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Locke; Justiça e

representação
O contexto inglês
• Com o lema “Em defesa da Liberdade, do Parlamento e da Religião
Protestante”, Guilherme de Orange desembarcou na Inglaterra em
1688 para depor o Rei Jaime II pondo fim a um conturbado período
da política inglesa.
• O século XVII foi fortemente marcado pela disputa entre a Coroa e o
Parlamento que se traduziam respectivamente na Dinastia dos Stuart
defensora fiel do absolutismo, e a burguesia ascendente que era
ideóloga do liberalismo.
• Do conflito entre as ideologias em disputa (absolutismo x liberalismo)
gerou-se também um conflito religioso em católicos, anglicanos,
presbiterianos e puritanos.
A revolução puritana
• A crise político-religiosa se agravou ainda mais pela disputa
econômica entre os beneficiários dos privilégios e monopólios
mercantilistas do Estado contra os setores que advogavam pela
liberdade de comércio e produção.
• Em 1640 houve o combate entre o Rei Carlos I e o Parlamento gerou
uma sangrenta guerra civil que durou até 1649 com a vitória das
forças parlamentares. A Revolução Puritana culminou com a morte de
Carlos I e a implantação da República na Inglaterra.
• Sob o comando de Cromwell e com a ajuda da burguesia e do
exército, a Inglaterra se tornaria uma grande potência naval e
comercial.
O período de restauração
• Com a morte de Cromwell em 1660, o país afundou novamente em
uma crise política que teve como solução para evitar uma nova guerra
civil, a restauração da monarquia e o retorno da dinastia dos Stuart
ao poder.
• No período conhecido como restauração que durou até 1688,
reativou-se a velha disputa entre a coroa e o parlamento totalmente
oposto a política pró-católica e pró-frança e em 1680 o parlamento
dividiu-se em 2 partidos; os Tories e os Whigs representantes dos
conservadores dos liberais respectivamente.
A revolução gloriosa
• A crise no período de restauração chegou ao ápice no reinado de Jorge II,
soberano católico e absolutista. Os abusos reais foram tantos que os Tories
e os Whigs se uniram contra a Coroa a Guilherme de Orange chefe do
Estado holandês e genro de Jaime II com uma conspiração contra a
monarquia.
• Em 1688 Guilherme de Orange chegou a Inglaterra e sem muita resistência
deu fim ao reinado da Coroa, sendo coroado pelo Parlamento.
• Desta forma, a Revolução Gloriosa significou a vitória do liberalismo
político sobre o absolutismo inglês, gerando a aprovação do Bill of Rights,
que assegurou a hierarquia do Parlamento sobre a Coroa, instituindo uma
Monarquia limitada.
Os dois tratados
• Locke que era ferrenho opositor dos Stuart, retorna da Holanda após
a revolução gloriosa de onde estava exilado e entre 1689 e 1690
publica suas principais obras.
• Os 2 tratados sobre o Governo Civil são suas obras centrais. O
segundo tratado é uma explicação posterior sob a derrubada de
Jaime segundo, afirmando a legitimidade do Parlamento e de
Guilherme de Orange no ato com base em sua teoria do Direito a
resistência.
A soberania popular
• O segundo tratado demonstrava a razão pela queda de Jaime II
demonstrando que era o desejo popular e por isso mesmo era o
governo mais completo do que os governos dominados pela coroa
ligada a cristandade.
• Ainda Segundo Tratado Locke sustenta que todo poder se
fundamenta pelo consentimento expresso dos governados e jamais
por força ou tradição.
• Constitui-se como um importante elemento do pensamento político
moderno e vai influenciar várias revoluções liberais ao redor do
mundo por ter sua obra em certa medida a maior e mais completa
formulação do Estado Liberal.
Jusnaturalismo
• Locke é também um jusnaturalista, ou seja, dos filósofos que
acreditam que existem direitos naturais que precedem a sociedade e
coloca o indivíduo como o centro de análise, sendo os indivíduos
anteriores a sociedade e ao Estado e por isso mesmo, tem
preponderância sobre estes.
• Mas Locke diferencia o estado de natureza do estado de guerra
O Estado de natureza
• Para compreender o poder político, é necessário avaliar a condição
natural dos homens naquele estágio em que se encontram
totalmente livres para decidir por conta própria por todas as suas
ações e dispor de sua propriedade dentro dos limites do direito
natural.
• No estado de natureza existe absoluta igualdade entre os homens e
estes desfrutam de todas as vantagens comuns da natureza da forma
que consideram melhor.
O estado de guerra
• Porém, quando alguns homens violam a lei fundamental da natureza
(manter a paz e não causar danos e injustiças aos outros) os
indivíduos que sofreram o dano podem procurar reparação por conta
própria. No estado de natureza cada homem é seu próprio juiz.
• Mas isso traz em si um problema, uma vez que as pessoas que julgam
suas próprias causas tendem a ser parciais em seu veredito e por isso
é que nasce a necessidade de instituição de governo; para conter a
parcialidade e a violência dos homens.
• Quando um homem viola a liberdade e a propriedade de outros ele
declara guerra a este mesmo homem, violando o princípio de
natureza de harmonia.
A lei da natureza
• “Segundo a lei fundamental da natureza, que o ser humano deve ser
preservado na medida do possível, se nem todos podem ser
preservados, deve-se dar preferência à segurança do inocente; você
pode destruir o homem que lhe faz guerra ou que se revelou inimigo
de sua existência, pela mesma razão que se pode matar um lobo ou
um leão: porque homens deste tipo escapam aos laços da lei comum
da razão, não seguem outra lei senão aquela da força e da violência, e
assim podem ser tratados como animais selvagens, criaturas
perigosas e nocivas que certamente o destruirão sempre que o
tiverem em seu poder.” Cap. III.
A propriedade privada
• Há aqui uma distinção fundamental em que o estado de natureza e o
estado de guerra são distintos um do outro; no primeiro os homens
vivem em estado de paz, assistência mútua e preservação, no
segundo há um estado de violência e destruição.
• Desta distinção nasce também sua conceituação do que é
propriedade. No estado de natureza todos os bens naturais são
presentes de Deus dado a humanidade, mas que estão em estado
ainda natural. Os peixes no mar, as frutas nas árvores, os animais nas
selvas. Quando o homem empreende trabalho para conseguir retirar
esses bens da natureza ele cria um fator gerador de Direito privado.
A propriedade privada
• A partir do momento que o homem retira o bem natural de seu
estado original (caça um coelho, retira a fruta da árvore) eles passam
a ser propriedade privada.
• E embora possa-se pensar que isto dá direito ao homem a todas as
coisas, o que se demonstra é que os homens tem direito a tudo desde
que não causem desperdícios. E como não podem dar conta da
vastidão dos bens naturais, os homens tem direito apenas aquilo que
podem guardar e consumir.
• É o trabalho que limita a propriedade e a separa do bem comum.
A propriedade privada
• “Para tornar isso um pouco mais claro, basta traçar os caminhos
sucessivos de alguns produtos que servem em geral à vida, antes de
chegarem a ser utilizados por nós, e ver quanto de seu valor eles
recebem da indústria humana. O pão, o vinho e os tecidos são coisas
de uso diário e encontradas em abundância; entretanto, as bolotas, a
água, as folhas ou as peles poderiam nos servir de alimento, bebida e
roupas se o trabalho não nos fornecesse aqueles produtos mais úteis.
O que faz o pão valer mais que as bolotas, o vinho mais que a água e
os tecidos ou a seda mais que as folhas, as peles ou o musgo, deve-se
inteiramente ao trabalho e à indústria.” Cap. V
O surgimento da desigualdade
• A convenção do dinheiro como moeda de troca gerou as
desigualdades.
• Como o trabalho legitima o valor da propriedade privada, no princípio
esta propriedade era limitada a capacidade de labor dos indivíduos.
• Com o surgimento do dinheiro e da possibilidade de trocas entre as
pessoas, a propriedade se torna ilimitada porque os bens da terra
agora são vistos como produtos de riqueza.
• Dessa aceitação dos indivíduos da instituição do dinheiro é que surgiu
a concentração de terras e de renda a partir da acumulação primitiva
de bens móveis e imóveis.
O surgimento da desigualdade
• “Mas uma vez que o ouro e a prata, sendo de pouca utilidade para a
vida do homem em relação ao alimento, ao vestuário e aos meios de
transporte, retira seu valor apenas da concordância dos homens, de
que o trabalho ainda proporciona em grande parte a medida, é
evidente que o consentimento dos homens concordou com uma
posse desproporcional e desigual da terra; através de um
consentimento tácito e voluntário, eles descobriram e concordaram
em uma maneira pela qual um homem pode honestamente possuir
mais terra do que ele próprio pode utilizar seu produto, recebendo
ouro e prata em troca do excesso, que podem ser guardados sem
causar dano a ninguém;” Cap. V.
O contrato social
• No estado de natureza, porém embora seja relativamente pacífico, ele não
está livre de eventos ruins como o atentado a vida e a propriedade.
• É pela necessidade de superar estes problemas que os homens se unem
livremente para estabelecerem seu contrato social que é o meio entre o
estado de natureza e a formação de uma sociedade civil e política.
• O objetivo central da sociedade política é a proteção da propriedade e da
vida contra ataques internos e externos.
• O contrato social de Locke é bastante distinto do de Hobbes, já que para o
segundo o contrato é um pacto de submissão em que os súditos
transferem ao soberano o poder de coerção e trocam a liberdade pela
segurança.
O contrato social
• Para Locke, o contrato social é um pacto de consentimento onde os
homens concordam livremente em constituir uma sociedade política
para consolidar o direito que possuíam antes de se unirem; direito a
vida, leia-se a propriedade.
• É no estado civil que os direitos naturais podem ser melhor
protegidos com a união da força dos indivíduos da comunidade que o
compõe e neste pacto os direitos naturais são inalienáveis.
• Feito o pacto social e entrando em uma sociedade política, o próximo
passo é a escolha da melhor forma de governo. Nesta escolha a
unanimidade existente no contrato social dá lugar ao princípio
majoritário.
Surgimento da sociedade política
• A sociedade civil ou política só passa a existir quando os homens
renunciam ao seu direito de natureza onde se encontram em
liberdade perfeita e renunciam também ao seu direito ao estado de
guerra, passando tais poderes para a comunidade que estabelecerá
regras universais e imparciais para proteger a propriedade.
• Todo poder político se baseia no consentimento e só este tem poder
para fazer leis e preservar os direitos naturais.
Escolha da forma de governo
• Qualquer que seja a forma de governo, o objetivo central é sempre a
preservação da propriedade.
• Após a escolha da forma de governo, cabe também a maioria a escolha dos
representantes legislativos que na linguagem de Locke é o poder supremo.
O Executivo e o poder federativo se subordinam ao Legislativo que é
hierarquicamente superior a eles.
• Em resumo, os indivíduos consentem livremente na formação do pacto
social para constituírem uma sociedade, consentem livremente também na
formação do governo e sua obrigação para com os direitos de propriedade.
Disto resulta um controle Legislativo do Executivo e o controle do governo
pela sociedade. Nisto se fundamenta o Estado Civil.
Limites do poder legislativo
• Primeiro: Ele deve governar por meio de leis estabelecidas e promulgadas, e se
abster de modificá-las em casos particulares, a fim de que haja uma única regra
para ricos e pobres, para o favorito da corte e o camponês que conduz o arado.
• Segundo: Estas leis só devem ter uma finalidade: o bem do povo.
• Terceiro: O poder legislativo não deve impor impostos sobre a propriedade do
povo sem que este expresse seu consentimento, individualmente ou através de
seus representantes. E isso diz respeito, estritamente falando, só àqueles
governos em que o legislativo é permanente, ou pelo menos em que o povo não
tenha reservado uma parte do legislativo a representantes que eles mesmos
elegem periodicamente.
• Quarto: O legislativo não deve nem pode transferir para outros o poder de
legislar, e nem também depositá-lo em outras mãos que não aquelas a que o
povo o confiou.
Direito de resistência
• Quando o governo ultrapassa os limites estabelecidos pelas leis civis,
o governo perde sua finalidade e torna-se uma tirania. Essa tirania
ocorre quando o poder viola as regras do direito em benefício próprio
em detrimento do bem comum.
• Se o governo viola deliberadamente a propriedade privada e utiliza a
força fora do amparo legal, o governo entra em estado de guerra
contra a sociedade e isso confere ao povo o legítimo direito a
resistência contra esta forma de opressão tirânica.
Direito de resistência
• Este estado de guerra criado pelo estado dissolve a sociedade civil,
retornando ao estado de natureza onde inexiste árbitro comum e por
consequência apenas a força bruta e Deus podem decidir pela
distribuição dos recursos.
• “Qualquer pessoa que usar a força ilegalmente, como todos fazem em
uma sociedade em que não existe lei, coloca-se em estado de guerra
contra aqueles contra quem ele a usa, e nesse estado todos os
vínculos anteriores são cancelados, todos os outros direitos cessam e
cada um tem o direito de se defender e resistir ao agressor.” Cap. XIX.

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