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RESENHA CRÍTICA

Texto: LEPECKI, André; MAYER, Tradutora Sandra. 9 variações sobre coisas e


performance. Urdimento-Revista de Estudos em Artes Cênicas, v. 2, n. 19, p. 093-099, 2012.

No texto, “9 variações sobre coisas e performance” de André Lepecki. O autor enfatiza que há
uma presença recorrente de objetos nas obras de performance, dança e em instalações. E
então, ele propõe o que seriam as “ 9 variações teóricas preliminares”, em que ele utiliza o
conceito de dispositif de Agambem para deslocar as noções de sujeito e objeto e entender
melhor essas relações, em uma visão muito mais política do que estética.

O autor desenvolve bastante a questão da onipotência do cerne do dispositif, utilizando os


conceitos de Agamben, Focault e Marx. Dividindo o mundo contemporâneo no que seriam os
organismos vivos e os dispositivos. O confronto dessas duas esferas seria a subjetividade. No
entanto, ainda resta a dúvida do que seriam esses objetos. Pois de acordo com Agambem,
seria “[...] qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar,
determinar, interceptar, modelar, controlar ou assegurar os gestos, comportamentos, opiniões
ou discursos dos seres viventes” (Agambem, 2009, p.14). No entanto, apesar do autor ter
deixado claro que o termo dispositivo vai além de um sistema geral de controle, mais a frente
no tópico da variação do dispositivo, ele menciona que a lista de dispositivos pode ser bem
maior. Pode abarcar não só telefones celulares, como também canetas e cigarros. Pois esses
objetos de alguma forma controlam e comandam nossos desejos e objetos. Entendo que uma
caneta, por exemplo, representa muito mais do que um simples objeto feito para escrever. O
próprio ato de escrever pode ser um comando de nossos gestos. Mas e o que vem antes da
caneta? A matéria-prima dessa caneta? A relação que nós temos com essa matéria-prima, que
como o próprio nome já diz, é fonte para algo a ser produzido, fabricado para o consumo
humano. Porém, ainda sim, me pergunto se por acaso, a matéria prima dessa caneta for um
mineral, que antes de ser um “objeto”, antes de ser coisificada, ao ser apenas um mineral, sem
relação nenhuma conosco, apenas algo da natureza, ainda sim seria um objeto? Não sei se
esse mineral entraria no conceito de “organismos vivos” o que se enquadra nesse conceito. De
acordo com as ciências biológicas, não é um ser vivo, mas será que não? O que mais me
chamou atenção foi o conceito de organismos vivos,1 me pergunto se isso não varia de acordo
com a cultura de cada indivíduo. Pois a definição que temos, é fruto de um saber que tem a
intenção de ser universal, mas não é. Talvez essa definição não faça sentido para diversas
culturas. Assim como o próprio conceito de arte, dentro dos “nossos” parâmetros para os
povos indígenas, não faz sentido. Por exemplo, dentro de algumas crenças, como religiões
pagãs e xamânicas, os minerais, como os cristais, são seres ancestrais que estão na terra a
milhares de anos antes de nós, portanto possuem uma vida, uma inteligência. No entanto, até
as práticas dessas crenças em que se utilizam os cristais, são transformadas em mercadoria. O
próprio ritual é descontextualizado e utilizado como forma de obter lucro, uma apropriação
que ocorre de forma tão violenta, ao ponto de causar um impacto ambiental. A procura só
cresce, devido à promessa de suas propriedades místicas e curativas. 2 Seria então uma outra
maneira de atribuir valor a eles, um valor definido pelo capital. De acordo com Marx (1867),
no livro O capital: “até hoje, nenhum químico jamais descobriu o valor de troca em uma
pérola ou em um diamante”, porque nunca se ouviu pérolas ou diamantes falarem. Seu valor é
atribuído através da troca em si, e não das suas verdadeiras propriedades materiais.

Portanto, se o objeto governa nossa subjetividade, seria na medida em que transformamos ele
em mercadoria, quando ele deixa de ser apenas uma coisa. Assim como o autor menciona:
“Na medida em que produzimos objetos acabamos sendo produzidos por eles. [...]”
(LEPECKI, p.94). Acredito que seja importante observarmos como nos relacionamos com a
mercadoria de maneira geral, e assim talvez, entendermos como essa mercadoria influencia a
esfera do sensível. E inclusive o quanto a própria arte muitas vezes tem sido implicada como
mercadoria. E então ele levanta a questão: o objeto liberto da utilidade, do seu valor de uso.
Tornando-o menos objeto e mais coisa. Então, como descolonizar os objetos? Quando alguns
artistas propõem livrar aquele objeto do seu utilitarismo, colocando-o em uma performance
por exemplo, estaríamos transformando-o em outra coisa, é fácil de imaginar. Mas ainda seria
uma mera coisa? Pois passaria a ser uma “coisa de arte”. Talvez o caminho para a libertação
desse objeto esteja para além do que a arte seja capaz, afinal não creio que essa libertação do

1
De acordo com Amabis; Martho (2016), os seres vivos são organismos que possuem características, como
capacidade de se reproduzir, metabolismo, evolução, material genético e resposta a estímulos e a presença de
células, consideradas as unidades funcionais e estruturais de todo organismo vivo.
2
Informações encontradas no site de notícias The Guardian. Disponível em:
https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2019/sep/17/healing-crystals-wellness-mining-madagascar Acesso dia
17 de julho de 2023.
objeto seja função da arte, ou podemos cair em uma armadilha. Mas talvez através dela
possamos enxergar essas possibilidades e refletirmos sobre o seu sistema de dominação.

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