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MÓNICA JARDIM/MARGARIDA COSTA ANDRADE 2022/2023

12. Compropriedade

12.1. Noção

1. Nos termos do n.º 1 do art. 1403.º, “existe propriedade em comum, ou


compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito
de propriedade sobre a mesma coisa.” O que é o mesmo que dizer que a compropriedade
é uma figura de comunhão, enquanto é a titularidade do direito que se divide
(“simultaneamente titulares do direito”) e não a coisa (“propriedade sobre a mesma
coisa”). Veremos, porém, infra e com maior desenvolvimento, o debate doutrinal que
vem ocupando os autores nacionais a propósito da natureza jurídica da compropriedade,
que mais facilmente se acompanhará, e como tem de ser, depois de analisarmos o regime
jurídico que encontramos no Código Civil.

12.2. Regime jurídico

a) Fontes

2. Embora não exista uma norma que se dedique a elencar os modos de


constituição da compropriedade, podem identificar-se com segurança as fontes desta
comunhão, organizando-as entre fontes voluntárias, legais e judiciais.

3. Na primeira categoria integrar-se-ão os negócios jurídicos, tenham efeitos inter


vivos (assim sucede quando dois ou mais sujeitos acordam comprar uma coisa em
conjunto ou aceitam a doação) ou mortis causa (por exemplo, o de cuius deixa um prédio,
em legado, a dois dos seus amigos).

4. À primeira categoria pertence também a aquisição da compropriedade por


usucapião. Para tanto, bastará que: 1) haja uma composse, i. e., que vários sujeitos,
simultânea e voluntariamente1, exerçam, sobre coisa certa e determinada, uma posse em
termos de compropriedade2 (é o que ocorre, por exemplo, quando duas ou mais pessoas

1
Recorde-se que “podem adquirir a posse todos os que têm uso da razão, e ainda os que o não têm,
relativamente às coisas suceptíveis de ocupação” — art. 1266.º CCv.
2
Esta composse (em termos de compropriedade) é uma das composses a que se refere o art. 1286.º (pois
que este abrange todos os casos de composse, i. e., de posse de qualquer direito real em comunhão), artigo
por meio do qual — e em paralelo ao que se prevê para a defesa do direito (v. infra) — se admite que “cada
um dos compossuidores, seja qual for a parte que lhe cabe [possa] usar contra terceiros dos meios facultados

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compram um prédio a non domino e entram na respectiva posse3); 2) que a composse seja
pública e pacífica (art. 1297.º); 3) perdure um determinado período de tempo; 4) e,
finalmente, seja invocada a aquisição do direito de propriedade em comunhão (arts.
1292.º e 303.º).
Lê-se no art. 1291.º que “a usucapião por um compossuidor relativamente ao
objecto da posse comum aproveita igualmente aos demais compossuidores.” Temos aqui,
então, “uma regra de solidariedade entre os compossuidores”, “em oposição à regra geral
de que os efeitos jurídicos dos actos só atingem os que os praticaram ou as pessoas em
nome de quem foram praticados.”4 Por outra parte, este preceito permite ainda que a
melhor posse entre os compossuidores aproveite a todos. Concretizando: se, por exemplo,
um dos compossuidores estiver de boa fé o outro de má fé, com os consequentes efeitos
ao nível da contagem dos prazos, “a aquisição por parte do compossuidor de boa fé
aproveita a todos demais, embora de má fé”5 (o que é imediatamente relevante para
efeitos de contagem do tempo).

5. Há, depois, casos em que própria lei determina o surgimento de uma


compropriedade.
É o que sucede nas situações previstas nos arts. 1358.º (presunção de comunhão
de valas, regueiras e valados), 1359.º, n.º 2 (presunção de comunhão de sebes vivas) e
1371.º (presunção de compropriedade de parede e muro). Concentremo-nos neste último
caso como referência dos restantes. Prevê-se no n.º 1 do art. 1371.º que “a parede ou muro
divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo os edifícios
iguais e até à altura do inferior, se o não forem”; estendendo-se a presunção aos muros

nos artigos precedentes [meios de defesa da posse], quer para defesa da sua própria posse, quer para defesa
da posse comum, sem que ao terceiro seja lícito opor-lhe que ela não lhe pertence por inteiro.
3
Exemplo de HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, p. 89.
Sublinhe-se que quando determinados herdeiros do possuidor, após a partilha, se tornam compossuidores
de certo bem, a lei ficciona a sua composse desde a data da morte de cuius, consagrando, assim, uma posse
ficta e desconsiderando a posse efectiva que possa ter sido exercida, por todos ou outros herdeiros, entre a
data da abertura da herança e a partilha. De facto, nos termos do art. 1255.º: “por morte do possuidor, a
posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material
da coisa”.
Recordamos que a posse de quem sucede, por tradição derivada ficta, é a mesma do de cuius — ou, de
outro modo, “com a abertura da herança não se inicia uma posse nova” (HENRIQUE MESQUITA, Direitos
Reais, p. 104 — substituímos o sublinhado por itálico). O que quer dizer que temos aqui algo de diferente
por comparação com as restantes formas de aquisição derivada da posse, em que a posse do adquirente
possuidor se filia na do anterior possuidor, mas tem um título novo e, consequentemente, uma
caracterização própria. Ainda que a acessão da posse (art. 1256.º) permita, com limitações é certo, juntar
as posses consecutivas (ainda HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, p. 103 e ss.).
4
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 70.
5
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 70.

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entre prédios rústicos, ou entre pátios e quintais de prédios urbanos, se não houver sinal
em contrário (n.º 2). O legislador partiu do pressuposto, por um lado, de que a linha
divisória se devia ao investimento de ambos os proprietários (ou seus antecessores) atento
o interesse comum que ela serve; e, por outro, não descurou a comunhão coactiva prevista
no art. 1370.º6 (v. infra). Tratando-se de uma presunção legal, admite-se prova em
contrário (art. 350.º, n.º 2). Mas não é disso que se trata no n.º 3 do art. 1371.º, onde se
elencam os sinais que excluem a presunção (i. e., os sinais que não fazem funcionar a
presunção de que há compropriedade).
Também é por intervenção da lei que se adquire a compropriedade nos termos do
art. 1324.º: “se aquele que descobrir coisa móvel de algum valor, escondida ou enterrada,
torna-se proprietário de metade do achado; a outra metade pertence ao proprietário da
coisa móvel ou imóvel onde o tesouro estava escondido ou enterrado.” Note-se que,
embora a apreensão seja um acto voluntário7, é a lei que determina a repartição do direito
de propriedade quando o tesouro encontrado consista em coisa autónoma, certa e
determinada.

6. Entre as hipóteses de constituição de compropriedade por decisão judicial


salienta-se a constante do art. 1370.º — comunhão forçada em parede ou muro alheio
(que se encontre precisamente encostado à linha divisória do prédio8). Neste caso, o
proprietário de um prédio confinante pode adquirir comunhão num muro de meação, no
todo ou em parte, pagando metade do valor da parede ou do muro e do solo sobre que
estiver construído. “Aqui, diversamente do que acontece nos casos referidos [no número]
anterior, a compropriedade não deriva directamente da lei: esta limita-se a conferir a
determinadas pessoas o poder legal de adquirir comunhão em certos bens (por isso se
fala, a este propósito, em comunhão forçada). Se a comunhão não for constituída por

6
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 246.
7
“É indiscutível que o acto de apreensão tem de ser voluntário, embora não seja requerida para o efeito
capacidade de exercício ou mesmo o uso da razão. (...) Mas não é já necessária a intenção de ocupar e muito
menos a intenção de adquirir a propriedade. (...) Em consonância com esta ideia, a aquisição da propriedade
dá-se por simples acto de aprensão, e nesse mesmo momento, como expressamente estabelece o art. 1317.º,
al. d)” — cfr. CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, p. 316.
Posição contrária é defendida por PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p.
123-124. De facto, segundo estes autores, resulta do disposto no art. 1318.º que: “podem ser adquiridas por
ocupação” as coisas que nele se identificam, do que se retira que não basta ocupar/achar; é necessário ainda
que intervenha um elemento subjectivo que consiste na “intenção de adquirir”.
8
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 244.

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acordo (ou adquirida por usucapião), poderá obter-se coercivamente, por meio de decisão
judicial.”9

b) Poderes dos comproprietários

I. Regime jurídico relativo à quota de cada consorte

7. Na compropriedade, a cada um dos comproprietários cabe, em exclusividade,


um direito sobre uma quota, como se prevê, explicitamente, da primeira parte do n.º 1 do
art. 1408.º: “o comproprietário pode dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte
dela.” Assim sendo, quanto à quota (ou a parte dela), a regra é a de que cada consorte faz
com ela o que bem entender: transmiti-la (vender, doar, permutar, legar...) ou onerar (p.
ex., pela constituição de uma hipoteca10).
Esta posição de exclusividade sobre a quota é irrenunciável; ainda que sejam de
aceitar os pactos de não alienação da quota, seja celebrados com os restantes consortes,
seja com terceiros (naturalmente, tais convénios gozarão de eficácia obrigacional).11
Nos termos do n.º 3 do art. 1408.º, a disposição da quota está sujeita à forma
exigida para a disposição da coisa. Bem entendido, a mesma regra valerá para os casos
de oneração (não poderá, por exemplo, constituir-se uma hipoteca sobre uma quota num
direito de propriedade que tenha por objecto coisa imóvel sem que tal vontade se expresse
por escritura pública ou documento particular autenticado — cfr. art. 714.º).

8. É preciso sublinhar, porém, que, quando o comproprietário pretenda vender ou


dar em cumprimento (arts. 837.º e ss.) a sua quota, desse modo beneficiando um estranho
à comunhão, tem de dar preferência aos seus consortes (art. 1409.º, n.º 1), cumprindo,
ainda que as necessárias adaptações, o disposto nos arts. 416.º a 418.º (n.º 3 do art. 1409.º).
A razão de ser desta obrigação real12 facilmente se descortina. Na verdade, ao
atribuir um direito de preferência apenas naqueles casos em que se pretende transferir

9
HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, p. 242 (substituímos o sublinhado por itálico).
10
Resulta do n.º 1 do art. 689.º que “é susceptível de hipoteca a quota de coisa ou direito comum”. Interessa-
nos, para já, esta última hipótese, pois que a primeira tem a ver com a oneração da coisa (só todos os
comproprietários — vide infra). Estando a quota onerada com uma hipoteca e não sendo cumprido o crédito
que é apoiado pela garantia real, é, obviamente, a quota que é levada à execução judicial, caso em que,
antes da entrada de um terceiro (o adquirente judicial), será dada aos restantes consortes a oportunidade de
exercer o seu direito de preferência (v. arts. 819.º e 823.º e ss. CPCv).
11
Também aceitam estes pactos PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 388.
12
V. os nossos sumários desenvolvidos sobre obrigações reais.

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para um terceiro (comprador ou credor) — isto é, um estranho à comunhão o legislador


pretende, por uma parte, estimular a redução do número de proprietários (idealmente até,
que, pela consolidação de todas as quotas no património de um só, se extinga
definitivamente a compropriedade), pois que bem sabe que as coisas exploradas em
comum são potenciais fontes de conflitualidade (communio mater discordiarum). Por
outro lado, o legislador também quer tutelar o interesse dos restantes de não serem
colocados na ingrata condição de partilharem o direito de propriedade com quem não
escolheram.13

9. Apenas se constitui o direito de preferir quando o comproprietário pretender


vender ou dar em cumprimento, porque, nos restantes negócios de transferência da quota,
será difícil competir com o projectado adquirente. Querendo o comproprietário doar, a
atribuição de um direito de preferência aos restantes consortes colocaria em causa o
carácter intuitu personae inerente a este negócio jurídico. Querendo o comproprietário
permutar, dificilmente poderiam os restantes consortes colocar o disponente na mesma
situação em que se encontraria com a celebração do contrato com o terceiro.
Se mais do que um comproprietário manifestar interesse na aquisição da quota
que se projecta alienar, esta acabará adjudicada a todos na proporção das respectivas
participações (art. 1409.º, n.º 3).
Finalmente, “o comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da
dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o
requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos
elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à
propositura da acção” — n.º 1 do art. 1410.º. Aqui se prevê, pois, a acção de preferência,
que poderá ser pelos preteridos intentada mesmo quando a única informação que não foi
prestada por quem pretendia alienar tenha sido a identidade do interessado na aquisição.
Precisamente, porque não é irrelevante saber quem é a pessoa que quer entrar na
comunhão.14

13
HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, p. 249, nt. 1, PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil
Anotado, vol. III, p. 367.
14
HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, p. 253, nt. 2; seguem-no PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA,
Código Civil Anotado, vol. III, p. 375.
Para maiores desenvolvimentos sobre o direito legal de preferência, vide os nossos sumários desenvolvidos
sobre os direitos de qualificação duvidosa.

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10. Antes do nascimento do direito subjectivo de preferir (isto é, quando ainda


não se tenham verificado, num situação concreta, os pressupostos que fazem surgir, na
esfera do preferente, o direito potestativo de preferir), vale a regra da irrenunciabilidade,
de modo que nem no título constitutivo da compropriedade, nem em momento posterior
podem os consortes dele abdicar com eficácia real.15 De qualquer modo, nada impede
que, com eficácia meramente obrigacional, os comproprietários se vinculem (entre si ou
perante terceiros) ao não exercício, mesmo que ainda não tenha surgido o direito.

II. Regime relativo à coisa comum

11. O regime jurídico relativo à coisa comum encontra as suas duas traves mestras
na primeira parte do n.º 2 do art. 1403.º e no n.º 1 do art. 1405.º.
O primeiro pacifica qualitativamente os direitos dos consortes enquanto se declara
que são “qualitativamente iguais” — não fossem eles, aliás, e como decorre do n.º 1 do
mesmo artigo, “simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma
coisa”. Daqui que os comproprietários exerçam, “em conjunto, todos os direitos que
pertencem ao proprietário singular” (primeira parte do n.º 1 do art. 1405.º). Obviamente,
quando todos — i. e., quando todos os titulares do direito de propriedade — actuam
simultaneamente, como um só, preenchem, completam, esgotam a titularidade do direito,
pelo que assim não aparecem problemas específicos da compropriedade. Tomando de
empréstimo as palavras de MOTA PINTO, “quanto à possibilidade que todos têm de, por
unanimidade, praticar quaisquer actos sobre a coisa, ela é evidente — não constitui
problema.”16 Mas uma rápida e transversal leitura dos arts. 1405.º e ss. logo permite
perceber que é possível que apenas um ou um grupo de comproprietários actue sobre a
coisa, tornando premente que se conheçam as regras que orientam tal actuação. Ou, o que
é o mesmo, que marcam a extensão dos poderes dos comproprietários (individualmente
considerados) sobre a coisa comum. Mas já lá vamos.

12. Se os direitos dos consortes são qualitativamente iguais, nada impede, porém,
que sejam “quantitativamente diferentes” (ainda a primeira parte do n.º 2 do art. 1403.º).

15
HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, p. 250, nt. 1.
Ao invés, como se sabe, após a notificação para preferir, o preferente pode optar por exercer o seu direito
potestativo por um dos seguintes modos: i) preferir; ii) renunciar; iii) nada dizer e, assim, conduzir à sua
caducidade.
16
Direitos Reais, p. 260.

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Evidentemente, a um comproprietário pode pertencer metade do direito de propriedade,


a outra metade sendo dividida entre dois outros consortes (cada um com ¼ do direito, por
exemplo). Todavia, acrescenta o legislador, “na falta de indicação em contrário do título
constitutivo”, as quotas considerar-se-ão iguais. Isto não quer dizer, sublinhe-se, que a
“indicação em contrário” tenha de ser expressa. Ficará, pois, afastada a “presunção”17 de
que as partes quiseram a igualdade quantitativa das quotas quando do título constitutivo
resulte que os comproprietários desembolsaram montantes diferentes para a aquisição da
coisa comum (pense-se na situação em que vários comproprietários “entraram” com
valores pecuniários diferentes na aquisição da coisa — as quotas de cada um deles no
direito de propriedade considerar-se-ão proporcionais aos montantes investidos).
Também afastada ficará a presunção quando a participação dos consortes nas vantagens
e encargos da coisa se estabeleça em proporção diferente da que resultaria da divisão
igualitária. Ou seja, de acordo com a segunda parte do n.º 1 do art. 1405.º, os
comproprietários “separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em
proporção das suas quotas e nos termos dos artigos seguintes”. Ora, se, por exemplo, A,
B e C declaram que o primeiro terá menor participação nas despesas/vantagens que o
segundo e o terceiro, então considerar-se-á que, pela cláusula de divisão das despesas,
quiseram as partes tacitamente regulamentar a divisão das quotas, afastando, assim, a
“presunção” a que nos referimos.18 De qualquer modo, aproveitamos o ensejo para
adiantar que nada obsta a que a divisão dos encargos/proventos não seja coincidente com
a proporção das quotas (por exemplo, é possível que aquele que entrou com 50% do valor
de aquisição participe, com os seus dois consortes, em 1/3 dos encargos). Ainda que seja
de aplicar analogicamente, diz a maioria da doutrina19, a proibição do pacto leonino, que
se encontra no art. 994.º20.

17
Colocamos a expressão entre aspas enquanto se não trata aqui de uma presunção legal, mas de uma norma
supletiva. Por isto mesmo, não valem aqui as regras que constam dos arts. 249.º e ss.. Concretizando: “a
presunção de igualdade das quotas só pode ser afastada com recurso a elementos do próprio título
constitutivo e não por elementos externos, sendo inadmissível a prova testemunhal para o efeito” — Ac.
RC de 12 de Setembro de 2007 (disponível em acessível em jurisprudência.csm.org.pt).
18
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 352-353.
19
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 349.
20
“É nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isenta de participar nas perdas
da sociedade, salvo disposto no n.º 2 do artigo 992.º.”

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i. Uso da coisa

13. Por regra, qualquer comproprietário pode usar a coisa comum (art. 1406.º, n.º
1). Ou, o que é o mesmo, todos os comproprietários podem usar toda a coisa
simultaneamente (uso directo promíscuo ou simultâneo, nas expressões de PIRES DE
LIMA e ANTUNES VARELA21). Porém, este uso não é arbitrário, pois que, embora
todos sejam proprietários, todos também terão de contar, necessária e evidentemente, com
a posição dos restantes. Daí que a lei logo avance com duas limitações: ninguém pode
usar a coisa para fim diferente daquele a que ela se destina e do uso que dela se faça não
pode resultar privação para o uso dos restantes consortes.

14. Antes de analisarmos mais detidamente a extensão destes limites tem de


sublinhar-se a natureza supletiva da norma (“na falta de acordo sobre o uso da coisa
comum”, começa logo por reservar o legislador). Naturalmente, isto significa que, por
acordo, os consortes podem definir diferentes tipos de uso da coisa comum ou, até, dividir
o uso dela (nomeadamente, por turnos), sem que daí decorra, como é evidente, uma
divisão da coisa.22 Por exemplo, nada impede que, em relação a um prédio rústico, dois
comproprietários definam que um deles usará a metade norte do terreno, ao passo que o
outro usará a metade sul; ou que a utilização de um automóvel descapotável, que
adquiriram em comum, seja partilhada pelos meses do Verão. Trata-se, aqui, de dividir o
uso, de modo que qualquer um dos consortes continua a afirmar-se como proprietário de
todo o prédio/automóvel.
Este acordo quanto ao uso da coisa comum conforma ou modela o estatuto real,
pelo que quem entrar de novo na compropriedade tem de respeitar o que foi previamente
decidido, desde que tenha sido publicitado pelo Registo23, claro está.

21
Código Civil Anotado, vol. III, p. 357.
22
No Ac. RC de 4 de Outubro de 2005 discutiu-se se um dos três comproprietários de um prédio urbano
poderia, depois de se ter feito a divisão do uso por partes da coisa comum, permitir que um terceiro, em
vez dele, usar o terço que lhe foi reservado. Pesou o tribunal que “acordado entre os comproprietários que
cada um ficaria a gozar de uma parte determinada da coisa comum, não se vê impedimento (…) a que todos
ou alguns exerçam os respectivos direitos através de terceira pessoa”; “não querendo ou não podendo os
(…) comproprietários usar pessoalmente as partes que na divisão lhes couberam, nada impede que
permitam o respectivo uso a terceiro.”
23
Contra não procede o argumento de que em causa não está um terceiro para efeitos do art. 5.º do
Cód.Reg.Pred., pois, a verdade é que o benefício de invocar a inoponibilidade é atribuído a alguns sujeitos
que podem não ser considerados terceiros em sentido estrito. Precisamente por isso, o art. 94.º do
Cód.Reg.Pred. determina que do extrato das inscrições constarão obrigatoriamente determinadas
convenções ou cláusulas acessórias.
Mas explicitemos o acabado de referir com um exemplo: quando em causa esteja uma cláusula susceptível
de gerar a resolução de um acto de disposição ou de oneração sujeito a registo, o subadquirente que regista

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15. Quando usam isoladamente a coisa, os comproprietários têm de fazê-lo


respeitando o fim a que ela se destina. Este fim é o concretamente determinado pela
comunhão (para cuja identificação há de consultar-se o título constitutivo da
compropriedade e as circunstâncias que lhe foram contemporâneas); não o abstracto ou o
típico das coisas de igual natureza.24
Contudo, esta afirmação tem de ser temperada: não se impede o uso para fim
diferente daquele a que a coisa se destina quando “o uso para fim diferente seja
insuceptível de causar qualquer prejuízo (no presente ou no futuro) aos demais
consortes”25. Ou seja, quando uma utilização extra-funcional não prejudique a
funcionalidade concretamente determinada ou o destino económico acordado (daqui que,
para recorrermos a exemplos-escola, não possa usar-se um cavalo de corrida para tracção,
mas um lago adquirido para irrigação já pode ser usado para a pesca).

16. Em segundo lugar, os comproprietários também não estão autorizados, no seu


uso isolado, a impedir os restantes de igual possibilidade de uso: por exemplo, o
comproprietário do caminho poderá usá-lo sempre que quiser, mas já não é lícito vedá-lo
com um cadeado que só ele possa abrir; assim como o comproprietário de um logradouro
o pode usar para fazer passar um cabo de escoamento, mas não de modo tal que impeça
o uso dos restantes consortes. É importante sublinhar, contudo, que não foi em vão que a
lei usou a expressão “uso a que igualmente têm direito”, o que significa que os outros têm
de invocar isto mesmo, um direito de utilização, não bastando que se invoque uma mera
— potencial ou concreta — limitação do seu domínio de utilização. Vejamos a elucidativa
ilustração desta ideia que é usada por PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA: “se o
comproprietário de uma instalação eléctrica, que ocupa dependências excepcionalmente
frias, precisar de reforçar o seu aquecimento, ser-lhe-á lícito fazê-lo, apesar de a
instalação já não aguentar igual reforço quanto aos outros, se as dependências destes
forem sensivelmente menos frias, a ponto de não necessitarem de tal medida.”26

primeiro o seu título vê o seu direito prevalecer sobre o do alienante inicial que negligenciou o registo do
acto que continha a cláusula de resolução; ora, nesta hipótese, obviamente, o conflito não opõe dois
adquirentes de um autor comum, mas o disponente inicial e um seu subadquirente.
24
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 358.
25
HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, p. 255. Seguem-no PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código
Civil Anotado, vol. III, p. 358.
26
Código Civil Anotado, vol. III, p. 359.

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17. A este propósito do uso da coisa comum é conveniente deixar uma ou outra
nota sobre a composse em termos de compropriedade.
Diz-se no n.º 2 do art. 1406.º que “o uso da coisa comum por um dos
comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele”. Não
poderia ser de outra maneira. Se a todos os comproprietários é lícito servir-se da coisa
comum, naturalmente não pode o exercício da faculdade de uso de um sobre toda a coisa
ou sobre uma parte dela ser entendido como posse em termos do direito de propriedade
singular ou de uma posse em termos superiores à quota que lhe pertence.
Coerentemente, estabelece-se no n.º 2 do art. 1286.º que “nas relações entre
compossuidores não é permitido o exercício da acção de manutenção” — como escrevem
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “se qualquer dos compossuidores pode
exercer, em relação à coisa, os actos materialmente correspondentes ao direito possuído,
os actos turbativos são incaracterísticos.” Todavia, “o mesmo já não pode dizer-se quanto
à acção de restituição, porque o exclusivismo de um dos compossuidores, conseguido
através do esbulho, afecta a posição jurídica e os direitos dos restantes.”27
Na parte final do n.º 2 do art. 1406.º acautela-se, porém, a inversão do título da
posse (arts. 1263.º, al. d) e 1265.º). Ou seja, prevê-se aqui a possibilidade de o
compossuidor em termos de compropriedade passar a actuar como possuidor em termos
de propriedade (portanto, em nome próprio e exclusivo) sobre toda a coisa ou continuar
a actuar como compossuidor mas sobre uma quota superior à que lhe pertence (por
exemplo, três comproprietários dividiram o uso da coisa comum prédio rústico em
correspondência à igual quota-parte no direito que a cada um deles pertencia; mas um
deles passou a actuar como se lhe pertencessem 2/3 do direito de propriedade cultivando
2/3 do prédio). Como se sabe, dá-se a inversão do título da posse quando um detentor
passa, espontaneamente, a actuar como possuidor28 — no caso que agora nos interessa,
temos compossuidores que são detentores da parte da coisa que não corresponde à sua
quota, mas que passam a actuar sobre essa parte como se ela tivesse correspondência com

27
Código Civil Anotado, vol. III, p. 63.
28
“Trata-se de uma substituição psicológica da razão a cujo título se exercem esses poderes, ou, com alguma
elipse (e alguma incorrecção), do título pelo qual se possui (rectius: do título pelo qual se actua, antes
detendo e depois possuindo). Daí o nome latino interversio possessionis e o português: inversão do título
de posse. Sabendo-se que o título não é aqui documento, ou fundamento, ou sequer título de posse, no
sentido de posse titulada. É apenas a razão pela qual se actua. E que a inversão não tem aqui nenhum alcance
preciso — de retorno ou colocação ao contrário, do ponto de vista de alguma ortopedia — mas apenas de
alteração ou transformação. Anote-se, aliás, que a intervensio latina era um étimo mais rico, pois
intervertere significa desviar, subtrair, o que ilumina o sentido usurpatório do fenómeno em exame” —
ORLANDO DE CARVALHO, Direito das Coisas, p. 298-299.

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a sua quota (simplisticamente, aumentam o seu poder e a sua influência no bem comum),
razão pela qual se diz, então, haver aqui uma inversão do título da posse.

ii. Fruição da coisa comum e divisão de outras vantagens ou proventos

18. A fruição da coisa comum pertencerá a todos os comproprietários, mas a


proporção dos proveitos que cada um deles recolherá pode ser diferente. O critério que a
lei oferece é o da proporção das quotas — art. 1405.º, n.º 1. O afirmado vale também,
como resulta da letra da lei, para todas as vantagens ou proventos gerados pela coisa sem
periodicidade (por exemplo, um direito de preferência ou uma indemnização).

19. Muito embora o texto positivado o não diga expressamente, parece-nos que
esta é, contudo, uma norma supletiva. Não vemos razão para impedir os comproprietários
de, no uso da sua autonomia, organizarem a partilha dos frutos e de outras vantagens de
modo não correspondente à quota que a cada um deles pertence. Pense-se no caso de os
comproprietários, para benefício de um deles, acordarem que o que é titular da menor
quota é, todavia, o que receberá a maior parte dos frutos (relembre-se, todavia, o que há
pouco dissemos a propósito da aplicação analógica da proibição do pacto leonino).

iii. Administração ordinária da coisa comum

20. Da administração da coisa comum cuida o art. 1407.º.


Logo na primeira parte do primeiro número desta norma se remete para o disposto
no art. 985.º, pelo que estes dois preceitos têm sempre de ser aplicados e interpretados
conjuntamente. Assim, por determinação do n.º 1 do art. 985.º, “na falta de convenção
em contrário, todos os sócios têm igual poder para administrar.” Isto quer dizer que
qualquer um dos consortes — desde que, no título constitutivo, não lhe tenha sido retirado
o poder de administrar — pode tomar a decisão que mais conveniente considere para a
coisa comum. Sendo as despesas daí decorrentes, depois, distribuídas entre os restantes
consortes, na proporção das suas quotas (arts. 1405.º, n.º 1 e 1407.º, n.º 2). O que, de outro
modo, significa que só pode ser aferido se cada um dos consortes tem a obrigação (real)
de participar nas despesas da coisa depois de se verificar que as regras relativas à
administração da coisa foram respeitadas. É importante notar que o regulamento erigido
pelos consortes implica conformação do estatuto real, de modo que é oponível a qualquer

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MÓNICA JARDIM/MARGARIDA COSTA ANDRADE 2022/2023

um dos consortes que, posteriormente, entre na comunhão, desde que a forma tenha sido
respeitada e o Registo o publicite29, bem entendido.

21. Poderá, porém, ocorrer que o comproprietário, antes de tomar ou executar


determinada decisão, informe os restantes consortes ou que estes tomem conhecimento
de que ele se prepara a tomar; ou, ainda, que o acto que ele já decidiu praticar ainda não
tenha sido realizado. Em qualquer uma destas situações abre-se um hiato entre a decisão
e a concretização dela que permitirá o dissenso — ou, melhor, a oposição por qualquer

29
No mesmo sentido vide PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, vol. III, p. 361). Para
lhes sermos fiéis, reproduzamos o que escreveram: “o regulamento a que os consortes eventualmente
subordinem a administração da coisa comum assume natureza real (neste sentido, Oliveira Ascensão,
Direito Civil — Direitos Reais, 4.ª ed., pág. 261), dependendo a sua eficácia em relação a terceiros da
inscrição no registo (quando seja caso disso).” HENRIQUE MESQUITA parece opinar em sentido semelhante,
ao afirmar: “os preceitos legais sobre uso e administração da coisa têm natureza meramente supletiva (…)
[; m]as parece dever entender-se que a alterações convencionais ao regime da lei só terão eficácia em
relação a terceiros se forem inscritas no registo predial” — Direitos Reais, p. 260.
Ainda no mesmo sentido e fundamentadamente vide o parecer do Conselho Técnico do Instituto dos
Registos e do Notariado P.º R. P. 307/2007 DSJ-CT — Regulamento de administração de prédio em
compropriedade sua (não) sujeição a registo —, no qual pode ler-se que: “II- Ao permitir que, por
convenção, se estabeleçam regras diversas de administração da coisa comum, a lei confere aos
comproprietários a liberdade de conformar algum do conteúdo do seu direito, resultando, assim, do
conjunto das disposições normativas que definem e compõem o tipo legal e da convenção dos interessados
o estatuto real ou erga omnes a que o mesmo se acha subordinado.” “III- Por conseguinte, à consecução
dos fins do registo predial, destinado essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo
em vista a segurança do comercio jurídico imobiliário –artigo 1o do Código do Registo Predial - e aos seus
efeitos — artigos 5o e 7o do Código do Registo Predial - convirá também a publicitação da existência do
regulamento de administração da coisa comum, enquanto conteúdo da compropriedade e parte integrante
do seu estatuto real, por menção no extracto da inscrição, quando o regulamento conste do titulo constitutivo
da compropriedade, ou por averbamento à inscrição respectiva, quando a convenção tiver sido feita
posteriormente.” Acrescenta-se aqui esta nota: “[c]om efeito, não se tratará, quanto a nós, de um novo facto
sujeito a registo, antes se realiza estar em causa uma definição tabular do conteúdo do direito real a
publicitar, ou já publicitado, tanto mais próxima da realidade jurídica quanto verdadeira, de forma a
reforçar o princípio da confiança, permitindo que os terceiros conheçam o regime do direito real na parte
em que ele é modelado por via negocial e que, igualmente, lhe é oponível, e a estender a presunção que do
registo deriva ao conteúdo que, efectivamente, compõe o estatuto real ou erga omnes a que se encontra
subordinado aquele direito” — itálico nosso. “Dir-se-á, em sentido oposto ao registo, que a menção da
existência do regulamento de administração da coisa comum não se encontra prevista no elenco das
menções a que se refere o artigo 95o do CRP, ao contrario do que acontece, por exemplo, no usufruto (…)
na constituição do direito de habitação periódica ou na propriedade horizontal em que o conteúdo dos
direitos ou a existência do regulamento de condomínio, quando fixados no titulo no âmbito da relativa
autonomia privada de conformação do regime do direito ou do estatuto regulador do condomínio, deverão
constar do extracto da inscrição — artigo 95o, n.º 1, alíneas a), q) e p) do CRP.” Porém, conclui-se, “é
precisamente esta preocupação ínsita no artigo 95o , no 1, a), p) e q) do CRP de dar a conhecer a regulação
convencional do conteúdo do direito e, desta forma, publicitar, ainda que sumariamente e por extracto, a
dimensão do estatuto real a que o mesmo se acha subordinado, que, quanto a nós, autoriza à revelação
tabular da existência do regulamento da administração da coisa comum, afigurando-se, na verdade, que a
falta de disposição legal expressa que demande a menção da existência daquele regulamento no extracto da
inscrição da constituição da compropriedade não comporta um silêncio significativo porquanto não traduz
uma intenção de exclusão de publicidade.” “Parece-nos, aliás, que há-de valer nesta matéria o mesmo
critério valorativo adoptado pelo legislador em sede de inscrição do usufruto, da propriedade horizontal e
do direito de habitação periódica, encontrando-se, justamente, no contexto da lei, nos seus lugares paralelos,
na coerência normativa e na salvaguarda do princípio da confiança, o instrumento de enquadramento legal
da registabilidade do regulamento da administração da coisa comum (...).”

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um dos consortes. A oposição funciona, assim, como o expediente que cerceia o igual
poder para administrar que é atribuído a todos os condóminos.30 O impasse ultrapassar-
se-á pelo cumprimento de um procedimento próprio, previsto na lei e que tem por
objectivo determinar o mérito da oposição. Coligindo, então, os n.os 2 e 4 do art. 985.º,
verificamos que a maioria se encontrará na reunião do maior número de consortes —
portanto, maioria per capita (ou elemento pessoal). Embora, acrescenta-se no n.º 1 do art.
1407.º, esta maioria tenha de representar, pelo menos, metade do valor das quotas (no
mínimo, um valor igual a 50 do direito de propriedade) — elemento real. Claramente,
quis o legislador encontrar o sistema mais equitativo possível, enquanto, se apenas
atendesse à maioria pessoal, entregaria o domínio da comunhão àqueles que, mesmo
sendo mais, poderiam não suportar o maior risco; e, se apenas considerasse o elemento
real, negligenciaria a opinião do maior número de consortes.31 Assim, se tal maioria —
per capita e representativa de, pelo menos, 50% do valor das quotas — aprovar a
oposição, o comproprietário-administrador não poderá praticar o acto pretendido (ou terá
de interromper o processo de concretização da decisão administrativa). Caso contrário,
será o acto anulável (actos jurídicos, bem entendido — em se tratando de um acto
material, a sanção será, sempre que tal seja possível, a restituição da coisa ao estado em
que se encontrava antes da prática do acto32) e o seu autor responsável pelo prejuízo a que
der causa (art. 1407.º, n.º 3). Regime que se aplicará também caso o acto (jurídico ou
material) seja praticado entre a oposição e a decisão.33 Já se a oposição não merecer a
aprovação prevista na lei, o acto poderá ser praticado, sendo simplesmente
desconsiderada a referida oposição.

22. Por vezes, não será possível perfazer a maioria nos termos que acabámos de
descrever — é o que acontece, por exemplo, quando sejam apenas dois os
comproprietários, ainda que um seja titular de uma quota no valor de 51%. Nestes casos,
qualquer um dos comproprietários poderá recorrer ao tribunal, que decidirá segundo
juízos de equidade (art. 1407.º, n.º 2).

30
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 361.
31
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 362.
32
HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, p. 256. nt. 1, que recebe a concordância de PIRES DE
LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 362.
33
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 363.

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23. Realizados os actos necessários à conservação ou à fruição da coisa comum,


as despesas daí decorrentes serão divididas entre os comproprietários na proporção das
suas quotas (art. 1411.º, n.º 1). Trata-se de uma obrigação real de cujo cumprimento o
comproprietário poderá eximir-se pela renúncia ao direito que a sustenta — parte final do
n.º 1 do art. 1411.º —, pela forma prescrita para a doação (art. 1411.º, n.º 3). Ou seja, por
escritura pública ou documento particular autenticado quando a coisa sobre a qual o
direito de propriedade comum incide seja um imóvel; por escrito particular, quando se
trate de bem móvel (cfr. art. 947.º).
Porém, sempre que o comproprietário que se pretende eximir do cumprimento da
obrigação por renúncia liberatória tenha aprovado a despesa em causa, será necessário
que os restantes comproprietários se pronunciem (n.º 2).
Embora a renúncia liberatória seja um negócio jurídico unilateral receptício34, a
verdade é que a lei admite, neste mesmo n.º 2, a revogação desta vontade sempre que as
despesas previstas não venham a realizar-se.
O destino da quota a cuja propriedade se renuncie é o que se descreve na parte
final do n.º 3 do art. 1411.º: será repartida, proporcionalmente, pelos restantes consortes.
O mesmo é dizer que os restantes consortes beneficiam de direito de acrescer.

iv. Administração extraordinária da coisa

24. O regime que até ao momento fomos descrevendo vale apenas para os actos
de administração ordinária ou de gestão corrente — isto é, actos tendentes a evitar a perda
ou a deterioração e actos que visem a frutificação normal da coisa.35 É verdade que a lei

34
V. os nossos sumários desenvolvidos em tema de obrigações reais.
diremos serem actos de administração ordinária os que digam respeito a prover à conservação dos bens
administrados (são os actos “destinados a fazer quaisquer reparações necessárias nesses bens tendentes a
evitar a sua deterioração ou destruição”) e os que visem a promover a sua frutificação normal (“frutificação
pelo modo habitual para os bens administrados”; por exemplo, prover o cultivo da terra nos termos normais
ou o seu arrendamento; sobre o arrendamento, v. infra as regras especiais que se aplicam).
Veja-se o caso decidido pelo STJ no Ac. de 8 de Novembro de 2005 (acessível em
jurisprudência.csm.org.pt). A, B e C, comproprietários de um prédio rústico, venderam a D a cortiça
produzida pelos sobreiros nele implantados. Quando este se preparava para proceder à colheita da casca
das árvores, aqueles invocaram que não podiam cumprir o contrato de compra e venda, porque os restantes
comproprietários não tinham autorizado a alienação. Começou o nosso Supremo Tribunal — e bem — por
afirmar que a primeira coisa a fazer seria proceder à qualificação do acto praticado, só depois havendo de
avançar-se para a questão do incumprimento da compra e venda e das consequências daí decorrentes. Disse-
se, então, que “a cortiça é a casca da árvore, especialmente do sobreiro” e que “é um fruto (CC 212, 1)”.
“Enquanto a venda da cortiça na árvore é um acto de administração, outro tanto não se poderá dizer se
vendidas forem as árvores — aqui, já será um acto de disposição. Ali, é a conservação e o desenvolvimento
de um património que está em causa; aqui, é uma actuação do actual património que do acto resulta.” “Não
fornecendo os autos qualquer convenção sobre a administração” do prédio rústico, “todos os

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MÓNICA JARDIM/MARGARIDA COSTA ANDRADE 2022/2023

não o diz expressamente; mas só pode ser esta a conclusão a retirar da remissão para o
art. 985.º.
Que solução, então, se reservará para os actos que alterem o “casco do bem” (por
exemplo, converter uma vinha num pinhal, abrir uma pedreira num terreno de cultivo ou
sujeitar um prédio ao regime da propriedade horizontal) ou aos actos tendentes à
frutificação anómala da coisa? O mesmo é perguntar: que solução valerá para os actos
administração extraordinária?36

25. Seguindo os ensinamentos de HENRIQUE MESQUITA, a compropriedade é


uma situação estática, que tem por objectivo a fruição de um determinado bem, sendo-
lhe, então, estranhos todos os actos que vão além da gestão normal, pelo que não poderá
aplicar-se o regime resultante da combinação dos arts. 1407.º e 985.º sempre que um ou
mais dos comproprietários pretende entrar em aventuras arriscadas. De outro modo, tudo
o que vá além da administração ordinária tem de encontrar a unanimidade dos consortes.
Sendo certo que à disposição de quem não concorde com a exploração do bem pode
sempre alienar a sua quota ou fazer cessar a comunhão.37
Apoio para esta posição encontrou-o o autor no art. 1024.º. Preceito nos termos
do qual o arrendamento, desde que por prazo inferior a seis anos, é considerado um acto
de administração ordinária (n.º 1). E, adianta-se no n.º 2, quando se trate de prédio
indiviso, o arrendamento só será válido quando todos os consortes prestem por escrito o
seu assentimento, seja antes, seja depois da celebração do negócio. Isto sem que se
proceda a qualquer distinção em função da duração do contrato de arrendamento. O que
quer dizer que, independentemente de o arrendamento ser celebrado por um prazo inferior
a seis anos e ser, assim, um acto de administração ordinária, será sempre necessária uma

comproprietários têm igual poder para administrar’ (CC 1403 n. 2, 1405 n. 1, 1407 n. 1 e 985 n. 1).” “A
venda da cortiça na árvore é um acto de administração do respectivo e o respectivo contrato foi e é válido.”
“Na medida em que o acto de administração não é de colocar a questão em termos de venda de coisa alheia.
Os réus agiram enquanto e como administradores, porque comproprietários sem que houvesse convenção
em contrário relativa a encabeçar a gestão.” “Como administradores podiam validamente realizar, como
fizeram, a venda de frutos e eram obrigados a exercer as diligências necessárias para que o autor os
adquirisse (CC 880, n. 1).”
36
Não pertencem à administração ordinária todos os actos de disposição da coisa, como são aqueles que
importem a substituição dela por outro bem, assim se afectando o capital administrado; nem os negócios
tendentes a prover à frutificação anormal, nem os actos tendentes a prover ao melhoramento do património
(abrir um poço, cercar com um muro um prédio rústico não havendo necessidade estrita disso, aquisição de
uma servidão não indispensável...). “O mero administrador (…) é incumbido apenas, na gestão dos bens
administrados, de deferir ao expediente dessa gestão; numa palavra, de fazer o trivial. Nada de voos
arriscados. Nada de aventurosos empreendimentos, de iniciativas não isentas de perigos consideráveis.
Nada de altas cavalarias” — MANUEL DE ANDRADE (Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 63-64.
37
Direitos Reais, p. 263-264.

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deliberação unânime dos consortes (diferentemente, então, do que se dispõe nos arts.
1407.º e 985.º). Logo, por maioria de razão, qualquer acto de administração
extraordinária necessitará, igualmente, de unanimidade.38

v. Actos de alienação e oneração da coisa comum

26. Dos actos de disposição e oneração da coisa comum cuidam os n.ºs 1 e 2 do


art. 1408.º.
Aqui impedem-se os comproprietários, singular ou maioritariamente, de praticar
qualquer acto de disposição ou de oneração de parte especificada da coisa — e, por
maioria de razão, da coisa comum no seu todo. Trata-se, pois, de uma decisão que tem de
ser tomada em unanimidade, ainda que o consentimento não tenha de ser síncrono, ou
seja, pode ser dado após a celebração do negócio jurídico translativo (ou de oneração),
sendo certo que, até lá, vigora o regime jurídico da alienação/oneração de coisa alheia
(art. 1408.º, n.º 2). Daqui que, sendo a coisa tomada como alheia, o negócio produzirá
efeitos meramente obrigacionais entre as partes nele envolvidas; ao passo que, sendo tida
como própria, o negócio é considerado nulo (art. 892.º); e, em relação aos restantes
proprietários, é res inter alios acta.39

27. Esta última patologia permitirá, porém, considerar a hipótese de conversão do


negócio (inválido) de alienação de parte da coisa num negócio (válido) de alienação da
quota.40 Se o comproprietário não pode vender parte da coisa, porque está a vender coisa
de outrem; pode, contudo, vender, livremente, a sua quota na comunhão. Isto desde que
o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido se tivessem
previsto a invalidade e, ainda, desde que o negócio de alineação de parte da coisa contenha

38
Direitos Reais, p. 263-264.
39
Como explicam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 365-366, “em
relação a estes, trata-se de uma alienação ou oneração de coisa alheia e a solução a um tempo mais lógica
e mais justa é a que considera o acto de disposição ou oneração indevidamente efectuado pelo
comproprietário como res inter alios acta. Consequentemente, o negócio será ineficaz em relação aos
consortes que nele não consentiram, tal como é ineficaz, em relação ao verus dominus, a alienação ou
oneração de coisa totalmente sua em que ele não consinta. Aqueles consortes não carecem de fazer anular
o negócio, podendo comportar-se como se não tivesse sido celebrado. Se, por exemplo, for vendida apenas
por um dos comproprietários, uma parte especificada da coisa comum, poderá qualquer dos outros
contitulares, uma vez que o negócio lhe é inoponível, reivindica-la das mãos do comprador, nos termos do
n.º 2 do art. 1405.º)”. No mesmo sentido, CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, p. 343,
MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, p. 213.
40
HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, p. 261-262, nt. 1, PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil
Anotado, vol. III, p. 366, CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, p. 344. Em sentido contrário,
MENEZES LEITÃO, Direitos Reais, 212.

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os requisitos essenciais de substância e de forma do negócio de alienação da quota (art.


293.º)41. Se assim suceder, quem aparecia como comprador da coisa passa a comprador
de quota, sendo-lhe concedida a possibilidade de tornar-se comproprietário.
Naturalmente, sendo o adquirente um estranho à compropriedade, haverá que, antes de
se sedimentar a sua posição de consorte, conceder preferência aos restantes consortes (art.
1409.º).42

28. Sendo a coisa comum alienada e entregue ao adquirente em contradição com


o regime que se encontra no art. 1408.º, pode qualquer dos consortes reivindicá-la de
terceiro. Isto porque, segundo o n.º 2 do art. 1405.º, “cada consorte pode reivindicar de
terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por
inteiro”. Do mesmo modo, sendo a acção intentada por apenas um dos comproprietários
improcedente, não se produzirão efeitos de caso julgado em relação aos restantes
consortes que nela não intervieram.43 E o mesmo será de dizer para as restantes acções de
defesa da propriedade, independentemente do regime jurídico que vigore para a
administração da coisa comum.

vi. Conclusão

29. Em suma: o regime jurídico oferecido pela lei quanto à coisa comum permite-
nos sistematizar os poderes dos proprietários em poderes de exercício isolado (uso e
administração ordinária da coisa, quando outra coisa não tenha sido acordada, acções de
defesa da propriedade), poderes de exercício maioritário (decisão sobre o mérito da
oposição a um acto de administração ordinária) e, finalmente, poderes de exercício
unânime (arrendamento, alienação e oneração da coisa comum, actos de administração
extraordinária).44

41
Claro está que, se a parte da coisa que se pretendia alienar for superior ao valor da quota do
comproprietário alienante (por exemplo, alienou toda a coisa), então haverá que proceder, primeiramente,
a uma redução do negócio e, só depois, à sua conversão.
42
HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, p. 261-262, nt. 1, PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil
Anotado, vol. III, p. 366.
43
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 355.
44
HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, p. 247, MOTA PINTO, Direitos Reais, p. 260, Carvalho Fernandes,
Lições de Direitos Reais, p. 337.

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12. 3. Extinção da compropriedade

30. Como os vínculos jurídicos não são — nem podem ser — perpétuos, qualquer
dos comproprietários é livre de decidir sair da comunhão. Isto mesmo se confirma na
primeira parte do n.º 1 do art. 1412.º: “nenhum dos comproprietários é obrigado a
permanecer na divisão” (nemo compellitur invito in communione detineri). Como é óbvio,
um comproprietário pode sair da comunhão alienando a quota que lhe pertence, caso em
que se afasta da compropriedade; mas não é disso que tratam os arts. 1412.º e ss.. Aqui
apresentam-se as regras que hão de ser aplicadas quando a compropriedade não mais
continuará, porque um ou mais consortes exigiram a divisão da coisa comum (veja-se a
epígrafe do art. 1412.º). 45 É claro que só será a coisa dividida quando seja divisível (vide
infra), razão pela qual talvez se devesse falar aqui mais em direito de exigir a dissolução
da compropriedade do que em direito de exigir a divisão da coisa.

31. Este direito não poderá, porém, ser exercido quando, acrescenta-se na parte
final da mesma norma, um pacto de indivisão tenha sido celebrado. Isto é, quando os
consortes tenham assumido que a coisa se conservará indivisa.46 Note-se, porém, que este
pacto não equivale a uma renúncia ao direito de exigir a divisão — é que este direito é
irrenunciável, ainda que condicionável, como se percebe pela leitura do n.º 2 do art.
1412.º.47 Nos termos do qual “o prazo fixado para a indivisão da coisa não excederá cinco
anos” (o que implica a redução a este prazo de qualquer acordo a que tenha sido atribuído
tempo de vigência superior — art. 202.º48), ainda que seja lícito renová-lo, uma ou mais
vezes, por nova convenção49 (o que quer dizer que não é aceitável uma cláusula de
renovação automática, nem uma renovação tácita).50
Segundo HENRIQUE MESQUITA, estes pactos operam uma modificação do
regime legal da comunhão e têm eficácia absoluta, “mas deverão ser registados para tal

45
Naturalmente, a compropriedade também se extingue quando um dos comproprietários adquire todas as
quotas ou quando todos eles decidem transferir o direito de propriedade para um sujeito que pretenda ser
dono singular da coisa.
46
Por isto mesmo, o signatário de um pacto de indivisão pode dispor da sua quota.
47
HENRIQUE MESQUITA refere-se a uma renúncia ao direito, ainda que por tempo limitado (cfr. Direitos
Reais, p. 268).
48
HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, p. 268, seguido por PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código
Civil Anotado, vol. III, p. 386; também MOTA PINTO, Direitos Reais, p. 267.
49
Também assim, CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, p. 346.
50
“Tudo isto aponta para uma concepção da compropriedade como situação precária, que tende para a
divisão, logo para a propriedade singular. A um tempo, o legislador franqueia as vias conducentes a esse
resultado e estreita as propiciadoras do resultado inverso” — CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos
Reais, p. 346.

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efeito, se a compropriedade respeitar a coisas imóveis ou a coisas móveis sujeitas a


registo: art. 1412.º, n.º 3.” Acontece, porém, que, como o próprio autor adianta, concordar
em não pedir a divisão não equivale a concordar em não alienar a quota. Pelo que é
perfeitamente possível que um dos participantes no pacto de indivisão decida alienar a
sua quota, caso em que, não havendo registo, tal pacto é inoponível ao novo adquirente.
Assim sendo, quem entre na compropriedade depois de ela ter sido constituída não entra
no pacto de indivisão se ele não tiver sido publicitado pelo registo51, de modo que, pode
dar-se o caso de, em consequência, uns comproprietários estarem vinculados à indivisão
e outros não. Aliás, na verdade, a doutrina até parece aceitar pacificamente que um pacto
de indivisão não comprometa todos os comproprietários, isto é, independentemente das
consequências que hão de atribuir-se à transmissão de quota e ao registo de um acordo
com tal conteúdo. Caso que, por sua vez, coloca uma outra questão: que efeitos se
produzirão quando um não-subscritor do pacto decida exercer o seu direito (potestativo)
de exigir a divisão. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA propõem que se da
interpretação do pacto resultar que os signatários pretendem manter a compropriedade
entre eles, “ficarão obrigados a reconstituir a compropriedade entre si, depois de ela ter
sido dissolvida a requerimento de qualquer dos outros.”52

32. A divisão da coisa comum — ou a dissolução da compropriedade — far-se-á


amigavelmente (ou extrajudicialmente53) ou nos termos da lei de processo (ou
judicialmente) — n.º 1 do art. 1413.º.

a) Dissolução extrajudicial

33. A dissolução amigável da propriedade será relativamente simples quando a


coisa seja susceptível de divisão material. Pense-se no exemplo de um prédio rústico, em
que os comproprietários acordam no parcelamento do imóvel em tantos novos imóveis

51
No extracto da inscrição, quando estipulada no título de constituição ou aquisição, ou através de
averbamento quando acordada posteriormente, nos termos da al. d) do art. 94.o e do art...., ambos do
Cód.Reg.Pred..
52
Código Civil Anotado, vol. III, p. 388.
53
Também é uma divisão amigável aquela que seja feita por intervenção dos louvados (árbitros nomeados
pelas partes). Embora não se faça pessoalmente pelos consortes — sendo, pois, a divisão confiada a quem
seja escolhido pelas partes, normalmente peritos —, é claro que a validade da divisão por estes sugerida
resulta da convenção — “por outros termos, os chamados árbitros, aliás louvados, procedem às operações
materiais da divisão: mas esta deve ser, antes ou depois, insiste-se, sancionada pela convenção”
(CARVALHO MARTINS, Divisão de Coisa Comum — Acção Especial Autónoma, Coimbra Editora, Coimbra,
2000, 2.ª ed., p. 16).

19
MÓNICA JARDIM/MARGARIDA COSTA ANDRADE 2022/2023

quantos forem os comproprietários (sendo certo que há limitações legais que não podem
ser desprezadas, como as que constam do art. 1376.º, sobre fraccionamento predial). Em
se tratando de um edifício, também poderão os consortes escolher sujeitá-lo ao regime de
propriedade horizontal (cfr. n.º 1 do art. 1417.º), caso em que terão, depois, de determinar
que fracções passarão a pertencer a quem em regime de propriedade singular.

34. Se a coisa for insusceptível de divisão (pense-se num automóvel), os


comproprietários podem sempre escolher atribuir a propriedade singular a um deles, os
outros sendo compensados; ou, até, aliená-la a terceiro, dividindo entre eles o preço. Aqui,
uma vez que estamos no campo da dissolução amigável, reina a autonomia privada (com
a evidente necessidade de cumprimento das normas imperativas).

35. “A divisão amigável está sujeita à forma exigida para a alienação onerosa da
coisa” — n.º 2 do art. 1413.º.
A este propósito tem de fazer-se pelo menos uma breve referência aos muito
frequentes casos em que os comproprietários dividem entre si a coisa comum, sem,
contudo, respeitarem este mandamento ou, o que terá a mesma consequência, em que o
proprietário de uma coisa transfere o seu direito real sobre coisa imóvel a favor de dois
ou mais sujeitos (um pai aos seus filhos, por exemplo) sem que a doação se faça como
que a lei impõe. Passando cada um dos comproprietários a actuar sobre a parte da coisa
(e dizemos “parte da coisa”, porque não houve a efectiva divisão dela; os negócios são
nulos por vício de forma) como proprietário singular (isto é, reunindo-se o corpus e o
animus em termos de propriedade singular) e mantendo-se esta posse (pública e pacífica)
durante um determinado lapso de tempo, pode cada um dos comproprietários (pois que
ainda o são para efeitos de titularidade do direito) invocar a aquisição, por usucapião, do
direito de propriedade singular e sobre cada uma dessas parcelas, dando-se,
correspondente e simultaneamente, a divisão da coisa comum.54

36. Lê-se no n.º 2 do art. 689.º que “a divisão da coisa (…) comum, feita com o
consentimento do credor, limita a hipoteca à parte que for atribuída ao devedor.” A
redacção da lei levanta, logo à partida, esta interrogação: é o consentimento do credor

54
Controversa é a questão de saber se é aceitável, neste caso em particular, que cada uma das unidades
prediais que assim surjam tenham dimensão inferior à unidade de cultura aplicável, ou, mais latamente, em
contradição com o disposto no art. 1376.º.

20
MÓNICA JARDIM/MARGARIDA COSTA ANDRADE 2022/2023

condição para que a divisão da coisa comum possa ocorrer?55 Segundo PIRES DE LIMA
e ANTUNES VARELA, a resposta tem de ser negativa, i. e., a constituição da hipoteca
sobre a quota-parte não impede que os comproprietários exerçam o seu poder de divisão;
o que tem de decidir-se é o destino da garantia real, que vai depender da existência de um
acordo entre o credor e o devedor. Assim, tendo os consortes decidido pela divisão da
coisa, o credor pode consentir numa sub-rogação real, enquanto a quota é substituída
pela parte da coisa (melius, à nova unidade predial que surgiu da fragmentação daquela
sobre a qual incidia a compropriedade) que couber ao ex-comproprietário (agora
proprietário singular). Em vez de hipoteca sobre a quota (que pertencia em exclusivo ao
comproprietário), passamos a ter hipoteca sobre uma coisa (que pertence em exclusivo
ao já não comproprietário). Obviamente, logo se coloca o problema, que a lei não resolve,
do destino da hipoteca quando o credor não chegue a um consenso com o devedor.
Segundo os comentadores, “não tendo a lei tomado medidas especiais para o caso, deve
entender-se, qualquer que seja o resultado da divisão, que o direito hipotecário não é
atingido, e que, portanto, continua a incidir sobre uma quota ideal da coisa. Claro que este
regime tem inconvenientes: não só prolonga a comunhão, quanto à hipoteca, como pode
a venda judicial, por falta de cumprimento da obrigação, inutilizar a divisão feita. Mas é
a única solução que salvaguarda devidamente os direitos do credor, sem lhe impor o
recurso à impugnação pauliana.”56
A letra do preceito em análise não é, na verdade, muito clara, parecendo, pelo
menos à primeira vista, que o legislador coloca a própria divisão da coisa sob o domínio
do credor. Não poderia, porém, ser assim, pois que não seria aceitável que o destino da
coisa ficasse na dependência de uma decisão que teve a quota por objecto (e que,
portanto, está sob o exclusivo domínio do comproprietário). Consequentemente, cremos
terem razão os comentadores quando afirmam que a divisão da coisa pode acontecer
independentemente da posição que sobre ela tome o credor hipotecário. Contudo, não nos
convence a solução que propõem para o caso de o credor não entrar em acordo com quem
é o seu devedor, logo pelas mesmas razões que os próprios avançam. Ficcionar a
manutenção da compropriedade sobre uma coisa que já foi dividida só para efeitos de
manter a hipoteca é muito pouco prático, traz insegurança para o comércio jurídico e
prejudica o valor das coisas autónomas que, no entretanto, surgiram. E mais nefasto são

55
Desenvolvemos aqui a solução que já adoptámos em 85 Perguntas sobre a Hipoteca Imobiliária,
MÓNICA JARDIM, MARGARIDA COSTA ANDRADE e AFONSO PATRÃO, p. 17.
56
Código Civil Anotado, vol. III, p. 711.

21
MÓNICA JARDIM/MARGARIDA COSTA ANDRADE 2022/2023

estas consequências quando existe solução no nosso ordenamento jurídico para os casos
em que a coisa que está onerada pela hipoteca desaparece por facto não imputável ao
credor. Na verdade, resulta do art. 701.º que, “quando, por causa não imputável ao
credor, a coisa hipotecada perecer” (que é o que acontece na divisão da coisa —
desaparece a quota), “tem o credor o direito de exigir que o devedor a substituta ou
reforce; e, não o fazendo este nos termos declarados na lei de processo, pode aquele exigir
o imediato cumprimento da obrigação ou, tratando-se de obrigação futura, registar
hipoteca sobre outros bens do devedor.”
Por fim, sendo a coisa comum insusceptível de divisão material, abrem-se três
hipóteses, tendo em conta que, de acordo com o estatuído no n.º 2 do art. 929.º CPCv, a
conferência terá em vista o acordo dos interessados na respectiva adjudicação a algum ou
a alguns deles, preenchendo-se em dinheiro as quotas dos restantes. Na falta de acordo
sobre a adjudicação, é a coisa vendida, podendo os consortes concorrer à venda. Assim,
se a coisa for adjudicada ao devedor hipotecário, a hipoteca passa a ter por objecto a
totalidade da coisa. Já se a quota do devedor hipotecário for preenchida em dinheiro,
(porque a coisa foi adjudicada a outro comproprietário ou foi vendida a terceiro), a
hipoteca extingue-se. Sem prejuízo da aplicação do art. 692º.57

b) Dissolução judicial

37. Não conseguindo os comproprietários entrar em acordo quanto à divisão


(sublinhe-se que não é necessário o acordo quanto à dissolução da compropriedade,
porque se trata aqui do exercício de um direito potestativo), é possível recorrer ao tribunal,
intentando uma acção de divisão da coisa comum. Nela pedir-se-á, num confronto que
envolverá todos os demais consortes (litisconsórcio passivo necessário58), que, fixadas as
respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação

57
A redacção do art. 692. º é a que de seguida se transcreve: “1. Se a coisa ou direito hipotecado se perder,
deteriorar ou diminuir de valor, e o dono tiver direito a ser indemnizado, os titulares da garantia conservam,
sobre o crédito respectivo ou as quantias pagas a título de indemnização, as preferências que lhes
competiam em relação à coisa onerada. 2. Depois de notificado da existência da hipoteca, o devedor da
indemnização não se libera pelo cumprimento da sua obrigação com prejuízo dos direitos conferidos no
número anterior. 3. O disposto nos números precedentes é aplicável às indemnizações devidas por
expropriação ou requisição, bem como por extinção do direito de superfície, ao preço da remição do foro e
aos casos análogos.”
58
Havendo titulares de direitos reais limitados sobre o bem (de gozo ou de garantia) também eles terão de
ser chamados ao pleito, sob pena de a sentença lhes não ser oponível — HENRIQUE MESQUITA, Direitos
Reais, p. 267.

22
MÓNICA JARDIM/MARGARIDA COSTA ANDRADE 2022/2023

ou venda desta, com repartição do respectivo valor, quando seja de considerar indivisível,
indicando logo as provas (cfr. arts. 925.º e ss. CPCv).
Muito sinteticamente, são estes os fundamentais passos do processo especial.
Primeiramente, é o autor quem, na petição inicial, começará por dizer se a coisa é
susceptível de ser materialmente dividida ou não, apresentado prova num sentido ou
noutro (art. 925.º CPCv); depois, fixados os quinhões e se a coisa for susceptível de
divisão material (decisão que é tomada com o auxílio de peritos), tentar-se-á chegar a
acordo para adjudicação; na falta deste, cada um ficará com uma parte por sorteio (art.
929.º, n.º 1 CPCv); sendo ela materialmente indivisível haverá uma conferência dos
interessados com o objectivo de verificar se, por acordo, algum dos consortes estará
disponível para ficar, em propriedade plena, com o bem, os restantes recebendo o
respectivo valor em dinheiro (art. 929.º, n.º 2); não havendo acordo, dita o n.º 3 do art.
925.º que o bem seja vendido a quem der mais, incluindo terceiros (o que quer dizer que,
por falta de acordo, os consortes podem acabar por perder a coisa).

12. 4. Natureza jurídica

38. Analisado o regime jurídico da compropriedade, estão agora disponíveis os


dados necessários para tomar uma posição quanto à controvertida questão da natureza
jurídica da compropriedade.
Reservando-nos a uma análise das posições tomadas pela doutrina nacional,
diremos serem três as que têm sido avançadas para traduzir o fenómeno da
compropriedade: teoria da pluralidade de direitos de propriedade sobre uma coisa, a teoria
da divisão ideal da coisa e a teoria da divisão do direito de propriedade.

a) Teoria da pluralidade de direitos de propriedade

39. Segundo a teoria da pluralidade de direitos de propriedade — adoptada, entre


nós, por, entre outros, OLIVEIRA ASCENSÃO, MENEZES CORDEIRO e
CARVALHO FERNANDES —, a compropriedade é constituída por uma pluralidade de
direitos de propriedade iguais que têm toda a coisa por objecto. Ou seja, cada
comproprietário é titular de um direito de propriedade, sem que se proceda a qualquer
divisão da coisa (comum) — “cada um dos direitos incide sobre a coisa comum, embora

23
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não se refira a parte específica da mesma”59. Uma vez, então, que há tantos proprietários
como o número de quotas, o direito de cada consorte é limitado por efeito da concorrência
que cada um tem de suportar dos direitos qualitativamente iguais que pertencem aos
demais.60

b) Teoria da divisão ideal da coisa (teoria tradicional)

40. Sinteticamente, segundo a teoria da divisão ideal da coisa, cada


comproprietário é titular de um direito pleno e exclusivo de propriedade sobre uma quota
ideal (ou intelectual) da coisa objecto da compropriedade.
Defendida, entre nós, por nomes como os de MANUEL RODRIGUES61,
ORLANDO DE CARVALHO62 ou MOTA PINTO63, de acordo com esta posição a
comunhão e a compropriedade são figuras distintas, uma vez que a primeira se traduzirá
na titularidade de um mesmo direito, por mais do que um sujeito; ao passo que na
compropriedade os vários sujeitos são titulares, cada um, de um direito próprio, que tem
por objecto uma quota-parte ideal (não concretizada ou especificada) da coisa (daí que
esta posição apareça por vezes designada como teoria da quota ideal da coisa).

c) Teoria da comunhão

41. Dizem-nos PIRES DE LIMA, ANTUNES VARELA e HENRIQUE


MESQUITA que a compropriedade não é mais do que uma comunhão, pois que existe
comunhão sempre que um direito patrimonial (de natureza real ou não) pertença em

59
CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, p. 335.
60
Escreve OLIVEIRA ASCENSÃO, Direitos Civil — Reais, p. 265 e ss., especialmente 270-271): “aderimos,
por nossa parte, à doutrina de Scialoja, defendida entre nós por L. Pinto Coelho, e que é hoje a dominante
nos países latinos. Na comunhão encontramos uma pluralidade de direitos da mesma espécie, que recaem
sobre idêntica coisa. A compropriedade, por exemplo, tem na sua base uma pluralidade de autênticas
propriedades que, por terem o mesmo objecto, mutuamente se limitam no seu exercício.” Note-se, pois,
que, segundo o autor, a compropriedade é uma comunhão, que, por sua vez, é uma contitularidade,
entendendo, porém, esta contitularidade, ao jeito romano, i. e., precisamente, como pluralidade de direitos
reais homogéneos sobre uma coisa.
CARVALHO FERNANDES (Lições de Direitos Reais, p. 335), não longe, resume: “configura[mos] a
compropriedade como um conjunto de direitos de propriedade — qualitativamente iguais — sobre uma
mesma coisa e, como tal, autolimitados.”
61
“A compropriedade no Direito Civil Português”, RLJ, ano 589, p. 17 e ss..
62
Direito das Coisas, p. 228 e ss..
63
Direitos Reais, p. 256: “a construção que nos parece traduzi com mais exactidão a realidade
correspondente, embora não isenta de dificuldades, será a ideia tradicional — cada um dos comproprietários
tem direito a uma quota ideal ou intelectual do objecto da compropriedade”.

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contitularidade a duas ou mais pessoas.64 De outro modo: na compropriedade identifica-


se um único direito de propriedade, que apenas apresenta a particularidade de ter vários
titulares, a cada um pertencendo uma quota ideal do direito: “propriedade de todos não
significa propriedade de cada um: trata-se antes de um único direito, mas com pluralidade
de titulares, pertencendo a cada um uma quota ideal”65.

d) Posição adoptada

42. Antes de mais, cremos que a decisão há-de fazer-se aderindo a uma das duas
últimas teorias sinteticamente abordadas. Isto é, afastamo-nos radicalmente da teoria da
pluralidade de direitos por três fundamentais razões.
Em primeiro lugar, porque admite que se exerçam vários direitos de propriedade
sobre a mesma coisa. Ora, como vimos, quer a propósito da noção de coisa susceptível
de constituir objecto de um direito real, quer quando observámos o regime jurídico dos
vários direitos reais, sobre cada coisa (autónoma, certa e determinada) incide,
tendencialmente, apenas um direito real. Isto é, embora em casos contados — como
acontece na hipoteca e no usufruto — o legislador admita que um direito real incida sobre
parte de coisa, os direitos desta natureza abrangem, como regra, toda a coisa. E em lado
algum se prevê uma excepção para o direito de propriedade. Bem pelo contrário. Os arts.
408.º, n.º 2 e 1344.º provam que o direito de propriedade goza da característica da
totalidade, de modo que sobre cada coisa pode existir apenas um direito real. “Não é
concebível, com efeito, a incidência de mais do que um direito de propriedade sobre a
mesma coisa. o direito de propriedade tem um conteúdo geral: confere ao titular todas as
utilidades de que a coisa seja susceptível. Por consequência, a constituição de um direito
de propriedade sobre certa coisa, a favor de determinada pessoa, exclui automaticamente
a possibilidade de se constituírem em relação ao mesmo objecto direitos idêntico a favor
de quem quer que seja.”66 Em suma: a correcta posição quanto à natureza jurídica da

64
No mesmo sentido, RUI PINTO DUARTE, Curso de Direitos Reais, p. 62, MENEZES LEITÃO, Direitos Reais,
p. 216-217.
65
Direitos Reais, p. 246.
66
HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, p. 244-245.
No mesmo sentido, escrevem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, vol. III, p. 345):
“não se concebe, logicamente, que com o direito de propriedade, cuja vocação tende a garantir ao titular
todas as utilidades que a coisa possa prestar, concorram sobre a mesma coisa outro ou outros direitos da
mesma natureza. (…) Com a propriedade, por virtude de uma característica desse direito, que é a sua
elasticidade ou compressibilidade, poderão sem dúvida concorrer, em relação à mesa coisa, outros direitos
reais limitados, como o usufruto, as servidões ou os direitos reais de garantia. A coexistência destas várias
figuras é possível, porque há uma diferença de grau e de conteúdo entre elas, cabendo sempre ao direito de

25
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compropriedade tem de manter intacta esta relação coisa-propriedade, de modo que ou é


a primeira que é idealmente ou intelectualmente dividida (posição tradicional) ou é-o o
segundo (teoria da divisão ideal do direito de propriedade).
Em segundo lugar, tal posição choca contra a própria natureza absoluta dos
direitos reais.
Finalmente, com a excepção dos poderes de uso e de administração ordinária,
todos os restantes poderes sobre a coisa pressupõem um exercício em colaboração. Isto
é, um exercício que vai para além da pressão de constrição que uns direitos reais
exerceriam sobre os outros.

43. A linguagem usada no n.º 1 do art. 1403.º convence-nos do sentido de que o


legislador considera a propriedade como uma comunhão ou uma contitularidade do
direito, por isto se entendendo uma partilha do direito.67 Recordemo-lo: “existe
propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são
simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.” Ou seja:
vários sujeitos dividem entre si um único direito sobre uma única coisa, a cada um deles
pertencendo uma quota-parte ideal do direito (no que de momento nos interessa, de
propriedade68). Aliás, no mesmo sentido depõe o texto do art. 1404.º, na medida em que
aí se estabelece que “as regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias
adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto
especialmente para cada um deles” (isto depois de escolher, para epígrafe da norma, a
expressão “aplicação das regras da compropriedade a outras formas de comunhão”).

44. Uma posição sobre a natureza jurídica da compropriedade também não pode
perder de vista que “uma quota ideal ou abstracta não pode constituir objecto de um
direito de propriedade”, já que o direito real de propriedade — como poder directo e
imediato que é — incide sobre coisa autónoma, certa e determinada.69 De outro modo: a
propriedade não pode não deixar de ter por objecto uma coisa susceptível de constituir

propriedade a posição proeminente. O que já não se compreende é que a concorrência da propriedade se dê


com a propriedade, atenta a natureza absoluta e exclusivista de tal direito.”
67
Diferente, como vimos, é a concepção de OLIVEIRA ASCENSÃO — cfr. nota 60.
68
Naturalmente, todos os direitos reais podem ser exercidos em comunhão. E o mesmo vale para os direitos
de crédito. O regime jurídico a aplicar a qualquer uma destas situações é o da compropriedade, ainda que
com as necessárias adaptações (cfr. art. 1404.º). Vide infra.
69
HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, p. 243.

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objecto de direitos reais, não havendo, então, como aceitar um direito de propriedade,
pertencente a cada um dos consortes, que tenha por objecto uma parte ideal da coisa.70

45. Depois, a construção tradicional fundada em quotas ideais da coisa não se


harmoniza com certos aspectos do regime da compropriedade, designadamente com os
preceitos legais que atribuem a cada comproprietário poderes de uso (art. 1406.º) ou de
administração ordinária (arts. 1407.º, 985.º e 1024.º) sobre todo o objecto do direito de
compropriedade. Se o direito de cada consorte incidisse apenas sobre uma parte ou quota
ideal da coisa, não se conseguiria justificar o facto de a lei conferir a cada consorte o
poder de praticar actos que atingem a totalidade do objecto. E esta disciplina fundamenta-
se no art. 1405.º, em cujo n.º 1 o legislador afirma que “os proprietários exercem, em
conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular” — ou seja,
justamente porque todos são contitulares de um de propriedade sobre uma coisa,
ficcionando-se que o colectivo é um único ser, um único proprietário. Razão pela qual só
em conjunto (como se fossem um só71) podem onerar, dividir ou alienar a coisa.72

70
No mesmo sentido, CARVALHO FERNANDES, Direitos Reais, p. 333: “não se nos afigura possível partilhar
esta tese, por ela envolver, nomeadamente, uma concepção bem difícil de ajustar à estrutura típica dos
direitos reais. Na verdade, estes são direitos sobre coisas, pelo que só no caso de se não vislumbrar outra
forma de configurar o instituto deveria ser tomada em consideração a existência de um direito real sobre
uma quota, podendo conduzir mesmo à atribuição, à compropriedade, de uma natureza sui generis. Mas
não é o caso.”
A este propósito, uma das críticas que é também frequentemente lançada contra a teoria clássica ou
tradicional é a de que ela levará, num seguimento lógico, a que se afirme que a coisa comum é de ninguém
— se a cada um dos comproprietários pertence a quota ideal da coisa, esta, em si mesma, na sua autonomia,
não pertenceria a ninguém. Veja-se, por exemplo, o que escrevem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA,
apoiando-se em BIANCA (Código Civil Anotado, vol. III, p. 345). Não iríamos tão longe. Neste ponto em
particular, aderimos à observação de ORLANDO DE CARVALHO: “a quota ideal da coisa é um simples modo
de considerar a coisa, de referir como se participa da coisa, não uma coisa diferente transcendente a esta
última. A hipostasiação do modo-de-ver em modo-de-ser é não apenas uma subversão da realidade, as uma
estranha ignorância do que são bens corpóreos: que não são obviamente meros produtos mentais e muito
menos maneiras de conceber um certo bem (…). Um terço indeterminado de uma coisa é sempre um terço
dessa coisa e só isso — não outra coisa inscrita nessa coisa como a obra de engenho no respectivo corpus
mechanicum (o romance no respectivo livro ou o invento na respectiva máquina)” — Direito das Coisas,
p. 230.
71
Aqui é preciso sublinhar que a teoria da comunhão não avança até ao ponto de afirmar que a
compropriedade faz surgir uma entidade autónoma, não converte, pois, uma pluralidade inorgânica dos
vários contitulares numa entidade colectiva orgânica, corporativamente estruturada, para usar as expressões
de PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, vol. III, p. 346). “Há, é certo, dentro do
instituto da compropriedade, determinada organização, que se revela na forma como são exercidas
(mediante deliberação maioritária ou por consenso unânime dos consortes) certas faculdades. Mas, para dar
expressão jurídica adequada a esse esquema embrionário de organização, não é necessário recorrer ao
expediente artificial de converter a pluralidade inorgânica dos consortes numa unidade subjectiva abstracta,
distinta de cada um deles. São soluções que cabem perfeitamente dentro do esquema lógico da simples
contitularidade do direito.” Como contribui CARVALHO FERNANDES (Direitos Reais, p. 333), “esta solução
não encontra (…) na lei portuguesa qualquer ponto de apoio e não tem merecido também o acolhimento da
doutrina.”
72
Também PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 345.

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12.5. Figuras próximas

a) Comunhão de direitos

46. Referimo-nos à comunhão de direitos como figura próxima apenas para


sublinhar que este é, obviamente, um instituto mais vasto, englobando todos os casos em
que um direito patrimonial (real ou não) pertence, em contitularidade, a dois ou mais
sujeitos. A compropriedade é, então, uma das (muitas) manifestações da comunhão. Na
síntese de PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “sempre que há compropriedade,
existe comunhão ou condomínio73; mas nem todas as comunhões ou condomínios
constituem formas de compropriedade”74.
Como já indicámos, as regras da compropriedade são aplicáveis, com as
necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer direitos, sem prejuízo do disposto
especialmente para cada um deles (art. 1404.º). O que tem como principal consequência
a concessão de um direito de preferência (arts. 1409.º e 1410.º) a todos os contitulares
(portanto, de qualquer direito) sempre que um deles pretenda vender ou dar em
cumprimentos a sua quota no direito comungado.

b) Comunhão de mão comum

47. Também chamada de propriedade colectiva, fala-se em comunhão de mão


comum (Gemeinschaft zur gesamten Hand) para qualificar s casos em que a propriedade
incide sobre todo um património (p. ex., património comum dos cônjuges, comunhão
hereditária). Trata-se, segundo PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, de um
património afectado a um certo fim, que pode ser integrado por relações jurídicas de
diferente natureza (reais, creditórias, etc.) e que pertence em contitularidade a dois ou
mais sujeitos que se ligam por um determinado vínculo, seja familiar, societário ou de
outra natureza.75

73
V. infra sobre propriedade horizontal.
74
Código Civil Anotado, vol. III, p. 347.
75
É um instituto de origem germânica, pois que no antigo direito alemão cada membro da família teria um
direito permanente e indivisível ao património familiar, não se fazendo qualquer referência a quotas, logo
porque nem mesmo idealmente seria concebível uma repartição — OLIVEIRA ASCENSÃO, Direitos Reais,
p. 172-173.

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Como os membros da comunhão não são proprietários de bens específicos, não


podem dispor, nem onerar cada um deles, salvo quando o façam na qualidade de
administradores.76

48. Independentemente da posição que se tome quanto à natureza jurídica da


compropriedade, não é difícil distingui-la da comunhão de mão comum.
Por uma parte, enquanto nesta duas ou mais pessoas são titulares (contitulares) de
um único direito sobre um património global (um todo unitário), na compropriedade,
como vimos, há (pelo menos) um direito que incide sobre uma (quota de uma) coisa. Por
outra parte, consequentemente e em regra, a propriedade colectiva goza de um regime
especial de responsabilidade por dívidas directamente ligado à funcionalização
patrimonial. Depois, a comunhão de mão comum apenas pode existir nas hipóteses
previstas na lei (comunhão hereditária77, comunhão de adquiridos ou comunhão geral de
bens no regime de casamento), razão pela qual não pode dar-se por extinta a não ser
quando e nas condições em que a lei o permita78.

c) Sociedade civil

49. Encontra-se no art. 980.º a noção do contrato de sociedade civil: “contrato de


sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou
serviços para o exercício em comum de certas actividades económica, que não seja de
mera fruição, a fim de repartirem os lucros cessantes dessa actividade.” Como se sabe, as
sociedades podem ser personalizadas; caso em que a distinção da compropriedade se
torna clara: naquelas, o património não pertence aos sócios, mas à pessoa colectiva, pelo
que não há qualquer situação de comunhão.79
Quando, porém, as sociedades não gozam de personalidade jurídica, que é o que
acontece nas sociedades civis, a distinção não seria tão evidente80, não fosse a natureza

76
PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 348.
77
A existência da comunhão germânica apenas existe, como é óbvio, entre o chamamento e o momento
imediatamente anterior à partilha, envolvendo a herança jacente e a herança pro diviso.
78
A extinção da mão comum implica, obviamente, a divisão do património; esta partilha far-se-á pela
atribuição de um direito sobre uma fracção ideal do conjunto, se que se possa exigir que essa seja integrada
por determinados bens ou por uma quota em cada um dos bens a partilhar — PIRES DE LIMA/ANTUNES
VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, p. 348.
79
HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, p. 236.
80
Há, até, quem veja na compropriedade uma entidade distinta da do conjunto dos consortes. Esta hipótese
não colheu seguidores na doutrina nacional, logo por falta de apoio da lei positiva. Cfr. CARVALHO
FERNANDES, Lições de Direitos Reais, p. 333.

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lucrativa que a estas se atribui. Assim sendo, o que especificamente distingue a sociedade
civil da compropriedade é o facto de aquela ter por escopo o desenvolvimento de uma
actividade lucrativa e não a fruição de uma coisa nos mesmos termos em que o pode fazer
qualquer proprietário.81

d) Concurso de direitos reais sobre a mesma coisa

50. Diz-se que há concurso de direitos reais sobre uma mesma coisa quando sobre
esta incidem direitos reais diferentes — por exemplo, A, proprietário de um imóvel,
constitui, sobre ele, um direito de usufruto a favor de B, que, por sua vez, aceita a
constituição de uma servidão de passagem em benefício do prédio vizinho.
Evidentemente, os titulares de direitos reais diferentes não são sujeitos colocados
em posição qualitativamente igual. O que está em imediata contradição com o que sucede
na compropriedade: “os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que
pertencem ao proprietário singular” (art. 1405.º, n.º 1).

e) Propriedade horizontal

51. Para maiores desenvolvimentos, remeteremos para o texto onde se descreve o


conteúdo dos direitos reais. Para já, basta recordar que existe propriedade horizontal
quando um edifício se compõe de várias fracções (unidades independentes entre si — cfr.
art. 1415.º), que pertencem, em propriedade singular, a proprietários diferentes; e de
partes comuns que àqueles pertencem em compropriedade.

81
Para maiores desenvolvimentos, v. HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, p. 236 e ss..

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Índice
12. Compropriedade ....................................................................................................... 1
12.1. Noção ....................................................................................................................... 1
12.2. Regime jurídico ......................................................................................................... 1
a) Fontes ............................................................................................................................................. 1
b) Poderes dos comproprietários ....................................................................................................... 4
i. Uso da coisa ................................................................................................................................ 8
ii. Fruição da coisa comum e divisão de outras vantagens ou proventos .................................. 11
iii. Administração ordinária da coisa comum .............................................................................. 11
iv. Administração extraordinária da coisa ................................................................................... 14
v. Actos de alienação e oneração da coisa comum ..................................................................... 16
vi. Conclusão ................................................................................................................................ 17
12. 3. Extinção da compropriedade.................................................................................. 18
a) Dissolução extrajudicial ................................................................................................................ 19
b) Dissolução judicial ........................................................................................................................ 22
12. 4. Natureza jurídica .................................................................................................... 23
a) Teoria da pluralidade de direitos de propriedade ....................................................................... 23
b) Teoria da divisão ideal da coisa (teoria tradicional) ..................................................................... 24
c) Teoria da comunhão..................................................................................................................... 24
d) Posição adoptada ......................................................................................................................... 25
12.5. Figuras próximas ..................................................................................................... 28
a) Comunhão de direitos .................................................................................................................. 28
b) Comunhão de mão comum.......................................................................................................... 28
c) Sociedade civil .............................................................................................................................. 29
d) Concurso de direitos reais sobre a mesma coisa ......................................................................... 30
e) Propriedade horizontal ................................................................................................................ 30

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