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Dos efeitos do terror

Dos Efeitos do Terror é um texto de 1797, publicação do jovem Constant, com apenas 29
anos. O texto é um prefácio à segunda edição do livro "Des réactions politiques". O
objetivo do autor é refutar a obra “Des causes de la révolution et de ses résultats” de
Lezay-Marnésia, uma das primeiras obras a  fazer um balanço da Revolução Francesa,
publicada no mesmo ano. Apesar de criticar a obra, Constant não cita o nome de Lezay-
Marnésia em nenhum momento da obra.
O texto é um dos responsáveis por consagrar a ideia de que o Terror, com letra maiúscula,
tenha sido uma fase ou um período. Desde então, o “Terror” passa a se referir a coisas
díspares como ação do governo, recrutamento para a guerra e dirigismo econômico. Essa
concepção foi seguida por autores como Hegel, que passou a
interpretar Schreckensherrschaft  (o “reino do terror”) como uma fase da história; e Karl
Marx, que também se referiu ao terror como “período”, uma “maneira plebeia de realizar a
Revolução Burguesa”, cuja violência foi crucial para destruição da ordem aristocrática. [2]
Para Marnésia, o terror revolucionário foi necessário para que se chegasse aos resultados
da revolução: “consolidada pelo terror, a república hoje é uma excelente instituição: é
preciso adotá-la. Da mesma maneira, Roma foi fundada por bandidos e essa Roma
tornou-se a dona do mundo (Des causes de la révolution et de ses résultats )”. Para
Constant, a monarquia de Roma foi fundada por bandidos, a república não. Pelo contrário,
a república havia sido fundada por homens honrados e valorosos. Para o autor franco-
suíço, criticar as origens republicanas, sejam romanas ou francesas, poderia fortalecer o
retorno da monarquia. Para ele, os verdadeiros fundadores da república francesa eram os
girondinos Vergniaud e Condorcet, eles precisavam ser honrados e condecorados por tal
feito.
Constant adota uma perspectiva crítica aos excessos da Revolução Francesa,
especialmente no período do terror, ele é crítico a ideia de que o terror é indispensável à
revolução. Além disso, ele atribui aos jacobinos o despotismo e os excessos da revolução.
Mas quais são os excessos da revolução para o autor? Ele cita alguns: matou guerreiros
fiéis de quem suspeitavam os carrascos; criou tribunais sem possibilidade julgamentos, 60
mortes por dia; assassinou velhos octogenários e meninas de 15 anos; forjou falsas
acusações; e ao invés de punir os padres agitadores, aniquilou todos os padres. Para o
autor, a república foi salva apesar do terror. Segundo Constant:
"proponho-me provar que o terror não foi necessário à salvação da república, que a
república foi salva apesar do terror, que o terror criou a maior parte dos obstáculos aos
quais se lhe atribui a derrubada , que aqueles que ele não criou teriam sido superados de
uma maneira mais fácil e mais durável por um regime justo e legítimo; em uma palavra,
que o terror só fez mal e que foi ele que legou à república atual todos os perigos que, hoje
ainda, a ameaçam a todos.”[3]
Lezay-Marnésia considera o terror como um meio de inflamar a revolução quando o fervor
do povo esfria, seria a forma de colocar o governo do lado do povo, reprimindo a
inquietação  dos descontentes. Além disso, o terror servia para restabelecer a disciplina e
a ordem internas por meio do medo generalizado da morte, era necessário um despotismo
violento para ensinar novamente o povo a obedecer. Constant discorda dessa afirmação:
“O terror começou com sua derrota e se consolidou sobre seus túmulos. Vós procurareis
em vão recuar-lhe a sua época. Desordens particulares, calamidades monstruosas, mas
momentâneas e ilegais, não constituem o terror. Ele somente existe quando o crime é o
sistema de governo e não quando é o inimigo, quando o governo o ordena e não quando o
combate, quando organiza o furor dos celerados, não quando invoca a ajuda dos homens
de bem.”[3]
Além disso, Marnésia acreditava que o terror foi responsável por criar novos hábitos, um
novo povo. Em contrapartida, Constant afirma que o terror foi justamente o responsável
por relacionar a república com as práticas mais fúteis da monarquia.
O que divergia entre os autores não era a defesa de república vs monarquia, pois os dois
eram republicanos. O que os diferenciavam era as duas interpretações diferentes da
Revolução Francesa. Para Lezay-Marnésia, a Revolução Francesa havia percorrido três
fases que constituíam tempos históricos muito diferentes, e que a revolução já estava
concluída após o 9 termidor. Enquanto para Constant, a revolução não havia chegado ao
fim, muito menos seus resultados estavam garantidos. Dessa forma, para Constant, 1797
não difere qualitativamente de 1793. Para Lezay-Marnésia, o terror de 1793 não trazia
consequências para 1797, pois ele pensava em tempos qualitativamente diferentes. [4] Para
Constant, Justificar o terror de 1793 implica justificar o terror de 1797, por isso acusa  
Lezay-Marnésia de extrair dos erros do passado axiomas:
“É bom sem dúvida jogar um véu sobre o passado: mas, se erros ou mesmo crimes podem
ficar no passado, um sistema nele nunca pode ficar; axiomas não pertencem a nenhuma
época, são sempre aplicáveis: existem no presente, ameaçam o futuro.” [3]
Ou seja, o terror poderia ser usado em outras revoluções sobre o argumento de que era
necessário para o desenvolvimento “pleno” do processo revolucionário.

Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos


Benjamin Constant (1767 – 1830), em um artigo intitulado “Da liberdade dos antigos
comparada à dos modernos” de 1819, sustenta uma distinção entre à liberdade dos
antigos e à liberdade dos modernos. Segundo ele, é útil fazer essa diferenciação levando
em consideração que, na falta desta pode haver confusões. Cita como exemplo o caso de
experiências negativas na França – mais especificamente, à revolução francesa. Para o
autor, há fatores culturais, históricos e sociais determinantes para a distinção dos dois
conceitos de liberdade em questão, e tais fatores envolvem, basicamente, extensão
territorial, transição da guerra ao comércio e mudança de uma sociedade escravista para
uma não-escravista.
Segundo Constant, a liberdade dos antigos “consistia em exercer coletiva, mas
diretamente, várias partes da soberania inteira, em deliberar em praça pública sobre a
guerra e a paz, em negociar com os estrangeiros tratados de aliança, em votar as leis, em
pronunciar julgamentos, em examinar as contas, os atos, a gestão dos magistrados; em
fazê-los comparecer diante de todo um povo, em acusá-los de delitos, em condená-los ou
em absolvê-los. Ao mesmo tempo que consistia nisso o que os antigos chamavam
liberdade, eles admitiam, como compatível com ela, a submissão completa do indivíduo à
autoridade do todo. (...) Todas as ações privadas [aqui] estão sujeitas a severa vigilância.”
(CONSTANT, 1819, p. 2-3). Desse modo, é evidente perceber que na liberdade dos
antigos havia, em suma, uma soberania social plena no que se refere ao poder dos
indivíduos tomarem diretamente decisões políticas, porém, ao mesmo tempo, não havia
direitos individuais, mas apenas coletivos e por isso o indivíduo era sempre submetido ao
todo (ordem social).
De modo contrário a esta, a liberdade dos modernos consiste no direito de cada um “dizer
sua opinião, de escolher seu trabalho e de exercê-lo; de dispor de sua propriedade, até de
abusar dela; de ir e vir, sem necessitar de permissão e sem ter que prestar conta de seus
motivos ou de seus passos. (...) [no] direito de reunir-se a outros indivíduos, seja para
discutir sobre seus interesses, seja para professar o culto que ele e seus associados
preferirem, seja simplesmente para preencher seus dias e suas horas de maneira mais
condizente com suas inclinações, com suas fantasias. Enfim, o direito, para cada um, de
influir sobre a administração do governo, seja pela nomeação de todos ou de certos
funcionários, seja por representações, petições, reivindicações, às quais a autoridade é
mais ou menos obrigada a levar em consideração.” (CONSTANT, 1819, p. 2). Levando em
consideração à definição do próprio autor, podemos dizer que aqui há um individualismo,
que, evidentemente, valoriza as ações, direitos e promoções individuais, acima de tudo.
No entanto, vale ressaltar que, a definição de liberdade aqui implica uma perda em relação
à liberdade dos antigos, que seria: a perda da soberania de tomar decisões políticas
diretas. Em suma, portanto, podemos afirmar que a diferença da liberdade dos antigos em
relação à liberdade dos modernos consiste no fato de que a primeira é uma valorização do
todo em relação ao individual, enquanto que a segunda seria, ao contrário, uma extrema
valorização dos direitos individuais, que implica necessariamente uma perda da
possibilidade do indivíduo poder exercer a sua soberania política com efetividade diante do
todo.
Alguns fatores foram determinantes para a transição do conceito de liberdade dos antigos
para o conceito de liberdade dos modernos, um deles é a questão da extensão territorial.
Na antiguidade as extensões territoriais das cidades eram pequenas quando comparadas
às mesmas do estado moderno. Tal mudança (de pouca para muita extensão territorial)
contribuiu diretamente para a mudança do conceito de liberdade dos antigos para o
conceito de liberdade dos modernos. No mundo antigo as cidades tinham pouca extensão
territorial e consequentemente a estrutura política possuía um peso direto na formação das
próprias leis da cidade e na vigilância de sua aplicação, enquanto  na modernidade, ao
contrário, pelo fato das cidades terem bastante extensão territorial, as ações individuais
isoladas serão preservadas. O estado já não possui a mesma importância nem relevância
que tinha na antiguidade, os negócios, o comércio passam a ser mais relevante às
grandes massas populacionais e, por conta disto, ações individuais isoladas passam a ser,
senão inúteis, pouco impactantes para mudanças efetivas e significativas na sociedade.
Além disso, outro fator, que contribuiu diretamente para a transição do conceito de
liberdade dos antigos para o conceito de liberdade dos modernos, diz respeito à mudança
da guerra (antiguidade) ao comércio (modernidade). A transição quer dizer basicamente
que há uma mudança generalista, relacionada principalmente ao espírito de cada época.
Em outras palavras, na antiguidade a sociedade possuía um espírito bélico e na
modernidade a sociedade desenvolverá um espírito voltado ao comércio. Embora
saibamos que havia comércio na antiguidade e que há guerras na modernidade estes
aspectos não dizem respeito ao espírito de cada época, mas às exceções de cada uma
delas. O fato relevante a ser enfatizado refere-se ao espírito bélico da antiguidade, por
determinar que os cidadãos tivessem, mais do que possibilidade, a necessidade de
participar das decisões políticas da pólis – para que não sofressem ameaças de povos
invasores. No mundo moderno, porém, ocorre o oposto. O espírito voltado ao comércio, ao
exigir que o indivíduo esteja sempre ocupado, para poder lucrar constantemente e assim
garantir sua sobrevivência, impede que este tenha a possibilidade de participar ativamente
da política, por ser um grande esforço para este conciliar qualquer outra atividade com o
comércio. Deste modo não há possibilidade que ele exerça com efetividade a vida política
podendo eleger representantes que resolverão questões bélicas de modo diplomático para
respeitar o comércio. Diante do exposto, podemos concluir que a transição da guerra ao
comércio, ao mudar radicalmente o próprio modo do indivíduo lidar consigo mesmo, com o
social e com o tempo que dispõe para suas atividades, contribuiu para a transição do
conceito de liberdade na antiguidade para o conceito de liberdade na modernidade, já que
implicou em mudanças individuais e sociais significativas em relação ao próprio modo de
participar direta ou indiretamente das decisões políticas da cidade.
Por último, a transição de uma sociedade escravista (antiguidade) para uma não-
escravista (modernidade). A mudança neste aspecto, diz respeito, a uma grande
diferenciação no que diz respeito à relação do indivíduo consigo mesmo e com os outros,
e em relação ao próprio tempo que ele dispõe para poder participar de atividades que vão
além do mundo do trabalho, como por exemplo, à atividade política. O indivíduo moderno,
ao ser totalmente individualista e valorizar isto como uma qualidade das mais importantes
– o que é essencialmente, sua liberdade –, perde  o que era prezado pelos antigos como
qualidade: o poder da participação política efetiva na cidade, no que tange aos
considerados homens livres , cidadãos que se diferenciavam de outras classes –
estrangeiros, mulheres e escravos. Na  modernidade no entanto as relações de trabalho
prezarão por uma dimensão igualitária respeitando os direitos individuais de cada
trabalhador.

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