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Todo caso de abdome agudo requer

tratamento cirúrgico?
3.1 INTRODUÇÃO
Define-se abdome agudo como uma síndrome dolorosa aguda de intensidade
variável, que leva o paciente a procurar a Urgência e requer tratamento imediato,
clínico ou cirúrgico. Não tratado, evolui para piora dos sintomas e progressiva
deterioração do estado geral.

As características semiológicas, observadas no exame clínico por meio da anamnese


e do exame físico, são os principais fatores que conduzirão o médico ao diagnóstico
e à possível conduta. As condições clínicas que simulam um abdome agudo devem
ser afastadas para que haja a correta abordagem terapêutica.

Nem toda dor abdominal é um quadro de abdome agudo. Pode tratar-se de um falso
abdome agudo, e isso ocorre quando o paciente tem dor abdominal, mas a origem do
problema é extra-abdominal. Como exemplo, podemos citar os quadros de uremia
aguda ou de cetoacidose diabética, que podem cursar com dor abdominal intensa.

O principal sintoma do abdome agudo é a dor, porém é importante diferenciar a dor


visceral da dor parietal. A dor visceral relaciona-se à irritação do peritônio visceral e é
mediada pelo sistema nervoso autônomo pelas fibras C, podendo levar a dores
referidas em pontos distantes da origem, mal localizadas e acompanhadas de
reflexos gastrintestinais como náuseas, vômitos e hiporexia. A irritação do peritônio
parietal tem interpretação nervosa somática e além da dor ser bem localizada, é
acompanhada de percepção palpatória de irritação peritoneal.

3.2 AVALIAÇÃO
3.2.1 Anamnese e exame físico

Muitas afecções agudas do abdome apresentam características peculiares que


podem ser sugeridas no momento da anamnese e do exame físico. Para tanto, dados
relevantes, como início dos sinais e sintomas, características semiológicas de dor,
febre, náuseas, vômitos, distensão abdominal, ruídos hidroaéreos intestinais,
hematêmese e/ou melena, entre outros, são de vital importância.

A dor é o principal sintoma na síndrome do abdome agudo. A investigação das


características da dor pode, muitas vezes, orientar a etiologia do quadro (Quadro 3.1).

É possível classificar a dor em três tipos: visceral, somática e referida.

A dor visceral normalmente é mal localizada, ao longo da linha média, causada por
distensão ou estiramento dos órgãos, e costuma ser a primeira manifestação das
afecções intra-abdominais, principalmente no abdome agudo inflamatório. A dor
somática é mediada por receptores ligados a nervos somáticos existentes no
peritônio parietal e na raiz do mesentério, sendo responsável por sinais
propedêuticos, como a contratura involuntária e o abdome “em tábua”.

Por fim, a dor referida é decorrente da convergência no corno posterior da medula,


de nervos provenientes das vísceras e da pele, o que explica a sensação dolorosa
superficial nesses quadros.

Quadro 3.1 - Características da dor nos diversos tipos de abdome agudo


Figura 3.1 - Principais localizações de dor referida, de acordo com a etiologia

Fonte: Alena Hovorkova.

A febre é uma manifestação comum, geralmente discreta nas fases iniciais de


afecções inflamatórias e infecciosas, tornando-se elevada em fases mais avançadas.
Nos imunodeprimidos, idosos e pacientes com doenças crônicas, como diabetes
mellitus, a febre pode estar ausente, assim como outros sinais de alerta. Por vezes, o
abdome agudo apresenta-se como infecção grave acompanhada de manifestações
sistêmicas, como calafrios e toxemia, evoluindo, inclusive, para choque séptico, o que
é mais frequente nos casos de peritonites graves.

O exame físico é imprescindível para o diagnóstico. O paciente deve ser examinado


em decúbito dorsal, com o abdome totalmente descoberto. A região do abdome, os
movimentos, o aumento de volume e as alterações na epiderme devem ser
observados. A presença de cicatrizes abdominais é importante e pode sugerir a
etiologia da obstrução, associada a aderências. A percussão auxilia nos casos de
perfuração e suboclusão.

A palpação é considerada a parte mais importante do exame físico, pois é por meio
dela que o médico pode sentir a presença de peritonite localizada (apendicite e
colecistite) ou difusa (úlcera perfurada), que se traduz pela contratilidade da
musculatura de forma involuntária. A descompressão brusca positiva é o principal
sinal clínico de peritonite.

A história clínica e o exame físico são fundamentais na elucidação do quadro clínico


de abdome agudo, sendo que a dor à descompressão na palpação é indicativa de
irritação peritoneal. A dor à descompressão só é conhecida por sinal de Blumberg se
for localizada na fossa ilíaca direita.

3.2.2 Exames complementares

Podem ser solicitados exames laboratoriais, como hemograma, amilase, lipase,


bilirrubinas, transaminases e enzimas canaliculares, além de eletrólitos e gasometria,
sempre individualizando cada caso. A urina I auxilia em diagnósticos diferenciais.

Entre os exames de imagem, a rotina para o abdome agudo deve contar com uma
radiografia de abdome em incidência anteroposterior em pé e em decúbito dorsal
horizontal, e de uma radiografia de tórax posteroanterior com visualização das
cúpulas diafragmáticas. O decúbito lateral esquerdo com raios horizontais pode ser
utilizado na suspeita de perfuração de víscera oca, quando o paciente não consegue
ficar em pé para realizar a radiografia de tórax em posteroanterior.

A presença de níveis hidroaéreos escalonados significa grandes quantidades de


líquido e gás dentro das alças, que podem ocorrer em casos de obstruções
intestinais. A presença de gás na parede intestinal (pneumatose intestinal), na
maioria das vezes, indica que pode haver infecção, isquemia ou necrose, as quais
podem ocorrer de forma idiopática, sem outras consequências. Nos casos de
obstrução do intestino delgado, o intestino grosso tende a estar normal, sem
dilatação. O exame de raios X é muito útil nos casos de abdome agudo e
fundamental para o diagnóstico de obstrução em alça fechada (especialmente nos
tumores de cólon com válvula ileocecal competente). Também é mais útil nos casos
de abdome agudo obstrutivo e perfurativo, e nos demais tipos de abdome agudo
pode ajudar para diagnósticos diferenciais.

Outros exames, como ultrassonografia abdominal e tomografia computadorizada,


podem ser solicitados de acordo com a suspeita diagnóstica, sendo muito valiosos
nos casos de abdome agudo inflamatório.
Alguns exames podem ser diagnósticos e terapêuticos. É o caso da
videolaparoscopia, da endoscopia digestiva alta e da colonoscopia, cada qual com
indicações e contraindicações.

3.3 CLASSIFICAÇÃO
Didaticamente, é possível classificar o abdome agudo em cinco categorias.

• Inflamatório;

• Obstrutivo;

• Perfurativo;

• Vascular ou isquêmico;

• Hemorrágico.

Existem situações clínicas que podem cursar com dor abdominal, mimetizando o
abdome agudo, como síndromes coronarianas, porfiria, doenças reumatológicas,
cetoacidose diabética, uremia aguda, herpes-zóster etc. São chamadas de falso
abdome agudo.

Todo caso de abdome agudo requer


tratamento cirúrgico?
Não. Todo abdome agudo requer tratamento imediato, podendo ser
clínico, como na pancreatite aguda, ou cirúrgico, como na apendicite
aguda.

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