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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

GRADUAÇÃO EM MEDICINA
BRUNO DA SILVA LISBOA

Tutorial 9 – Dor pélvica

1- Dor pélvica aguda


É um grande desafio clínico, pela grande quantidade de diagnósticos diferenciais, tanto clí-
nico quanto cirúrgicos e agudos ou crônicos. O raciocínio clínico permite as condutas na dife-
renciação e evitar intervenções desnecessárias. Para isso, é necessário conhecimento da anato-
mia, fisiologia e fisiopatologias das principais doenças. A dor normalmente apresenta caráter
em cólica, insidiosa, não adaptável e topografia mal definida. A estimulação ocorre por disten-
são/torção e/ou prostaglandinas, serotonina e substância P.
O perfil etário é importante pela frequência das doenças em determinadas idades. Meninas
pré-menarca devem ser consideradas quanto a malformações, neoplasias e condições não gine-
cológicas. Após menarca, complicações da gravidez, gravidez ectópica, devem ser considera-
das. Para mulheres idosas, associações com comorbidades e apresentações clínicas atípicas de-
vem ser relacionadas.
Avaliação clínica (diagnóstico)
A anamnese completa e a observação de atitudes e posturas são importantes. Sangramentos
graves podem causar palidez cutânea, intoxicação pode gerar graus variados de agitação, qua-
dros obstrutivos associados a cólica determinam dor grave.
Sinais vitais devem sempre ser avaliados, bem como aspecto das mucosas, inspeção cuida-
dosa e ausculta. Além do diagnóstico diferencial, é importante estar atento a sinais de risco de
morte, como febre, vômito, perda de consciência, parada na eliminação de fezes, sangramento,
confusão mental e peritonismo.
A ausculta abdominal busca identificar os ruídos hidroaéreos e o padrão de peristalse, que
quando aumentados, sugerem obstrução ou hiperatividade. A palpação busca delimitar a topo-
grafia da dor, sua intensidade e tumores. A contração abdominal e piora da intensidade através
da descompressão brusca, são sinais de peritonite/irritação peritoneal. A percussão busca ava-
liar a presença de ascite.
Na avaliação ginecológica iniciada pela inspeção, busca-se avaliar as condições de pele e
mucosas, integridade de hímen, sinais de violência, investigação do canal vaginal com espéculo
(não virgens), observando conteúdo, colo, canal cervical e realizar coleta de material para mi-
croscopia. Em pacientes não virgens, o toque vaginal deve ser realizado com cuidado para não
suscitar piora (toque unidigital), avaliando as paredes da vagina, os fórnices, colo e corpo ute-
rino. O toque retal pode ser útil em virgens e em casos de dor ao toque vaginal.
Muitas vezes o diagnóstico através do exame clínico não é possível, demandando a necessi-
dade de exames complementares. Em locais com limitação desses exames, é particularmente
importante a observação, pois a vigilância sob supervisão médica permite que afecções que
necessitem de cirurgia ou outros procedimentos, se manifestem em ambiente seguro. Observa-
ção de 10 a 12 horas, permite que cerca de 20% evoluam com necessidade de internamento e
conduta clínica/cirúrgica e os outros podem ser liberados com maior segurança para acompa-
nhamento ambulatorial. Observação de 12 horas associada aos achados clínicos melhora a efi-
cácia diagnóstica e conduta, reduzindo casos de iatrogenia.
Comunicação entre os profissionais é essencial para que pequenas mudanças clínicas não
passem despercebidas.
Propedêutica complementar
A medicina baseada em evidências, anamnese e exame clínico além de diagnosticar em 80%
dos casos, auxilia na solicitação mais adequada de propedêutica complementar (exames labo-
ratoriais e de imagem). Hemograma está entre os exames mais solicitados, mas deve ser avali-
ado com cuidado e com base nos achados clínicos. Notar que 10% das pessoas apresentam
leucócitos elevados normalmente.
Avaliação de eletrólitos raramente é útil nesses casos
Sedimento urinário é particularmente importante para confirmação de casos de infecções
urinárias. Atentar para mulheres, que devem realizar a antissepsia adequada e, se possível, tam-
pão vaginal para evitar contaminação da amostra.
Radiografia simples pode ser útil em casos de obstrução, perfuração, corpo estranho, empa-
lamentos. Deve ser realizado em posição supina e em pé (na impossibilidade, realizar em decú-
bito lateral). A sensibilidade pode ser melhorada com ingestão de contraste líquido.
A TC vem apresentando utilização crescente pela maior sensibilidade, a TC helicoidal com
contraste aumenta ainda mais a qualidade de imagem e permite reconstituição 3D. A USG tem
grande valia em afecções genitais e pélvicas, pode ser realizada por via vaginal/anal e, além
disso, tem papel diagnóstico em doenças hepatobiliares e condições obstrutivas renais.
Diagnóstico diferencial
Cistos ovarianos hemorrágicos
Cistos ovarianos podem apresentar sangramento após a ovulação ou após a formação do
corpo lúteo, a intensidade é variável, geralmente em mulheres jovens, sem uso de anticoncep-
cional, com dor em hipogástrio ou fossas ilíacas, desencadeada por esforço físico ou ato sexual.
Medicações que elevam as gonadotrofinas, como as utilizadas em reprodução assistida, aumen-
tam o risco de cistos e sangramentos.
A palpação abdominal mostra peritonismo, a palpação vaginal pode ser dolorosa em fórnices
e pode mostrar aumento de volume anexial correspondente ao ovário acometido. O principal
diagnóstico diferencial é com gravidez ectópica, realizada com teste de beta-HCG. A USG
mostra líquido livre em cavidade peritoneal, aumento de ovário com formação cística e sinais
de sangramento (coágulos). A RNM pode ser útil em diferenciar conteúdo hemático e dar DD
com neoplasias ovarianas.
O tratamento para pacientes estáveis é conservador, os cistos regridem espontaneamente e
há absorção do hemoperitônio. Tratamento medicamentoso visa melhora da dor, com
analgésicos e AINH. Repouso nas primeiras 24h e controle clínico/USG em 48h quando houver
melhora. Em pacientes instáveis, quando há hemoperitônio além da pelve, dificuldade no con-
trole da dor ou incerteza diagnóstica, realiza-se a laparoscopia exploratória, com cauterização
do sangramento, absorção do hemoperitônio e lavagem da cavidade. Em casos de recidivas
constantes, pode-se utilizar anticoncepcionais anovulatórios para evitar novos episódios.
Torção anexial
Rotação parcial ou total da tuba uterina e do ovário ao redor do seu eixo vascular. Representa
importante quadro de emergência em ginecologia, podendo ocorrer em todas as faixas etárias.
Hiperestimulação ovariana em tratamentos de fertilidade pode ser causa importante. Apresenta
risco de perda do órgão por isquemia e pode ocorrer na gravidez, quando se associa a aborta-
mentos e parto prematuro.
Apesar de poder ocorrer no ovário normal, frequentemente se associa a cistos funcionais e
neoplasias benignas. O comprometimento inicial é venoso e linfático, posteriormente arterial.
A dor é de caráter agudo, com discreto aumento de temperatura e leucócitos. O esquerdo é
menos acometido pela limitação da mobilidade decorrente do sigmoide. A apendicite é o prin-
cipal diagnóstico diferencial. Tração e irritação peritoneal podem causar náuseas, vômitos e
dor. Há peritonismo abdominal e possível massa palpável e região anexial. Toque vaginal é
limitado por conta da dor.
Na USG, o aspecto depende do grau de isquemia, o ovário está aumentado e com sinais de
sangramento. Pode haver pequena quantidade de líquido em cavidade, ocupando o fundo de
saco posterior. A identificação do pedículo vascular torcido pode mostrar viabilidade do parên-
quima ovariano, através da presença de fluxo venoso no interior ou fluxo arterial no pedículo.
O tratamento é cirúrgico, por via laparoscópica. Se houver viabilidade tecidual, pode ser
realizada a destorção anexial (avaliar previamente com USG Dopple e contraste). O risco trom-
boembólico com a destorção não demonstrou aumento. A irrigação com soro aquecido é bené-
fica para favorecer vasodilatação e melhora da circulação anexial.
Mioma uterino
Podem causar dor aguda por isquemia, trombose e torção de tumores pediculados. Trata-
mento pode ser clínico ou cirúrgico. Quando há apenas dor abdominal associada a miomas
uterinos, pode ser necessário laparoscopia. Rotura de vasos na superfície do tumor pode levar
a quadro de abdome agudo hemorrágico e necessidade de cirurgia.
O quadro clínico é dor difusa em hipogástrio, que pode estar localizada se houve contato
com o peritônio parietal. Dor caracterizada em cólica, sangramentos genitais são incomuns. O
encarceramento do mioma posterior, pode causa dor associada a obstipação. Miomas em região
paracervical, pode ocasionar dor localizada, unilateral com irradiação ciática. Compressão de
ureter também pode gerar cólica ureteral com irradiação lombar.
A avaliação clínica com palpação pode trazer alguns achados, mas normalmente é limitada
por conta do quadro álgico.
A confirmação deve ser feita com USG. TC e RM, apesar de menos práticas, podem ser úteis
tanto na identificação de leiomiomas, quanto na diferenciação com tumorações anexiais, inclu-
sive na identificação de pedículos vasculares torcidos.
A dor aguda deve ser tratada com analgésicos e AINH. O tratamento definitivo deve levar
em consideração a vontade reprodutiva e de continuar menstruando. Quando há comprometi-
mento da função de outros órgãos, como obstrução ureteral, pode ser necessária a cirurgia, com
objetivo inicial de miomectomia exclusiva.
Atualmente, a embolização arterial proposital desses miomas tem sido realizada para dimi-
nuir seu volume com resultados satisfatórios. Porém, a dor da isquemia provocada é a mesma
da isquemia espontânea.
As pacientes podem evoluir com infecção e choque séptico, para isso, é necessário antibio-
ticoterapia além da analgesia. Nesses casos de infecção, pode ser necessário histerectomia total.
Moléstia inflamatória pélvica
A MIPA é um processo infeccioso que acomete órgãos genitais acima do orifício interno do
colo uterino, podendo gerar infertilidade e gravidez ectópica.
O quadro clínico é variável, com dor pélvica insidiosa em hipogástrio e fossas ilíacas. En-
dometrite e sangramentos podem ocorrer. Acometimento inflamatório pode envolver trato uri-
nário, levando a disúria e polaciúria. Dispareunia e sinusiorragia podem ocorrer. Dificilmente
náuseas e vômitos ocorrem. A infecção é polimicrobiana.
Hoje, acredita-se que complicações, como a infertilidade, estão associadas não apenas a
agressão do agente infeccioso ao trato genital, mas a reações de hipersensibilidade causadas por
antígenos da clamídia ou proteínas de ação inibitória da resposta imune, ocasionando infecção
crônica.
Inicialmente, o acometimento é por bactérias aeróbicas, levando a mudanças no pH a partir
do comprometimento vascular e necrose tecidual, dando espaço para bactérias anaeróbicas.
Adolescentes, principalmente no início da puberdade, possuem uma resistência menor a desen-
volver essas infecções, outros fatores de risco são aspectos comportamentais, como sexo des-
protegido. Práticas de ducha vaginas e sexo em período menstrual também aumentam o risco
de desenvolver MIPA por facilitar a ascensão de patógenos ao trato genital superior.
Para diagnóstico são necessários alguns critérios: dor/espessamento anexial, dor à mobiliza-
ção do colo uterino. Outros critérios auxiliares são: temperatura oral acima de 38,3 ºC, corri-
mento mucopurulento, leucócitos em esfregaço cervical, VHS elevada, PCR elevada, identifi-
cação de infecção por Neisseria ou Clamídia. Para confirmação é necessário: histopatológico
de endometrite, laparoscopia, USG compatível com abscesso pélvico.
Como nem sempre a confirmação diagnóstica é possível, a terapêutica empírica é aceita a
partir da associação de achados inespecíficos, como dor ou espessamento anexial ao toque va-
ginal, febre, aumento do VHS. O principal diagnóstico diferencial é apendicite, com uma taxa
de falso-positivo de 20 a 30%.
Sinais que favorecem significativamente MIPA em relação à apendicite são dor sem com-
ponente migratório, dor à palpação abdominal bilateral e ausência de náusea ou vômito.
Propedêutica por imagem
Raio X simples de abdome é pouco específico. Em casos iniciais, a USG pode mostrar alte-
rações discretas, como aumento do volume uterino, maior ecogenicidade da gordura pélvica e
líquido livre na cavidade peritoneal. Líquido em cavidade endometrial e espessamento endo-
metrial sugerem endometrite, enquanto a presença de gás está relacionada a infecção por anae-
róbios.
Tubas uterinas na presença de infecção podem apresentar líquido livre no lúmen e edema de
parede, significativo para salpingite, principalmente quando possuir diâmetro maior que 5 mm
e aspecto de roda denteada. Em casos de acúmulo de secreção purulenta, a estrutura é alongada,
tortuosa e com paredes espessadas.
O tratamento deve considerara característica polimicrobiana da infecção. Esquemas ambu-
latoriais usam doxiciclina 2x/dia de 10 a 14 dias. Outro esquema que vem sendo testado é amo-
xicilina com clavulonato de potássio. Pacientes sem resposta em até 72h devem ser avaliados
para tratamento parenteral com cefoxetina 2g a cada 6 horas associada a doxiciclina 100mg a
cada 12h. A manutenção do antibiótico após a alta é especialmente importante para os pacientes
com clamídia.

2- Dor pélvica crônica


É uma dor persistente, de duração prolongada, associada ou não ao ciclo menstrual e relaci-
onada a outras disfunções (cognitivas, comportamentais, sexuais, ginecológicas, trato urinário
baixo etc.).
Limites da dor: pelve, parede abdominal anterior, região lombar e glútea.
Tempo: duração mínima de 6 meses e que resulta em incapacidade.
A DPC gera anormalidades emocionais expressivas, incapacidade física e geralmente refra-
tária aos procedimentos analgésicos.
A frequente falta de correlação entre os achados dos exames e a realidade clínica, bem como
o desconhecimento das causas, dificultam seu diagnóstico e tratamento.
2-16% da população mundial
14-24% das mulheres com DPC, estão em idade reprodutiva.
Possui várias causas, muitos sistemas isolados ou em associação. Porém, na maioria das
vezes não é identificada causas orgânicas da DPC.
• Ginecológico Origem:
• Urológico • Sistêmica
• TGI • Inflamatória
• Vascular • Oncológica
• Neurológico • Metabólica
• Ligamentar • Funcional
• Muscular • Neuropática
• Articular • Desmodulatória
• Peritoneal • Psicológica
Estímulos internos e externo influenciam intensidade e características da dor
Doenças associadas/causadoras da DPC:
• Endometriose
• Aderências visceropélvicas
• SII
• Cistite intersticial
• Síndrome da bexiga dolorosa
• Anormalidades musculoesqueléticas e do sistema nervoso

Independente da causa, a ativação recorrente do SN pode causar sensibilização central e


diminuição do limiar doloroso, levando a hiperalgesia e alodinia.
Fatores de risco: menacme, abuso sexual, doença inflamatória pélvica, gestação, parto e ci-
rurgias prévias.
Aspectos clínicos
Sintomas dolorosos de intensidade variável em cólicas ou pressão constante ou intermitente,
incapacitante ou não. Pode estar associada a outros sintomas, como dispareunia, dismenorreia,
alterações do sono e AVD, exercícios físicos etc.
Geralmente não se associa a infecções ou outras doenças, mas, sim, a sintomas que sugerem
quadros disfuncionais.
A evolução é complexa, pois, a inervação das vísceras, músculos e estruturas tem a mesma
origem metamétrica.
Dor de origem visceral:
Difusa ou localizada, com ou sem irradiação. Descrita como peso, cólica, pontada, agulhada.
Quando de origem peritoneal, é difusa, intensidade variável, em fase aguda se associa a náu-
seas, vômitos, febre, taquicardia, hipertonia e rigidez abdominal, descompressão brusca dolo-
rosa e abolição de ruídos hidroaéreos.
Quando o tratamento para a dor visceral não surte efeito, a dor possivelmente é de origem
musculoesquelética.
Dor ginecológica:
+ de 50% das mulheres com DPC apresentam dispareunia superficial ou profunda e/ou dor
em região vulvar, pelve ou vaginal.
Geralmente tem origem na endometriose, DIP, aderências viscerais, infecções do assoalho,
SDM, neoplasias, doenças psiquiátricas.
Os sintomas mais frequentes da endometriose são: dismenorreia, dispareunia, disúria, dor
pélvica cíclica ou acíclica, distúrbios hemorrágicos e infertilidade.
Dor de origem gastrointestinal:
Dor em cólica, geralmente periumbilical, dentre as principais causas destaca-se a síndrome
do intestino irritável, com quadro de dor em cólica, distensão, desconforto em fossa ilíaca es-
querda, região hipogástrica e/ou lombar. Aumenta de intensidade com atividade intestinal, de-
pressão, menstruação, dieta rica em gorduras. Associa-se com dispepsia, disúria, urgência mic-
cional, dispareunia, lombalgia, fibromialgia. Evolui com tempos de remissão e exacerbação.
Dor de origem urológica:
Causada principalmente por síndrome da bexiga dolorosa, cistite intersticial, síndrome ure-
tral, ITU crônicas. Cistite e SBD cursam com disúria, urgência miccional e polaciúria na au-
sência de infecções.
Dor de origem musculoesquelética:
Como principais causas, destaca-se a SDM, anormalidades articulares pélvicas e que cursam
com ampla dor referida (região sacral, pubiana, perineal, face posterior da coxa e perna e região
plantar do pé) e espasmos reflexos da musculatura.
Alterações vertebrais, ligamentares ou musculares da transição toracolombar podem gerar
dor em região inguinal, púbica, glútea, abdominal ou de MMII. Pode simular visceropatias e
afecções articulares do quadril.
Coccigodínea: diversas causas como postura, desnutrição, trauma, cirurgias, tumores, lesões
do SNP podem causar coccigodínea ou SDM da musculatura pelviperineal. Se manifesta com
dor, pressão, cãibra, queimor, pontada em região sacrococcígea, lombossacral, genital, reto,
face posterior das coxas e perna.

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