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PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL NO DIREITO ANGOLANO.

BREVE
NOTA.Valdano Afonso Jr.

(Advogado e docente universitário)

com acordo do interessado (o procurador ou o terceiro), ou ocorrendo justa causa

, isto é, quando isso resultar da relação subjacente à outorgados poderes de


representação, ou seja, da relação que justifica efundamenta a procuração.IX.

Para se considerar que uma procuração é irrevogável, não basta o facto de

na declaração de vontade (…) se ler que "o mandante considera esta

procuração irrevogável nos termos da Lei por ser passada no interesse daprópria
mandatária" é antes necessário averiguar se, em concreto, ela foiconferida também no
interesse do procurador.X.

A procuração irrevogável não caduca com a morte do mandante. A sua eficácia

post mortem

, traduz-se, como se afirma no Ac. STJ de 3/6/97 (Portugal)

, em«ficcionar o prolongamento da vida do mandante até ao cumprimento integralda


missão atribuída ao mandatário, podendo este, por isso, validamentepraticar, em nome
do mandante e para além da sua morte, os actos de que foraincumbido». Daqui se infere
que não é possível qualificar a venda ou doaçãoposterior à morte do mandante como
venda ou doação de bens alheios, aindaque entretanto, por efeito da morte do mandante
e da subsequente aberturada sucessão (artº 2031º do C. Civil), e eventual aceitação da
herança pelossucessores (artº 2050º do C. Civil), esses bens tenham passado temporária
eaparentemente a integrar o acervo hereditário.

XI.

A esta caracterização se refere JANUÁRIO GOMES, quando declara que a«convenção


de irrevogabilidade nada acrescenta ao regime legal, sendo, de persi, inoperante» (Em
Tema de Revogação do Mandato Civil, Almedina,Coimbra, 1989, p. 149): ou há
interesse comum do mandante e do mandatárioou de terceiro, e há irrevogabilidade,
com ou sem convenção expressa; ou nãohá tal interesse comum, e prevalece a livre
revogabilidade, que torna ineficazqualquer convenção em contrário. Como diz ainda o
mencionado Ac. STJ,citando VAZ SERRA, «

a irrevogabilidade tem de "resultar da relação jurídica basilar e, em especial, por ter sido
conferido no interesse domandatário (ou do procurador) ou de terceiro"

».

O conceito de ‘justa causa’, diz Baptista Machado (Pressupostos da Resolução por


Incumprimento, em

Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, II, Coimbra, 1979, págs.
356-363,especialmente 361-362), é um conceito indeterminado cuja aplicação exige
necessariamente uma

apreciação valorativa do caso concreto. Será uma ‘justa causa’ ou um ‘fundamento


importante’ qualquer
circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a
uma das partes acontinuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o
fim do contrato ou de dificultara obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer
desaparecer pressupostos, pessoais ou reais,essenciais ao desenvolvimento da relação,
designadamente qualquer conduta contrária ao dever de

correcção e lealdade (ou ao dever de fidelidade na relação associativa). A ‘justa causa’


representará, em

regra, uma vio

lação dos deveres contratuais (e, portanto, um ‘incumprimento’): será aquela violação

contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a
continuação da

relação contratual. Em certos casos, porém, a ‘justa causa’ não

consiste numa violação do contrato pelosujeito contra o qual é exercido o direito de


resolução, mas num facto que se liga à vida ou à esfera decontrole daquela das partes a
que a lei confere o direito de resolução: assim, por ex., o comodante quevenha a ter uma
necessidade urgente e inesperada do objecto dado em comodato pode resolver o

contrato com fundamento em ‘justa causa’ nos termos do citado art. 1140”.

XII.

Sobre os efeitos da morte do mandante ou dominus sobre o mandato ouprocuração


irrevogáveis, se pronunciam JANUÁRIO GOMES (idem, p. 37),aludindo ao «

chamado mandatum post mortem exequendum,entendendo-se por tal o contrato de


mandato celebrado em vida domandante

mandato inter vivos

e que se destina a ter execução a partirda sua morte ou em que é expressamente prevista
a irrelevância da mortedo mandante para efeitos de extinção do mandato

» e também PEDROLEITÃO PAIS DE VASCONCELOS (A Procuração Irrevogável,


Almedina,Coimbra, 2005, pp. 180 ss.), este a propósito da figura da procuração
postmortem (cujos efeitos não divergem, no ponto em apreço, da eficácia postmortem
de uma típica procuração naturalmente irrevogável

i.e., deprocuração cuja irrevogabilidade resulte da existência de um interesse


doprocurador ou de terceiro, por contraposição à procuraçãoconvencionalmente
irrevogável, conforme distinção desse autor, idem, p. 120).

XIII.

Segundo o primeiro autor, os mandatos post mortem «serão válidos sempreque não
contendam com as regras que disciplinam a sucessão contratual oupactícia» (ibidem),
restringindo assim às situações (aliás, excepcionais) desucessão contratual as hipóteses
de ineficácia post mortem de mandato ouprocuração irrevogável, com o que acaba por
admitir essa eficácia quando essemandato se confronte, designadamente, com situações
de sucessãotestamentária (e, logo, unilateral ou não contratual).

XIV.

O segundo autor é ainda mais explícito, quando equaciona a hipótese em que,munido de


uma procuração naturalmente irrevogável, «o procurador, após amorte do dominus
originário, procedesse à distribuição de bens e direitos apessoas diferentes dos
herdeiros», em contrário à aplicação das normassucessórias. Depois de reconhecer que
tal consequência «poderia levar àtendência para não admitir a validade da procuração
naturalmente irrevogávelpost mortem», considera em seguida ser errada essa
perspectiva, em função dointeresse do procurador ou terceiro na procuração. E afirma:
«Numa situaçãodestas, mesmo que a outorga da procuração influa na herança,
diminuindo-a,nem por isso se pode considerar que a procuração viole as regras
sucessórias»(idem, p. 189). Em seguida, concretiza com um exemplo de alienação
postmortem, com base em procuração irrevogável, de imóvel integrante da herança

e remata: «(…) não se pode considerar que se

está a violar as regras do direitosucessório, embora através da procuração se legitime o


procurador a celebrarnegócios que irão produzir efeitos após a morte do dominus,
provocandoalterações no património da herança» (idem, p. 190). A única ressalva a
esteregime que esse autor acaba por estabelecer prende-se com a protecção dasquotas
legítimas dos herdeiros legitimários.

XV.

Refira-se ainda que idêntica solução foi encontrada, quer no citado Ac. STJ de3/6/97,
quer no Ac. RC de 31/5/2005 (Proc. 462/05, idem), em que seconfrontavam,
semelhantemente, um contrato de compra e venda dedeterminado bem, celebrado com
base em procuração irrevogável (por

conferida no interesse do mandatário ou de terceiro) de mandante entretantofalecido, e a


aquisição por sucessão desse mesmo bem por diferentes titulares.

Neste sentido, veja-se Pedro Albuquerque, A representação voluntária emdireito civil


(ensaio de reconstrução dogmática), Almedina, Abril de 2004,págs. 969 e segs:

a)

“[A] competência representativa, em si mesma e


ntendida de forma neutra eindeterminada, necessita de ser, sempre, completada através
de uma causa ou

relação que a determina e suporta” (pág. 973); “[

p]ara existir irrevogabilidadeda procuração esta deve desempenhar a função de permitir


o cumprimentoou a execução da relação subjacente. Noutros termos, para a procuratio e
opoder de representação serem insusceptíveis de revogação deve resultar parao
procurator ou tertius, ou eventualmente ambos, uma pretensão cujasatisfação
pressuponha o exercício do poder de representação como um

instrumento ao serviço de uma posição própria destes. […] [Airrevogabilidade dos


poderes de representação…] só pode existir quando em

virtude de um outro acto de autonomia da vontade o constituído possa,mesmo contra a


vontade do constituinte, impor a satisfação ou comprimentoda sua pretensão

. Noutros termos, a procuração irrevogável apenas é consideradaadmissível quando o


representado se vinculou à celebração de um negócio

representativo através do procurador.” (págs. 974/975) “Caso a irrevogabilidade

tenha sido convencionada sem ocorrerem os pressupostos que deveriam estar nasua
base, a

communis opinio

aceita, em regra […] a manutenção do poder derepresentação, mas de forma susceptível


de revogação.” (pág. 976) […] “

Não bastaum qualquer interesse do procurador ou terceiro para excluir a possibilidadede


o constituinte retirar, ao constituído, os poderes concedidos de formairrevogável. A
irrevogabilidade da procuração apenas é admitida naquelescasos nos quais a relação
fundamental, justificativa da procuração, imponhacomo um seu trecho a manutenção do
vínculo procuratório, pois, de outramaneira, se violaria essa relação fundamental

.” (págs. 976/977). E em nota(1612) acrescenta: “o interesse do procurador, ou do


tertius
, referido no art. 265/3do CC, não é, senão, a pretensão ou direito à realização do
negócio ou acto aoserviço de cuja realização a procuratio irrevogável se encontra.
Torna-se, assim,despiciendo procurar ou indagar acerca da existência de quaisquer
vantagens ouproveitos de natureza económica ou outra, a serem alcançados se os
poderes

concedidos fossem de facto exercitados”. E mais à frente, noutra nota (1615,


pág.977/978) diz: “Não nos parece, por exemplo, poder considerar

-se irrevogável umaprocuração para realização de uma doação a favor do procurador ou


de terceiro,pelo simples facto de este ter nisso um interesse económico ou jurídico se,
aomesmo tempo, o donatário não tiver de facto o direito de exigir o cumprimentoda
doação.

A procuração não equivale ao negócio definitivo. Ver em hipótesescomo esta um


interesse do procurador ou do terceiro de molde a tornar aprocuração irrevogável é um
claro atentado à autonomia privada dorepresentado. Este não deve ficar vinculado à
realização de uma liberalidadepelo simples facto de outrem ter um mero interesse
económico ou jurídico noresultado de uma procuração, mas a cujo cumprimento não
tem direito

”.

No mesmo sentido, na parte que interessa, veja-se Pedro Pais de Vasconcelos,Contratos


atípicos, Almedina, 1995:b)

“[A] procuração irrevogável está sempre ligada a um contrato, que lhe constitui arelação
subjacente […]” (pág. 301); “a procuração, como simples acto de outorga

de poderes de representação, pressupõe uma relação fundamental que lhe dá

causa […]” (pág. 302); “É perante a relação subjacente que vai ser apurado se
aprocuração é outorgada no exclusivo interesse do representado […] ou nointeresse do
procurador ou de terceiro, casos em que não é livremente revogável”(pág. 303); “a
irrevogabilidade da

procuração só é admissível quando estadesempenhe a função de possibilitar o


cumprimento ou a execução da relaçãosubjacente, e dessa relação subjacente resulte
para o procurador ou para oterceiro, ou para ambos, uma pretensão cuja satisfação
implique o exercício dopoder representativo do procurador, como um poder próprio,
mesmo contra o

representado e contra a sua vontade” (pág. 305); “A irrevogabilidade […] tem de

resultar do relacionamento da procuração com a relação subjacente, sendoineficaz a nua


estipulação de uma irrevogabilidade que não tenha fundamento

numa relação subjacente lícita” (pág. 306).

Vai no mesmo sentido, no essencial,para o que interessa, Januário Gomes, obra citada,
págs. 145 a 152 e 169 a 186,embora a propósito do nº. 2 do art. 1170 do CC, pelo que
tem de ser lido com asdevidas adaptações. E ainda Luís Miguel D. P. Pestana de
Vasconcelos, A cessãode créditos em garantia e a insolvência, em particular da posição
do cessionáriona insolvência do cedente, Coimbra Editora, Outubro de 2007, págs. 72 a
77,especialmente pág. 75

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