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Direito

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Por Geanluca Lorenzon

19/08/2023

Por que juízes britânicos do século XVI eram


mais inteligentes que os atuais Ministros do
STF
Adam Smith publicou seu magnum opus, A Riqueza das Nações, em 1776.  Porém,
ainda em 1599, magistrados britânicos já evidenciavam possuir um conhecimento
de ciências econômicas que, até hoje, juízes brasileiros, especialmente os Ministros
do STF, desconhecem.

Um caso encontrado apenas nos escritos de Sir Edward Coke, Darcy vs Allein foi
consagrado pela Suprema Corte americana como "O Caso dos Monopólios",
conforme descrito em Slaughter-House Cases.

Conforme relatado na documentação histórica, a Coroa britânica à época (século


XVI) costumava conceder monopólios de diversos produtos que eram importados,
produzidos ou comercializados. Entre esses produtos, as cartas de baralho.

Nesse contexto, o monopólio de importação e comércio de cartas de baralho foi


dado a um cidadão chamado Darey (nome hoje conhecido como Darcy) em
detrimento dos demais comerciantes e importadores da Inglaterra. O governo criou
uma concentração coercitiva de mercado. Nada de novo aqui.

As razões de julgamento tidas pela Corte à época (conhecida como King's Bench)
são surpreendentes e positivamente assustadoras para um tempo tão antigo.

Conforme reportado por Sir Edward Coke, a Corte definiu que todo homem tem o
direito a suas faculdades mentais e físicas, e que esse direito não pode ser retirado
por ninguém, nem pela autoridade pública.

A Corte decidiu que o governo não poderia limitar ou derrogar a liberdade do


indivíduo que buscava o sustento de sua própria família, concluindo igualmente que,
ao se beneficiar e gerar lucro para o seu empreendimento, ou para si próprio, o
indivíduo beneficiaria a sociedade e os demais.

Na mesma decisão, a Corte notou que monopólios causam deterioração de qualidade


e aumento de preços. Sim, isso já era claro no século XVI na Inglaterra. Não é muito
difícil, portanto, imaginar por que lá foi o epicentro da Revolução Industrial.

Na documentação dos fundamentos da decisão de 1599:

Although the court, in its opinion, refers to the increase in prices and
deterioration in quality of commodities which necessarilly result from the grant of
monopolies, the main ground of the decision was their interference with the
liberty of the subject to pursue for his maintenance and that of his family any
lawful trade or employment. This liberty is assumed to be the natural right of
every Englishman.
 
Embora a Corte, em sua decisão, refira-se ao aumento de preços e à
deterioração da qualidade dos produtos como resultados necessariamente oriundos
da imposição de um monopólio, a razão central da decisão está na interferência
da liberdade de um indivíduo em buscar sustento para si e sua família por meio
de um trabalho ou comércio lícito. Essa liberdade é entendida pela Corte como
sendo um direito natural de todo cidadão inglês.

A decisão também destacou que qualquer monopólio nada mais é do que uma
concessão de privilégios de um sobre os outros. A busca pela felicidade (direito
natural) dentro do Império Britânico era, nas palavras da Corte, um dos mais
importantes valores da sociedade regida pela common law (direito consuetudinário).

Como conclusão, a Corte baniu o referido monopólio.

Já no Brasil, as coisas funcionam em outra dimensão.

Como destacou André S. C. Ramos em um artigo para este site, as leis econômicas
não existem para o STF. Em diversas decisões, o STF defende e mantém monopólios
e oligopólios protegidos pelo estado sob justificativas de interesse público, interesse
da coletividade e outros interesses, que no fundo nada significam.

No vergonhoso caso da ADPF 46 (ABRAED vs. ECT), o STF chancelou o monopólio


dos Correios no Brasil sob justificativas como:

"É do interesse da sociedade que, em todo e qualquer município da Federação,


seja possível enviar/receber cartas pessoais, documentos e demais objetos
elencados na legislação, com segurança, eficiência, continuidade e tarifas
módicas".

Em que realidade vive um brasileiro que acredita que serviços estatais são mais
acessíveis à população do que aqueles ofertados pelo setor privado?

A mesma decisão também possibilitou que o Ministro Eros Grau justificasse o


monopólio dos Correios com a tese de que "a realidade social é o presente; o
presente é vida; e vida é movimento". Difícil não despertar o sentimento de
vergonha alheia. Deveria haver no STF uma apelação stultus sententiae (contra
decisões idiotas).

O Caso dos Monopólios foi novamente mencionado em 1948 pela Suprema Corte
americana em United States v. Line Material Co., mas, infelizmente, dessa vez para
justificar medidas que o governo julgava ser úteis para combater monopólios, como
o Sherman Act.

De qualquer forma, Darcy vs. Allein se tornou uma referência para aqueles que
acreditam que a economia tem muito a contribuir e complementar às demais
ciências sociais, criando um precedente que veio possibilitar à humanidade dar o
maior salto em sua qualidade de vida: a Revolução Industrial.

Quando vamos aprender?

Esse artigo foi originalmente publicado em 7 de março de 2016


Sobre o autor

Geanluca Lorenzon
Geanluca Lorenzon é consultor empresarial em uma das maiores firmas do mundo. Foi Chief
Operating Officer (C.O.O.) do Instituto Mises Brasil e advogado. Pós-graduado em
Competitividade Global pela Georgetown University.

Comentários (18)

Emerson Luis 09/03/2016

A ideologia causa cegueira mental.

Obviamente, os juízes do STF não são obrigados a depender dos serviços estatais.

***

Rosa 17/03/2016

Verdade. Quando a pessoa passa a defender ideologias puramente abstraindo-se do


seu natural direito de pensar, de refletir sob a luz clara e límpida da razão acarreta
seu brutal emburrecimento contaminando o meio social. De tal modo estamos a viver
sob o comando de mulas empacadas, que, dentre em pouco, nos parecerá inominável
esforço manter-nos sob dois pés. Assim sendo, estaremos fadados a nos movimentar
sob quatro patas para poder melhor articular em seus zurros tais ideologias
paquidérmicas, prejudicando à toda evidência, qualquer possibilidade de debate,
compreensão social e humana. O "Ser humano" parte de um princípio de natural de
cooperação (só se aprende a ser humano quando outro ser humano nos ensina a assim
ser). E, se não houve ninguém para nos ensinar a humanidade nós estaremos fadados
a regredir à época das cavernas ou a extinção. A menos que aprendamos que
comunismo é regime, e regime de fome, e uma hora queremos deixar o regime. E
comer.

Nikus 19/08/2023
"E, se não houve ninguém para nos ensinar a humanidade nós estaremos fadados a
regredir à época das cavernas ou a extinção." À história mostra que os indivíduos que
mais insistiram em ensinar os outros "como viver" foram os que levaram aos
resultados mais desastrosos, fazendo seus filhos virarem contra eles e afins. Existem
apenas dois modos de ensinar os indivíduos "como viver em sociedade": Por exemplo
próprio e por ensinamentos didáticos sensatos, e desde que à educação tomou
dimensão extrema na vida das pessoas, contaminados por intelectuais que pouco
tinham apreço pela verdade e por pais que muitas vezes sonhavam em se tornar
funcionários públicos de alto escalão, tudo isso somou na deterioração do indivíduo,
principalmente daqueles que vivem nas classes mais altas, tais como os ditos
ministros do STF: À vida que eles levaram, sempre no meio da elite e de seus
ensinamentos, os levaram à ser agentes que agem contra à sociedade em geral.
Obviamente é totalmente improvável de esperar que um ministro do STF
genuinamente pense na condição do pobre: se cita-lo em suas decisões, será apenas
para justificativas demagogas, pois no fundo está apenas atendendo os interesses da
classe governante. O jogo da política é aonde os mais corruptos se reunem para ditar
como o populaço deve viver: ajoelhado sob suas pernas.

Responder

Felipe Maciel 10/03/2016

Se os Correios são "segurança, eficiência, continuidade e tarifas módicas", então abrindo o


mercado as empresas privadas não iriam conseguir competir e o monopólio iria se manter. Por
que então o governo não aceita fazer esse teste?

Andre 15/03/2016

Pois é, também entendi isso, se é tão importante, necessário, contínuo e necessita ser
barato, deveria quebrar o monopólio, e não mantê-lo.

Responder

Pamella Rodrigues 10/03/2016

Esse monopólio dos Correios é uma vergonha. Com tanta tecnologia já passou e muito da hora
dos correios deixarem de ser um cabide do estado.

Auxiliar 10/03/2016

A urgente necessidade de se desestatizar os Correios.


Responder

Rene 10/03/2016

Acredito que o último comentário deve ter sido irônico. Quando vamos aprender? Isso nunca foi
uma questão de aprendizagem. É uma questão de política. Para o governo, é melhor mesmo que
existam poucas empresas com uma grande fatia de mercado cativa, mantida através de pesadas
regulamentações. São menos empresas para coletar impostos e é mais fácil de pedir doações de
campanha para elas. As próprias empresas sabem que dependem do governo para manter as
regras que garantem seus consumidores. Neste sistema, elas precisam focar suas energias em
atender apenas uma entidade, que é o governo, e não se sujeitar aos caprichos de consumidores
que mudam de opinião o tempo todo.

Enfim, todos saem ganhando. Exceto talvez pelos consumidores, que realmente vão usar os
produtos e serviços destas empresas. Mas quem se importa com eles, afinal? A única função da
classe média neste sistema é pagar altos impostos enquanto tiverem força para trabalhar. E
quando forem muito velhos para trabalhar, morrer em uma fila de um hospital lotado do SUS.

Responder

Taxidermista 10/03/2016

Excelente ponto, caro Geanluca Lorenzon.

O caso Darcy vs Allein é utilizado na premissa da obra de um jurista libertário, Timothy


Sandefur, na obra "The Right to Earn a Living":

https://store.cato.org/book/right-earn-living-economic-freedom-and-law

Abraço.

Responder

Aluizio Accioly 23/06/2016

Manda ele consultar o site dos Correios para descobrir que nem todos os lugares são atendidos
Responder

Will Tapajero 23/06/2016

Gostei do "tarifas módicas". Depois de viver 13 anos no Japão, está difícil achar algum preço
módico no Brasil.

Responder

Jorge de Melo 05/01/2018

"a realidade social é o presente; o presente é vida; e vida é movimento".

Meio dílmico isso, não acham?

Responder

Luis Alberto 12/03/2018

Ninguém, rigorosamente ninguém, considera o direito natural em qualquer decisão. O povo


deveria colocá-lo em primeiríssimo lugar, mas ignoram seu significado. Os juízes, de qualquer
instância, idem. Creio que ninguém sabe o significado.

Responder

Leandro C 24/08/2018

Decisões absurdas no Judiciário, em todas as suas instâncias, infelizmente não é novidade, nem
um pouco; não é apenas o STF que parece completamente desvinculado da realidade, o salário
de qualquer aspone em qualquer comarca já dá sinais claros dessa Disneylândia onde só tem
Mickey e nós somos os patetas.

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