogo que os fazia rir. Três meninos jogavam futebol em uma
rua próxima, apesar de já ter passado da hora de dormir. E ele assistiu. Mas se a
situação mudasse, como muitas vezes acontecia na vida de Nero, ele tinha Miguel
ao seu lado. Eles seriam invencíveis juntos, aconteça o que acontecer.
—Nunca vi seu cabelo destrançado,— ele falou arrastado como se houvesse
purê de batata em sua boca. —É encaracolado? O meu é quando fica comprido.
Miguel olhou para ele com as bochechas cheias de comida como se fosse
um esquilo. Embora ele não sorrisse, seu olhar perdeu a nitidez habitual. —É...—
ele parou como se não conseguisse se lembrar da palavra certa. —Ondulado. É
ondulado. Me dê um pouco disso...— Ele se aproximou e pegou uma arepa da
caixa de Nero. O cheiro de seu corpo, terroso e masculino, abriu caminho até
Nero através da névoa da embriaguez e do forte cheiro de comida frita.
—O meu é excêntrico. Peguei da minha mãe,— Nero disse e esfregou seu
curto cabelo verde antes de se concentrar na caixa no colo de Miguel com um
sorriso perverso. —Vou pegar um dos seus também,— ele murmurou e se
inclinou, empurrando o rosto para as empanadas quentes enquanto imaginava
que o pau de Miguel poderia endurecer tão abruptamente que abriria caminho
para dentro do recipiente. Nero aproveitaria essa oportunidade.
—Não, não, pegue um com carne de porco,— Miguel murmurou,
empurrando a testa de Nero até que seu nariz estivesse fora da caixa perfumada.
Miguel então pegou o pacote quente de comida e enfiou na boca de Nero muito
rápido. Nero cantarolava, encontrando o olhar de Miguel enquanto ele fechava os
lábios em torno do pequeno pedaço do lanche que restava de sua boca antes de
morder. Estava tão suculento!
O mundo girava em torno de Nero enquanto ele se apoiava em Miguel,
mastigando a comida. —Tão bom...
Miguel fechou os olhos enquanto comia. —Minha mãe faz os tacos mais
incríveis. Com carne, feijão e limão, e eles queimariam sua boca, mas tão
deliciosos.
—Quando você comeu os tacos dela pela última vez?— Nero perguntou
enquanto a enorme quantidade de comida descia por sua garganta, absorvendo o
álcool. Ele nunca tinha ouvido Miguel falar sobre sua mãe antes, e ele meio que
assumiu que o cara estava afastado de qualquer família que ele pudesse ter, já
que ele nunca os mencionou.
—Três anos? Quatro?— Miguel abriu os olhos, olhando para uma família
que parava na loja para comprar sorvete para os filhos. —Vou tê-los novamente
um dia. Você não cozinha, não é?
Era uma pergunta tão estranha que Nero riu alto.
—Eu posso cozinhar um ovo, mas nunca precisei aprender.
—Disseram-me que minha esposa cozinharia para nós. Sem sorte até
agora,— Miguel disse com um suspiro, confundindo Nero. O que Miguel estava
tentando dizer a ele?
—Então... por que você não a visita? Sua mãe. Você poderia tirar alguns
dias de férias,— Nero meditou e descansou a cabeça no ombro de Miguel
enquanto mordia sua última arepa. A banana e o recheio de carne derreteram em
sua língua assim que ele começou a mastigar.
Foi bom não ser desprezado como de costume.
—Como se fosse voar com seu pai. Ela mora muito longe daqui e não quer
me ver agora. Eu preciso mijar,— Miguel disse e se levantou tão rápido que Nero
perdeu o equilíbrio e caiu na pedra que ainda estava quente depois de segurar a
bunda de Miguel. Ele fez uma careta quando o último pedaço da arepa
escorregou entre seus dedos e caiu na terra aos pés deles, mas por mais deliciosa
que fosse a comida, ele não queria temperá-la com pontas de cigarro e areia.
—Ei, espere!— Ele se levantou para seguir Miguel, mas o mundo ficou
turvo e ele se viu procurando apoio porque suas pernas não eram confiáveis.
Miguel jogou sua caixa vazia em uma lata de lixo transbordante e agarrou
o braço de Nero como se fosse a coisa mais natural do mundo. —Você tem dez
segundos até eu me mijar.
Nero cantarolou e sentiu seu próprio pênis através de seus corredores. Uma
mulher mais velha que passava na rua virou o rosto, como se o gesto fosse para
ela, mas agora que Nero estava de pé, ele também sentia uma necessidade
crescente de aliviar a bexiga.
—Vamos fazer disso um jogo,— ele disse quando Miguel o puxou para
longe das luzes e através de uma passagem em arco. O ar estava impregnado
pelas latas de lixo aparecendo na sombra, mas além delas havia um quintal
bagunçado cercado por prédios residenciais de cada lado.
—Não se o jogo for você chupando meu pau.— Miguel franziu a testa,
abrindo o zíper da calça jeans no momento em que pisaram nas sombras
dispersas apenas pelo brilho fraco que chegava a eles de algumas das janelas
acima. O som agudo e familiar foi direto para as bolas de Nero. —Você não bebe
mijo, bebe?
Nero tentaria quase tudo uma vez, mas essa não era uma experiência que
ele gostaria de repetir. —Não. Mas que tal vermos quem consegue continuar
mijando por mais tempo? O vencedor escolhe o que faremos a seguir?— ele
propôs, ficando mais quente quando o pau fantasma de Miguel descansou contra
seus lábios aqui mesmo, neste quintal escuro cercado por altos muros que
conduziam o olhar para o céu, como se estivessem no fundo de um poço. Ele caía
de joelhos e passava a língua pelo comprimento grosso enquanto as pessoas nos
apartamentos de cima cuidavam de seus negócios, sem saber que o casal estava
fazendo isso bem debaixo de seus narizes.
Miguel semicerrou os olhos para ele. —Ok, mas merda normal, não coisas
estranhas de sexo.
Coros de anjos ecoaram na cabeça de Nero quando Miguel puxou seu pênis
para fora. Mesmo quando macio, era grosso, escuro e tão sugável que Nero se
imaginou puxando o prepúcio para trás com os lábios para provocar a fenda com
a língua.
Tremendo, encostou-se no ombro de Miguel e baixou as calças, pronto para
regar o canteiro que corria ao longo da parede. A julgar pelo cheiro de amônia
pairando no ar quente, eles não foram os primeiros a aparecer aqui para um
alívio rápido.
—Claro. E as coisas de sexo normal?— ele riu, tentando controlar sua
crescente ereção.
—Não. Preparado? Vai.
Miguel soltou um forte jato de mijo, levando Nero a fazer o mesmo. O jogo
era tão bobo que Nero se sentia como uma criança de novo, apenas brincando
com seus amigos e sem saber dos terrores que ainda estavam por vir.
Estava bem.
—Eu bebi demais,— Nero murmurou, concentrando-se na melodia da
bachata10 vindo do outro lado do quintal enquanto o mijo deles sussurrava no
escuro como um prelúdio para algo mais.
—Oh sim? Você está admitindo a derrota? —Miguel perguntou, embora
fosse ele quem balançasse para o lado e cujo fluxo estivesse enfraquecendo.
—Nunca—, disse Nero e se forçou a esvaziar a bexiga em um ritmo mais
lento, porque ainda não estava pronto para terminar o encontro. —Eu quero ir
para onde esta música está tocando.
Miguel se apoiou contra a parede bufando, mas ficou claro que havia
perdido, pois a última gota ainda segurava a ponta de seu pênis como uma
bandeira de rendição. Ele suspirou tão profundamente que Nero esperava que seu
corpo murchasse e caísse no chão.
—Porra. Bem. Talvez eles tenham mais comida lá.
Nero soltou seu mijo restante em um jato alto. —O que é Miguel?
Crescendo fraco? Quer que eu alimente você? —ele perguntou e bateu o ombro
contra o de Miguel antes de se aconchegar.
Miguel gemeu e o empurrou para longe, seu pau ainda pendurado para
fora da braguilha como um prêmio que Nero não tinha permissão para
reivindicar. —Só se o seu pau for feito de churros.— Ele franziu a testa. —
Imagina um churro do tamanho de um pau…
Nero pôs a mão na cintura de Miguel e o empurrou pelo pátio, até o portão
do outro lado, que os levaria para mais perto de onde vinha a música. —Um
10A Bachata também conhecido com seresta, é um gênero musical e uma dança originada na República
Dominicana na década de 1960. Considerada um híbrido do bolero com outras influências musicais como o
chá-chá-chá e o tango.
churro moldado depois do seu poderia me dar diabetes, mas eu ainda teria. Vem
com recheio de creme?
Miguel bufou, mas finalmente percebeu que seu pau ainda estava para fora,
porque ele fechou o zíper. —Você é um porco. Como se você não tivesse comido o
suficiente esta noite.
—Foi você quem queria mais comida—, disse Nero, tentando andar direito
enquanto pressionava a maçaneta de ferro da pequena porta em uma ala do
portão e cambaleava para uma praça iluminada com tanta intensidade que
parecia encontrar a luz do dia. As grossas paredes do prédio de apartamentos
devem ter bloqueado a maior parte do barulho, mas agora que eles entraram na
praça de paralelepípedos cercada por árvores e casas de dois andares, era como se
tivessem caído em uma realidade diferente. Tudo estava banhado pelo brilho das
lanternas, o ar cheirava a açúcar e os casais dançavam entre mesas de plástico
repletas de comida e bebida.
Nero sorriu, puxando o braço de Miguel. —Vamos dançar!
Miguel gemeu e ficou parado. —Vá em frente, eu vou assistir.
Nero balançou a cabeça. —Ganhei o concurso de mijo e exijo que
dancemos.
Ele podia ver os cálculos na cabeça de Miguel refletidos em seu rosto
quando a música mudou para algo bem menos divertido. Mas enquanto algumas
pessoas deixaram a área de dança, outras se levantaram, já se juntando para
alguns lânguidos minutos de tango.
—Você pode seguir?— Miguel perguntou, confundindo Nero, que apenas
inclinou a cabeça.
—O que?
Miguel ergueu o queixo e, embora não estivesse tão estável como sempre,
ainda afetado pela bebida que haviam bebido, parecia orgulhoso. —Você está
falando com o campeão regional de tango para crianças de sete a dez anos. Eu
não estou dançando a menos que você siga.
Seria possível ficar ainda mais embriagado apenas com as palavras de um
homem? Claramente era, porque os joelhos de Nero ficaram cada vez mais moles.
—Ah, eu posso ver você em um pequeno smoking. Você deve ter sido adorável,—
Nero disse e ofereceu-lhe a mão.
Houve um borrão no rosto de Miguel, e Nero não tinha certeza de quão
equilibrado ele poderia estar em seu estado atual, mas quando Miguel agarrou
sua mão e colocou a outra nas costas de Nero, puxando-o para perto em um
movimento tão decisivo que as lanternas giraram em espiral sobre a cabeça de
Nero como estrelas cadentes.
O que. No. Inferno. Era esse cara?
Nero não dava a mínima para uma mulher rindo por perto, porque
enquanto sua dança de escolha era apertar um cara ao som de reggaeton, ele
estava rapidamente se tornando um amante do violino. E como se Miguel guiar
seus passos não fosse estranho o suficiente, o olhar sombrio não deixou o seu
quando Miguel colocou a mão de Nero em seu ombro. A música fluía lenta o
suficiente para tornar controlável seguir sua liderança, mas sem conhecer os
passos, ele era uma marionete nas mãos de Miguel e se viu dando um giro que
não pretendia. O mundo embaçado continuou girando ao seu redor quando as
mãos frias de Miguel o puxaram para perto, em um aperto firme que não refletia
a quantidade de tiros que Miguel tinha feito anteriormente.
A mente bêbada de Nero não conseguia acompanhar, e quando o peito de
Miguel pressionou contra o dele, ele mal conteve o impulso de ficar na ponta dos
pés e reivindicar o beijo que ainda não havia merecido. Quando Miguel avançou,
Nero deu dois passos para trás, e quando estavam tão próximos um do outro,
parecia o movimento mais natural que alguém poderia fazer. Simplesmente
funcionou, e com Miguel no comando, eles deslizaram sobre as pedras como uma
torrente. Sem fôlego, Nero flutuava apenas por causa de seus braços fortes,
totalmente inconsciente de qualquer coisa além de seu abraço, como se os dois
tivessem flutuado no céu, para se juntar às estrelas.
Nunca antes ele havia sido segurado assim. Seus sentidos ferviam a cada
passo que Miguel o instava a dar, e quando um calor indesejado se acumulou em
suas bochechas, ele pressionou o rosto no pescoço de Miguel, cheirando a mistura
de colônia e suor que o deixava cada vez mais embriagado. Guiado pela música e
pelo homem que não poderia ter, ele era impotente nessa dança que não era para
ser executada com tênis Nike laranja neon.
No momento em que as doces notas do violino ficaram mais altas e intensas,
girando em torno dele como xales de seda, ele não pensou muito na maneira
como Miguel o tirou do abraço para outro giro de tirar o fôlego. Seu coração
dançava mambo, mas parou no momento em que Miguel o trouxe para perto
novamente e desta vez colocou a mão de Nero em sua própria nuca. Antes que
Nero pudesse respirar, Miguel se inclinou para frente no crescendo da música e...
o largou . Ele enrijeceu, pronto para a dor, mas o braço musculoso em suas costas
o segurou antes que sua cabeça pudesse se chocar contra a pedra.
A sensação de perigo deixou Nero tenso, mas Miguel o segurou firme, como
se quisesse provar que podia proteger Nero. Que sua força era confiável. Que ele
iria cuidar dele, e que uma vez que eles fodessem, ele teria tanto autocontrole
quanto ele exibia agora.
Era tão malditamente sexy, como uma transa sem a necessidade de tirar
nenhuma roupa, e a intensidade dos olhos castanhos escuros despindo-o
enquanto ele ainda pendia de cabeça baixa transformava seu sangue em desejo
líquido.
A pele de Nero antecipava o toque de Miguel, e cada vez que seus dedos se
moviam contra a pele suada, era como ser tocado pela primeira vez.
Confuso. Perigoso. No entanto, tão delicioso Nero não sonharia em parar
Miguel.
Ele estremeceu quando uma gota de suor caiu da ponta do nariz de Miguel
e atingiu seu lábio. Lambeu a gota salgada com a mesma ânsia com que se
empanturrava de todo o corpo de Miguel.
A realidade se chocou com essa fantasia quando Miguel o puxou de volta
ao som de algumas palmas que logo foram abafadas por vaias.
Ele olhou em volta, atordoado e ainda segurando a mão de Miguel, para
avistar um homem de meia-idade em uma camisa branca cuidadosamente
enfiada em calças, balançando a cabeça para eles.
—Não é uma festa para o seu tipo,— o estranho disse com um distinto
sotaque argentino. —Há crianças que ele...— Ele deu um rápido passo para trás
quando Nero mostrou a ele seus dentes pontiagudos.
O resto da multidão não parecia incomodado o suficiente para se juntar ao
confronto, e o medo do homem até rendeu algumas risadas antes que uma jovem
com um vestido colorido surgisse entre as mesas e puxasse sua manga enquanto
balançava a cabeça.
—Pai, eles estão apenas dançando.
—Eles podem dançar em outro lugar! É meu aniversário e não quero ver
isso.
Miguel abriu os braços e apontou para Nero. —Bem, é dele também!
O homem empurrou a filha para o lado, ficando vermelho sob a barba
grisalha. —Então organize sua própria festa. Para seus amigos!
Nero soltou Miguel com uma raiva crescente. A música parou no meio da
próxima bachata, deixando espaço para cada palavra que não deveria ser dita. —
E esta é a porra de uma praça pública e todo mundo tem o direito de estar aqui.
Você não quer ver pessoas como eu? Que tal você convidar seus convidados para
seu minúsculo apartamento, seu pedaço de merda homofóbico,— ele rugiu e
agarrou a cadeira vazia que estava próxima. A jovem deu um passo à frente do
mal-educado filho da puta, como se sua presença pudesse protegê-lo da fúria de
Nero Moreno. Alguns dos homens avançaram, mas nenhum se atreveu a chegar
perto o suficiente para receber um soco, como se reconhecessem o que
significavam as tatuagens de Nero e Miguel.
Em um momento de fúria sem sentido, Nero jogou a cadeira em uma mesa
com bolo, mas os braços fortes que ele agora conhecia muito bem o agarraram
por trás antes que ele pudesse atacar o rude aniversariante. Miguel o pegou como
se fosse uma criança fazendo birra e o puxou para longe dos convidados da festa.
—Feliz aniversário, boceta,— Miguel gritou, mas arrastou Nero para longe
das lanternas brilhantes, levantando-o do chão cada vez que o temperamento de
Nero o dominava.
Ninguém o seguiu.
Nero não parava de se debater até que foram engolidos pelas sombras de
uma rua que mal dava para passar um carro pequeno. Ele soltou um rosnado
baixo, mas não tentou se libertar e deixou Miguel levá-lo para mais longe.
—Fodidos! Não posso acreditar nessa merda,— Nero disse, agarrando os
antebraços de Miguel enquanto ele respirava fundo em uma tentativa de se
acalmar, embora as rajadas de embriaguez que percorriam seu cérebro não
estivessem ajudando.
Algo muito bom estava acontecendo ali. Que porra? Se ele perdesse um
beijo alucinante por causa daqueles idiotas, ele voltaria com uma metralhadora.
Miguel virou a cabeça e... ele acabou de rir?
Nero se aproximou para dar uma olhada em seu rosto no escuro, mas o
bastardo cobriu metade dele com a mão.
—Você está... trapaceando?— Nero perguntou, surpreso.
Miguel olhou para ele com uma expressão alheia. —Em quê?
Ele sabia muito bem.
—Você riu.
—Não, eu não fiz.— Ele mostrou a Nero aquele rosto vazio que ele havia
aperfeiçoado tão bem. —Nós realmente deveríamos ir para casa agora,— ele disse
como se eles não tivessem compartilhado um momento enquanto dançavam.
—De jeito nenhum,— Nero disse e se aproximou, até que seu peito mais
uma vez pressionou o de Miguel. A centelha de excitação estava de volta,
queimando em suas veias e criando um zumbido no fundo de seu cérebro.
Miguel apontou para um bar na estrada. —Acho que voltamos ao desafio
da bebida então. Tem certeza de que não prefere ir para casa?
Nero revirou os olhos e colocou as mãos nos quadris de Miguel. —Você iria
para o seu quarto, porra. E não quero ver os Correa ou ouvi-los divagar sobre o
último jogo de futebol.
—Vamos ver se você consegue mais alguns tiros—, disse Miguel com um
aceno de cabeça, mas em vez de seguir pela rua, ele conduziu Nero colocando o
braço em volta de seus ombros. Seu comportamento era confuso, mas ambos
estavam bêbados demais para se importar de qualquer maneira.
A noite parecia acalmar lentamente, pelo menos nesta rua, porque a única
outra pessoa por perto era uma mulher sussurrando algo para um amigo
debruçado em uma janela do segundo andar. Mas o bar ainda convidava os
clientes com um néon piscando em forma de taça de martini.
Nero rolou a nuca sobre o antebraço de Miguel para olhar seu rosto. Ele se
perguntou se mudar de posição poderia fazer o outro homem reconsiderar em
abraçá-lo, mas após um momento de reflexão, ele colocou a mão nas costas de
Miguel.
Ele se sentiu estranho. E não era o álcool. —Você é um bom dançarino.
Embora eu admita que não esperava que um mexicano gostasse tanto de tango.
Miguel balançou a cabeça e um sorriso apareceu em seus lábios.
—Oh, minha mãe não queria que eu fizesse isso. Eu fugia quando minhas
irmãs iam para as aulas de salsa. Apaixonei-me pela dança e implorei ao meu pai
para me deixar. Assim que ele concordou, minha mãe também cedeu. Mas parei
de ir atrás - não importa. Estou feliz que você não pode dizer que eu não tive
nenhuma prática nos últimos vinte anos.
Nero riu, aproximando-se de Miguel, apesar de não ter mais certeza do que
queria dele. Obviamente uma foda. Mas não era como se eles fizessem isso em um
pequeno bar que cheirava a cigarro e bebida derramada. Ele saiu do abraço
quando eles entraram no interior monótono. Tinha paredes pretas cobertas com
vários pôsteres e a clientela consistia em pessoas com camisetas de bandas e
jaquetas de couro, mas tão tarde da noite o número de clientes era escasso.
Uma parte de Nero sabia que ele já tinha bebido bastante, mas quando os
dois se acomodaram no canto mais escuro do estabelecimento com dois copos de
uísque puro, e ele sentiu a coxa de Miguel contra a sua, ficou feliz pela forma
como a bebida ardia sua língua.
Miguel gemeu e seguiu seu exemplo, inclinando-se sobre a mesa. Na luz
fraca, suas tranças brilhavam como duas cobras, e Nero teve a estranha vontade
de passar a ponta do dedo sobre a risca de seu cabelo liso.
Miguel balançou a cabeça depois de um grande gole da bebida. —Por que
você fodeu com o trabalho hoje à noite?— ele perguntou do nada, atordoando o
cérebro infundido de álcool de Nero.
O uísque rodou no copo, prestes a sugá-lo sob a superfície. Afinal, Miguel
não havia sido enganado.
Nero sorriu e se aproximou, flutuando nas ondas suaves de bebida. —Fiquei
doente e vomitei na pessoa errada—, ele ainda disse, embora tivesse mirado nos
policiais de propósito.
Miguel costumava se afastar quando Nero tentava se aproximar, como se
isso fosse a coisa natural a se fazer. No entanto, algo havia mudado nos últimos
dois dias e Nero não conseguia identificar o que era. Os longos cílios negros de
Miguel pendiam baixos sobre os olhos, mas seu olhar ainda perfurava Nero com a
insistência de um cachorrinho faminto procurando o peito de sua mãe. Música
rock tocava ao fundo, tornando a conversa privada, e a pouca luz do bar apenas
estimulava a sensação de intimidade entre eles.
—Você pensou?— Miguel sussurrou, erguendo as sobrancelhas enquanto
colocava o queixo no ombro de Nero.
Nero desviou o olhar, olhando para os círculos pegajosos deixados na mesa
por copos de cerveja. O que Miguel faria se descobrisse a verdade? Ele poderia
tentar passar isso para o pai e, independentemente de Raul Moreno acreditar nas
afirmações de um homem que era novo em sua organização, uma sombra de
dúvida permaneceria em Nero por muito tempo.
Mas então Nero se lembrou de como Miguel arriscou a vida para salvá-lo, e
a dança que ainda o fazia se sentir estranho por dentro, e ele não conseguia
imaginar Miguel trabalhando contra ele por mais dinheiro ou subindo na
hierarquia.
—Não. Eu fiz de propósito.
Miguel suspirou, olhando para um pôster do Metallica pendurado sobre
uma mesa vazia que ainda tinha uma multidão de copos sujos no meio. —
Poderíamos ter morrido. Mas acho que conseguimos. Achei que a polícia ia tentar
nos prender, e teríamos um tiroteio ali mesmo, naquela rua. Mas aquela mentira
sobre roubar a van foi inteligente.
Nero deu de ombros, porque sim, poderia ter corrido mal. Mas por que se
preocupar com o passado quando as coisas acabaram dando certo? Teria sido
mais inteligente não confiar em Miguel também, mas até agora ele provou ser
leal. E se ele eventualmente se revelasse como uma cobra, Nero provavelmente
não teria tempo suficiente para se arrepender. A morte poderia levá-lo a
qualquer momento, e ele fez as pazes com isso.
Ele inalou o forte aroma amadeirado do uísque e bebeu tudo o que restava
no copo. Ele já podia sentir uma ressaca se aproximando, mas não se importava.
—Minha mãe foi traficada. Essa é a única razão pela qual ela me teve.
Miguel assentiu com uma expressão sombria. —É um negócio feio. Não sou
um cavaleiro branco, mas evito isso sempre que posso. Estou feliz por você ter
feito aquela façanha hoje à noite, mesmo que seu pai chova merda sobre nós por
isso. Suponho que sua mãe não esteja mais por perto?
Nero deu de ombros, olhando para o copo vazio, que se recusou a dar-lhe
mais álcool magicamente. —Eu nunca a conheci e nunca vi nenhuma foto. Ouvi
dizer que ela foi enganada, e papai gostou da aparência dela, então... você sabe o
que aconteceu. Ele prometeu que a deixaria ir se ela lhe desse um filho. E ela
conseguiu,— ele murmurou, de repente sentindo frio. Ele costumava ficar
ressentido por ela o ter deixado, mas à medida que crescia, as motivações dela
tornaram-se dolorosamente claras. Por que ela ficaria para uma criança que ela
não queria em primeiro lugar?
—Quem não fugiria de Raul Moreno se pudesse, não é mesmo?— Nero
perguntou com uma risada e cutucou Miguel com o cotovelo.
Miguel bebeu o uísque para acompanhar Nero, mas sua cabeça balançava
de um lado para o outro, como se não conseguisse mantê-la reta. —Não posso
culpá-la. Pelo menos fizemos nossa boa ação e podemos adormecer dizendo a nós
mesmos que não somos monstros completos.— A nota amarga em sua voz sugeria
que ele não acreditava que fosse esse o caso.
Nero brindou com seus copos. —Nós dois somos canalhas.
Miguel o observava com olhos escuros, que só de perto revelavam que eram
castanhos e não pretos. Ele se inclinou, e o cheiro de uísque em seu hálito quente
fez a pele de Nero ficar arrepiada.
Eles se beijariam. A qualquer segundo agora. E embora Miguel não se
lembrasse disso amanhã ou negasse, Nero poderia mantê-lo em sua memória pelo
tempo que quisesse.
Mas assim que Nero abriu os lábios em convite, o corpo de Miguel caiu e
sua cabeça escorregou do ombro de Nero, caindo de cara em seu colo como se a
missão de Miguel, mesmo em um sono bêbado, fosse induzir bolas azuis.
Nero queria uivar, mas isso chamaria a atenção e o impediria de desfrutar o
peso do corpo de Miguel em paz. Com um suspiro de frustração, passou o dedo
pela risca do cabelo de Miguel.
Capítulo 8
Miguel
11O sicário (termo usado para identificar os assassinos que trabalham para os cartéis) foi condenado por
ter matado mais de 200 pessoas, incluindo sua própria mulher, e de estar por trás do planejamento ou da
execução de vários atentados que causaram a morte de mais de 3.000 pessoas.
O outro homem era um enigma e, embora fosse mais jovem do que todos
aqui, mais baixo e esguio, sua constituição atlética e a maneira como seus grandes
olhos escuros encontraram os de Nero sem hesitação sugeriam que ele não era
um garoto comum. Nero não o acusaria de filho de Cano, mas quem diria? Ele
poderia ter pego este vira-lata na beira da estrada, pelo que Nero sabia.
Hugo deu um passo à frente, deixando o companheiro à sombra do gazebo.
Deslizou os óculos redondos pelo nariz para revelar os olhos e estendeu a mão a
Nero.
—Talvez você não se lembre de mim. Hugo Cano—, disse ele, mas Nero
apostou que o cara o havia espionado antes dessa reunião.
A mão estava seca para tanto calor, mas ele apertou-a, acenou com a
cabeça e olhou por cima do ombro do sicário, para o jovem, que puxava para trás
os cabelos escuros, apenas compridos para fazer um rabo de cavalo curtinho.
—E quem é seu amigo?
Hugo chamou o jovem de rosto taciturno com um gesto. Embora de uma
idade ambivalentemente jovem, ele já tinha um grande jacaré adornando seu
antebraço e toda uma escada de cicatrizes grossas no outro. Sua roupa era
bastante casual - uma camiseta preta justa e jeans cinza combinados com tênis
branco - mas Nero podia ver um relógio caríssimo do outro lado da sala, e aquela
peça de luxo lhe disse um pouco mais sobre o estilo do cara seu status.
—Ramiro Rios—, disse o estranho e também apertou a mão de Nero. Ele
capturou os olhos de Nero por mais tempo do que o necessário, como se tentasse
lê-lo. Ou desafiá-lo. Ou foda-se ele.
Qual foi?
Nero gostava mais de seus caras do que desse twink glorificado, mas essa
quantidade de confiança era quente para qualquer um.
O pai riu e deu um tapinha no ombro de Ramiro. —Ou 'O Machado', como
alguns o chamam.
—O que você faz com um machado?— Nero perguntou, sabendo que
apelidos raramente eram adquiridos sem um bom motivo.
Mas então ele clicou. Ele tinha ouvido falar desse homem.
Ele olhou de volta para as cicatrizes proeminentemente exibidas no
antebraço de Ramiro. Cada um marcava uma promessa que ele havia feito, e
dizem que ele nunca quebrou nenhuma delas. Uma regra ousada (ou burra) para
se ter no mundo dos cartéis, mas lhe rendeu respeito antes dos trinta anos.
—Logo você vai descobrir—, papai disse e assobiou, servindo-se de um
pouco de uísque com gelo antes de se sentar em uma cadeira de madeira perto da
beirada do terraço. Com a piscina azul de um lado e um arbusto florido do outro,
era um belo local para se maravilhar com a paisagem incrível. Ou jogue comida
no recinto dos jacarés abaixo.
Cano puxou um canivete, colocando todos os sentidos de Nero em alerta
máximo, mas então ele usou a ponta para limpar um pouco de sujeira sob as
unhas. —Eu encontrei o homem para o seu pai,— ele disse como se Nero devesse
saber de quem eles estavam falando.
Miguel se aproximou, apesar de ter sido deixado para apodrecer no fundo
como uma bela estátua. Bem, havia uma hierarquia, e ele ainda não estava no
ponto em que deveria ser apresentado às pessoas. Nero meio que gostou desse
jeito, mantendo Miguel só para ele.
A porta de um prédio menor no jardim se abriu e os dois guarda-costas
reapareceram, arrastando um homem cuja camisa branca estava manchada de
sangue e seu rosto coberto por um saco. Sua identidade ficou clara no momento
em que Nero ouviu sua voz.
—Não tive nada a ver com isso! Onde está o senhor Moreno? —Oscar
choramingou, fazendo tentativas patéticas de resistir a eles, apesar de estar muito
fraco para ir contra Mouse e Solomon.
Os caros sapatos de pele de crocodilo comprados com dinheiro de sangue já
estavam arruinados de tanto arrastar.
Nero tinha fodido Oscar? Sim. Ele estava arrependido? Na verdade não.
Havia uma grande chance de ele acabar em uma posição semelhante um
dia, e ele tinha visto pessoas mortas por menos do que traição. Inferno, ele uma
vez quebrou a cabeça de um cara por tentar suborná-lo com uma prostituta, que
acabou por ser um garoto assustado e traficado. O bastardo havia alegado que só
queria fazer Nero feliz. Boo-hoo12. Seu cérebro espirrou até o teto e Ezra Correa
torceu o tornozelo ao cair de uma escada tentando limpar a bagunça.
—Venham, senhores!— Raul disse e os incitou a se aproximarem com um
gesto.
Um homem espancado e o pai sentado em seu local de alimentação favorito.
Isso poderia significar uma coisa: Miguel teria seu desejo realizado e veria os
jacarés comedores de homens em ação. Talvez até consiga alimentá-los com
pedaços de carne do Oscar. Nero se repreendeu por ser um idiota carente e se
perguntou se isso agradaria Miguel de uma forma que Nero não poderia.
12 Hipócrita. Te peguei.
Ramiro apanhou um pequeno machado que devia estar apoiado numa das
pernas da mesa. Agora seu apelido fazia todo o sentido, mesmo que os machados
fossem mais confiáveis como ferramentas de execução do que instrumentos de
tortura.
Ramiro encontrou seu olhar com olhos dolorosamente parecidos com os de
Miguel. Suas profundezas escuras e sem emoção prenderam Nero à laje de pedra
sob seus pés. —Isso os assusta—, disse ele, como se tivesse adivinhado a pergunta
não formulada.
Eles se juntaram ao pai no final do terraço, e Nero ficou bem na beirada,
espiando a segunda piscina, que era mais escura e verde do que aquela destinada
às pessoas. O recinto era cercado por altas paredes de aço de cada lado e fornecia
espaço mais do que suficiente para os dois enormes répteis rastejando para fora
da água com a comoção acima.
Eles sabiam que a comida estava chegando.
Os olhos de Miguel se arregalaram, e ele esfregou a barba por fazer em um
gesto de admiração enquanto uma mancha na lateral de seu pescoço pulsava pela
excitação de estar tão perto dos répteis que ele tanto ouviu falar.
—Essa é Machete, eu a chamei,— Nero apontou o maior dos dois animais,
com mais de um metro e oitenta de comprimento e cor escura, com exceção de
sua frente e marcas nos flancos.
Os olhos de Miguel estavam vidrados, como se já tivesse se apaixonado
pelos dois jacarés, mas as palavras de Nero pareciam tê-lo trazido de volta à
realidade. Ele assentiu com os lábios cerrados em uma linha fina.
Com o estalar dos dedos do pai, Solomon arrancou o saco da cabeça de
Oscar, revelando que sua exuberante juba grisalha pendia em mechas
amontoadas.
Ele mal se parecia com o homem que não faz muito tempo levou Nero às
cinco crianças traficadas. Com sujeira e sangue criando uma bagunça sobre a
pele bronzeada, e seu nariz anteriormente elegante tão inchado que havia
perdido sua forma, ele parecia um estranho que sabia que estava prestes a
morrer.
Os olhos arregalados se fixaram em Nero, e ele se lançou para a frente,
apenas para cair de joelhos com um grunhido de dor quando suas pernas
desistiram. —Você sabe ... você diz a ele ...
—Dizer a ele o quê?— Nero perguntou sem remorso e não se mexeu
quando Oscar tentou rastejar em sua direção. —Que você contou aos policiais
sobre nossa carga?
Oscar tremeu e estendeu a mão para Nero com as mãos amarradas. Ele já
estava faltando três dedos. —Eu nunca...
Mouse o parou de choramingar enfiando um trapo na boca de Oscar. Só
havia uma razão para este homem ainda estar vivo.
O pai encarou Nero, e Ramiro sem palavras ofereceu a Nero o machado.
—Foi você quem ele traiu, então ele é seu para matar,— papai disse
enquanto Solomon lhe passava um pequeno saco plástico manchado de vermelho
por dentro. Se fosse uma reunião normal, pode-se supor que estava cheio de
framboesas, mas Nero não teve dúvidas sobre o conteúdo. O pai mergulhou em
sua mão e recuperou um dos dedos de Oscar antes de jogá-lo no recinto abaixo.
Algo estalou, e então houve um silvo, mas quando Ramiro empurrou o
machado na mão de Nero e Solomon empurrou para perto um grande toco de
árvore, a realidade distorceu-se em torno de Nero.
—Estamos jogando Medieval Times agora?— ele perguntou, mas Mouse
empurrou um rosto trêmulo de Oscar primeiro no pedaço de madeira que já
estava manchado de sangue.
Nero odiava a teatralidade disso. Oscar não era inocente, mas por que fazer
de sua morte um espetáculo? Para assustar os novos associados que sabiam muito
bem no que estavam se metendo? Inferno, eles podem ter sido os únicos a quebrar
seu nariz a vontade.
Ele entendeu direito? Era um dia lindo e ensolarado, os pássaros piavam nas
árvores distantes e os refrescos os esperavam em uma geladeira à beira da
piscina, mas o pai esperava que ele manchasse o terraço com o sangue de Oscar?
Agora mesmo?
O pai se preocupou com o fato de Nero gay sofrer em sua vantagem?
Torná-lo tão mole que ele não poderia realizar as tarefas exigidas dele? Como se
Nero algum dia precisasse ser lembrado do que acontecia com homens que se
mostravam moles demais para corresponder às expectativas de Raul Moreno.
Ramiro olhou para ele. Suas pálpebras tinham uma tonalidade escura, mas,
embora viesse da natureza, não da maquiagem, dava a ele uma aparência sensual
que alguns poderiam achar bastante sexy. —Você precisa balançar bem e sem
hesitação. Caso contrário, você terá que picar várias vezes. Não há necessidade de
causar dor desnecessária neste momento.
Esse cara estava realmente tentando ensinar Nero a balançar quando tacos
de beisebol eram sua arma preferida?
—Você tem um capuz para mim também?— Nero perguntou ao pai,
apertando os olhos quando o sol apunhalou seus olhos. —Espero que seja com
padrão de arco-íris. Preto e vermelho não são tão nesta temporada.
Os lábios de meu pai se curvaram com desgosto, como se alimentar jacarés
com dedos humanos fosse uma atividade perfeitamente normal. Ao contrário de
ser gay. —Seu irmão não teria brincado assim.
Claro. Samuel. O herdeiro perdido. O futuro líder que nunca seria.
Assassinado a sangue frio por um menino que Nero escolheu proteger, culpando
alguém mais merecedor da ira de Raul Moreno. Noticias antigas. Nero era agora o
único que restava para assumir os negócios da família no futuro. Tecnicamente,
claro.
—Samuel está morto. Você está preso com Nero,— ele disse com raiva mal
contida. Seu irmão também tinha sido um porco como ele, mas como ele falava
merda para e sobre as mulheres, não sobre os homens, o pai nunca piscou.
—E você vai precisar de toda a ajuda que conseguir, mas falaremos sobre
isso mais tarde. Primeiro, livre-se desse pedaço de merda. —Papai disse e chutou
Oscar no peito com tanta força que Nero poderia jurar que ouviu uma costela
estalar.
O suor salgou seu lábio superior e ele colocou o machado ao longo dos
ombros, imaginando como fazer isso para evitar espirrar sangue na poça. Ele não
merecia uma boa tarde descansando na água e observando os peitorais de
Miguel? Ele não queria nadar no DNA desse bastardo. Ele olhou para Miguel,
imaginando o que ele achava desse show, mas o encontrou observando seus
novos associados. Talvez fosse melhor que ele não tentasse chamar muito a
atenção do pai, como os novatos costumavam fazer, tentando se exibir na frente
do chefão.
Oscar uivou na mordaça, mas não lutou mais, soluçando com a
inevitabilidade de seu destino.
Nero exalou, varreu seu olhar sobre os caras novos, que o observavam com
interesse calmo, e percebeu que quanto mais cedo essa farsa acabasse, melhor. Ele
deu um passo para trás, girou o machado e separou a cabeça de Oscar de seu
corpo em um único golpe que fez o sangue espirrar na pedra brilhante. Num
segundo, um homem estava vivo, no seguinte, morto.
Ele não se incomodou e empurrou a cabeça para fora do toco. Ele rolou até
a beirada do terraço e mergulhou na piscina do jacaré.
—Ele deveria jogar golfe—, disse Cano em tom neutro, e era impossível
dizer se ele estava falando sério ou fodendo com Nero.
Não que isso importasse.
Gotículas vermelhas fracas agora pontilhavam a frente da calça de Nero, e
ele exalou, deixando cair sua ferramenta de execução. —Lá. Seus animais de
estimação vão comê-lo inteiro ou Solomon deve cortá-lo em pedaços menores?
Miguel tornou-se ainda mais impossível de ler quando colocou um par de
óculos escuros elegantes, mas não importa o quanto Nero desejasse passar um
tempo apenas com ele, ele não queria dar muita atenção a ele. O pai podia ser
rancoroso. E com ciúmes até das pessoas que ele detestava.
—Ele cheira a sangue e eles estão com fome. Meus jacarés fazem o trabalho
sem a ajuda de ninguém,— seu pai disse e estalou os dedos para Solomon.
Seu guarda-costas agarrou Oscar pelas pernas, arrastou-o ao redor do toco,
até a beira do terraço, e então chutou o corpo para que ele rolasse para as
mandíbulas morderem.
Cano inclinou a cabeça e se aproximou para ver melhor. Nero estava
prestes a empurrar o filho da puta careca só para ver o que aconteceria.
Mas não valia a pena, então ele tirou a blusa e a jogou nos ladrilhos
manchados de sangue.
Ramiro estalou a língua. —Tempo para nós.
Então eles vieram aqui para esta execução? O pai fazia com que parecessem
muito mais importantes do que isso.
—Volte em mais ou menos uma hora para o almoço—, disse o pai,
acendendo um cigarro para si mesmo. —Preciso que Nero conheça meu novo
braço direito e seu protegido.
Certo. Porra?
Ele estava dizendo que esses dois filhos da puta estariam a partir de agora
em igualdade de condições com ele? Eles poderiam substituí-lo sempre que o pai
se cansasse de lidar com sua merda? Ou eles não receberam códigos de acesso aos
segredos dos Caimans? Quem subornar, onde ficavam seus campos secretos e
qual político estava tendo um caso. Mais importante - os locais de esconderijos de
ouro secretos. Todos os assuntos importantes ao administrar um cartel e, até onde
Nero sabia, ele e seu pai eram os únicos autorizados a ver o quadro completo.
Desta vez, ele podia sentir suas costas secretando suor.
Ainda assim, ele sorriu, como se nada tivesse acontecido. —Por que você
não fica? Poderíamos relaxar e nos conhecer melhor.
Ramiro o encarou com a mesma firmeza de antes, mas que nesse novo
contexto parecia uma promessa de violência. Foda-se. Ele ganhou dois novos
candidatos ao seu trono?
—Temos algo para resolver na cidade. Coisas pessoais.
—Garoto ou garota?— Nero perguntou com um sorriso para mostrar seus
dentes afiados.
Ramiro ficou imóvel com o cenho franzido. Bom. Eles devem ficar confusos
e incapazes de adivinhar o próximo movimento de Nero.
Ele recuperou a compostura quando Cano se juntou a ele. —Uma questão
muito diferente—, disse ele, e eles se afastaram com um aceno de cabeça.
O pai só falou quando o motor de um carro ligou atrás do prédio. —Apenas
seja normal pelo menos uma vez. Eles são vitais para expandir nossa operação
para o sul.
—Realmente? Se eles são tão importantes, por que não discutimos isso
antes?— Nero perguntou e limpou as calças. Ele fez uma careta quando a
tentativa de tornar as picadas de alfinetes vermelhas menos visíveis as
transformou em listras. Ele reajustou o cinturão da arma para que não roçasse
um ponto específico em seu quadril e olhou para a piscina. O sangue parecia ter
pingado direto na direção do jacaré. Talvez nada disso tenha entrado na água,
afinal?
—Talvez se você passasse mais tempo nos negócios em vez de apenas
lamber o creme, você os teria conhecido antes.— O pai encolheu os ombros e
liderou o caminho para as espreguiçadeiras enquanto o rugido do veículo de
Cano e Ramiro desaparecia na distância. Miguel ficou para trás, olhando para o
jacaré como se não pudesse se cansar do espetáculo sangrento, mas então o pai
fez um gesto para ele, convidando-o.
—Miguel é? Sente-se conosco.
Nero se permitiu uma breve carranca. —Você é o único a me manter longe
da mesa.
—Porque quando eu dou a você um trabalho que está fora do seu
repertório habitual, você fode tudo. Você não tem criatividade—, disse o pai,
sentando-se na espreguiçadeira mais próxima da beira da piscina, o que lhe
permitiu ver Oscar sendo despedaçado.
Mouse e Solomon pareceram tomar isso como um incentivo para relaxar, e
deixaram o toco ensanguentado, junto com o machado e as manchas na pedra
onde estavam, presumivelmente para as empregadas cuidarem mais tarde.
Alguns senhores.
Miguel se acomodou timidamente como se esperasse pregos no assento, mas
sua linguagem corporal revelou que ele estava começando a se sentir mais à
vontade. Ele devia estar seguindo as dicas de Mouse e Solomon porque eles
também relaxavam, abrindo cervejas do outro lado da piscina.
—Obrigado,— Miguel disse e acenou com a cabeça para o pai.
—Como você pode ver, sou um homem que pode perdoar—, disse o pai, e
Nero percebeu que era o começo de uma de suas tiradas. —Mas neste mundo, ou
você come ou é comido. Os jacarés só respeitam os mais fortes que eles. Cheguei
onde estou reconhecendo quando meus homens falham e quando tentam me
enganar. O que eu não tolero, porém, é a deslealdade. Você entende? Você pode
nem sempre ser o guarda-costas do meu filho, mas enquanto está nessa posição,
você o segue como um cachorro. Nem todo mundo conhece seu lugar na cadeia
alimentar e nós, jacarés, às vezes somos alvo de presas equivocadas.
Nero não conseguiu revirar os olhos com mais força, mas só o fez pelas
costas do pai.
—Sim senhor. Peço desculpas novamente pela outra noite, mas a segurança
de seu filho era minha prioridade,— Miguel disse.
—É por isso que eu o trouxe aqui. Ele é o melhor que já tive,— Nero disse,
apenas percebendo que suas palavras, que pela primeira vez não tinham sido
insinuações, foram tomadas como tal quando Solomon soltou uma risada abafada.
O pai não dava trégua, mesmo quando Miguel se mexeu
desconfortavelmente na espreguiçadeira. —É melhor você não estar dormindo
com ele.— Ele apontou para Nero. —Ele pode brincar fora da organização se
precisar, mas não vou aceitar que um Caiman se envolva em nada disso.
Nero precisava acabar com essa merda, porque embora gostasse de
provocar Miguel, não o queria sob o escrutínio do pai. —Ele não quis me tocar.
Eu quis dizer isso literalmente. Ele salvou minha vida há duas noites. Eu confio
nele — acrescentou, olhando para Miguel.
Miguel tirou os óculos escuros e colocou-os na mesinha ao lado de um jogo
de toalhas limpas. —Eu sou hetero, senhor—, acrescentou. Nero não tinha ideia
se não estava lendo muito, mas Miguel evitou olhá-lo nos olhos, como se estivesse
se sentindo culpado? Isso provou que a declaração era uma mentira?
Ou o cérebro excitado de Nero estava enganando-o para ver o que ele
queria ver?
—Bom Bom! Teremos algumas garotas depois do almoço. Mas, por
enquanto, aproveite a piscina e a cerveja—, disse o pai com um sorriso.
Nero estava feliz que o pai não tentava mais empurrar as garotas para ele,
embora ele odiasse ver uma entretendo Miguel. Será que Miguel iria querer
dormir com uma prostituta, ou pior ainda, alguém traficada? Ele não parecia
muito interessado em sexo em geral e nunca se juntou aos Correa em suas
divagações sobre mulheres.
Talvez ele fosse apenas um romântico de coração?
Ou gay.
Talvez ele fosse gay e tão enfiado no armário que não conseguia ver a luz
através de uma porta aberta?
Nero ficou com água na boca quando Miguel se levantou e tirou a camiseta,
revelando os cortes ainda inchados na pele tatuada. O local onde Nero o mordeu
ainda tinha marcas de dentes, e Nero secretamente esperava que cicatrizasse,
deixando um rastro de sua presença gravado para sempre na carne de Miguel.
O olhar de Miguel encontrou o dele, e Nero se viu sorrindo enquanto
relaxava contra o encosto da espreguiçadeira. Atrás dele, os guarda-costas do pai
estavam sentados na beira da piscina, mergulhando os pés enquanto o sangue de
Oscar secava ao sol do outro lado da água cintilante.
Se os dados parassem de cair a favor de Nero e o pai escolhesse nomear um
herdeiro diferente, ou alguém simplesmente decidisse resolver o problema com as
próprias mãos, Miguel permaneceria leal ou lutaria por sua própria pele e uma
vida boa para a mãe que ele não teve visto em anos?
A tatuagem nas costas de Miguel era uma obra de arte, quase tão bonita
quanto o músculo firme sob a pele tatuada, e Nero achou difícil não olhar para
ela quando Miguel foi até a geladeira e pegou uma garrafa gelada.
—Gostaria de um, senhor?— Miguel perguntou, apesar de já ter dois.
O coração de Nero disparou quando ele percebeu que uma certamente era
para ele. Miguel havia falado sobre a amizade deles, mas era só isso que ele
queria, ou acabaria cedendo à pressão certa? Nero o estava empurrando na
direção que desejava há algum tempo, mas ele estava começando a pensar que
uma abordagem mais terna seria apropriada para esse réptil de sangue quente.
Certa vez, ele leu sobre cientistas descobrindo que uma espécie de lagarto tinha o
sangue aquecido na época de acasalamento, então...
Os pensamentos acelerados de Nero pararam abruptamente quando Miguel
colocou as cervejas em uma mesa ao lado da espreguiçadeira de papai e lançou a
Nero o sorriso mais brilhante. Era cheio de dentes e chegava até os olhos escuros,
fazendo-os brilhar como cristais. Nero achou tão fodidamente sexy que poderia
comê-lo cru.
Ele perdeu a aposta. Miguel perdeu a aposta. De propósito.
Nero engoliu em seco, limpando as palmas das mãos suadas nas calças
salpicadas de sangue, mas antes que pudesse responder de maneira significativa,
Miguel pegou a arma que havia deixado em cima da camiseta, apontou para o
peito do pai e puxou o disparar três vezes.
Capítulo 11
Miguel
NERO NÃO FAZIA IDEIA DE QUEM era o homem atrás do volante. Ele
cobriu seus nervos com piadas e raiva, mas ele estava enlouquecendo. Nero se
considerava um bom juiz de caráter e, nos três anos em que se conheceram,
imaginou que Miguel era um homem implacável com um peso no ombro, que
tinha um pouco de maldade e não fodia em volta. Mas nas últimas vinte e quatro
horas, ele aprendeu que o bastardo podia dançar, tinha uma mãe, e talvez –
apenas talvez – fosse mais emocional do que ele deixava transparecer.
Era como segurar um carrinho de brinquedo que poderia ser uma bomba.
Nero não tinha ideia do que aconteceria com eles depois da carnificina que
deixaram para trás, mas tinha a nítida sensação de que sua vida nunca mais seria
a mesma.
Os olhos mortos de Ramiro pousaram sobre ele quando Miguel parou no
portão e esperou que o outro carro passasse.
Porra. O bastardo não poderia ter matado meu pai mais cedo e dado a eles
mais tempo para fugir? Assim que aqueles dois homens vissem os corpos, o alvo
nas costas de Nero e Miguel seria intenso, e saber que eles tinham apenas cinco
minutos de vantagem para fugir – no máximo – já estava fazendo Nero suar.
Mas ele sorriu e acenou com a cabeça, baixando a janela, apesar dos dedos
de Miguel beliscando sua coxa em advertência. —É melhor vocês serem rápidos,
ou pode não haver garotas para vocês. Vou procurar... companhia diferente,— ele
disse e piscou para Cano, que desviou o olhar com uma carranca mal contida.
Lá. Isso foi o suficiente para explicar sua partida repentina.
Miguel deu um grunhido sofrido, mas estava tenso como se estivesse
usando uma tanga feita de couro de jacaré.
Ramiro acenou com a cabeça para eles, e o carro passou como se estivesse
tudo bem. O guarda sorriu enquanto mantinha o portão aberto e deixava Miguel
passar. Ele não questionaria o filho de Raul Moreno pegando emprestado o carro
do patrão.
—Vá para a direita,— Nero disse com os lábios apertados, e quando Miguel
fez o que pediu, ele pressionou os dedos no rosto e inalou o ar quente perfumado
pelo ambientador cítrico pendurado no espelho retrovisor. Essa porra de coisa o
deixou enjoado.
—Devemos pegar uma estrada mais larga e seguir o máximo que
pudermos, apenas trocando de motorista—, disse Miguel com voz firme, como se
não fosse ele o causador da confusão.
Nero não tinha nada além das roupas do corpo. Tecnicamente, ele nem
tinha isso porque havia deixado sua blusa na villa. Tudo porque Miguel decidiu
entrar em fúria. E o que diabos foi aquela tentativa de suicídio do guarda-costas?
Nero levou dois segundos para entender a natureza absurda de seu plano.
—O-o quê? você é de verdade? Acha que não vão nos encontrar com software de
reconhecimento facial e helicópteros? O cartel tem recursos maciços. Não.
Precisamos ficar quietos e fazer as coisas que eles não esperam que façamos,—
Nero rosnou enquanto o carro acelerava ao longo de uma estrada escavada na
encosta íngreme de uma montanha.
—Talvez se junte a um circo enquanto estiver nisso, você se encaixaria
perfeitamente,— Miguel rosnou com os dentes cerrados.
—Não é uma má ideia. Você poderia ser o novo palhaço,— Nero respondeu
antes de arrancar o purificador de ar em forma de limão do espelho retrovisor e
jogá-lo pela janela.
A carranca de Miguel se aprofundou. —Ou um domador de jacarés porque
eu tenho uma paciência de santo com você há meses!
—Você foi pago por isso. Com dinheiro e a chance de tirar a vida de Raul
Moreno!
Miguel vinha planejando isso desde que se conheceram ou desde que
começou a trabalhar para Nero? Ou isso era algum tipo de trabalho suicida para
um cartel rival, destinado a ganhar um grande pagamento por seus parentes
vivos? —Para quem você está trabalhando?— Nero perguntou depois que todas
aquelas coisas passaram por sua mente como água descendo as corredeiras.
Os dedos tatuados de Miguel apertaram o volante, mas não havia para onde
virar, então discutir sobre o destino deles poderia esperar.
Ele nem olhou para Nero. —Eu fiz isso por mim.
—Oh, então isso foi uma tentativa de sair com um estrondo? Suicídio por
cartel? Foda-se!
—Não! Eu fiz isso porque seu pai precisava morrer! Eu não dou a mínima
para mais nada!— Miguel bateu com a mão no volante, mais animado do que
Nero jamais o vira. Ele estava perdendo. —Não é da sua conta, mas ele destruiu
minha família e teve que pagar, não importa quantos anos se passem!
As peças do quebra-cabeça espalhadas na cabeça de Nero se encaixaram e
ele bateu com a nuca no assento enquanto Miguel corria pela estrada sinuosa,
pisando no freio sempre que havia uma curva, para evitar cair nas barreiras e no
abismo abaixo.
—Claro que sim. Por que você não esperou seu lugar na fila?
—Eu esperei o suficiente.
Uma veia na lateral do pescoço de Miguel tornou-se mais pronunciada, e
quando a sensação de que Miguel não iria machucá-lo se estabeleceu no
estômago de Nero, o desejo de lamber aquele ponto tenso flutuou na superfície de
sua mente.
Ele precisava tirá-los daqui, mas como? A única chance que eles tinham era
ficar escondidos. O carro era muito revelador e seria visto facilmente de um
helicóptero, então eles precisavam de algo menos chamativo. E uma saída
daquelas malditas estradas montanhosas.
Miguel continuou correndo em direção à barreira de aço que protegia os
carros de cair e frear no último momento. A cada vez, a pressão repentina do
cinto de segurança no estômago de Nero o deixava enjoado.
—Quem te ensinou a dirigir?
Miguel endireitou os ombros. —Eu me ensinei.
Claro. Este dia só estava ficando melhor.
O cérebro de Nero estava superaquecendo enquanto ele pensava em suas
opções limitadas e difíceis quando uma lasca de cor chamou sua atenção no
espelho retrovisor. Apesar de a condução de Miguel exercer pressão sobre todo o
seu corpo, ele olhou para o banco de trás e riu ao reconhecer as quatro malas
idênticas guardadas ali. —Certo. Vire a direita. Suba aquela estrada de terra—,
disse ele, apontando para uma rota de fila única que levava às árvores, longe da
longa estrada que acabaria descendo e levaria a uma importante rodovia
nacional.
Miguel mostrou os dentes e apontou para o sinal de que eles estavam se
aproximando muito rápido. —A esquerda nos tirará das montanhas. Não é isso
que queremos?
Nero não teve tempo de se acalmar contando até dez, então bateu a mão no
painel e encarou Miguel. —Eu conheço este lugar, ok? Siga as instruções ou
morreremos!
Miguel deu-lhe um olhar de soslaio quando se aproximaram da bifurcação
na estrada, e quando Nero se preparava para se jogar ao volante e forçar a mão
de Miguel, o bastardo virou à direita tão bruscamente que a cabeça de Nero voou
para a janela e ele bateu no vidro.
A sombra das árvores oferecia um descanso muito necessário para os olhos
anteriormente forçados a olhar para o sol, e enquanto eles aceleravam a colina
sob um dossel que os impediria de serem vistos por um drone ou helicóptero,
Nero bebeu alguns goles de um garrafa de água armazenada no porta-copos.
Ele tinha um plano, e se tudo corresse bem, eles poderiam sair desta
situação de merda vivos.
Miguel respirou fundo. —Iremos o mais longe que pudermos,
verificaremos o bau em busca de qualquer coisa que possamos salvar e
caminharemos pelo deserto por um tempo. Eu sei uma coisa ou duas sobre
acampar, eu poderia nos manter alimentados.
Nero se espreguiçou e olhou para cima, para onde a luz do dia espreitava
na floresta. Ele não discutiria agora, determinado a economizar energia. —Você
queria morrer de qualquer maneira, certo? Se eu estragar tudo será por minha
conta, então apenas siga meu exemplo,— ele disse, irritado por não ter se sentado
no banco do motorista antes de Miguel enquanto o bastardo continuava se
revezando de uma forma rápida e nauseante.
—Eu concordei em colocar você em segurança primeiro, então eu
realmente dou a mínima.
O carro subiu a ladeira sem problemas, mas eles tiveram pouco tempo para
chegar ao ponto que Nero estava pensando. Esperava que nenhum turista tivesse
decidido parar ali para tirar fotos, pois para que seu plano desse certo eles
precisavam deixar o mínimo de rastros possível.
—Ah, acredite em mim, ninguém se preocupa tanto com a minha
sobrevivência quanto eu—, disse ele, espreguiçando-se no assento ao avistar o
fim do caminho à frente.
Miguel acelerou novamente, jogando areia para todos os lados, mas quando
o carro subiu até o fim e deu de cara com o mirante plano que terminava em um
penhasco, ele freou tão rápido que Nero, que acabara de desafivelar o cinto, caiu
no painel.
—Que porra é essa? Este é um beco sem saída. —Miguel olhou para frente
por alguns segundos, estupefato, mas depois saiu do carro. —Pegue o que puder
ser útil. Especialmente uma camisa, se você encontrar uma.
—Pare de entrar em pânico. Estamos exatamente onde precisamos estar,—
Nero disse e pegou duas das mochilas, jogando-as para fora do carro. Ele olhou
em volta, satisfeito por não encontrar vestígios de pessoas além de algum lixo e
uma marca de trilha em uma das árvores. Ele então pegou o velho moletom do
pai no porta-malas e o vestiu antes de revistar o porta-luvas. Havia duas revistas
de balas e algumas porcarias desnecessárias, mas nenhum dinheiro.
Miguel estava ocupado pilhando o baú e enchendo uma mochila vazia. —
Quase não há comida!— ele reclamou, mas era hora de acabar com essa farsa e
lembrá-lo de quem estava no comando.
—Não precisamos de comida. O que a gente precisa é esconder essa porra
de carro e sumir, porque a notícia da morte do papai já está se espalhando, e
quem ficar no comando vai querer a minha cabeça—, disse Nero e entrou no
veículo para rolar mais perto de uma ladeira descendo da área plana em torno do
ponto de vista, em uma floresta densa. Ele colocou o manche em ponto morto,
puxou a alavanca do freio de mão e desligou o motor antes de deslizar para fora e
olhar para o terreno na frente do Hummer.
O solo formava uma trilha natural para baixo que deveria guiar o veículo
para fora de vista, e seu peso deveria arrasar qualquer planta em seu caminho.
Nero assobiou para Miguel e soltou o freio de mão assim que ele saiu. —
Corta, corta! Empurrar.
Miguel parecia querer protestar, mas manteve a boca fechada e juntou-se
aos esforços de Nero.
Com o carro já em uma ladeira, não precisou de muito para iniciar sua
rápida descida. Nero exalou quando desapareceu de vista e ficou feliz em ouvir
um estrondo momentos depois. Parecia que o passeio favorito do pai terminou
sua existência terrena em alta. Mas o fato de não ser encontrado tão facilmente
não significava que ele e Miguel tivessem todo o tempo do mundo.
—Me dê seu cinto,— Nero disse e se ajoelhou na terra para tirar os
cadarços de seus sapatos.
Miguel franziu a testa. —Meu cinto? Pelo que? Posso precisar dela para me
enforcar — disse ele, sombrio.
Nero balançou a cabeça, grato pela silhueta alta protegê-lo do sol. —A
menos que você tenha experiência com pára-quedismo, vamos usá-lo para nos
amarrar—, disse ele e deu um tapinha em uma das mochilas descansando na
terra.
Miguel ficou rígido e seu olho estremeceu um pouco. —'Pára-quedas'?
Amarrado com um cinto e cadarços? Você está louco? Onde iríamos mesmo…—
Ele olhou para trás, para a borda do penhasco, oferecendo vistas de todo o vale.
—Não.
—Sim—, disse Nero e puxou o segundo cadarço com um guincho agudo
antes de abrir uma das mochilas coloridas. —E vamos usar o arnês do outro
pára-quedas. Eu só preciso ter certeza de que estamos bem amarrados ou você vai
cair.
Os braços de Miguel estavam rígidos e apertados ao lado do corpo, mas seus
dedos trabalhavam sem parar, como se ele estivesse usando um ábaco invisível. —
Esta é uma má ideia. Você já teve ideias ruins antes, muitas até, mas esta deve ser
a pior.
Nero sorriu. —Não é. Eu tenho feito isso desde a infância. E se você fizer o
que eu digo, podemos ficar com alguns hematomas, mas acabaremos em algum
lugar onde eles não vão nos procurar. Você tem medo de altura, Miguel?— ele
perguntou e puxou o arnês para colocá-lo.
—Não,— ele respondeu tão rápido que era suspeito. —Eu simplesmente
não gosto da ideia de cair de um penhasco quando poderíamos apenas caminhar
pela floresta, fora de vista. Não é como se eles fossem nos encontrar lá!— Mas a
maneira como ele estava perdendo a calma disse a Nero mais do que suas
palavras.
—Não vamos cair de um penhasco. Deslizaremos para o vale, onde
ninguém espera que estejamos, porque estamos do outro lado da montanha e
teríamos que fazer um desvio para chegar lá.
Miguel esfregou a testa com uma carranca. —As árvores nos esperarão, e
morreremos longas e dolorosas mortes empalados nelas. Se não tivermos sorte,
podemos ser mordiscados por abutres enquanto isso.
—Você é surdo?— Nero perguntou quando sua paciência começou a se
esgotar. Havia tanta besteira que ele poderia aguentar por causa de um rosto
bonito. —Eu te disse que já fiz isso antes. E eu conheço este lugar porque pulei de
paraquedas daqui .
—Você tem?— Miguel encontrou seus olhos, como se procurasse mentiras.
Lidar com ele era como tentar persuadir um gato a entrar na banheira.
—Miguel, sério, se eu quisesse te matar, eu teria feito isso na piscina ao
invés de arrastá-lo comigo como uma bola de chumbo no meu tornozelo. Eu
preciso de você,— Nero disse, apertando o arnês em seu peito. As alças das pernas
cederam bastante, então, se tudo corresse conforme o planejado, talvez pudessem
acomodar ambas as coxas.
Miguel demorou a olhar para o miradouro, mas depois aproximou-se com
o queixo erguido, como um rei que se aproxima da guilhotina. Ciente das
atrocidades que havia cometido, mas em paz com a punição. —Ok, o que eu
faço?
Nero afrouxou as tiras das pernas e abaixou-as, instruindo Miguel a pisar
nelas. Ele esperava mais resistência com a proximidade imposta, mas enquanto
Miguel enrijeceu quando o arnês aproximou seus quadris, ele não tentou discutir
ou se afastar, mais do que ciente da gravidade da situação. Vir aqui teria desviado
a perseguição, mas isso não mudava o fato de que o tempo deles era limitado.
Usando o outro arreio, os cadarços e o cinto de Miguel, Nero conseguiu
prendê-los e olhou para a beira do penhasco, para o sol alaranjado que já descia.
Foi só agora que as dúvidas abriram caminho sob sua carne. Porque, embora o
paraquedismo fosse bom, e se Miguel se acovardasse no último momento e os
fizesse cair abruptamente, onde poderiam encontrar seu fim picado por pedras
afiadas?
—Você vai fazer o que eu disse? Essa é a única maneira que isso pode
funcionar.
O cheiro de suor nas costas de Miguel se misturava com sua simples
colônia de menta, e embora Nero sonhasse em se esfregar em Miguel, não era
assim que ele imaginava que aconteceria.
—Eu vou—, Miguel disse asperamente, apertando a pequena mochila que
Nero lhe permitiu levar, e que ele colocou para trás para que descansasse em seu
peito, absorvendo seu batimento cardíaco acelerado ao lado do torso de Nero.
Nero engoliu em seco, olhando para a borda que poderia ser a salvação ou
a morte, dependendo de seu companheiro. Mas não adiantava prolongar essa
agonia e começou a contar.
Cinco. Quatro. Três. Dois. Um. Eles correram para a frente e, embora a
diferença de altura fizesse com que as tiras cravassem na virilha de Nero, ele
forçou sua mente a se concentrar na respiração. O abismo ensolarado estava cada
vez mais próximo, mas ele não diminuiria a velocidade, porque ficar aqui
significaria a morte final de qualquer maneira. E se esse salto acabasse matando
ele, ele pelo menos sairia com estilo.
Seu pulso acelerou, acelerando quando eles correram para a borda, mas
assim como ele temia que Miguel pudesse acabar parando e fazendo com que eles
caíssem para a morte, ele venceu seu medo e saltou para frente, como instruído.
Nero ficou tão chocado que quase se esqueceu de puxar o paraquedas, e
eles enfrentaram as profundas sombras do vale. Miguel gritou, fazendo os
ouvidos de Nero zumbirem, mas então o dossel branco se espalhou e pegou ar,
fazendo com que parassem rapidamente.
Capítulo 13
Nero
NERO PODE TER SIDO o único a mandá-lo embora, mas Miguel havia
prometido trazê-lo para um lugar seguro, e ele SE manteria fiel à sua palavra. A
adrenalina correu por seu sistema e fez suas veias queimarem com propósito
enquanto ele checava sua arma em busca de balas e ligava a motocicleta.
Ele só tinha pilotado um punhado de vezes e não tinha licença para isso,
mas com buracos profundos transformando a estrada em uma pista de obstáculos,
os veículos Caiman não poderiam escapar dele tão facilmente. Então ele firmou a
mão esquerda no guidão, imaginando sua carne como aço, e pousou a mão
armada na outra. Ele manobrou entre cortes na estrada, o que o teria feito voar se
não tivesse cuidado. Nero corria perigo mortal, e Miguel preferiria quebrar o
pescoço a vê-lo preso.
Os Land Rovers andavam a princípio a um ritmo lânguido, mas os capangas
do segundo carro, que ficou preso entre Miguel e o veículo que transportava
Nero, devem ter percebido que ele os queria apanhar, porque um deles olhou
para fora, disparando duas balas no caminho de Miguel.
Ele não podia arriscar a vida de Nero atirando nas janelas escuras do
veículo de Cano, mas esses filhos da puta? Ele já os teria transformado em queijo
suíço se tivesse balas suficientes de sobra.
O sol que espreitava por entre as copas das árvores brilhava direto em seus
olhos, o que tornava ainda mais difícil esse jogo perigoso, mas, eventualmente,
Miguel puxou o gatilho, mirando na traseira do carro.
O pneu esquerdo estourou no momento em que o motorista virou para
evitar que uma das crateras se abrisse sob suas rodas como se fosse um
videogame. A mudança repentina de direção os fez subir a encosta íngreme
paralela à estrada. Miguel prendeu a respiração quando o Land Rover tombou
como uma tartaruga jogada de costas e rolou pela margem, direto para o rio.
Espirrou água em Miguel, que parou a tempo de evitar ser atropelado por seu
corpo de metal.
Mas não havia tempo para ficar para trás e observar os ratos saírem
correndo do carro que estava afundando. Isso não era sobre sua satisfação, e ele já
havia deixado aqueles bastardos o paralisarem por muito tempo. Para piorar, teve
que reiniciar a moto duas vezes e perdeu preciosos segundos de perseguição.
Assim que a Yamaha zumbiu sob ele novamente, ele se sentiu como uma
vespa furiosa que não desistiria da perseguição até picar cada Caiman.
Quando ele acelerou, a luz do sol espiando por entre as copas das árvores
transformou a estrada já perigosa em uma versão mortal de amarelinha,
confundindo seus olhos enquanto ele rolaram entre pedaços irregulares de
asfalto, rachaduras e sombras, que em um dia tão claro parecia muito com
buracos.
O suor escorria de seus lábios quando o veículo de Cano desapareceu atrás
da curva da estrada. Na segurança do carro, seu motorista não precisava ser tão
cauteloso com o terreno traiçoeiro, mas a vida de Miguel de nada valeria se ele
quebrasse sua promessa e deixasse Nero à tortura e à morte. A integridade de seus
ossos não importaria uma vez que ele terminasse sua tarefa e apodrecesse em
uma cova rasa em algum lugar.
Três Caimans estavam sentados no carro, incluindo Cano, mas sendo um
alvo menor e mais ágil, Miguel esperava escapar de suas balas. Seu coração batia
mais rápido a cada centímetro que ganhava no Land Rover e cada projétil
sibilando no ar, mas assim que alcançou o veículo, escolheu o motorista como
alvo. Nero poderia acabar machucado com a queda inevitável, mas se Miguel
cortasse a cabeça da fera de metal, não precisaria mais persegui-la.
O veículo sacudiu em sua direção, obrigando Miguel a se aproximar
perigosamente da água, mas as árvores que cresciam na orla obrigaram o
motorista a voltar para o asfalto para evitá-las.
Todos os cabelos da nuca de Miguel se arrepiaram quando a janela traseira
baixou. Se o cara que clorofórmio Nero tinha uma arma, ele estava ferrado. A voz
de Cano saiu distorcida pelo barulho em sua cabeça latejante, mas diante da
ameaça de morte, Miguel mirou no motorista.
Os olhos do bastardo estavam arregalados, e ele se inclinou para frente em
uma tentativa desesperada de ver melhor a estrada, revelando Cano no banco do
passageiro. O olhar do homem era afiado como navalhas. Ele ergueu a pistola
quando um objeto grande e escuro se aproximou cada vez mais no canto do olho
de Miguel. Um homem menor teria caído para trás para evitar a colisão, mas se
aqueles caras conseguissem chegar a uma estrada decente, Miguel nunca mais
veria Nero.
Ele se concentrou no motorista, apesar de lutar para impedir que o braço da
arma tremesse nesta porra de motocicleta.
—Pato!— Cano gritou e apontou sua própria arma de fogo na direção de
Miguel.
O motorista abaixou a cabeça, mas duas mãos cobertas por tatuagens
familiares dispararam do banco traseiro e agarraram o pescoço de Cano,
puxando-o para trás no momento em que ele deu o tiro. O puxão repentino de
seu braço enviou a bala direto para o peito do motorista, em vez da cabeça de
Miguel.
O ar quente trancou a garganta de Miguel quando o veículo mudou
rapidamente de direção. Ele pisou no freio para evitar colidir com a besta de aço
preto e, quando o Land Rover passou por ele, viu um capanga atacar Nero com o
pano branco novamente. Miguel o perdeu de vista quando Nero rolou para o
chão.
Cano deu uma corrida selvagem para agarrar o volante, mas um piscar de
olhos depois, o carro bateu no suporte de cimento de uma ponte ferroviária
abandonada. Os airbags estouraram, enchendo a frente do Land Rover como dois
baiacus gigantes, mas Cano estava sem cinto de segurança e sua cabeça bateu
contra a janela lateral.
Sem fôlego, Miguel saltou da moto, deixando-a cair como um peso morto, e
aproximou-se, pronto para enfrentar qualquer um que se interpusesse entre ele e
Nero.
Ele se encolheu quando a porta dos fundos se abriu e um dos capangas
derramou sangue por todo o rosto, mas o momento de choque não impediu
Miguel de matar aquele cachorro com duas balas para garantir.
O morto caiu na estrada como um saco de batatas, revelando o corpo de
Nero entre os bancos. Sua boca estava aberta, seus olhos fechados, mas havia cor
em seu rosto, e seu peito se moveu, então ele deve ter sido sedado de verdade
desta vez. Ele estava vivo, o que era tudo o que importava.
Eles falariam sobre o que diabos tinha acontecido no rio, uma vez que Nero
estivesse de pé novamente.
Miguel xingou baixinho e olhou para a estrada que levava ao porto. Não
podia levar um homem inconsciente na motocicleta, e esperar até que ele voltasse
também não era uma opção, já que Ramiro e os homens que o acompanhavam
poderiam aparecer a qualquer momento. Ele correu para a frente do carro para
verificar se o Land Rover ainda podia ser dirigido e abriu o banco do passageiro,
revelando a forma caída de Cano.
Sangue manchava a careca e escorria para a bochecha barbada, mas
Miguel lamentava que o nariz do bastardo não tivesse sido quebrado durante a
colisão. Traiçoeiro, filho da puta mentiroso! Nero deveria ter pedido a Ramiro
para jurar e cortar a promessa em sua carne. Mas este bastardo astuto havia
mandado seu protegido embora antes que Miguel pudesse ter pensado nisso.
Ele arrastou o corpo para fora e fez o mesmo com o motorista morto antes
de examinar o capô, que estava em bom estado, provavelmente devido à baixa
velocidade em que estava rodando no momento da colisão.
Passou por sua cabeça que talvez devesse colocar Nero no banco, mas seu
conforto não valeria nada se acabassem sendo pegos, então Miguel puxou seu
canivete e cortou o airbag do volante para esvaziá-lo.
Ele congelou quando algo tocou e seu olhar se moveu para o porta-copos,
onde um telefone celular estava virado para ele, mostrando o ID do chamador
como 67x8, que tinha que ser algum tipo de código. Se Cano realmente era tão
bom em encontrar pessoas como afirmava Raul Moreno, então talvez também
fosse paranóico com sua própria segurança. Miguel balançou a cabeça e jogou o
telefone no cadáver de Cano, que ele havia deixado na beira da estrada. Ele até
teve um pouco de satisfação em chutar a cabeça careca do filho da puta para
garantir.
Mas não era hora de se vingar de um cadáver. Ramiro poderia vir atrás
deles assim que terminasse de lubrificar as palmas das mãos na cidade, então
Miguel entrou no veículo e deu ré antes de voltar para a estrada. As rodas gordas
do Land Rover rolaram sobre um dos sacos de carne, esmagando seus ossos, mas
Miguel agora só tinha um objetivo: fugir e desaparecer o mais rápido possível.
Então ele foi embora e continuou enquanto o tanque de gasolina permitisse,
com o objetivo de se perder fazendo curvas aleatórias. Talvez ele tivesse bons
instintos, ou talvez apenas sorte, mas a floresta ao redor deles se tornava mais
densa quanto mais longe ele estava de onde a perseguição terminou. Ele parou
duas vezes para checar Nero, mas enquanto estava completamente inconsciente,
ele continuou respirando, então Miguel mudou o espelho retrovisor para vê-lo
encolhido no chão e dirigiu apesar do motor fazer barulhos de velho depois de
uma traqueostomia.
Duas horas depois, sua mente permanecia agitada e suas botas ainda
estavam úmidas. Eles tiveram sorte de estarem vivos, mas o coração de Miguel
estava pesado com a dúvida que manchou a alegria de salvar Nero.
Até o momento em que Nero aceitou tão ansiosamente a oferta de Cano,
foram eles contra o mundo. Nero realmente estava esperando por uma chance de
voltar à vida que levava até agora? Ele poderia estar blefando, mas então por que
mandar Miguel embora? Ele não teria chance de lutar sozinho contra os
capangas de Caiman, como todo esse calvário havia provado. Nero Moreno
sempre foi esse cara louco, ousado e indestrutível, mas agora ele estava mole,
vulnerável e dependente de Miguel para sua segurança. Parecia antinatural e
levou Miguel a beijar cada junta tatuada daquelas mãos ásperas durante uma das
paradas curtas. Suas vidas poderiam ser arrancadas a qualquer momento, e
embora ter sido dispensado depois de ter chegado tão perto na noite passada
tenha doído, Miguel estava determinado a não guardar rancor.
Ele estava começando a perceber que, com o tipo de passado que tinha,
nunca se sentiria pronto para explorar sua sexualidade. Então, por que não
mergulhar nas águas desconhecidas se Nero o desejasse, por mais inexperiente ou
desajeitada que a tentativa de Miguel pudesse ser?
A viagem os levou a passar por minúsculas barras de beira de estrada com
telhados de lona e chapas de metal enferrujadas, cada vez mais longe da
civilização enquanto Miguel navegava pelas estradas remotas usando um mapa
que encontrara no porta-luvas. O sol há muito se escondeu atrás de nuvens
cinzentas, mas sua ausência não tornava as árvores e pastagens ao redor de
Miguel menos exuberantes ou verdes.
Ele tinha acabado de cruzar um riacho raso, feliz por não ter sido muito
profundo para o Rover, quando um grunhido na parte de trás do carro voltou
toda a sua atenção para o corpo descansando no chão. Com o rosto de Nero
escondido pelo assento, ele se concentrou nas mãos tatuadas, que se fecharam em
punhos antes de se esticar.
—Você não me matou,— Nero falou arrastado, agarrando lentamente o
pingente Malverde, como se o santo popular fosse o responsável por sua
sobrevivência.
Miguel tinha pensado no que diria quando Nero acordasse, mas agora
estava sem palavras. Ele estava dirigindo por uma plantação de bananeiras e
entrou em uma trilha estreita cortando as plantações, desesperado por um local
isolado para estacionar.
—Eu prometi a você segurança, não prometi?— ele disse enquanto parava
o carro, sentindo-se relativamente seguro depois de dirigir por trinta minutos
sem encontrar outro veículo. O ar parecia sufocante e ele apertou o volante com
tanta força que suas juntas doeram.
Ele esperou por esse momento por muito tempo, mas ainda não se sentia
pronto.
Nero exalou e ergueu a mão, alcançando entre os assentos. — Miguel? O
que? Por quê você está aqui?— ele murmurou com mais clareza.
Miguel saltou do carro apenas para entrar pela porta dos fundos. —O que
você quer dizer? Onde mais eu estaria?— ele gemeu. Seu lugar era ao lado de
Nero.
Capítulo 18
Nero
15 Ajiaco é uma sopa de batata e galinha, que deu origem na Colômbia e, é bastante típica de Bogotá. Deve
ser feita numa quantidade razoável, uma vez que exige que se usem diferentes variedades de batata, a “fruta-
da-terra”.
Um grande caminhão enferrujado estava estacionado em frente a ele, com
um homem trabalhando ao redor. Quando as luzes do carro de Esteban o
atingiram, ficou claro que ele era mais jovem que o anfitrião, embora ostentasse
uma barba cheia e um tapa-olho preto cobrindo o olho direito.
—Esse é meu irmão—, disse Esteban. —Ele vai levar minha família para a
casa dos meus pais, mas minha esposa já preparou o jantar.
—A esta hora da noite?— Miguel perguntou naquela voz irritantemente
normal. Não deveria ser pelo menos um pouco áspero de tanto gemer?
Esteban suspirou. —Temos apenas dois caminhões e o trabalho precisava
ser feito durante o dia. Isso é viver no campo para vocês, garotos da cidade,— ele
disse e deu um sorriso para eles.
—Faz sentido—, Nero disse apenas para provar a Miguel que ele também
não havia esquecido como se fala espanhol.
Ele tinha tantas perguntas que não podiam ser feitas perto de Esteban.
Por que Miguel ficou? Como ele gostava de estar com um homem? Por que
diabos ele estava tão estranho sobre isso?
Mas não, eles estavam presos a um fazendeiro de bananas, e Nero tinha
bom senso para saber que Miguel hesitaria em ser desmascarado de qualquer
maneira. Não que Nero quisesse lavar sua roupa suja com esse estranho presente,
e correr o risco de ser expulso, se Esteban fosse homofóbico. Eles poderiam, é
claro, revidar se isso acontecesse, mas ele estava tão cansado de conflitos depois
desse dia no Inferno. Tudo o que ele queria era comer alguma coisa, deitar na
cama e usar o gostoso ao seu lado como travesseiro de corpo. Isso era pedir
muito?
—Espere aqui. Meu irmão pode ser cauteloso com estranhos,— Esteban
disse assim que estacionou. Ele saltou do carro sem esperar por uma resposta.
Em vez de olhar na direção de Nero, ou acariciar sua mão como havia feito
algumas vezes após o primeiro beijo, Miguel cruzou os braços sobre o peito e
olhou para os homens pela janela.
—Estou aqui —, disse Nero quando os dois homens do lado de fora
começaram a conversar, e o fazendeiro apontou para seu caminhão para indicar
quem ele trouxe para o jantar.
Miguel olhou na direção de Nero por uma fração de segundo, mas seus
lábios se transformaram em uma linha fina, e ele olhou para os malditos
fazendeiros novamente como se fossem aqueles que ele havia criticado como se
não houvesse amanhã.
O irmão de Esteban franziu a testa e, embora falasse baixo, a maneira como
abriu os braços sugeria que não estava nada feliz.
Uma mulher de vestido amarelo saiu para a varanda coberta que
circundava todo o prédio e, enquanto ela passava a regar flores penduradas em
jardineiras presas ao corrimão, seu olhar disparava entre os homens de sua
família e os estranhos na caminhonete de seu marido.
—Você ficou surdo?— Nero perguntou a Miguel, cada vez mais agitado,
mas sem vontade de demonstrar. Então, em vez de sacudir Miguel, ele também
cruzou os braços sobre o peito e observou Esteban, que fez uma careta para o
irmão antes de se aproximar de sua esposa.
—O que é?— Miguel sussurrou, nem mesmo olhando para Nero desta vez.
—Pode haver um problema aqui.
Nero franziu a testa para ele. —Pode haver um problema em qualquer
lugar. Toda a porra da nossa vida é um problema.
—Isso é verdade.— Miguel cantarolava, lembrando Nero do gemido
zumbido que ele fez ao gozar. Como um homem pode ser tão gostoso e ao mesmo
tempo tão irritante?
Antes que Nero pudesse dar uma resposta, Miguel saiu do caminhão sem
avisar e ergueu a mão em saudação.
Esteban sorriu e fez um gesto largo com a mão. —Este é meu irmãozinho,
Santiago. Tiago, Conheça o Nero e o Miguel.
Nero suspirou e também saiu do caminhão, aproximando-se dos outros
homens. —Fomos salvos. Algum idiota maluco nos forçou a sair da estrada,
batemos nosso veículo e, se não fosse por Esteban, estaríamos passando a noite lá
fora com apenas a mistura de trilha para comer.
Santiago deu a ele um meio sorriso, mas havia um brilho de raiva em seu
olhar. Ele realmente desaprovava convidados estranhos, ou especificamente
Miguel e Nero?
—Você pode pegar as crianças agora—, disse Esteban à esposa, que parou
como uma corça no meio da estrada, mas depois saiu correndo do terraço e
entrou em casa.
A história sobre ela ir visitar a família parecia uma desculpa, mas Nero
entendia que um homem temia que sua esposa ficasse sob o mesmo teto que dois
estranhos tatuados da cabeça aos pés. Ele tentou não chamar a atenção para seus
dentes lixados até agora, mas eles estavam lá para serem vistos por qualquer um
que prestasse atenção.
Este era o território de Caiman, e talvez a bondade de Esteban fosse mais
uma tentativa de provar a si mesmo leal, ou pedir ajuda com demandas de
dinheiro de proteção que ele não poderia atender?
—Bem vindo a minha humilde residência. Eu prometo a você, você não vai
se arrepender de experimentar a comida da minha esposa, especialmente depois
de um dia difícil—, disse Esteban, conduzindo-os a um corredor com paredes de
pedra caiadas. Fotografias de família penduradas na altura dos olhos, mas Nero
não teve tempo de se concentrar nelas, indo direto para uma sala de jantar que
tinha paredes vermelho-escuras com detalhes brancos nas janelas e portas e uma
pesada mesa de madeira no centro.
Ao fundo, uma voz feminina tagarelava sobre a visita da vovó, mas estava
claro que Esteban não queria que sua família interagisse com os homens
perigosos que ele havia convidado sob seu teto.
As crianças foram expulsas de casa tão rápido que Nero mal teve um
vislumbre das duas meninas, mas Santiago demorou, seu único olho
acompanhando cada movimento delas.
—Eu poderia ficar. Camila pode dirigir sozinha—, disse ele a Esteban. Ele
esperava que houvesse problemas e queria estar ao lado de seu irmão caso
precisasse de reforços?
—Tudo bem. Você sabe que mamãe sempre reclama que você não visita.
Você estará de volta em dois dias de qualquer maneira. Apenas divirta-se—, disse
Esteban com uma voz jovial e entrou na sala adjacente, que cheirava divinamente
a goma e carne.
Nero acenou com a cabeça para Santiago. —Tenha uma boa viagem.
O homem respirou fundo e balançou a cabeça. —Tenha uma estadia
agradável.— E com isso, ele seguiu a esposa de Esteban para fora de casa.
—O que mordeu a bunda dele?— Nero perguntou. Ele tinha uma arma
apontada para ele, assim como para Miguel, então estava bastante confiante de
que poderia se manter firme em caso de conflito. Principalmente que ele pudesse
concordar com o que Esteban exigisse dos Caimans, já que isso não lhe dizia
respeito.
O anfitrião, que entrou com uma grande panela de barro, exalou baixinho
e colocou a comida sobre uma tábua de madeira que deve ter sido deixada no
meio da mesa para isso mesmo. —Vou ser direto com você. Eu vi suas tatuagens.
Vocês são... os homens de Raul Moreno, certo?— ele perguntou e se aproximou
de um aparador de madeira para retirar pratos e talheres.
A escolha de Esteban de ser franco deixou Nero à vontade. —Está correto.
Os olhos escuros de Miguel observavam o homem mais velho com fria
intensidade. Ele lembrava tanto uma cobra que Nero meio que esperava ver uma
língua dividida saindo de seus lábios. —Não queremos problemas. Nossa história
é verdadeira. Só queremos uma cama para passar a noite.
Esteban suspirou, então trouxe uma cesta de pão fatiado e tirou as chaves
antes de destrancar o armário superior para revelar as garrafas. Ele pegou um
que tinha apenas um terço de seu conteúdo e o colocou sobre a mesa ao lado de
três copos. —Eu sei que isso pode ser... ousado da minha parte,— ele disse e deu a
eles um sorriso nervoso. —Mas eu levei você comigo porque quero pedir ajuda.
Tentei discutir isso com o Sr. Aguillar, mas é como tentar reduzir a conta de luz
ligando para a linha de ajuda.
Nero assentiu, como se tivesse alguma ideia de quem era Aguillar. O
homem local do pai, sem dúvida.
Esteban convidou-os a sentar-se e, quando Nero o fez com estudada
indiferença, Miguel sentou-se também, olhando o pão. Claramente, a mistura de
trilha não foi suficiente para satisfazer sua fome, mas Nero foi o suficiente? Ele
não saberia até que eles estivessem sozinhos e pudessem conversar sem uma
terceira roda.
Nero realmente não se importava com o que Miguel pensava, desde que
pudesse desfrutar daquele corpo duro e pau muitas mais vezes, mas o orgulho o
deixou irritado com a falta de resposta.
Esteban desenroscou a garrafa e distribuiu o líquido amarelado entre três
copos, antes de abrir a panela para revelar o ajiaco perfumado, com pedaços
inteiros de espiga de milho flutuando na superfície.
—Isso é sobre dinheiro?— Nero perguntou enquanto o anfitrião corria de
volta para a cozinha e voltava alguns segundos depois com abacate fatiado, uma
tigelinha de alcaparras e um pote de creme de leite, que devia estar pronto para a
refeição da família.
Esteban exalou e colocou um pouco da sopa quente em uma tigela e a
colocou na frente de Nero. Seu rosto se contorceu em uma carranca. —Não.
Como você pode ver, estamos indo bem. É um vizinho com quem tenho
problemas.
Ah.
—E você quer que os Caimans lidem com ele? O senhor Aguillar não fez
nada?
Esteban estremeceu. —Ele é um homem ocupado, eu entendo isso. Tudo o
que meu vizinho precisa é de um empurrãozinho na direção certa. Temos uma
disputa por terra. Durante anos, colhi minhas bananas ao sul do riacho que
divide nosso território, mas agora ele afirma que um acre ali é dele. Não consigo
convencê-lo, mas tenho certeza de que uma visita de vocês dois conseguiria, e
não precisaria mais incomodar o Sr. Aguillar. Que tal isso?— ele perguntou e
ergueu o copo com um largo sorriso.
Miguel deu de ombros, o que não significava nada, ao mesmo tempo que o
isentava da responsabilidade de fornecer uma resposta real.
A tensão nos ombros de Nero diminuiu quando o anfitrião se serviu de
comida da mesma panela e foi o primeiro a pegar o copo. —Isso pode ser
arranjado. Precisamos ouvir mais.
—Claro, vocês parecem homens razoáveis. O cara com quem tenho
problemas não é daqui e assumiu a fazenda adjacente por casamento. Nunca
houve um problema antes disso. Ele é um homem verdadeiramente ganancioso—,
disse Esteban e brindou pela saúde de Miguel e Nero antes de tomar um grande
gole do copo. Animado, Nero fez o mesmo, encantado com a doçura da bebida.
—Ah, isso é bom.
—Vinho de banana. Minha própria receita—, gabou-se Esteban antes de
cavar a comida, que acabou sendo tão deliciosa quanto prometido.
Pelo que Miguel havia contado a Nero, eles haviam viajado para bem longe
do local do acidente e Cano estava morto. Isso deixou Ramiro no encalço deles,
mas Cano era o cão de caça do pai, então Nero tinha grandes esperanças de uma
noite tranquila para desatar os nós que haviam deixado Miguel tão
dolorosamente tenso.
Eles até ganharam outra garrafa de vinho de banana para saborear no
quarto depois de uma discussão cheia de fofocas locais. Eles concordaram em ter
uma conversinha com seu vizinho logo pela manhã, mas isso seria uma
brincadeira de criança para aquecê-los para outro dia difícil na fuga.
Por enquanto, porém, eles estavam finalmente sozinhos no quarto de
hóspedes, que só tinha espaço para duas camas estreitas cobertas com cobertores
estampados com flores e tinha paredes cheias de imagens de santos, que
observavam cada movimento deles nas paredes. A Virgem de Chiquinquirá 16
coraria se visse Nero abrir as coxas firmes de Miguel e se inclinar para lamber
seu longo pau?
Nero sentou-se em uma das camas e a sentiu ranger. Ele pensou em
empurrá-los para iniciar a conversa pairando sobre suas cabeças como uma
nuvem de tempestade, mas, por mais aberto que fosse sobre sua sexualidade, ele
não queria acordar Esteban fazendo as antigas molduras de madeira rangerem no
meio da noite.
Miguel colocou o vinho na mesinha de cabeceira ao lado das taças que
tinham para acompanhá-lo, mas depois caminhou pelo espaço vazio ao lado da
porta, tornando o ambiente mais tenso do que precisava. Eles haviam escapado da
morte mais uma vez, Cano estava morto e o quarto vinha com um chuveiro
privativo. O que mais eles poderiam pedir?
Quando Nero estava prestes a puxar conversa como se não tivesse sido
esnobado na última hora, Miguel parou de se mover, olhou para Nero com os
punhos cerrados nas laterais do corpo e falou.
16 Nossa Senhora do Rosário de Chiquinquirá ou Virgem de Chiquinquirá é uma das invocações que venera
a Virgem Maria no catolicismo. Ela é a padroeira e rainha da Colômbia, do Estado de Zulia, na Venezuela, e da
cidade de Caraz, no departamento de Ancash, no Peru.
—Eu sei que fiz merda. Mas se você queria que eu usasse camisinha,
deveria ter me impedido!
Nero olhou para ele, por um momento, sem saber se ouviu direito. —É
sobre isso que você tem estado tão fundo em sua cabeça todo esse tempo?— ele
perguntou e pegou o vinho. Ele abriu a garrafa e serviu um copo cheio para cada
um, já rindo.
Fazia tanto tempo que não se enchia de esperma que tinha esquecido o
quanto costumava gostar disso como aquele garoto estúpido que não tinha o bom
senso de tomar precauções.
Miguel olhou para ele como se houvesse algo para se zangar e pegou a taça
de vinho. —Pensei que você poderia morrer e perdi a calma, mas não queria ser
tão rude. Eu nunca... me desculpe.
Um calor estranho se espalhou no peito de Nero, então ele bebeu um pouco
do doce vinho caseiro, tentando não ler muito em Miguel declarando tão
abertamente que a ameaça da morte de Nero o fez agir fora do personagem.
Ele se levantou e se aproximou dele com um sorriso perverso. —Figurado.
Você não gostaria de perder o primeiro cara com quem decidiu transar antes que
isso realmente acontecesse.
Miguel bebeu metade do copo de uma só vez, observando Nero com os
olhos como fendas. —Bem, você é o primeiro, então não é como se eu pudesse lhe
passar DSTs. De qualquer forma, o mais importante é que ainda não sei por que
Cano está atrás de você.
Nero revirou os olhos, sem vontade de compartilhar esses detalhes. —Você
só está mudando de assunto.
—Ou você?
Nero passou seus dentes pontudos sobre o lábio superior em silêncio.
Miguel balançou a cabeça. —Então você simplesmente não vai me contar?
—Talvez outra hora.
—Bem.
Miguel salvou a vida de Nero e foi seu companheiro nesta louca aventura,
mas Nero ainda não conseguia confiar nele totalmente. Mas ele não precisava
desnudar seu coração, alma e cérebro para um homem para construir uma
conexão.
Só então Nero percebeu o que Miguel estava tentando lhe dizer antes dessa
distração.
Ele se aproximou tanto que sentiu o cheiro de álcool no hálito de Miguel. —
Espere um minuto… você quer dizer o primeiro? Eu sou o primeiro cara ou...
Miguel ficou onde estava, mas não olhou nos olhos de Nero. Seu pomo de
adão barbudo balançou tão deliciosamente quando ele engoliu que Nero mal
podia esperar para mordê-lo.
—Eu não... brinco por aí. Eu nunca fiz,— ele engasgou
Nero lambeu os lábios, sentindo-se fraco da melhor maneira possível. Pela
primeira vez... Miguel tinha sido uma foda incrível. Risca isso. Ele era uma foda
incrível. Foi apenas sua maneira pós-coito que deixou muito a desejar.
Mas... se ele nunca fodeu ninguém, isso significa que ninguém mais foi
persistente ou atraente o suficiente para tentá-lo a sair do caminho equivocado
da castidade?
Enquanto Miguel entornava o copo e o tornava a encher, Nero tomou um
gole para alimentar as fantasias que queimavam em seu cérebro.
Ele nunca foi especial para nenhum de seus amantes. Apenas outra foda
quente, ou um meio para um fim.
Para Miguel, ele era algo além disso, e saber disso fez Nero desejar ter
aquele pau duro enfiado nele novamente, não importa o quão dolorido seu
traseiro estivesse. Desta vez, ele gostaria de ver o rosto de Miguel quando ele
gozasse dentro dele, enchendo-o com todo o esperma que ele estava guardando.
—Você gostou do meu buraco apertado? Acho que ordenhou você
completamente,— Nero sussurrou, já sentindo os efeitos da bebida. O material era
enganosamente forte.
O rubor no rosto de Miguel aumentou, embora fosse impossível dizer se por
causa da bebida ou das palavras de Nero.
—Seriamente? Eu salvei sua vida hoje, e essa é a sua pergunta?
Nero colocou a mão no quadril de Miguel e apertou seus peitos, já sem
fôlego. —É por isso que você me salvou, não é?
Miguel se concentrou nele apesar de suas pálpebras caírem um pouco. —O
que? Acha que te salvei para te foder? O que há de errado com você?— Ele
pressionou o ombro de Nero para afastá-lo, como se estivesse lidando com uma
criança indisciplinada.
—Então por que você fez isso?— Quando a bebida borrou o cérebro de
Nero, ele soltou uma risada. —Você está apaixonado por mim, ou algo assim?
Uma sombra escura surgiu nos olhos de Miguel. —Dificilmente—, disse ele
em uma voz feita de gelo. —É você quem está me provocando há meses. Você
conseguiu o que queria, então vamos deixar por isso mesmo.
O frio penetrou nos ossos de Nero e apertou sua mandíbula.
O que Miguel estava dizendo? Que ele tinha sido uma cama
decepcionante?
—Assim fez você. Você queria suas bolas de pau no fundo da minha bunda
desde que você colocou os olhos em mim, e você não acha que eu não sei,— Nero
disse, colocando o copo no armário quando ele errou o alvo e cutucou. Miguel no
estômago em vez do peito. Ele não precisava mais ficar bêbado. Desde quando
falar claramente era tão difícil? —Então não me empurre, porra, ou você não vai
conseguir mais disso — ele rosnou e se virou. O impulso o fez perder o equilíbrio
e acabar curvado sobre a cama, mas em seu estado tonto, isso pode ser uma
vantagem.
Nero abaixou a calça e a cueca antes de agarrar uma nádega e puxá-la
para o lado para mostrar a Miguel o que poderia acabar perdendo. —Aí está, bom
e maduro desde a última vez que você o arou—, Nero falou arrastado, parando
quando o mundo ao seu redor parou de forma não natural, como um vídeo
pausado, embora ele pudesse se sentir balançando.
—Você não sabe o que eu quero!— Miguel levantou a voz e jogou o copo
no chão onde se estilhaçou em pedaços.
Seguiu-se um baque surdo, mas quando Nero olhou por cima do ombro,
avistou Miguel de joelhos, depois tombando para o lado.
Ele congelou, mas seus próprios músculos estavam virando uma gosma, e
ele se viu superado por seus quadris, eventualmente escorregando para o chão.
Tremendo, ele tentou rastejar ou agarrar sua arma, mas estava fraco demais
para mexer o dedo mindinho e afundou ainda mais no nada, como se tivesse se
liquefeito e estivesse lentamente desaparecendo em um ralo.
O rangido de passos foi a última coisa que ele ouviu antes de perder a
consciência.
Foda-se.
Capítulo 20
Miguel
1717 Chouriço.
Apesar de ser tão ávido pelo toque de Miguel no andar de baixo, agora que
o perigo não parecia mais iminente, Nero enrijeceu nos braços de Miguel, mas ele
não se afastou e acabou acariciando seu bíceps.
—O chuveiro parece perfeito. Não quero cheirar a esse bastardo o dia todo.
Suas roupas e pertences foram deixados em um saco de lixo ao lado da
cama, então pelo menos eles teriam algo para vestir quando terminassem de se
lavar.
Miguel beijou a lateral da cabeça de Nero e se afastou. —Vamos, podemos
discutir nosso próximo passo debaixo do chuveiro... a menos que você prefira ir
sozinho?— ele perguntou após um momento de hesitação, só agora percebendo
que Nero poderia querer um pouco de privacidade para lidar com os ferimentos
que a vassoura poderia ter causado.
Nero piscou, bufou e, em seguida, passou o braço em volta do meio de
Miguel com a expressão tentadora que Miguel achava tão difícil de resistir. —
Sem chance. Estou com muito medo de ficar sozinho,— ele brincou, balançando
as sobrancelhas enquanto puxava Miguel em direção ao banheiro.
Mesmo agora, ele sabia o que dizer para deixar Miguel à vontade. —Você?
Você não tem medo de nada.— Miguel costumava pensar que se tornara imune
ao medo, mas a noite passada provou que ele estava errado. Ele estava realmente
com medo de alguém machucar Nero.
—Nah, estou apavorado por ficar sem Miguel para cuidar de mim,— Nero
disse com um sorriso e entrou no pequeno e surpreendentemente limpo espaço.
As paredes eram cobertas com três tipos diferentes de ladrilhos - o que estivesse
disponível por um preço baixo, provavelmente - e, embora nada no interior
tivesse sido finalizado com a estética em mente, o chuveiro tinha uma cortina
colorida que iluminava o espaço.
—Seu pau me diz que você não tem medo. Eu nunca deixaria ninguém
colocar uma agulha—, disse Miguel, apontando para o piercing que pesava no
pênis de Nero. —Não é... doloroso?
As sobrancelhas de Nero se ergueram e, momentos depois, seus dentes
apareceram em um sorriso. —Não posso dizer que foi confortável no começo,
mas torna tudo mais intenso. Você gosta disso?— ele perguntou, batendo seu
quadril contra o de Miguel.
Oh, sim, ele fez isso, porra. —Eu faço, e os anéis de mamilo também—, disse
ele sem fôlego, lutando contra o desejo de acariciar o pênis de Nero.
—Espero que este lugar tenha água morna,— Nero murmurou, apertando a
cintura de Miguel com mais força e se inclinando contra ele, como se precisasse
de conforto, apesar de parecer relaxado. Ambos sabiam que, se a sorte não
estivesse do lado deles, seriam eles que logo perderiam o sangue pelo ralo.
Miguel entrou primeiro no chuveiro e deixou a água fria congelar sua pele,
mas ela esquentou rapidamente e, uma vez que isso aconteceu, ele puxou Nero
para dentro, ainda chocado com a naturalidade de tocá-lo. Assim como quando
eles foderam no carro. Miguel tinha estado nervoso antes e depois da ação, mas
não no momento, quando as inibições se tornaram translúcidas em comparação
com a presença física do homem mais atraente que ele já conheceu.
Ele sentiu alívio quando a água penetrou em suas tranças apertadas,
lavando um pouco do sangue. Visitar um barbeiro estava longe de sua lista de
prioridades agora, então isso teria que ser suficiente.
—Toda a área está cheia de jacarés—, disse ele, observando Nero enxaguar
o sangue de sua boca. Mas, apesar de certamente haver uma quantidade limitada
de água quente, nenhum deles parecia pronto para parar de dar as mãos ainda.
Eles não se incomodaram em fechar a cortina, o que lhes deu mais espaço
para se mover, mas com Nero parado tão perto e gemendo baixinho quando as
gotas quentes atingiram sua pele, isso fez pouca diferença. Ele descansou a testa
no ombro de Miguel e acariciou seu peito sob o pretexto de lavar toda a sujeira e
sujeira de seu dia terrível.
—Toda a Colômbia é.
Essa foi a resposta deles. —Então, precisamos sair do país. Onde você
gostaria de ir? Vou levá-lo a qualquer lugar que você quiser. —Miguel engoliu
em seco e se afastou um pouco para deixar a água escorrer pelo rosto de Nero. Ele
acariciou as bochechas barbadas para soltar o sangue seco, e Nero o deixou,
parado ali com os olhos fechados, como se realmente se sentisse seguro.
Foi uma nova experiência. E embora houvesse pessoas que confiaram em
Miguel com sua segurança no passado, havia algo especial sobre Nero se sentir
confortável em sua presença depois da tortura pela qual acabara de passar. Sua
língua escorregou entre os lábios carnudos, puxando sobre sua carne.
—Vamos começar com o Peru e ver o que acontece.
—Faz sentido. Há outras organizações lá mantendo os Caimans afastados.
Uma vila? Cidade grande? Em algum lugar perto do oceano?— O que quer que
Nero escolhesse, Miguel faria acontecer.
—Não sei. Talvez uma cidade grande com praia?— Ele esguichou um
pouco de sabonete líquido na mão e começou a lavar porque, por mais adorável
que fosse, eles tinham pouco tempo. Nero seguiu seu exemplo, massageando a
espuma em seus cabelos curtos, o que deu ao sabonete um tom esverdeado. Ele riu
antes de enfiar a cabeça na água, que estava começando a ficar morna.
—Vamos mirar em Lima então, e partir daí. Você ainda será uma praga
durante nossa viagem?— Ele ousou um sorriso e acariciou o lado de Nero.
Um arrepio visível percorreu o corpo de Nero, mas no momento em que
Miguel queria se afastar de preocupação, seu toque não era mais desejado, foi
oferecido a ele um sorriso cheio de dentes afiados, que salvou o dia. —Você quer
dizer praga ou praga sexual?— Nero perguntou e se aproximou, apertando as
mãos nos peitorais de Miguel.
Miguel congelou. Por muito tempo, seus instintos o impediram de ter
intimidade e, enquanto eles ainda estavam no lugar, a proximidade que ele
compartilhou com Nero mudou as coisas. A reação inicial de seu corpo ainda era
não, mas sua mente e coração diziam sim.. O toque de Nero era bom. Apenas...
novo. Ele engoliu em seco, envergonhado quando um arrepio percorreu todo o
caminho até seu pênis. —Eu... hum... eu acho que você vai precisar descansar
depois do que aconteceu hoje antes que você possa cumprir seu destino como
peste sexual.
Nero não só não se afastou como também pressionou seu corpo contra o de
Miguel, aproximando seus pênis. —É verdade que foi um pouco difícil, mas isso
nunca me impediu de cumprir meu destino. Eu tenho outro buraco perfeitamente
bom que você pode usar,— ele disse e deixou sua mão deslizar pela forma de
Miguel em um ritmo tentador. Seus olhos escureceram quando baixou as
pálpebras enquanto observava Miguel, como se quisesse deleitar seus olhos com
ele.
—E... você iria querer isso?— As orelhas de Miguel esquentaram tão
rapidamente que ele agradeceu que o chuveiro começasse a esfriar. Eles deveriam
seguir em frente a partir daqui, mas Nero desmoronou as paredes que seguravam
os desejos secretos de Miguel. Como poderia a razão competir com tal força da
natureza? O pênis de Miguel só tinha um mestre agora, e não era seu cérebro.
Nero exalou, puxando os dentes sobre o lábio inferior que agora parecia tão
carnudo, macio e tão... acolhedor. O calor cru queimou o crânio de Miguel,
criando uma fumaça inebriante que anuviou seus pensamentos racionais quando
a mão de Nero pousou em sua coxa, tão perto de seu pau.
—Eu quero seu pau grande deslizando pela minha língua? Cutucando o
interior da minha bochecha, empurrando minha garganta enquanto eu me
ajoelho lá e pego?— ele murmurou, hipnotizando Miguel com olhos tão verdes
quanto as plantas que cercam o galpão. —Oh, inferno, sim. Use minha boca como
quiser, Miguel.
Ele queria tudo isso, de uma só vez. Eles não tinham tempo para isso, e ficar
para satisfazer uma fome tão opcional era uma coisa louca de se fazer, mas
Miguel já sabia que se Nero queria alguma coisa, ficar em seu caminho era como
tentar deter um incêndio florestal. E agora, Miguel realmente não tinha
autocontrole para negá-lo. Para negar os dois.
—É assim que você gosta?— ele perguntou, ofegante com a necessidade,
mas ainda tentando encontrar seus pés na situação. Seu sonho molhado sobre a
cabeça de Nero entre suas pernas estava prestes a se tornar realidade de maneiras
tão deliciosas que ele não poderia ter imaginado se tentasse. Sua mente luxuriosa
vagou para Nero no passado, mas ele sempre o imaginou com homens sem rosto,
incapaz de pensar em um cenário onde esta criatura linda e confiante o desejasse
por mais do que um único encontro necessário para cortar outro entalhe na
cabeceira da cama. Mas desde então ele descobriu novos lados de Nero, e saber o
quanto eles tinham em comum sob a superfície lançou uma nova luz sobre os
sorrisos provocantes que Nero vinha enviando para ele por tanto tempo. E agora
aqui estava ele, luxúria personificada, convidando Miguel para mais.
Nero inclinou a cabeça enquanto seu sorriso se tornava carregado de
tentação erótica. —Gosto de muitas coisas, mas já falei pra você me fazer sua
cadela, não disse?— ele perguntou suavemente e desligou a água fria. —Eu quero
sentir sua força,— ele ronronou antes de deslizar sua língua para fora para
lamber o queixo de Miguel. Estava quente como carvão em brasa.
Uma parte dele se sentia culpada por imaginar Nero em cenários imundos -
fodido contra a parede, pressionado à força, com esperma no rosto - porque
parecia puni-lo por ser tão desejável. Mas se era isso que Nero queria, se isso o
fez gozar como no carro, então ele terá toda a força masculina de que precisava. E
enquanto Miguel não tinha experiência, ele se esforçaria para fazer Nero
esquecer que outros homens existiam.
No momento em que Nero caiu de joelhos nos ladrilhos molhados, o pau de
Miguel estava ficando dolorosamente duro. Sua respiração acelerava a cada
segundo, e agora que a boca de Nero estava nivelada com seu pênis, ele mal podia
esperar para enterrá-lo entre os lábios carnudos. —Algum último desejo
enquanto você ainda pode falar?
Um estremecimento delicioso sacudiu a pele morena clara.
Nero respirou fundo e olhou para cima enquanto fazia cócegas na ponta do
pênis de Miguel com a língua. —Eu sou seu buraco quente e úmido agora. Use-
me.
Era uma provocação, e Miguel não resistiu à isca.
Ele ficou tonto ao ver a boca aberta de Nero e o tapete vermelho de sua
língua se estendendo para ele em um convite. O sangue que costumava manter
seu cérebro funcionando agora fazia seu pau latejar, e o único pensamento que
lhe restava era o desejo de esvaziar suas bolas naquela garganta disposta. Mas isso
não era sobre a fantasia de poder, mas a pura alegria piscando nos olhos verdes
brilhantes e o pau escuro projetando-se entre as coxas musculosas e apontando
para o teto. Nero queria isso. Queria ele, mesmo depois do que aconteceu lá
embaixo. Quem era Miguel para lhe negar o prazer?
Ele agarrou os lados da cabeça de Nero, bem perto das orelhas, e puxou-o
em seu pau. A intrusão abafou um gemido necessitado, e quando aquela língua
macia e flexível se moveu, seu deslizamento enviou eletricidade da parte inferior
do pênis direto para as bolas de Miguel, e então para seu cérebro, fazendo-o
embaçar.
Seu olhar não se desviava daquele rosto bonito e da forma como os lábios
carnudos de Nero se apertavam ao redor da circunferência de Miguel, mas os
olhos verdes o olhavam de volta, destemidos e cheios de orgulho, como se para
mostrar a Miguel que Nero estava exatamente onde ele queria estar, e que ele não
tinha vergonha de deixar outro homem levá-lo dessa maneira.
Suas bochechas se afundaram, criando um vácuo delicioso ao redor do
pênis de Miguel.
—Oh, foda-se...— ele gemeu, e revirou os olhos. Este era o céu puro.
Não muito tempo atrás, ele pensou que nunca se sentiria à vontade com
outra pessoa dando-lhe prazer dessa maneira íntima. A ideia era tão quente que
às vezes até entrava em seus sonhos, mas ele ficava frio sempre que alguém
tentava tocá-lo com intenção sexual. Mas as coisas eram diferentes com o Nero.
Este não era apenas um estranho procurando algum prazer. Nero o conhecia, se
conectava com ele, gostava dele e precisava dele de uma forma que ninguém mais
precisava. E, por sua vez, Miguel foi descobrindo todo um mundo de sentimentos
por Nero, que não ousava colocar em palavras.
Miguel não pôde deixar de empurrar os quadris para frente, testando até
onde Nero poderia levá-lo. Os lábios macios esticados sobre a circunferência de
seu pênis como uma manga feita para foder, e como cada vez que Miguel se
aprofundava, a resposta de seu amante era um gemido, as inibições que
inicialmente o mantinham sob controle gradualmente se afrouxaram.
Este era Nero Moreno, uma peste sexual luxuriosa que gostava de ser fodido
e que disse que queria ser a cadela de Miguel. Como um homem poderia resistir a
tal tentação?
Ainda assim, a sensação de atingir uma barreira no fundo da garganta de
Nero e ouvi-lo engasgar fez Miguel parar, com medo de que ele pudesse tê-lo
machucado acidentalmente. Nero aceitou com calma e colocou as mãos nos
quadris de Miguel, como se sentisse a necessidade de acalmá-lo, e se deslocou na
frente de Miguel, erguendo o queixo enquanto olhava para cima e se inclinava
para frente, observando centímetro após centímetro.
Fogos selvagens dançaram na base da espinha de Miguel quando ele viu seu
pau longo e grosso desaparecer naquela boca gananciosa, até que o nariz de Nero
afundou no arbusto escuro na base.
O aperto na garganta de Nero era intenso, mas Miguel já estava
constrangido por não durar muito quando eles foderam pela primeira vez, então
ele pelo menos queria dar a Nero o que ele pediu antes de atirar sua carga
naquela boca quente e gananciosa.
Quero sentir sua força, passou pela mente de Miguel em um sensual
flashback, e ele agarrou as orelhas de Nero, encontrando os lindos olhos
brilhantes.
—Toque na minha perna se precisar de uma pausa,— ele murmurou, antes
de empurrar todo o caminho para começar o ataque que seu amante havia
pedido. Músculos molhados se contraíram ao redor de seu pau, mas Miguel
puxou de volta, começando um ritmo áspero de estocadas ao longo daquela
língua macia.
Nero não parava de olhar para ele, mesmo quando seus olhos lacrimejavam
e ficavam vidrados. Sua mão apertou a coxa de Miguel, agarrando a carne com
força enquanto relaxava, mantendo a boca bem aberta para o pênis brutal entrar
e sair como se fossem duas partes da mesma máquina. Suas narinas dilataram,
sugando o ar sempre que Miguel puxava para fora, mas a baba grudada no pênis
de Miguel fornecia a lubrificação necessária para golpes rápidos e duros que
faziam as bolas de Miguel apertarem enquanto batiam contra o queixo úmido de
Nero.
Ele não assistia muito pornô, mas este era muito mais quente do que
qualquer outro que ele tinha visto. Nero era tão flexível e ansioso, seu corpo era a
imagem da perfeição muscular. E mesmo que Miguel tivesse visto os dentes de
Nero arrancarem um pedaço da garganta de um homem, ele não teve escrúpulos
em enfiar seu pênis naquela boca mortal, porque ele era o guardião deste
predador e receberia apenas prazer.
Ele grunhiu seu desejo, pela primeira vez não tentando esconder a
excitação enquanto bombeava o aperto na garganta de seu amante, querendo que
seu amante visse o quão mútuo isso era.
As sobrancelhas de Nero se juntaram em uma carranca deliciosa, e ele
colocou a mão entre as próprias pernas, movendo a mão em alta velocidade,
como se não pudesse mais conter o desejo provocado por Miguel usando sua boca
como um brinquedo pessoal. Fazer isso parecia egoísta na superfície, mas não
havia dúvida na mente de Miguel de que ele estava oferecendo a Nero o que ele
precisava.
A saliva escorria da boca de Nero quando Miguel se afastou apenas para
bater com força, incitado pelo insistente grito de necessidade que o fez bombear
seus quadris mais rápido, esmurrando aquela boca flexível com a sutileza de um
animal no cio.
Prazer borbulhou em sua cabeça e disparou direto para suas bolas. Ele
estava gozando. Na boca de Nero Moreno.
Impulsionado pela necessidade primordial de marcar seu amante, ele se
retirou bem a tempo de deixar Nero provar seu sêmen, em vez de bombeá-los
goela abaixo. Ele queria ter certeza de que Nero conhecesse bem o sabor, porque
isso definitivamente aconteceria de novo, mais cedo ou mais tarde, se Miguel
tivesse alguma opinião sobre isso.
Nero deu um gemido abafado e moveu a mão esquerda da coxa de Miguel
para seu pênis. Com o aperto firme de seus dedos tatuados, ele empurrou Miguel
seco, direto em sua boca, que já estava transbordando de porra.
E então, Miguel mal podia acreditar nisso, todo o corpo de Nero estremeceu
e ficou tenso quando o calor pegajoso espirrou nos pés de Miguel.
Ele ofegou, lutando para ficar de pé. Parecia que seu corpo, depois de trinta
anos de desinteresse, agora estava entrando em curto-circuito com a quantidade
de desejo que fluía por ele.
—Tão bom. Engula. Como uma boa cadela. —Ele queria adicionar por
favor, mas se Nero pedisse para ser usado , Miguel daria isso a ele.
Nero choramingou como um cachorrinho e fechou os braços ao redor dos
quadris de Miguel, olhando para aprovação enquanto juntava as mechas brancas
de seu queixo antes de levá-las direto à boca.
—Woof,— ele murmurou e tomou o pênis de Miguel com extrema
gentileza, e o calor suave de sua boca drenou Miguel de toda a energia que ainda
tinha nele.
Em um mundo perfeito, ele teria caído na cama com Nero ao seu lado, mas
o mundo deles estava longe de ser perfeito e eles precisavam partir logo.
Ele assistiu Nero chupar seu pau amolecido como se não conseguisse o
suficiente, e acariciou o cabelo curto no topo da cabeça de Nero. —Isso foi tudo o
que você sonhou?— ele perguntou, tentando obter algumas respostas sem soar
carente.
Nero soltou um grunhido ininteligível e encostou a bochecha na coxa de
Miguel, tentando recuperar o fôlego.
Miguel suspirou. —Estou lhe dando um ou três minutos, mas precisamos ir.
Pode haver problemas na saída. —Ele odiava ser o único a tirar Nero de sua bolha
cheia de sexo, mas alguém precisava controlar a realidade. Ainda assim, ele sorriu
e acariciou o cabelo, que começaria a enrolar se não fosse cortado novamente em
breve.
Os olhos de Nero se abriram e ele deu a Miguel um sorriso largo e tímido.
—Yeah, yeah. Eu sei. Realmente precisava disso,— ele disse, exalando como se
estivesse segurando o ar.
Nos últimos dois dias, Miguel sorriu com mais frequência do que nos
últimos dois anos. Eles mal escaparam da morte várias vezes, e ainda não estavam
fora da floresta, mas ele ainda estava flutuando em uma nuvem fofa feita de
felicidade.
Foi a presença de Nero que fez isso com ele, então ele se inclinou para
sussurrar em seu ouvido. —Precisava de quê? Diz.
Nero estremeceu e virou a cabeça para encontrar os olhos de Miguel. —
Uma boa transa.
Esse era o único elogio de que Miguel precisava. Ele beijou o topo da cabeça
de Nero. —Você é o melhor que já tive,— ele brincou, já que ambos sabiam que
ele era virgem até muito recentemente.
Nero riu e agarrou o pulso de Miguel, levantando-se. —Eu costumo ter esse
efeito nas pessoas. Agora preciso manter meu jogo para que você não fuja,— ele
sussurrou, pressionando seu peito contra o de Miguel.
Miguel tinha aprendido a ver os outros homens como competidores e
ameaças, então não conseguia parar de se surpreender com a naturalidade de
segurar Nero, deslizar as mãos pelas laterais do corpo e permitir o mesmo em
troca. Mesmo que seu tempo juntos fosse limitado, e um dia Nero seguiria em
frente, Miguel decidiu que valorizaria cada momento brilhante e morreria um
pouco mais feliz.
Mas a brincadeira havia acabado, então ele deu um tapinha na bunda de
Nero ao sair do chuveiro, satisfeito por agora ter tais liberdades. —Ainda não
estou correndo.
Nero olhou por cima do ombro, sua bunda redonda, musculosa e nua sob as
costas densamente cobertas de tatuagens. Ele era lindo pra caralho. E tão fodível
Miguel já sonhava com as coisas que faria com sua boca assim que se
acomodassem para a noite.
—Não tente. Eu vou te encontrar onde quer que você vá,— Nero disse e
saiu do banheiro, indo direto para a bolsa com seus pertences.
Ele derramou seu conteúdo na cama e remexeu neles antes de encarar
Miguel com um sorriso brilhante. Em sua mão estava a pulseira de ouro que
Miguel havia roubado do turista americano.
Miguel assentiu e verificou se sua arma ainda tinha balas. —Bom, vai
render um pouco de dinheiro se o penhorarmos.
Nero franziu a testa. —De jeito nenhum. Isso é meu,— ele disse e entregou
a pulseira a Miguel antes de oferecer seu pulso esquerdo.
Um pequeno sorriso apareceu nos lábios de Miguel quando ele encontrou
os olhos de Nero, mas ele obedientemente fechou o fecho, feliz por ver seu
presente apreciado. —Ambicioso.
—O que você vê é o que você obtém.
Capítulo 22
Nero
18 Sexo grupal.
Desta vez, Miguel desviou o olhar e a surpresa de Nero se transformou em
frustração. —Não parece certo depois do que ele fez com você. Especialmente
porque eu era tão duro antes disso.
Nero olhou para ele, perplexo. —O que ele... ooh,— ele murmurou,
percebendo do que se tratava. Ele sorriu e deslizou os dedos pela bochecha
barbada de Miguel enquanto os olhos escuros teimosamente evitavam seu olhar.
—Você não foi excessivamente rude. E aquela vassoura nem era tão grossa
quanto o seu pau. Então foi uma merda que aconteceu, e não estou feliz que você
tenha visto isso, mas está tudo no passado.
Doeu a Nero ver Miguel ficar ainda mais tenso. —Eu deveria ter feito algo
antes.
A boca de Nero secou, com a memória visceral. Ele realmente pensou que
morreria naquela mesa, em uma dor torturante, e com Miguel forçado a assistir
isso acontecer. Mas o que Esteban conseguiu fazer? Não foi a pior coisa que já
aconteceu com ele. Ele estava consciente, não havia sangue e, embora a vassoura
enfiada no traseiro doesse, às vezes o sexo consensual também o fazia. Por que
Miguel estava dando tanta importância a isso?
—Você estava acorrentado e salvou o dia. Você merece minha gratidão,—
Nero sussurrou, deslizando a mão pelo torso de Miguel.
—Você está dizendo que vai me foder como um agradecimento?— Miguel
fez uma careta.
Claro que ele teve que tornar isso difícil e complicado sem motivo.
—Oh, vamos lá, Miguel,— Nero gemeu, deslizando para mais perto até que
seus corpos se encaixassem. A apenas alguns centímetros de distância, ele sentiu o
cheiro de cravo e tabaco no hálito de Miguel e esfregou seu rosto contra ele. —Eu
quero você, tudo bem? Você deixa meu pau duro. Eu quero que você desça pela
minha garganta e abra minha bunda. É isso que você precisa ouvir?
Os braços de Miguel o envolveram e suas mãos deslizaram até as nádegas
de Nero. —Sim. E eu também quero isso. Mas eu tenho uma palavra a dizer sobre
isso também, e sua bunda está descansando até que eu diga, ok?— Dois de seus
dedos deslizaram para dentro da fenda de Nero sem avisar e esfregaram contra
sua abertura em uma óbvia tentativa de distração.
O filho da puta estava aprendendo rápido.
—Mas não quero que descanse. Estou sempre com tesão,— Nero reclamou,
mas havia uma parte dele que se sentia bem com essa conversa frustrante. Miguel
pode estar enganado sobre o lado físico das coisas, mas o fato de que ele estava
rejeitando algo que ele claramente queria pelo bem de Nero era estranhamente
cavalheiresco. E embora Nero acreditasse que o cavalheirismo estava morto há
muito tempo, ele não pôde deixar de sorrir com a ideia de Miguel vestindo uma
armadura medieval sofisticada e fazendo uma serenata para ele sob sua janela.
Em um cinto de castidade.
Miguel bufou e esfregou o rosto no pescoço de Nero. —Você precisa de
uma mão com isso?— Seus dedos varreram o pênis de Nero e puxaram o
piercing, lembrando Nero da breve masturbação que Miguel lhe dera durante o
sexo no carro. Ele tinha estado tão sobrecarregado que mal se lembrava disso,
mas agora a memória da mão familiar apertando seu pau duro voltou para ele
com força total.
Ele curvou os dedos dos pés e se deitou, surpreso com o ataque de sensações
que o inundavam enquanto a língua de Miguel rolava contra sua garganta. Sua
mão encontrou o pênis duro empurrando em sua coxa e o esfregou, ansioso para
fazer seu amante se contorcer também.
Miguel engasgou, e sentir seus cílios vibrando era algo que Nero gravaria
em seu cérebro para sempre. Miguel era um homem deslumbrante, mas ninguém
mais conseguia vê-lo assim - excitado e desprendido. Os dedos de Miguel
continuaram pressionando o buraco de Nero, fazendo-o ansiar por mais, mas ele
aproveitaria o que Miguel queria dar.
Faminto por seus lábios, Nero não se importava em falar sacanagem e
puxava o pau duro de Miguel enquanto duas mãos habilidosas, que pela primeira
vez nem sentiam frio, o provocavam em um ritmo implacável que logo lhe subiu
à cabeça como uma copiosa quantidade de champanhe.
Fazia muito tempo desde que ele se masturbou com outro homem, e foi tão
gentil e reconfortante que ele logo se viu dominado pelo calor produzido por seus
corpos. Cada fragmento de sua pele estava em chamas. Quando Miguel enrijeceu,
montando sua mão até que a porra quente espirrou na carne de Nero, ele assumiu
enquanto Miguel descansava em seus braços, observando-o sob as pálpebras
abaixadas.
—Você é tão gostoso e sem vergonha... eu adoro isso,— Miguel
choramingou enquanto seu olhar vagava do pau de Nero para seu rosto. —Quero
ver você gozar.
Nero deu um grunhido engasgado e arqueou as costas quando a mão de
Miguel se moveu mais rápido, alimentando a necessidade entorpecente faiscando
por todo o seu corpo. —Brinque com eles. Chupe-os,— ele choramingou quando
os olhos de Miguel brilharam. Ele não especificou a que parte do corpo se referia,
mas momentos depois, uma língua quente como lava rolou contra o mamilo de
Nero, deixando sua cabeça confusa. Ele não conseguia mais pensar.
Em sua cabeça, ele estava sob Miguel, dobrado em dois e implorando por
aquele pau duro, mas assim que o eixo imaginário dividiu suas nádegas, suas
bolas latejaram e o sêmen disparou, pintando sua carne.
Por um momento, ele nem teve certeza se o grunhido satisfeito de Miguel
não tinha sido uma invenção de sua fantasia, mas não, era definitivamente real.
—É errado eu não querer tomar banho até de manhã?— Miguel sussurrou
contra o peito arfante de Nero.
Nero balançou a cabeça, afundando nos lençóis como se fossem líquidos. —
Nem eu. Gosto do seu cheiro em mim—, disse ele, abrindo os olhos para olhar
para Miguel, mas seu homem já estava cochilando. Ambos mereciam o sono, mas
havia mais uma questão premente.
—Então... isso significa que você vai ser meu namorado até Lima?— Nero
murmurou enquanto fechava os olhos.
Miguel cantarolava mas não abria os olhos. —Não temos quatorze anos,
Nero.
—Você vai, no entanto?
Por um segundo, Nero ficou totalmente acordado, mas então Miguel
murmurou: —Sim—, enviando-o para os doces braços de Morfeu.
Capítulo 23
Nero
NERO ESTAVA EXAUSTO. SUAS coxas doíam e seu buraco doía por causa
da foda vigorosa, mas Miguel estava lá para segurar sua mão enquanto eles
subiam a passarela laranja acima da estrada barulhenta e se dirigiam para o
hotel. Como qualquer casal normal.
Como se Miguel não tivesse a intenção de explodir seus miolos uma hora
atrás.
Nero estremeceu pensando no que poderia ter acontecido se não tivesse
sido intrometido, e apertou a mão de Miguel enquanto as luzes dos veículos que
passavam faziam sombras sobre seus pés.
Então talvez a escuridão obscurecesse sua proximidade, e não havia muitas
pessoas por perto para notar seus dedos entrelaçados, mas Nero ainda estava nas
nuvens ao sentir as mãos frias de Miguel o apertando de volta. A temperatura
deles tornava seu toque tão distinto. Nero estremecia cada vez que Miguel enfiava
as palmas das mãos sob a roupa, mas havia algo reconfortante em reconhecê-las
pelo tato.
O quarto genérico deles tinha uma cama, um chuveiro e grades nas janelas.
Apenas o que eles precisavam para uma noite. Ele não tinha ideia do que viria a
seguir, mas o dia inteiro de carro, a discussão e o sexo o esgotaram e ele não tinha
mais energia para pensar em assuntos sérios. O que ele sabia era que, como a
trágica façanha de Miguel mostrava que ele não tinha planos, cabia a Nero
garantir que seu ainda definitivamente namorado não tivesse mais ideias idiotas e
abraçasse o fato de que ele viveria.
Ele se empurrou para os braços de Miguel assim que a porta foi trancada
atrás deles e passou os braços ao redor de sua cintura. A palavra amor flutuava
em seu peito com a lembrança de Miguel dizendo isso para ele no cemitério,
quando ele acreditava estar no fim de sua vida.
O homem que eu amo.
Não era a primeira vez que alguém confessava seus supostos sentimentos a
Nero, mas desta vez, seu primeiro instinto não foi cortar os laços, mas tranquilizar
Miguel e mostrar a ele o quanto ele se importava.
Ele teve que morder o lábio quando as mãos de Miguel subiram por suas
costas, pressionando o tecido de sua camiseta contra a pele arranhada. Em
retrospectiva, talvez foder no concreto não tenha sido uma boa ideia, mas foi tão
gratificante que ele não teria trocado por uma noite agradável em lençóis de seda.
Miguel murmurou no ouvido de Nero. —Eu nem sei como cheguei a esse
ponto. Com você.
Sua voz era rica e quente como chocolate quente temperado com um pouco
de pimenta, e Nero esfregou a bochecha contra a clavícula exposta de Miguel,
saboreando o cheiro almiscarado de seu suor. —Nem eu. Nunca fui... muito
constante antes.
Miguel bufou. —Afinal, o que isso quer dizer?
Nero se afastou. —Que eu sou uma vagabunda que não se importa com
ninguém.
Miguel parou, e seus olhos escuros desnudaram a pele de Nero, virando-o
do avesso. —Não mais.
E lá estava. Aquela simples palavra de quatro letras crescendo dentro de
Nero e bloqueando sua garganta.
Ele assentiu, olhando para a janela gradeada, porque encontrar o olhar de
Miguel de repente parecia opressor.
—Vamos, preciso escovar os dentes para que você me prove, não rum e
frango—, disse Miguel, guiando-o até o pequeno banheiro.
Nero riu, um pouco mais à vontade. O frango devia ter sido curado com
açúcar, ou algo assim, porque seus dentes limados estavam um pouco doloridos
desde a refeição. Talvez se houvesse sal em algum lugar, ele pudesse dissolvê-lo
na água e aliviar a sensação desagradável com a mistura?
—Você e eu. E mal posso esperar para juntar as camas.
O brilho amarelo da lâmpada do banheiro afundou nas rugas rasas da pele
de Miguel e deixou sua sombra pálida, mas de alguma forma não tirou o quão
bonito ele era para Nero, que ansiava por lamber cada centímetro de seu corpo.
Miguel vasculhou sua bolsa. —Estou ansioso para acordar com você em
meus braços.
Um romântico foda. Ridículo, doce homem.
Nero juntou-se a ele no espaço estreito que não foi projetado para o uso
simultâneo de dois homens adultos, mas quando pegou a escova de dentes que
havia deixado na pequena prateleira acima da pia, seus olhos pousaram no
pequeno tubo que estava dolorosamente familiar.
—V-você conseguiu para mim?— ele pronunciou, pegando o creme para
sensibilidade nos dentes e olhando para Miguel.
Miguel não olhava para ele enquanto enfiava a cabeça da escova de dentes
na boca. —Hum, sim, eu vi na farmácia e pensei em você.
O coração de Nero batia mais rápido e ele pressionou delicadamente os
dedos de Miguel com o pé enquanto abria o tubo novo para esguichar um pouco.
—Uau. Isso é... incrível. Obrigado.
Se Miguel pretendia morrer esta noite, deve ter deixado para Nero
descobrir por conta própria, em uma tentativa de cuidar dele mesmo depois da
morte.
Miguel deu de ombros, mas deu a Nero um sorriso tímido e espumoso,
como se ele não tivesse acabado de intimidá-lo como um demônio.
E embora ele precisasse de prática para entender melhor as necessidades de
Nero, ele já era um ótimo parceiro. O entusiasmo cru queimando dentro dele não
era algo que um homem pudesse aprender.
Nero piscou para ele e segurou a escova de dentes na boca para tirar a
camiseta suja, que a essa altura estava grudada nas crostas recém-formadas em
suas costas.
Ele só esperava que a extravagância missionária no cemitério não
estragasse suas tatuagens.
Miguel enxaguou a boca, mas parou quando pegou a toalha pendurada
atrás de Nero. —Porra! Não. Oh, foda-se. Por que você não disse que eu estava te
machucando? Jesus Cristo.— Ele molhou a toalha e a esfregou na carne dolorida
de Nero.
—Não é grande coisa. Apenas alguns arranhões.
Miguel balançou a cabeça com a testa franzida, abrindo caminho pelas
costas de Nero com a toalha. —Espero que meu pau tenha valido a pena,— ele
resmungou.
Nero sorriu e franziu as sobrancelhas para ele no espelho. —Vamos lá, eu
estava tão envolvido que não percebi que estava sendo arranhado. Não seja tão
sério,— ele disse e se virou para beijar Miguel com seus lábios igualmente
mentolados. Ele então colocou a escova de dentes de volta para distribuir a pasta
sobre os dentes pontiagudos.
Miguel suspirou, passando a mão no quadril de Nero. —Eu só... eu quero
que você esteja seguro e feliz. Seus dentes doem muito?
Nero cantarolava, roçando suas bordas sensíveis, mas eventualmente
assentiu, porque muitas vezes eram sensíveis a ponto de distraí-lo quando era
inapropriado.
—Sinto muito,— Miguel disse e beijou sua nuca. —Eles nos salvaram de
um serial killer Caiman.
A ternura fez os pelos dos braços de Nero se arrepiarem.
Nero cuspiu a espuma e lavou o rosto, afundando-se em pensamentos
sombrios envolvendo uma realidade onde chegara tarde demais e encontrara o
corpo de Miguel esfriando em cima daquele túmulo vazio. Ele precisava ter
certeza de que isso nunca aconteceria. Miguel dizia que não sabia viver, mas
Nero o ensinaria.
Cada um deles tomou um breve banho na pequena cabine na parte de trás
do banheiro, mas uma vez que Nero estava seco, tudo o que ele queria era rolar
para as camas que Miguel havia juntado nesse meio tempo. —Eu estava
pensando...
—Sim?— Miguel perguntou, tão bonito em sua nudez Nero ansiosamente
sentou em seu colo. A pressão da carne quente contra seu buraco o fazia parecer
macio, mas ele saboreava a sensação toda vez que se lembrava da tempestade de
emoções passando por ele enquanto eles fodiam.
—Sua mãe. Você ainda não entrou em contato com ela.
—Oh.— Os ombros de Miguel caíram e ele abraçou Nero, colocando sua
bochecha contra o peitoral de Nero. —Tenho pensado sobre isso, mas
simplesmente não sei como abordá-lo. Eu não tinha certeza do que aconteceria
quando chegássemos a Lima, então continuei adiando.
Nero pegou um marcador preto do criado-mudo e o abriu, procurando um
pouco de espaço vazio entre as tatuagens nos ombros de Miguel. —E agora?
Miguel não questionou Nero deslizando a ponta de feltro do marcador
sobre sua pele e até moveu a cabeça para o lado para dar mais espaço à mão de
Nero. —Agora eu tenho você, e você realmente não pretende começar a foder
com os locais, então... eu não sei ainda como introduzir o assunto sobre você.
Digamos apenas que não fui muito gentil quando contei a ela sobre você antes.
Nero parou, afastando o marcador da pele para evitar que fizesse um ponto
muito grande. —Você contou a sua mãe sobre mim? Uau.
Miguel deslizou as mãos pelas nádegas de Nero, massageando-as
suavemente. —Meu contato com ela era esporádico, mas eu compartilhava muito
pouco, ela já odiava os Caimans, e você os tem gravados na pele. Se algum dia
voltarmos para minha cidade natal, ela saberá quem você é.
—Oh? E onde fica o lar? —Nero perguntou, voltando ao pequeno pára-
quedas que surgia em golpes confiantes do marcador.
—Giro. Não muito longe da fronteira dos EUA. Não é exatamente um
paraíso para homens gays.
O nome tocou um sino, mas não teria sido a primeira vez que uma cidade
compartilhou seu apelido com muitos outros. —O que vai ser pior? A coisa gay
ou a coisa Caiman?— Nero perguntou, tentando esconder uma crescente
sensação de mal-estar. Talvez ele não devesse ter lembrado Miguel sobre sua
mãe? Porque se eles se mudassem para lá, o que seria de sua vida em um lugar
que odiava sua espécie e onde ele não poderia se misturar à multidão? Será que
Miguel se assumiria para a mãe, ou manteria Nero como amigo, permitindo-se
apenas gestos de ternura a portas fechadas?
—Eu sei—, disse Miguel, apesar de Nero não pronunciar uma palavra. —A
situação está longe de ser perfeita, mas perdi tantos familiares que não quero
descartar o único parente vivo que tenho.
—Talvez pudéssemos... morar em outro lugar e apenas visitá-la de vez em
quando?— Nero perguntou.
Quando Miguel olhou para ele, seus olhos brilharam com vulnerabilidade.
—Ainda não consigo entender que há um futuro para mim agora. Em algum
momento, parei de pensar em qualquer coisa além da morte de Raul Moreno e
agora, acho que estou… um pouco perdido.
A emoção apertou o peito de Nero, e ele puxou a cabeça de Miguel para
perto. —Tudo bem. Você passou por muita coisa. E eu... eu não deveria ter te
pressionado antes. De agora em diante, faremos as coisas no seu ritmo, ok?— ele
perguntou enquanto as memórias terríveis que Miguel lhe contara perfuravam
seu abdômen como agulhas envenenadas.
Miguel o agarrou com mais força e esfregou sua bochecha arranhada
contra a pele de Nero. —Não, eu deveria... eu deveria ter superado isso. Você não
é como aqueles bastardos. Quero você.
O coração de Nero doía, como se estivesse sendo esmagado. Ele segurou o
rosto de Miguel e o forçou a olhar para cima até que seu olhar escuro encontrasse
o de Nero novamente. —Não. Não diga isso. Você era uma criança. Você os viu
machucar suas irmãs e matar todo mundo, e ainda por cima eles agrediram você
e quase mataram você também - isso é incrivelmente pesado.
—A vida nunca mais foi a mesma depois.— Miguel acariciou as costas de
Nero, fazendo-o perceber o quão diferente isso era de qualquer proximidade que
ele já havia experimentado. Mesmo as melhores interações com os homens
sempre foram sobre diversão e foda, nunca nada além disso. Quando um cara
parava de ser uma alegria constante, Nero o expulsava de sua vida. Mas, de agora
em diante, ele queria estar ao lado de Miguel, assumir um pouco de seu fardo e
talvez até permitir que Miguel carregasse um pouco do seu.
—Você quer falar sobre isso?
—Não há muito o que dizer. Tenho vergonha de ter me quebrado.— A
rouquidão na voz de Miguel partiu o coração de Nero.
Ele era o tipo de pessoa que acreditava em seguir em frente,
independentemente do que acontecesse, mas se viu incapaz de aconselhar Miguel
a fazer o mesmo. Ele queria embalá-lo e certificar-se de que nunca mais teria que
pensar no dia que mudou a trajetória de sua vida.
—Você não está quebrado. Você está aqui comigo. Você finalmente está
fazendo algo de que precisa — Em vez da ordem de sua mãe psicopata, pensou
Nero, mas isso era conversa para outra hora.
—Eu só... gostaria de poder te dar tudo.
Nero o silenciou e se inclinou para um daqueles beijos suaves, que ainda
faziam seus dedos se curvarem de prazer. —Você está me dando tudo que eu
preciso, ok? Você não precisa fazer isso para me manter satisfeito.
Miguel exalou e abriu a boca para mais. Sua língua deslizou para o palato
de Nero, fazendo-o derreter, e enquanto Miguel não disse nada, parecia que a
mensagem de Nero havia sido absorvida. Ele só podia esperar que tirasse um
pouco do peso dos ombros de Miguel.
Suspirando, ele colocou um braço no ombro forte e entrelaçou a outra mão
com a de Miguel quando a pesada nuvem da memória do pai se recusou a se
levantar. —Sinto muito por ele ter feito isso com você. Mas pelo menos agora
estamos ambos livres dele.
—Deve ter sido difícil crescer perto dele.
—Eu também sou um canibal,— Nero deixou escapar, olhando além de
Miguel, para a imagem genérica de uma praia tropical pendurada acima das
camas.
—O que? Ele não te define—, Miguel disse baixinho, mas não entendeu que
Nero não se referia a ser filho de Raúl Moreno. O pai havia deixado uma cicatriz
inegável nele e, embora invisível, nunca iria embora. Assim como o de Miguel.
—Não, quero dizer literalmente. Ele, hum...— A comida que Nero havia
comido antes subiu em sua garganta, mas ele continuou falando. —O homem que
matei... meu primeiro. Papai me fez comê-lo.
As sobrancelhas de Miguel baixaram, mas ele nunca desviou o olhar. —
Jesus... Nero... sinto muito, isso é horrível.
O sangue de Nero continuou fervendo, não importa o quanto ele tentasse
afastar suas emoções. —Ele ficou em cima de mim e me mandou cortar o pau
dele. E então me fez preparar assim... baseado em algum tipo de receita. Estava em
uma panela. Porque, você sabe, eu claramente não conseguia o suficiente de pau.
Ele fez uma careta quando sua voz falhou. —Qualquer que seja. Não importa.
—Você não teve alternativa, não foi algo que você escolheu fazer.
Nada poderia ser mais reconfortante do que o toque de Miguel. Mesmo
quando ele acidentalmente moveu a palma da mão sobre os arranhões nas costas
de Nero, a sensação de picada que causou lembrou a Nero o quão real Miguel era,
quão tangível e aberto a ele.
Uma parte de Nero queria pegar tudo de volta. Correr e não ter que
enfrentar esse homem que sabia demais sobre ele. Mas em vez disso, ele se
inclinou para o toque e o abraçou. —Fui vegetariano por um tempo depois disso.
Até hoje não como carne de porco. O gosto é muito... parecido.
—Estou tão feliz que ele está morto. Quando o encontramos juntos e ele deu
um soco em você, eu estava prestes a abri-lo ali mesmo. Ele nunca vai te
machucar de novo.
Nero sorriu e beijou a testa de Miguel. —Você não esperou muito para
fazer o trabalho.
Seu segredo estava fora. E apesar de muitas vezes esconder até de si mesmo,
Nero ficou aliviado por Miguel saber o que ele era e não o rejeitar. Seus demônios
encontraram conforto um no outro.
—Sinto muito por não ter lhe dado uma pista naquela época, mas não podia
deixá-lo sobreviver.
Nero suspirou e encostou a testa na de Miguel, aproveitando o calor de seu
abraço. —Você não tinha nenhum bom motivo para confiar em mim na época.
Nós dois sabemos que sou um idiota.
Miguel sorriu. —Você é muito mais do que isso.
As entranhas de Nero ferviam e ele deu-lhe um beijo suave. —Então o que
você fará agora? Diga a sua mãe que o trabalho está feito?
—Acho que quero que ela saiba que sobrevivi. Você gostaria de ver uma
foto da minha família? De antes dos Caimans nos separarem?
Não deveria ter parecido um grande gesto da parte de Miguel, mas Nero se
viu sem palavras e acenou com a cabeça, oferecendo um sorriso. Miguel pegou o
telefone no criado-mudo e, depois de alguns cliques, tirou uma foto em que todos
estavam vestidos com suas melhores roupas, incluindo um menino - Miguel -
que usava um smoking minúsculo. Cinco meninas adolescentes usavam vestidos
coloridos com fileiras de babados, e seus pais estavam atrás de seus filhos com
sorrisos brilhantes brilhando com orgulho que logo seria arrancado de seus
rostos.
Miguel apontou para uma das meninas e sussurrou: —Essa é a Elisa, era a
quinceañera dela.
Nero estava pronto para chorar com Miguel, para se concentrar em sua
perda e oferecer apoio, mas uma vez que seu olhar parou no rosto estreito de
Elisa, o reconhecimento o apunhalou como uma adaga. Ele imaginou que estava
vendo coisas, e que a mulher que ele lembrava da infância devia ser alguém com
feições parecidas com as da irmã de Miguel, mas sua garganta se fechou quando
ele percebeu o formato do nariz dela, o tamanho dos olhos dela, o néon uma
mecha rosa no cabelo, mas acima de tudo - uma pequena marca de nascença no
alto da bochecha, que parecia ter recebido um beijo da própria Vênus.
Ele a conhecia.
—Ela lutou com unhas e dentes contra nossos pais para pintar o cabelo,
então combinava com o vestido.— Miguel deu uma risada triste. —Eles decidiram
permitir esse único fio. Meu pai fez. Lembro que ele era assim, um homem durão,
mas com uma queda por nós, crianças.
A mancha rosa sumiu logo depois que Raul Moreno trouxe Elisa para casa.
Nero ainda era um menino, mas ela não foi a primeira jovem que foi morar
com eles apenas para desaparecer logo depois. Alguns deles o pai se desfez
quando ficou entediado, outros deixaram a casa com os bebês para serem criados
em outro lugar. Papai não gostava de ser incomodado por gritos e choro,
especialmente quando o novo bebê era uma menina e não poderia ser útil para
ele no futuro.
Com uma pedra crescendo em sua garganta, Nero falou: —Ela está linda.
Vocês parecem tão felizes juntos.
Miguel lançou mais um olhar à família que já não existia e guardou o
telefone. —Eu entendo se você não quiser ir para o México comigo. As coisas
podem ficar feias.
Nero franziu a testa, pensando ainda no fato de que Elisa havia dado à luz
sua meia-irmã e provavelmente ainda vivia com ela em algum local discreto.
Preso e incapaz de entrar em contato com a família. —O que você está dizendo?
—Estou dizendo que poderíamos instalar você aqui em Lima, e eu poderia
me juntar à minha mãe para lidar com o que ela precisa fazer em casa. E quando
for seguro para você se juntar a mim, você o fará. —Miguel acariciou suas costas,
mas isso não aliviou a tensão nos músculos de Nero, porque ele só conseguia
pensar que Miguel pretendia deixá-lo para trás. Depois de tudo que eles
passaram.
—Não,— ele disse rispidamente e apertou o ombro de Miguel.
Miguel inclinou a cabeça. —Não? Você já sabe que minha mãe não é
inocente. Ela pode ser um perigo para você até que eu a acalme.
—Eu não vou apenas sentar aqui enquanto você prepara um ninho seguro
para mim,— Nero disse e agarrou a mão de Miguel. A verdade sobre Elisa soava
no fundo de sua cabeça como um sino irritante que tocava a nota certa para
torná-lo constantemente consciente disso, mas se ele contasse a verdade a Miguel
então...
Então Miguel o deixaria. Porque não havia como Elisa aceitar o filho de seu
sequestrador como parte da família.
Miguel suspirou. —Eu só queria dar a você a escolha, mas esperava que
você dissesse isso.— Ele puxou Nero para perto e, enquanto ambos estavam
limpos e nus, o cérebro de Nero pela primeira vez não disse 'vamos foder, eu
poderia ir de novo'. Ele estava feliz por estar apenas com Miguel.
— Você vai contar para sua mãe antes de irmos?
Miguel hesitou, mas depois esfregou o queixo de Nero com os dedos. —Sim,
mas vamos dar uma licença criativa e dizer que você me ajudou a planejar o
assassinato de Raul. Você quer alguns pontos de brownie com sua sogra, não é?
—Ele riu disso, mas borboletas quentes e doces ainda vibravam por todo o
estômago de Nero.
—Sim, é uma boa ideia. E... bem, vou usar mangas compridas para começar.
Talvez algumas das tatuagens possam ser cobertas também?— Nero perguntou
enquanto a esperança crescia em seu peito.
—Como o que está no meu ombro?— Miguel riu, arqueando o pescoço
para ver a arte que Nero havia criado na tela de sua pele com o marcador. —O
que é? Não consigo ver bem deste ângulo.
Nero riu e pegou seu telefone para tirar uma foto do pequeno paraquedista.
Mostrou-o a Miguel com um largo sorriso. —Momento mais feliz de nossas vidas.
Miguel balançou a cabeça. —Achei que ia morrer… mas pelo menos por
um minuto vivi o momento.
Nero sorriu. —Foi bom. Foi aí que realmente começamos, certo? Talvez eu
possa lhe dar este permanentemente?
Miguel assentiu e passou a mão pela data tatuada no pescoço, mas com a
outra já pegou o celular. —Você poderia cobrir este caso eu não seja mais um
homem morto andando.
O calor floresceu no peito de Nero, e ele abraçou Miguel, observando-o
escolher um número.
Tudo ficaria bem. De alguma forma.
Uma voz masculina atendeu a chamada. —Miguel?
Miguel franziu a testa. —Onde está minha mãe?
O homem suspirou tão profundamente que a linha estalou. —Sinto muito,
Miguel. Ela foi morta.
Capítulo 26
Miguel
ELE NÃO DEVERIA TER ESPERADO. Ele deveria ter fodido a segurança e ido
direto para esta porra de quarto. O plano que ele considerava sólido falhou, e se
Miguel ainda estivesse respirando, Nero se certificaria de nunca jogar pelo seguro
novamente.
Deixando cair a faca manchada de sangue, Nero sacou sua arma, agarrou o
rifle de assalto enquanto ainda estava pendurado em seu corpo e invadiu uma
sala com paredes verdes e janelas altas. Sob uma enorme lâmpada que lembrava o
olho de uma mosca, Miguel estava amarrado a uma cadeira médica com sangue
manchando a frente de sua camiseta e gaze enchendo sua boca tanto que fios
vermelhos apareciam entre seus lábios.
A pele pálida de Miguel brilhava de suor, mas sua cabeça pendeu para o
lado enquanto o sangue escorria para o chão de seu braço mutilado, onde uma
longa tira de pele foi arrancada para revelar a carne por baixo.
Nero era tarde demais.
O choque deixou seus reflexos muito mais lentos enquanto ele observava a
cena encharcada de sangue à sua frente.
Uma figura familiar de fato branco e cabelo não muito mais escuro
levantou as mãos ao ver a espingarda nas mãos de Nero, mas Ramiro deu o passo
necessário para alcançar Miguel. Ele colocou uma grande faca em sua garganta,
levantando a cabeça no processo.
O cérebro de Nero falhou. Ramiro não teria feito isso com um cadáver, o
que significava que Miguel ainda respirava.
—Não dê mais nenhum passo,— Ramiro advertiu, pressionando a lâmina
no pescoço, que estava escorregadio com o sangue que escorria da boca de
Miguel.
O doutor Zapata, o homem que havia administrado um coquetel para
ressaca em Miguel e Nero no dia da morte de seu pai, escondeu-se atrás de seu
novo mestre, curvando-se para a frente para se tornar menor. Seus olhos
redondos estavam fixos no chão, e ele tremia tão violentamente que Nero
suspeitou que ele poderia estar prestes a mijar em suas calças impecavelmente
passadas.
O maldito traidor.
—Senhor. Moreno, eles só precisam de informações...
—Cale a boca,— Nero retrucou, respirando cada vez mais forte quando um
vapor picante encheu seus pulmões, como se ele estivesse prestes a se transformar
em um dragão e queimar qualquer bastardo que colocasse um dedo em Miguel.
Ele abriu a boca para falar quando a nuca formigou e seus ouvidos
captaram o menor ruído do outro lado da porta. Ele estava se virando quando a
madeira pesada atingiu seu lado, jogando-o no chão no momento em que um
Caiman irrompeu com uma arma na mão.
Nero puxou o gatilho do rifle de assalto, e o filho da puta desmoronou na
chuva de balas enviadas para ele de perto.
Ele girou de volta para Ramiro, só para ver o cano de uma pequena arma
olhando para ele.
Esguio e com feições suaves, Ramiro pode ter parecido modesto à primeira
vista, mas seus olhos – escuros e frios como os de Miguel costumavam ser –
traíam uma vontade sólida como rocha. —Parece que estamos parados, senhor
Moreno—, disse Ramiro, cada vez mais perto de Miguel. —Mas seu amigo não
tem tanto tempo. Você sabe o que eu quero.
O coração de Nero batia como um louco quando Miguel estremeceu,
fazendo o menor grunhido.
Ele realmente estava vivo!
Com uma vivaz agitação em suas veias, Nero ficou de joelhos com a
metralhadora em um aperto firme. —O que você está dizendo?
Ramiro pôs os dedos esguios no ombro de Miguel, e eles percorreram-no
como as patas de uma aranha gigante. —Estou dizendo que ele está sangrando e
precisa ser tratado em um hospital para sobreviver. Eu tinha preparado isso para
garantir, mas estamos aqui enquanto o tempo está passando. Só para esclarecer,
se eu morrer aqui hoje, a irmã dele também morrerá.
Miguel bufou pelo nariz e balançou a cabeça, embora mantivesse os olhos
fechados e parecesse apenas meio lúcido.
—Mig...— Nero parou de se aproximar e exalou em uma tentativa de
manter a calma. —Você quer os segredos, ou minha vida?— ele perguntou,
movendo o olhar para o rosto de Ramiro, apesar de querer focar em Miguel e
levá-lo a algum lugar onde pudesse receber os cuidados de que precisava.
Ramiro ficou parado, e nem o braço estendido da arma tremeu sob o peso
da pistola. —Eu quero esses números, Nero. Cano queria você morto. Mas eu não
sou ele. Estou disposto a negociar.
A garganta de Nero secou, e ele superou a necessidade insistente de se
esconder do ardor do olhar de Ramiro. —Bem. Se eu te der as senhas, você vai
deixar eu e Miguel em paz. E liberte a irmã dele.
Superficialmente, essas não eram exigências ridículas, mas sendo filho de
seu pai, Nero sempre teria algum tipo de reivindicação sobre a organização e
saberia segredos que nenhum chefe do cartel queria revelar, o que provavelmente
era o motivo pelo qual Cano queria que ele fosse embora. Ramiro realmente
ficaria bem em deixá-los ir?
—Você não quer ser um dos líderes?— Ramiro inclinou a cabeça, mas era
difícil se concentrar nele quando o sangue do braço de Miguel continuava
gotejando pinga pinga e espirrando nos azulejos sujos que cobriam o chão.
Os olhos escuros que haviam comido Nero na noite anterior finalmente se
abriram, mas faltava foco, e a tensão em suas feições distraiu Nero do homem
com quem ele deveria se preocupar. Ele só queria que isso acabasse.
—Não. Eu estou farto disso. Eu quero pegar Miguel e cavalgar em direção
ao pôr do sol para que possamos viver nossas vidas gays em paz. Esse é realmente
um conceito tão difícil de entender?— Nero disparou.
Ramiro apertou o ombro de Miguel. —É sim. Devo mesmo acreditar que
você não vai voltar para se vingar depois que seu namorado deixou claro que não
pode esquecer o passado? E você ainda está mirando em mim. Estamos todos no
gelo fino, mas se vocês dois podem deixar de lado um rancor, então eu também
posso. Todos nós podemos conseguir o que queremos.
O safado tinha motivos de sobra para se preocupar, porque não havia nada
que Nero desejasse mais do que encher a cabeça de balas.
A oferta era boa demais para ser real.
Mas Nero queria acreditar, porque se Ramiro os deixasse em paz e
cancelasse os ferozes cães Caiman, eles realmente teriam uma chance de
recomeçar. —Dê-me sua palavra e eu lhe darei a minha.
As feições de Miguel se contorceram em agonia e ele soltou um grunhido
ininteligível, olhando para Nero. Fodas-se sabia o que queria comunicar, mas
parecia tão desesperado para conectar que partiu o coração de Nero em dois. Essa
porra de mordaça tinha que ir.
Ramiro assentiu. —Eu te dou minha palavra. Se eu conseguir esses códigos,
você estará morto para mim. E assim que confirmar que funcionam, vou liberar a
irmã dele.
—Por 'morto para mim', você quer dizer que nós dois estaremos realmente
vivos, e você apenas agirá como se não estivéssemos mais?— Nero perguntou,
porque ele com certeza não estava caindo em alguma maldita armadilha de
palavras de Rumpelstiltskin.
Ramiro sorriu. Ele fodidamente sorriu enquanto Miguel sofria. Ele estava
tentando enganar Nero usando palavras vagas? —Sim. Contanto que você fique
fora do radar, você pode viver suas vidas em uma fazenda de alpaca à beira-mar,
pelo que me importa. Vou informar a todos que você está morto.
Foi uma oferta generosa, mas o dedo indicador de Nero se contraiu contra o
gatilho enquanto sua fúria queimava cada vez mais. O bastardo merecia sufocar
em seu próprio sangue pelo que tinha feito a Miguel. Eles não conseguiram
encontrar a irmã de Miguel sozinhos? Ele tinha certeza de que Ramiro estava
blefando sobre o risco para a vida dela, mas, novamente, talvez fosse Nero quem
estava se enganando pensando que poderia ter tudo?
Miguel fez um lento aceno com a cabeça, implorando sem palavras para
que ele aceitasse o acordo, mas Nero se recusou a ceder à pressão tão facilmente.
—Quero discutir isso com ele. Tire a mordaça — exigiu, fixando o olhar primeiro
em Ramiro, depois no doutor Zapata, que supôs seria mais dócil. Mas o velho
bastardo não se mexeu um centímetro, como se a pergunta tivesse congelado suas
juntas.
—Eu gaguejei?— Nero perguntou, levantando a voz.
Em vez de fazer o que foi dito para selar o acordo, Ramiro deu um passo
atrás das costas da cadeira médica, como se precisasse usar Miguel como escudo
humano.
—Isso… não será possível. E preciso lembrá-lo de que, se atirar em mim,
não vou apenas estripá-lo. Também estará matando a sua irmã,— Ramiro disse
em um sussurro agudo que ecoou pelas paredes nuas.
—Senhor. M-Moreno, só fiz o que me mandaram. No mínimo,
supervisionei o procedimento para garantir que ele não morresse—, disse o
doutor Zapata, erguendo as palmas das mãos. Seu rosto estava quase tão pálido
quanto o terno que vestia.
O calor atingiu a cabeça de Nero enquanto ele tentava entender do que se
tratava, mas quando seu olhar mais uma vez se desviou para a grande mancha de
sangue bem na frente do top de Miguel, sua mente gritou que poderia não ser o
resultado de uma surra, e que a gaze não era apenas uma mordaça. Sem fôlego,
avistou um pedaço de carne caído no chão, perto do sapato de Ramiro.
Um pedaço de língua.
Sua visão nublada pela fumaça, e ele avançou, guiado pela necessidade de
enfiar as unhas nos olhos de Ramiro.
—Seu filho da puta!
Ramiro deve ter percebido que Nero estava prestes a perder, porque
pressionou o cano de sua arma na cabeça de Miguel. —Você pode atirar em mim,
mas eu vou puxar o gatilho.
Miguel soltou um pequeno gemido, deixando Nero culpado por se
concentrar em sua raiva quando seu homem estava com dor e sangrando naquela
mordaça. Miguel estava tão fodidamente pálido que parecia uma daquelas
horríveis representações medievais de Cristo na cruz.
Nero rugiu. —Porra!
—Senhor. Moreno...— Zapata tentou, e Nero mal se conteve para não atirar
nele, porque isso poderia ter provocado Ramiro.
—Cale a boca, sua boceta inútil!
Dividido entre esquartejar Ramiro e querer largar tudo para levar Miguel
para fora daqui, estava preso em um estado de raiva impotente, apesar da
metralhadora em suas mãos.
Ramiro pigarreou. —Já que você quis consultá-lo... Aceita o trato, Miguel?
Miguel estremeceu, mas levantou a cabeça e encontrou os olhos de Nero,
assentindo.
Com os dentes afundando na carne delicada de sua bochecha interior, Nero
manteve-se imóvel, concentrando-se na tensão em seus músculos, em vez do fogo
que tentavam conter, porque uma vez solto, consumiria tudo em seu caminho.
Até o homem que Nero procurou proteger.
—Bem. Você vai conseguir o que precisa, mas se ele não sobreviver a isso,
vou te encontrar e substituir seus olhos por suas próprias bolas.
Ramiro assentiu, mas não vacilou ante a ameaça. —Ele é aguardado no
hospital mais próximo. Você pode pegar qualquer carro estacionado do lado de
fora.
Nero olhou para Zapata. —Se este acordo for apenas entre você e nós dois,
e a testemunha?
Ramiro levantou o braço para o lado e atirou. A bala atravessou o lado da
cabeça de Zapata, deixando-o com uma expressão atordoada ao cair no chão
manchado de sangue.
—Que testemunhas?— Ramiro disse com um sorriso que Nero coçava para
arrancar com seus dentes afiados. E ele teria se não estivesse algemado com as
correntes invisíveis de seu acordo.
Ele havia dado sua palavra, e enquanto seu coração não encontraria paz
antes que a cabeça do bastardo fosse esmagada sob seu pé, os olhos de Miguel
imploravam para que ele desistisse da vingança.
Nero teve que obedecer.
—OK. Então, o que eu deveria fazer? Escrever um e-mail com as senhas?
—Estou saindo primeiro. Você pode pegar o telefone de Cano no bolso
quando sair, e eu ligo para você assim que ele for tratado. O número da senha é
4556. Quando eu confirmar que os códigos funcionam, você pegará a irmã dele e
informarei a todos que você está morto. Ramiro recuou e se afastou de Miguel.
Colocou a arma no coldre e arregaçou a manga antes de fazer um pequeno corte
no braço, sob toda uma escada de cicatrizes com a mesma faca que havia usado
para talhar a carne de Miguel. —Essa é a minha promessa.
Nero esperava sentir a tensão dentro dele diminuir ao ver o gesto, mas a
parte primitiva dele ainda queria arrancar as entranhas de Ramiro pelo que ele
tinha feito. Então ele assentiu e deixou cair o rifle no chão. —Bem. Vá.
Quando Nero finalmente se aproximou de Miguel, Ramiro escapuliu como
uma barata e Nero deu um certo prazer ao ouvir a velocidade com que ele corria
pelo corredor. Mas não havia tempo para se entregar ao prazer de ser temido
quando Miguel ainda estava amarrado e sangrando.
Nero parou, por um momento com medo de que tocar em qualquer parte
dele pudesse causar danos, mas no final desafivelou as correias que prendiam seu
homem no lugar e enfiou a mão em uma bolsa aberta cheia de suprimentos
médicos, que Zapata costumava levar consigo em todos os lugares quando ele
ainda respirava.
—Você tem que explicar porra alguma,— ele rosnou, focando na aba de
pele separada da carne de Miguel. Mesmo embrulhar isso para a viagem ao
hospital doeria, mas não havia como evitar.
Miguel gemeu e, embora não pudesse se desculpar, inclinou-se para a
frente e esfregou a testa no ombro de Nero como um gato amoroso.
—Se você acha que vou esquecer como você me abandonou, estou lhe
dizendo agora, isso não vai acontecer—, disse Nero, baixando a voz quando sua
garganta começou a fechar. Miguel havia sido chutado repetidamente, além de
todos os ferimentos graves, e ver os cortes, o sangue e os hematomas deixou Nero
cada vez mais frenético, não importa o quanto ele tentasse se concentrar em
cobrir o grande ferimento. Ele só podia esperar que todo o dano fosse externo,
porque se Miguel não sobrevivesse a isso, Nero iria caçar Ramiro até os confins da
terra.
Nero ajudou Miguel a sair da velha cadeira no momento em que o curativo
em seu braço foi colocado. Por mais que ele quisesse repreendê-lo, sacudi-lo,
esbofeteá-lo pelas mentiras, tudo isso teria que esperar até que houvesse um
ponto saudável em seu corpo para socar.
Miguel segurou-o com um braço enquanto o outro pendia inutilmente ao
seu lado, mas ele ainda se inclinou novamente e encostou o nariz na têmpora de
Nero.
Foi um gesto tão doce, que Nero não teve tempo de reconhecer, mas quando
ele arrastou Miguel para fora da sala, sobre o corpo carregado de balas do último
Caiman de pé e pelo corredor, uma emoção desconhecida agarrou seu corpo.
peito e fez cada músculo dentro dele endurecer. O fogo que ardia pelo sangue de
Ramiro momentos antes havia sido sufocado pelo alcatrão preto e espesso que se
instalou na garganta de Nero e fez seus olhos arderem com uma sensação
desconhecida.
—Ele merecia morrer—, disse com uma voz tão baixa que Miguel talvez
nem ouvisse.
Tudo o que conseguiu foi um grunhido de confirmação quando saíram do
prédio, ofuscados pela luz do lado de fora. Ramiro deve ter pescado o telemóvel
de Cano antes de sair, porque estava em cima do corpo, por cima do buraco de
bala, segurando um bilhete com a morada de um hospital. O carro mais próximo
estava com a porta do motorista aberta e a chave na ignição. Esse bastardo pensou
que estava fazendo um favor a eles? Depois de brutalizar Miguel, arrancar sua
língua e castrar a fera dentro de Nero com ameaças?
Até respirar era difícil agora, mas Nero ajudou Miguel a sentar no banco do
passageiro antes de pegar o maldito telefone a caminho do lado do motorista.
—Aguente firme,— ele murmurou, acomodando-se e ligando o motor,
cheio de pensamentos sombrios.
Miguel segurou o braço enfaixado contra o peito, mas assim que eles
partiram, ele pegou a mão de Nero e a apertou. Exausto e abatido, ele procurou se
comunicar com Nero, apesar de não conseguir falar. E enquanto seu olhar
expressava uma gama infinita de emoções, Nero não suportava saber que as
coisas nunca mais seriam as mesmas. A frieza familiar dos dedos de Miguel era
reconfortante.
Sua visão ficou nublada quando o veículo passou pela estrada coberta de
mato e entrou no vilarejo a caminho do hospital. Ele não era alguém que chorava.
Tendo aprendido desde cedo que mostrar vulnerabilidade não lhe traria nada de
bom, ele resistiu a isso desde menino, mas as lágrimas que rolavam por seu rosto
não eram de tristeza. O que ele sentiu foi uma raiva impotente. Ramiro merecia
morrer, mas o acordo pôs uma mordaça de ferro em Nero, impedindo-o de
morder.
Ele piscou para ver com mais clareza enquanto acelerava entre as
habitações muradas dos habitantes locais, e o calor das lágrimas queimava sua
pele. —Eu te amo.
Uma parte dele acreditava que Miguel estava muito dominado pela dor
para entendê-lo, mas os dedos ásperos apertaram os dele, embora Miguel
continuasse caído contra a porta do carro.
Nero apertou de volta e colocou o pé no chão, determinado a levar seu
homem para um lugar seguro.
Capítulo 29
Miguel
O fim
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