Você está na página 1de 6

Esse site usa cookies e dados pessoais de acordo com os nossos Termos de Uso e Política de

Privacidade e, ao continuar navegando neste site, você concorda com suas condições.

OK

Política

Compartilhe

Por David Gordon

15/08/2023

Mises e o fascismo
Por que insistem em chamar Mises de fascista?

"Fascista" hoje em dia é pouco mais do que um termo ofensivo para os oponentes e
não tem valor cognitivo, mas a seguir o usarei em um sentido preciso, para designar
um apoiador do regime instaurado por Benito Mussolini na Itália. Nesse sentido,
Ludwig von Mises era um fascista ou um simpatizante do fascismo? A pergunta à
primeira vista parece absurda e, de fato, devo argumentar que é; Mises era um
defensor do livre mercado, da liberdade e das relações internacionais pacíficas, em
contraste com a economia controlada pelo Estado e a violência do ditador italiano.

Apesar de tudo isso, alguns historiadores responderam afirmativamente à nossa


pergunta, e o principal deles é Perry Anderson, um formidável estudioso marxista.
No ensaio "The Intransigent Right at the End of the Century", que apareceu na
London Review of Books em setembro de 1992 e tem sido frequentemente
referenciado desde então, Anderson diz sobre Mises que:

Não havia defensor mais intransigente do liberalismo clássico no mundo de


língua alemã dos anos XX... [mas] olhando além da fronteira, ele podia ver as
virtudes de Mussolini. Os camisas-negras haviam, para o momento, salvado a
civilização europeia pelo princípio da propriedade privada; "o mérito que o
fascismo conquistou com isso viverá eternamente na história".

Anderson cita com precisão o Liberalismo de Mises, mas distorce completamente a


visão de Mises. Mises oferece nesse livro uma crítica penetrante ao fascismo italiano,
e somente extraindo a frase citada de seu contexto, e distorcendo seu significado,
Anderson foi capaz de retratar Mises como um apoiador de Mussolini. A seguir,
tentarei explicar a visão de Mises sobre o fascismo, conforme ele a expõe no
Liberalismo. Ao fazer isso, fui precedido pelo grande historiador Ralph Raico, que
abordou o tópico em um ensaio de brilho característico, "Mises on Fascism,
Democracy, and Other Questions", mas seu relato tem uma ênfase diferente da
minha.

A discussão de Mises está contida em “As razões do fascismo”, uma seção do


primeiro capítulo de Liberalismo, "Os fundamentos da política econômica liberal".
Mises afirma que a chegada ao poder dos "partidos da Terceira Internacional" – ou
seja, os partidos comunistas controlados pela Rússia soviética – mudou a natureza
da política europeia para pior, de uma forma que nem mesmo a Primeira Guerra
Mundial fez. Antes de os comunistas chegarem ao poder, a influência das ideias
liberais impunha padrões de contenção às forças autoritárias.

Antes de 1914, mesmo os inimigos mais obstinados e ferozes do liberalismo


tiveram de resignar-se a aceitar muitos dos princípios liberais, sem
contestação. Mesmo na Rússia, onde uns poucos raios do liberalismo haviam
penetrado, os defensores do despotismo czarista, ao perseguirem seus
oponentes, tinham, ainda assim, de levar em conta as opiniões liberais da
Europa. Durante a Grande Guerra, as partes em conflito das nações
beligerantes, mesmo com todo o zelo, tiveram, ainda assim, de usar de certa
moderação na luta contra a oposição em sua terra (p. 73). (Todas as citações
subsequentes são do Liberalismo).

As coisas mudaram quando os comunistas chegaram ao poder.


Os partidos da Terceira Internacional consideram permissíveis quaisquer meios,
desde que lhes pareçam úteis na consecução de seus objetivos. Quem não
reconhecer, incondicionalmente, todos os seus ensinamentos como os únicos
corretos e a eles não se conformarem com toda a lealdade, a seu juízo, sujeita-
se à pena de morte. Não hesitam em exterminá-lo e a toda a sua família,
inclusive as crianças pequenas, quando e onde for fisicamente possível (p. 73).

Chegamos agora a uma parte do argumento de Mises que é crucial para entender
sua opinião sobre o fascismo. Ele diz que alguns oponentes do socialismo
revolucionário pensaram que haviam cometido um erro. Se ao menos estivessem
dispostos a matar seus oponentes revolucionários, desrespeitando as restrições do
estado de direito, teriam conseguido impedir a tomada do poder pelos bolcheviques.
Mises claramente associa os fascistas a esses “nacionalistas e militaristas” e diz que
eles estavam enganados. O socialismo revolucionário é uma ideia, e apenas a
melhor ideia do liberalismo clássico pode derrotá-lo.

O que distingue a tática política liberal da do fascismo não é uma diferença de


opinião relativa à necessidade de usar a força armada para resistir a atacantes
armados, mas uma diferença na consideração do fundamento do papel da
violência na luta pelo poder. O grande perigo que ameaça a política interna na
perspectiva do fascismo reside na sua total fé no decisivo poder da violência.
Para assegurar o êxito, deve-se estar imbuído da vontade de vencer e de
sempre proceder de modo violento. É este o mais alto princípio. O que ocorre,
porém, quando um adversário, de modo semelhante, animado pelo desejo de
tornar-se vitorioso, também age de modo violento? O resultado é,
necessariamente, uma batalha, uma guerra civil. O vitorioso final, a surgir
desse conflito, será a facção mais numerosa. A longo prazo, a minoria, mesmo
que composta dos mais capazes e enérgicos, não pode resistir à maioria. Por
conseguinte, permanece sempre a questão decisiva: como obter a maioria para
o seu próprio partido? Esta, entretanto, é uma questão puramente intelectual.
É uma vitória que somente poderá ser obtida, utilizando-se as armas do
intelecto, nunca a força. A supressão de toda oposição pela violência é o
caminho mais inadequado para ganhar adeptos para uma causa. O recurso à
força bruta (isto é, sem justificativa, no que concerne aos argumentos
intelectuais aceitos pela opinião pública) simplesmente faz com que se ganhem
novos amigos entre aqueles que se tenta combater. Numa batalha entre a força
e a ideia, esta última sempre prevalece (pp. 75-76).

Mises não tem utilidade para a política doméstica fascista, e sua política externa não
é melhor.

Não merece maiores considerações o fato de que a política externa do


fascismo, baseada no reconhecido princípio da força nas relações
internacionais, não pode deixar de causar uma série de conflitos internacionais
que, necessariamente, destruirão toda a civilização moderna. Para manter e
aumentar o atual nível de desenvolvimento econômico, deve-se assegurar a
paz entre as nações. Porém, estas não podem viver em paz, se o princípio
básico da ideologia que as governa for a crença de que somente pela força se
pode assegurar, para si, um lugar na comunidade das nações (pp. 76-77).

Mas e a frase citada por Perry Anderson? O mérito que Mises atribui ao fascismo
italiano é que ele salvou a Itália de uma tomada comunista, que teria resultado na
aplicação de métodos bolcheviques de extermínio. É a esse respeito, afirma Mises,
que “salvou a civilização europeia” e conquistou para si um mérito que "viverá
eternamente na história". Mises não afirma que apenas os fascistas poderiam ter
detido os comunistas; sua afirmação é que os fascistas de fato o fizeram. (Este é um
assunto que tem despertado muita controvérsia entre os historiadores; para outra
defesa da visão de Mises, veja o artigo de Ralph Raico citado anteriormente). 

Ao arrancar uma frase de seu contexto, Anderson converteu uma condenação do


fascismo em uma defesa dele. É como se alguém fosse chamado de simpatizante do
comunismo porque escreveu que "o comunismo soviético conquistou a glória eterna
ao salvar a Europa da barbárie nazista", embora o escritor fosse um forte crítico do
comunismo. Na verdade, essa é exatamente a visão de Mises, como os leitores de
Governo Onipotente devem se lembrar.

Artigo originalmente publicado em: https://mises.org/library/mises-and-fascism

Sobre o autor

David Gordon
É membro sênior do Mises Institute, analisa livros recém-lançados sobre economia, política,
filosofia e direito para o periódico The Mises Review, publicado desde 1995 pelo Mises Institute.

Comentários (3)

Imperion 15/08/2023

Comunistas chamam todo mundo que não é do espectro político deles de fascista.
Fascistas são estatistas como os comunistas. São contra liberdade , como eles. São a favor do
partido único como eles. São a favor do controle dos sindicatos e dos trabalhadores via
sindicatos , como eles.
Diferem nos meios de produção. Comunistas tomam todos é os colocam nas mãos do estado.
Fascistas deixam ter propriedade privada, mas também sob o controle do estado. Os donos são
meros cuidadores.
Libertários tão mais pro lado dos anarquistas. São opostos aos Comunistas , fascistas e nacional
socialistas.
Mas Comunistas, com seus arreios nos narizes colocam os libertários , anarquistas, junto com
os Fascistas e nacional socialistas. Só enxergam a revolução.

Responder

John 16/08/2023

Pessoal sou novo por aqui, poderiam indicar livros ou artigos que explique em detalhe o que
liberalismo, como surgiu e quais modelos temos hoje em dia?

Adriano Paranaiba 16/08/2023

John, entre na nossa biblioteca (https://mises.org.br/biblioteca) que temos muitos


livros em pdf para você baixar e estudar. Especificamente sobre liberalismo, nada
melhor que o livro "Liberalismo" do próprio Lv.Mises

Responder

Deixe seu comentário

Nome

E-mail
Mensagem

Avise-me por email sobre novos comentários enviados neste artigo

ENVIAR

contato@mises.org.br
+55 (11) 3704-3782

Membro de:

Você também pode gostar