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JURISPRUDÉNCIA DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(ANTIGA REVISTA DE JURISPRUDÉNQIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DE SAO PAULO)
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DE SÃO PAULO
B|5L|OTECA
Legal e chulalória
São Paulo
! . O problema
2. A operação comercial
A complexidade das relações contratuais tem levado ao aparecimento,
cada vez mais frequente, de contratos conexos, que se complementam para a
eficaz realização da operação negocial“).
"' O tema dos contratos conexos — também chamados “contratos coligados . união de contratos".
"redes contratuais“, "collegamenla negoziale” — tem sido amplamente estudado na doutrina. Algu
mns referências bibliográficas: Enneccerus & Lehmann (Tratado de derecho civil. Derecho de
obligaciones. [. Il — 2ª. v. lª. 9" l00. p. 7 ss.); Messineo (Doctrina general del contrato. cap. VII. 9. p.
402 ss.); Franco di Sabato (Unitá epluralitá di nego:i. pp. 4 l 2-38); Gilda Ferrando (I conmmi collegali:
principi della tradi:ione e tendenze innovative. pp. l27-4l); Francesco Galgano (Diritto civile e
commerciale. Le obbligazioni e i conlralli. v. ll. (. !, pp. l79-88); Fernando de Gravato Morais (União
de contratos de crédito e de venda para o consumo. passim); Orlando Gomes (Contratos. nº 77. p. ] l2
ss.); Leonardo Rodrigo Xavier (Redes contratuais no mercado habitacional. passim); José Virgílio
Lopes Enei (Contratos coligadas. p. 1 l l ss.); José Carlos Barbosa Moreira (Unidade ou pluralidade de
contratos. Contra/os conexas, vinculados ou coligadas..... p. 753 ss.); Arnold Wald (Obrigações e con—
tratos. nº Sl. p. l90); Arnaldo Rizzardo (Contratos. nº 2.6. p. 79); Ricardo Lorenzeti (Redes
cantracluales: conceptualización juridica. relaciones internas de colaboraciáon, efectos frente a
terceros. pp. 22-58); Roberto Rosas (Contratos coligadas. pp. 53 ss.); Rogério Zuel Gomes (A nova
ordem contratual: pós-modernidade. con/ralos de adesão. condições gerais de contra/ação, contratos
relacionais e redes contratuais. pp. ISO-222).
LEX - 322 — 2l85 — JTJ
São exemplos os contratos celebrados perante lojas, que oferecem faci
lidades de pagamento à prestação, que trazem em conjunto contratos de fi
nanciamento, no mais das vezes realizados por outra empresa, nem sempre
do mesmo grupo empresarial”).
Este tipo de contratação geralmente ocorre de maneira global, sem que o
consumidor tenha exato conhecimento das nuances dos contratos concluídos.
Não raro, a própria loja que fez a venda, valendo—se dos mesmos fun—
cionários que atenderam o cliente, apresenta os papéis do financiamento para
assinatura e os encaminha ao destinatário, sem que haja distinção nítida quanto
aos negócios celebrados.
Tudo é apresentado como etapa burocrática da conclusão da venda na
quelas condições vantajosas que foram ofertadas (v.g. prestações em doze,
vinte, trinta meses, etc.).
Há uma simbiose nos negócios: geralmente a financeira ocupa as de
pendências da grande loja, vale-se dos funcionários desta para operacionalizar
os contratos, assegurando aprovação automática dos financiamentos, etc.
Segundo DIETER MEDICUS”): ”Mas comfreqiiéncia existe, sem ent
bargo, uma união ntais intima de um empréstimo com outro negócio, por
exemplo. com uma compra a prazo: o mutuário (o comprador) e o mutuante
(o Banco) não mantém contato diretamente um com o outro. O empréstimo é
propiciado pelo vendedor; por meio dele se examinam os formulários do
Banco; ele ajuda o contprador também a encaminhá-lo e tramita o pedido
com o Banco. Repetidas vezes a possibilidade e as condições do crédito
constituem precisamente argumentos para a propaganda do vendedor. Em
certas ocasiões. apenas pode determinar o comprador que não procede a
crédito do mesmo vendedor: senão de um terceiro (o Banco). Em tais "negó
cios/inanciados por terceiro " surge a questão de se o Banco terceiro, real
mente, há de suportar pelas disposições forçadas e os riscos do negócio
financiado por ele."
'ª' O fenômeno foi bem captado em acórdão do TJSP: "Não se sustenta a alegação da Apelante que. em
razão da existência de "contrato da'/iliação " com ajittanceira Itati (emissora do cartão) é parte total
mente estranho ao pactuada com o Apelado, adu:indo que a restrição anotada em seit nome seu deu
somente no interesse dela (financeira). que por um "erro de procedimento " enviou o nome do Apelado
ao cadastro dos órgãos de proteção ao crédito, servindo—se de sua nomenclatura. “0 cartão, como ela
mesma afirma. contém a sua "bandeira " e aftnanceira Itaú tem unidades de atendimento localizadas
nas lojas da Apelante (fls. 62). É sabido que, a captação da clientela das financeiras é. geralmente.
efetuada pelos estabelecimentos comerciais como o da Apelante. que oferecem o cartão como uma co
modidade. parafacilitar o pagamento de mercadorias adquiridas em seu estabelecimento. a que e' feito
com o preenchimento de proposta de adesão, que posteriormente e enviada para a aprovação dajinan
ceira. Desta forma, tanto afinanceira como os estabelecimentos que oferecem tais cartões. obtém al
gum tipo de vantagem económica, pois como afirma a própria Apelante (Ils. l65). ajinanceira se obri
ga a pagar ao estabelecimento comercial as despesas feitas pelos seus clientes e ele. por seu turno,
assume a obrigação de aceitar o cartão sem acréscimos nos preços dos produtos ou serviços. "0 con
sttmidor não tem conhecimento destes procedimentos previamente, observando-se, no caso. o aplica
ção do art. 29 da Lei nº8.078/90, que equipara a consumidor toda pessoa exposta às práticas comer
ciais ahusivas." (TJSP — 7' Câm. — Ap. nª 527.275-4ll-00 — Rel. Luiz Anlonio Costa —j. 3l/lO/07).
"' Tratado de las relaciones obligacionales, v. I. 5 94, p. 5 l 3.
.lTJ — 2186 — LEX - 322
Esta é uma tendência irreversível no comércio. Os serviços devem ser
abrangentes, apresentar diferencial para suplantar a concorrência, oferecen
do facilidades que atraem e conquistam o consumidor“).
A operação comercial é vantajosa para todos os envolvidos: a) o forne
cedor consegue atrair clientes, oferecendo condições vantajosas de pagamento,
resguardando-se dos riscos da insolvência — na medida em que recebe pron
tamente da financeira; b) a financeira usa as instalações e, geralmente, os
funcionários da loja, poupando despesas operacionais; consegue granjear
grande clientela para seus contratos e pode até oferecer condições mais favo
ráveis de contratação, comjuros menores; e) o consumidor conta com a faci
lidade do crédito aprovado prontamente e usufrui as condições favoráveis de
pagamento.
A vida econômica já não pode prescindir destes contratos coligados“),
de modo que cabe ao Direito reconhecê—los e atribuir-lhes o necessário trata
mento jurídico.
”' Há uma necessidade do mercado que impõe este tipo de contratação conjunta. A respeito do tema,
com investigação a respeito do "mercado" e sua repercussão juridica, cf. Rodrigo Xavier Leonardo
(Redes contratuais no mercado habitacional, pp. 22 ss.).
”' Sustentando que o contrato coligado nasce da necessidade econômica: Gilda Ferrando, Icon/ratti
collegati: principi della Iradizione e tendenze innovative, p. 127.
"" Diritto civile «: commerciale. Le abb!iga:ioni e i contratti, v. ll, t. I, p. l79.
”' Con/ratos coligadas, p. 1 U.
"' Direito das obrigações. nª 32.2, p. 323.
LEX - 322 — 2l87 — JTJ
Esta ligação, esta união de finalidade — especialmente econômica (uni—
dade econômica?” — tem sido apontada pela doutrina como nota
caracterizadora dos contratos coligadosҼ).
A forma de união de contratos que mais suscita problemas éjustamen
te aquela na qual se estabelece uma dependência(' " — bilateral ou unilateral
— entre os contratos. Nestes casos —- lecionam ENNECCERUS & LEH—
MANNW) — os contratos “são queridos somente como um todo. ou seja, em
recíproca dependência, ou ao menos de maneira que um dependa do outro e
não este daquele."
MESSINEOW menciona que os contratos deste tipo são, por vontade
das partes, concebidos como "unidade económica. Do ponto de vistajuridi—
ea, sua característica funda-se nisto: cada um constitui a causa do outro."
Este é o fenômeno que nos interessa mais de perto. União de contratos
que, apesar de autônomos, existe para satisfação de um único interesse eco
nômico. Contratos conexos por conta de uma mesma finalidade, em razão de
uma causa comum““.
São aqueles contratos — fruto da complexidade da vida econômico
comercial — que são celebrados em conjunto para que determinado negócio
alcance a sua completa eficácia. Negócios que não seriam viáveis isolada
mentel'”.
A “causa comum" tem sido bem realçada pela doutrina: ”Embora cada
contrato preserve os seus elementos categoriais próprios e inderrogáveis
(que o conduzam a um determinado tipo contratual ou mesmo à categoria
dos contratos em geral, na hipótese de contrato atípico). a causa mal (fun
&. P E
"” Doctrina general del contrato. cap. VII. 9. p. 402.
"“ "Os contratos coligadas são queridos pelas partes contratantes como um todo." (Orlando Gomes.
Contratos. p. i |Z).
”ª' Como exemplo típico pode ser lembrada a compra de bens atrelada a contrato de financiamento.
'cralmcnte financiamento realizado or instituição Ii vada. ao menos comercialmente. ao vendedor.
.lT.l — 2l88 — LEX - 322
ção prático—social) passa a ser dada não por cada contrato individualmente
considerado. mas pelo conjunto. surgindo dai, portanto, uma causa sistemá
tica ou supracontratual. “É defensável até que os contratos preservem a sua
causa final individual, mas é certo que na coligação haverá uma causa final
sistemática que unirá o conjunto, e que só será alcançável por meio do
cumprimento de todos os contratos coligadas "(””.
Segundo RODRIGO XAVIER LEONARDO”) a união leva a contratos
"diferenciados estruturalmente, porém interligados por um articulada e es
tável nexo económico. funcional e sistemático. capaz de gerar consequên
cias jurídicas particulares, diversas daquelas pertinentes a cada um dos
contratos que conformam o sistema. Em outras palavras: reconhece-se que
dois ou mais contratos estrutm'almente diferenciados (entre partes diferen—
tes e com objetivo diverso) podem estar unidos, formando um sistema desti
nada a cumprir uma jitnção prático-social diversa daquela pertinente aos
contratos singulares individualmente considerados. "Tal como em qualquer
sistema. em uma rede de contratos pode ser concebido um conjunto dotado
de ordem e união. Os elementos desse sistema são, justamente, os contratos
que se encontram unidos por um nexo funciona! e ordenado para o alcance
de objetivos próprios ao sistema (frise-se bem, objetivos que transcendem a
individualidade de cada contrato-elemento)."
Esta “causa/ina! sistemática " é de extrema importância na interpreta
ção e execução dos contratos coligados, sob pena de perder-se justamente a
razão de ser da união dos contratosª'ª).
'ª" Por força das normas de Direito Comunitário. a Alemanha viu-se obrigada a incorporar ao seu direito
interno os preceitos da Diretiva 44. de l999. que trata da compra de bens de consumo. O prazo fatal de
incorporação era 3l/l2/200l. Debateu-se a respeito da maneira de cumprir esta obrigação: poder-sc-ia
apenas criar uma lei nacional incorporando as regras da diretiva ou praticar solução mais ambiciosa.
consistente na reformulação do direito obrigacional. o que envolvia a modificação do BCE. Apesar do
curto espaço de tempo para a mudança de um código. especialmente de um verdadeiro monumento
legislativo como é o código civil alemão. optou—se pela incorporação das normas da Diretiva no próprio
código. com reformulação do Direito Obrigacional (Cf. Horst Ehmann & Holger Sutschet. La reforma
del BCB. Modernimeión del derecho alemún de obligaciones).
'“ ' A teoria das redes crmtraluais e ajimção social dos contratos: re/lexões a partir de uma recente decisão
do Superior Tribunal de Justiça. p. l07.
LEX - 322 — 2l93 — JTJ
estes créditos o disposto no artigo 69: ]) A contratos de crédito que envol—
vam montantes inferiores a 200 EC Us ou superiores a 20.000 EC Us; g) A
contratos de crédito em que o consumidor tenha de reembolsar o crédito:
quer num período que não exceda os três meses, quer, num máximo de qua
tro pagamentos, num período que não exceda os doze meses."
Além de várias normas a respeito da proteção do consumidor nas ope
rações de crédito, a Diretiva 102/87 trata especificamente dos contratos en—
volvendo financiamento para aquisição de bens, especialmente naqueles ca—
sos em que fornecedor e concedente do crédito mantêm operações coligadas.
Assim dispõe o art. 1 lº da Diretiva l02/87:
"! . Os Estados-membros assegurarão que a existência de um contrato
de crédito não influenciará de maneira alguma os direitos do consumidor
contra o fornecedor dos bens ou serviços adquiridos ao abrigo desse con
trato, nos casos em que os bens ou serviços não sejam fornecidos ou de
qualquer modo não estejam em conformidade com o contrato relativo ao seu
fornecimento.
2. O consumidor terá o direito de demandar o mutuante quando:
a) Com vista a adquirir bens ou obter serviços, um consumidor cele
brar um contrato de crédito com terceira pessoa diversa do fornecedor des
ses bens e serviços, e
b) O mutuante e o fornecedor de bens ou serviços tiverem um acordo
preexistente ao abrigo do qual 0 mutuante põe o crédito à disposição exclu
siva dos clientes desse fornecedor para aquisição de bens e serviços ao
mesmo fornecedor. e
c) O consumidor a que se refere a alinea a) obtiver tal crédito em
conformidade com o referido acordo preexistente, e
d) Os bens ou serviços abrangidos pelo contrato de crédito não sejam
fornecidos ou só parcialmente o sejam ou não sejam conformes com o con
trato de fornecimento, e
e) O consumidor tiver demandado o fornecedor, mas não tenha obtido
a satisfação a que tiver direito.
Os Estados—membros determinarão em que medida e em que condições
pode ser exercido este direito."
Tratando—se de legislação que vincula todos os Estados-membros, nos va
riados ordenamentos jurídicos foram inseridas referidas normas, as quais são
encontradas na Espanhal”), Portugal”", França“), ltálialªº', Reino Unido“, etc.
“ª' Sobre a teoria da base negocial. cf. a essencial monografia de Karl Larenz. Base del negóciojuritlico
y ("mp/intento rle los con/ratos. Entre nós. o estudo pioneiro de Clóvis V. do Couto e Silva, A obrigação
como processo. p. l08. Análise atual das teorias da base negocial, voltada para o tema da revisão dos
contratos por onerosidade. encontra-se em Luis Renato Ferreira da Silva. Revisão dos cmrtrulos: do
Código Civil ao Código do Consumidor. pp. 133 ss.
“"' Cf. Fernando de Gravulo Morais. União de con/ralos de crédito e de venda para o consumo. pp. 373—9.
“" Base del negócio juridico y cumplimento de los contra/os. p. 224.
”“ Larenz. Base del negócio juridico y cumplimenlo de los coltrratos, p. 224.
ӻ' Ob. cit.. p. 225.
JTJ — 2196 —— LEX - 322
supostas no contrato, foi destruida em tal medida que não se pode falar
racionalmente de uma 'contraprestação. (destruição da relação de equiva
lência) "; b) "a comum finalidade objetiva do contrato, expressa em seu con
teúdo, tenha resultado definitivamente inalcançável, ainda quando a pres
tação do devedor seja possivel (frustração da ]inalidade)
Apesar da teoria da “base negocial” ser frequentemente utilizada na
análise do fenômeno da onerosidade excessiva. penso que ela apresenta ele
mentos interessantes a serem ponderados na coligação dos contratos.
De certo modo, quando as partes celebram o contrato coligado, está
presente aquele elemento da base subjetiva. consistente na "representação
mental" ou “esperança” comum no sentido de que o negócio atue de maneira
coordenada.
De outro lado, o que caracteriza o contrato coligado — como visto — é
justamente esta causa comum, a finalidade conjunta que reúne os contratos.
Neste contexto, se parte desta “coligação" se frustra (v.g. não cumpri—
mento da prestação pelo vendedor) é possível afirmar que a "comum/inali—
dade objetiva do contrato " “" restou inatingível, o que caracterizaria o rompi
mento da base negocial.
É certo que a teoria é invocada diante de um contrato único, mas não
haveria empecilho, a meujuízo, na sua aplicação de maneira global, consi
derando não apenas os contratos autônomos, mas a verdadeira relação de
“collegamento negoziale'mªl.
7. Aplicaçãojurisprudencial da teoria
A jurisprudência nacional tem compreendido a mecânica dos contratos
coligados e, em alguns casos, estendendo os efeitos de um contrato ao ou
tro, reconhecendo responsabilidades solidárias entre vendedores e institui
ções financeiras.
Nesse sentido, importante julgado do TJSP, que faz expressa menção
aos “contratos coligados": “Compra e venda de móveis com financiamento
pessoal. Contrato desfeito em razão de atraso imputável a vendedora. Con
trato de jinanciamento conexo ou coligado que sofre os mesmos efeitos —
Danos morais decorrentes de indevida negativação perante cadastro de
inadimplência, cuja inscriçãofoi promovida pela/inanceira, a quem o des
fazimento do negócio não teria sido comunicado pela vendedora — Irrele
vância — Ressarcimento devido — Solidariedade entre os réus no ressarci
““' O excelente acórdão. além de citar a doutrina especializada no tema dos contratos conexos. identi—
fica as circunstâncias que caracterizam sua existência: "A responsabilidade dafmunciadom é determi
nada não só pela sua participação efetiva na complexa relação juridica. da qual também e parte. mas
especialmente. no casa. pela atribuição a vendedora de poderes para. em seit nome. firmar as condi
ções do contrato de financiamento, sabido que o autor. como ocorre notoriamente nesses casos, assi
nou os documentos e ajustou as condições do financiamento diretamente com a vendedora dos móveis.
a quem competirt'a igual dever “de injieração por ocasião do desfazintento do negócio." (TJSP —- Ap.
nª I.l05.8l7-0/3 ——- Rel. Carlos Vieira Von Adamek —j. 22/l0t'07).
”"' "DANO MORAL — Apontamento indevido do nome do autor no cartório de protesto — Estabeleci
mento comercial que emitiu duplicatas com lastro. não honradas —Titulos de crédito relativos ao preço
cedidos a instituições financeiras — Noção de contratos coligados. ou conexos — Consumidor equipa
rado — Responsabilidade objetiva — Configuração de dano moral — Fixação da indenização em quan
tum adequado — Sentença mantida — Recurso não provido." (TJSP — Ap. nª 442.l66.4/S-00 — Rel.
Francisco Loureiro ——j. 28/05/07).
""TJSP — Ap. nº l.lO7.202-0/0 — Rel. Carlos Vieira Von Adamek —j. 22/10/07.
Outro precedente semelhante: "Compra e venda de veiculo c'ontjinatteiamento e alienação fiduciária.
V icio consistente na restrição administrativa para transferência da propriedade do bem. que é "sinistra
do Situação equivalente zi evieção e que determina o desja:imento do negócio. Vicio que alcança o
contrato de financiamento em ra:ão da conexão existente entre os negócios, voltando as partes ao estado
anterior-." (TJSP —— 35' Câm. "D“ — Ap. nº l.|03.222-0/4 — Rel. Carlos Alberto Garbi —j. 25/06/07).
“º'TJSP — 20' Câm. “D" — Ap. nº 7.138.189—6'0 —— Rel. Paulo Jorge Scartezzini Guimarães —j. 29/ ! 0/07.
JT] — 2l98 — LEX - 322
8. Pressupostos da teoria
É natural que a concepção dos contratos coligados e a interdependência
funcional sejam recebidas com empolgação no meiojurídico, mesmo porque
representa satisfação de um forte anseio existente na vida negocial: a eficaz
tutela do consumidor, valor constitucionalmente reconhecido:
Todavia, não se pode pender para o extremo oposto — com inegável
criação de situações desequilibradas — adotando a teoria como panacéia
para todos os males jurídicos.
Ainda que em termos econômicos e sociais esta forma de contratação
tenha grande repercussão, não se pode deixar de notar que se trata de exce
ção no regimejuridico contratual. E como exceção deve ser aplicada.
A teoria dos efeitos comunicantes dos contratos conexos não tem — e
não pode ter —— o condão de destruir todo o arcabouço teórico da doutrina
contratual clássica, especialmente seus princípios fundamentais —— ainda que
sob roupagem atualizada — tal como a autonomia da vontade e relatividade
das convenções.
Estes princípios têm sua razão de ser e, na maioria esmagadora dos
casos, tutelam interesses legítimos que a ordem jurídica deve preservarl”).
Portanto, sem desmerecer a importância e utilidade da nova teoria, ne
cessário que estejam presentes os pressupostos para o reconhecimento desta
união de contratos, a qual autorizaria a derrogação dos princípios gerais.
Segundo GILDA FERRANDOW', para reconhecimento dos contratos
coligados e aplicação mútua de efeitos, dois requisitos são necessários: a)
elemento objetivo, representado pelo nexo econômico ou teleológico entre
os contratos e b) elemento subjetivo, que consiste na intenção de coordenar
os vários negócios em vista de um escopo comum.
E conclui: "Na estrutura da coligação existe, portanto, um elemento
objetivo que unifica a operação econômica (o escopo prático unitário) e
existe um elemento subjetivo (a intenção de atuar a coligação) "º”).
Na União Européia, por força da legislação específica, são requisitos
necessários para que o consumidor possa opor ao concedente do crédito as
defesas que teria contra o vendedor: a) contrato de crédito celebrado com
pessoa distinta do vendedor; b) acordo de colaboração entre credor e vende—
dor; c) anterioridade do acordo; d) exclusividade do acordo; e) obtenção do
crédito pelo consumidor em conformidade com o acordo de colaboração; f)
conhecimento por parte do credor do destino do crédito*“).
'“' Seria chocante. contrário mesmo no senso comum de Justiça. imaginar que alguém pudesse sofrer os
efeitos de contrato do qual não participou. para o qual não manifestou sua vontade.
"“ Icon/rutli col/ega”: principi della [riu/1:10:10 e lem/enm innovative. p. ll“).
'““ Idem ibidem. p. l29.
""' Fernando de Gravato Morais. União de contratos de crédito e (le rem/u para o consumo. pp. 22 ss.
LEX - 322 — 2199 — JTJ
Entre nós, RODRIGO XAVIER LEONARDOÚ“ aponta a necessidade
de três elementos para caracterização da “rede contratual": a) conexão entre
os contratos; b) surgimento de uma causa sistemática; e) verificação de um
propósito comum.
A meu ver, todos estes requisitos podem ser reconduzidos a um pressu
posto fundamental, que seria a voluntária intenção de participar de um pro
jeto contratual comum, pautado por esta “causa sistemática".
Creio que a derrogação dos princípios tradicionais (autonomia da von
tade, relatividade das convenções) somente sejustifica quando o concedente
do crédito está perfeitamente ciente de que o financiamento somente foi
obtido como instrumento para efetivação do negócio de compra e venda.
Em outras palavras: não se trata da hipótese em que o consumidor com
parece ao estabelecimento do credor e obtém financiamento, para posterior
mente dar ao dinheiro o destino que melhor lhe aprouver, caso em que ao
concedente do crédito é totalmente estranho o emprego que será dado à quan
tia mutuada.
Para hipóteses deste tipo os princípios gerais de relatividade das con—
venções, inoponibilidade das exceções pessoais, seriam perfeitamente apli—
cáveis.
A nota característica do fenômeno que estudamos é justamente o co
nhecimento — mais do que isso —, a voluntária participação do concedente
do crédito no processo de venda do produto ou serviço.
Há uma associação entre o fornecedor e o concedente do crédito, com
vantagens recíprocas. Aquisição do produto e financiamento são operações
que se completam e que não existiriam autonomamente.
A partir deste momento o concedente do crédito tem a sorte do seu
negócio vinculada ao outro contrato. Na verdade, os contratos já nasceram
assim vinculados, unidos pela mesma causa.
Nestas condições, parece justo que o concedente do crédito suporte
eventuais problemas surgidos na outra relação. Ele participou deste “siste
ma contratual”, ele não foi surpreendido, sabia perfeitamente a razão e a
finalidade do crédito concedido.
É esse conhecimento, esta associação ao fornecedor, que justifica o
reconhecimento de violação da boa-fé contratual no comportamento do
concedente do crédito que — após ter auferido as vantagens da união dos
contratos — pretende isentar-se de qualquer responsabilidade sob o argu—
mento de que aquele negócio — que até então era a razão de ser do seu
contrato — lhe é estranho.
Enfim, a aplicação da teoria exige cuidado: deve ficar restrita àqueles
casos nos quais existe relação de colaboração (parceria) entre fornecedor e
'ª" Fernando de Gravato Morais. União de can/ratas de crédito e de venda para o consumo. p. 37.
'ª'“ Ob. cit.. p. 36.
"'º' [contra!/i callegali: principi della Iradizione e tendenze innovative. pp. l32-3.
"'" Ob. cit.. pp. 38-9.
'ª“ Fernando de Gravata Morais. União de contra/os de crédito e de venda para o consumo, p. 42.
“"' União de contratos de crédito e de renda para o consumo, pp. 43-6.
LEX - 322 — 220l — JT]
atos preparatórios dos contratos; b) informação dada pelo vendedor a respeito
da possibilidade de aquisição com concessão de crédito por determinada
pessoa; e) posse pelo vendedor de modelos de pedidos e contratos de crédito
(previamente elaborados pelo financiador); d) preenchimento destes contra
tos pelo vendedor, ou auxílio para preenchimento; e) recolhimento pelo ven—
dedor de documentos destinados à identificação ou aferição da solvência do
comprador; f) envio dos documentos pelo vendedor ao credor; g) utilização
de formulários conjuntos ou coordenados entre vendedor e credor; h)
financiador que não mantém contato direto com o consumidor, sendo a ope
ração realizada integralmente perante o vendedor; i) circunstâncias de tem
po e lugar da celebração dos contratos (celebração da compra e do financia—
mento no mesmo dia e nas instalações do vendedor); j) pagamento, direto
ou indireto, de compensação ao vendedor pelo trabalho de angariar clientes.
9. Proteção conferida ao consumidor nos contratos coligadas
Pressuposta a conexão dos contratos — a unidade funcional — é possi—
vel estender os efeitos do contrato de aquisição de produto ou serviços ao
coligado contrato de financiamento.
Duas situações merecem tratamento especial: a) inadimplemento da
obrigação de entrega do produto ou prestação do serviço; b) vício do produ
to ou serviço.
No contrato bilateral, o descumprimento da obrigação a cargo de uma
das partes autoriza a outra a sustar o cumprimento da sua obrigação (exceptio
non adimpleti contractus). E uma decorrência do sinalagma funcional do
contrato.
Em caso extremo, persistindo o inadimplemento, a parte lesada pode
buscar a resolução do contrato por culpa do devedor.
No contrato conexo de compra e venda com financiamento, 0 consu
midor poderia — diante do inadimplemento do vendedor quanto à obriga
ção de entrega do produto — suspender a execução do contrato de financia
mento, deixando de pagar as prestações? Ou, resolvido o contrato perante o
vendedor, poderia também buscar a resolução perante o concedente do fi
nanciamento?
Na doutrina, FRANCO Dl SABATOW', reconhece a necessidade de
propagação dos efeitos de um contrato a outro, mas nega a aplicação da
exceptio e da resolução por inadimplemento no contrato de financiamento,
propondo outra solução para a questão: ”O caminho deve ser outro: indivi
dualizada a coligação, deduz-se que os negócios estão em relação de neces
sidade. Isto significa que a resolução por inadimplemento de um determina,
sim. a resolução do outro, mas não por inadimplemento (porque não existe),
mas sim por impossibilidade superveniente. Impossibilidade que será qua
*“' Unitá e pluralilá di nego:i, p. 438.
JTJ — 2202 — LEX - 322
lificada subjetivamente, em virtude da coligação, como imputável à parte
que no outro negóciofoi inadimplente: possivel, caso queira, atribuir a re
solução do segundo negócio ao dever genérico de correção e boa-fé ou ao
dever de ordinário de cuidado, pois no caso o contratante não deve limitar
se a cumprir, mas deveria fornecer os meios necessários ao cumprimento, a
saber, pré-constituir a possibilidade de cumprir (ou a não excluir a possibi
Iidadejá existente)."
GILDA FERRANDOlª” admite não só a propagação dos efeitos, como
atribui ao vendedor a obrigação de ressarcir o concedente do crédito: ”Por
conseguinte, no caso de faltar a entrega do bem pelo vendedor ao consumi
dor, encontra-se estabelecido não só que deve desmoronar a operação intei
ra, mas também que a sociedade/inanceira é obrigada a pleitear a restitui
ção da quantia ao vendedor e não ao adquirente, porque é ao vendedor que
a soma foi diretamente entregue, ainda que ele não seja parte do contrato
de mútuo. O fato de ser o vendedor o beneficiário económico do financia
mento tem como consequência o nascimento de sua obrigação de restitui
ção que em fundamento claro, ainda que não expressamente enunciado, na
boa-fé contratual."
FERNANDO DE GRAVATO MORAIS“) informa que a doutrina euro—
péia, sob vários fundamentos, admite a exceptio. Após ressaltar a dificulda
de aparente da aplicação do instituto — pois o vendedor recebe a vista o
preço do financiador, o que afastaria a possibilidade de invocação da exceptio
perante o fornecedor — sustenta que o fundamento da exceptio encontra—se
na condição peculiar de união (colaboração) dos contratos: "Mas em que
medida se pode aludir, para efeito de invocar a excepção de inadimplência,
a uma correspecti vidade entre o dever de entrega da coisa em conformidade
com o contrato e o dever do consumidor de pagar as prestações do emprés
timo? "Elemento fulcral neste domínio é a existência de uma relação de
colaboração estreita (e efectiva no que toca à aquisição) entre credor e
vendedor, operando-se deste modo uma espécie de imputação àquele do
incumprimento deste. Se O vendedor não cumpre, as conseqiiências dessa
inexecução não podem deixar de se repercutir na esfera jurídica do
financiador: "A contraprestação periódica que incumbe ao consumidor pe
rante o financiador deve considerar-se subordinada à realização da presta
ção de entrega conforme por parte do vendedor. O beneficiário do crédito
'aceita' as obrigações decorrentes do empréstimo, no pressuposto de que
obtém uma coisa conforme com o contrato. Trata—se de uma sinalagmaticidade
sui generis decorrente da teleologia do art. 12, nº 2. O “comprador a conta
da' em face do 'vendedor a pronta ' transforma-se num 'consumidor a pres
tações ' perante o credor "(º“.
Ҽ'" ] contralli collegati: principi della trar/izione e lenden:e innovative, pp. l37-8.
'ºº' União de cmttratus de crédito e de venda para o consumo. p. 247.
"ª" Idem ibidem. pp. 252-3.
LEX - 322 — 2203 — JTJ
Importante, para evitar abusos na aplicação do instituto, que o consu—
midor expressamente invoque a exceptio perante o credorª“. Não basta sim
plesmente deixar de pagar, pois a utilização da exceção (: faculdade do deve
dor. de modo que necessária manifestação expressa neste sentido, pois caso
contrário seria justo o credor supor que o consumidor optou por cumprir o
contrato sem valer-se da exceção, pleiteando seus direitos exclusivamente
perante o fornecedor.
Com a invocação da exceprio o consumidor afasta sua eventual mora
perante o financiadorª”.
Além da posição defensiva — representada pela exceptio — pode o
consumidor tomar a iniciativa de buscar a resolução do conttato de compra e
venda por culpa do vendedor. Neste caso, qual seria o destino do conexo
contrato de financiamento?
As mesmas razões que justificam & admissibilidade da exceptio autori
zam a resolução do contrato de financiamento. Quebrado o sinalagma con
tratual, em razão da estreita unidade que existe entre os contratos, não há
razão para manutenção do contrato de financiamento.
A operação deve ser analisada de forma unitária, razão pela qual não
há causa para manutenção das prestações do financiamento quando o con
trato para o qual este foi concebido encontra—se resolvidol'º'.
Admitida a comunicação dos efeitos, “a destruição do negócio produz
um efeito liberarório imediato: o de legitimar o consumidor a recusar o
pagamento das quantias vincendas "”".
Há consenso quanto à possibilidade de o consumidor, resolvida a com
pra e venda, sustar o cumprimento do contrato de financiamento no que toca
às prestações vincendas.
Porém, a mesma unanimidade já não existe quanto à restituição das
prestações pagas pelo consumidorª“: ele pode, em razão da resolução do
contrato de financiamento, demandar do credor a restituição das parcelas
pagas ou deve, apenas, voltar—se contra o vendedor, sendo seu direito peran
te o financiador limitado à sustação das prestações vincendas?
Sempre partindo da união funcional que existe entre os contratos, con
cordamos corn a opinião de FERNANDO DE GRAVATO MORAIS“) no
sentido de que os efeitos da resolução (contrato de financiamento) são retroa—
*ª" Fernando de Gravata Morais. União de contratos de crédito e de venda para o consumo. p. 264.
“ºº' Idem ibidem. p. 265.
”ª“ Fernando de Gravata Morais (ob. cit.. p. ISS) cita a existência de doutrina que invoca :] teoria da
base negocial para justificar o fenômeno. sustentando que a compra e venda seria a “base" que susten
ta o financiamento. razão pela qual o desaparecimento da primeira influiria no segundo.
"'" Fernando de Gravata Morais, União de contratos de crédito e de venda para o consumo. p. l92.
'“ A respeito da controvérsia. cf. Fernando de Gravata Morais. União de contratos de crédito e de
renda para o consumo. pp. l97-207.
"' Ob. cit. p. 205.
.lTJ — 2204 — LEX - 322
tivos, impondo ao financiador a obrigação de restituição de todos os valores
recebidos“): "Entre as prestações realizadas pelo consumidor (ao credor) e
a causa da resolução do contrato (incumprimento do contrato de compra e
venda por parte do vendedor imputável ao credor) existe uma ligação espe
cífica, decorrente da natureza sinalagmática de obrigações resultantes de
negócios distintos, que legítima a eficácia ex tunc da resolução "””.
Caberá ao financiador, posteriormente, voltar-se contra o vendedor para
recuperar o montante que lhe havia sido entregue por ocasião da celebração
do negócio.
Ainda no campo da inexecução da obrigação a cargo do vendedor (en
trega da coisa) seria possivel cogitar da execução específica da obrigação
perante o concedente do crédito? Em outras palavras: deixando o vendedor
de entregar a coisa, poderia o consumidor voltar—se contra a financeira para
exigir dela o cumprimento da obrigação?
No direito comunitário europeu a questão se coloca com bastante ênfa
se, pois a Diretiva respectiva menciona a possibilidade de o consumidor
alegar, contra o concedente do crédito, “todas as defesas" que poderia argíjir
contra o vendedor, Esta amplitude da expressão leva à discussão a respeito
da possibilidade de exigir do credor o cumprimento específico da obrigação
do vendedor.
Noticiando a controvérsia, FERNANDO DE GRAVATO MORAIS“)
relata o surgimento de três correntes doutrinárias: a) aquela que nega a pos
sibilidade de exigir do credor o cumprimento da obrigação, sendo limitada a
possibilidade de defesa do consumidor a sustação do pagamento ou resolu
ção do negócio; b) outra que admite esta execução específica contra o cre
dor, especialmente argumentando que o credor suporta os riscos do negócio
coligado e poderia exercer controle sobre o vendedor, somente liberando o
dinheiro mediante garantia de entrega da coisa; e) uma terceira corrente que
somente admite execução especifica contra o credor quando o objeto seja
fungível, podendo ser adquirido junto a terceiro, a expensas do credor.
Após expor as correntes existentes sobre o tema, FERNANDO DE
GRAVATO MORAIS“ defende a impossibilidade de exercício da execução
específica da obrigação de entregar a coisa perante o credor (financeira),
apoiado nos seguintes argumentos: a) a adoção da tese negativa não prejudi
ca os direitos do consumidor, que sempre poderá exigir o cumprimento in
natura da obrigação do vendedor. Mesmo no caso de falência do vendedor,
poderia o consumidor resolver o negócio e recuperar o que pagou, resolven
do o contrato de financiamento, de modo que a proteção que a lei busca
"" Os valores efetivamente “recebidos" pelo financiador. pois eventual “entrada" paga ao vendedor
deve ser resiíluida por quem a recebeu.
ӻ' Idem ibidem. p. 205.
”“' União de contratos de crédito e de renda para o consumo. pp. l46 ss.
”“ Ob. cit.. pp. [49-52.
LEX - 322 — 2205 — JTJ
conceder—lhe é alcançada; b) geralmente o financiador desconhece, ou pou
co conhece, a coisa vendida; c) a lei visou proporcionar ao consumidor uma
garantia em caso de falência do vendedor e não criar mais um devedor sub
sidiário para cumprimento da obrigação; d) geralmente o credor e uma ins
tituição financeira, que não tem como ramo de atividade entregar coisas; g)
haveria uma dificuldade operacional para o banco fornecer em prazo razoá
vel as coisas adquiridas pelo consumidor e não entregues; h) haveria proble
mas de dificil solução quando o financiamento fosse apenas parcial, vendo
se o credor obrigado a entregar a coisa na sua integralidade.
Creio que estes argumentos — deduzidos sob a égide da legislação
específica européia — têm inteira aplicação no nosso sistema, especialmen
te quando se considera que não há legislação específica dotada de uma ex
pressão tão ampla como a da Diretiva européia.
Ainda que, com base nas normas do CDC e com recurso à boa-fé con
tratual, seja possivel justificar adequadamente a propagação dos efeitos do
contrato de compra e venda ao de financiamento, especialmente no que
concerne à resolução de ambos os negócios ou sustação dos pagamentos,
considero inviável a colocação do concedente do crédito como devedor soli—
dário da obrigação de entrega da coisa.
O risco do seu negócio está na vinculação do crédito para aquisição do
bem, mas não na efetiva execução do contrato de compra e venda, no que
tange à execução in natura da obrigação.
Equãnime e conforme a proteção conferida ao consumidor que, diante
do descumprimento do contrato de compra e venda, o negócio de crédito
suporte a mesma sorte. Mas parece-me excessivo que o financiador — já
prejudicado pela frustração do negócio de crédito — seja compelido a suprir
a atividade do vendedor.
Cabe retomar, agora, o segundo grupo de questões suscitadas no início
deste tópico, qual seja: a existência de defeito (vício) no produto ou serviço.
No regime do Código de Defesa do Consumidor, a existência de vício
do produto ou serviço confere ao consumidor tripla alternativa: a) substitui
ção do produto (art. l8. I) ou reexecução do serviço (art. 20, I); b) restituição
da quantia paga, com indenização (art. l8, ll e art. 20, ll) ou c) abatimento
proporcional do preço (art. l8, lll e art. 20, lll).
A questão que se coloca diz respeito à possibilidade de propagar estes
efeitos ao contrato coligado de financiamento.
Pelos motivos expostos supra, acreditamos que as prerrogativas que
envolvem execução específica da obrigação — como substituição da coisa e
reexecução do serviço — devem ser dirigidas exclusivamente contra o for
necedor e são inoponíveis ao credor (financiador).
Havendo resolução do contrato, cabível a resolução do contrato de fi
nanciamento, como visto, inclusive com a devolução da quantia paga.
JT] — 2206 — LEX - 322
Apenas o pleito indenizatório é que não seria oponível ao financiador,
devendo ser exercido exclusivamente contra o fornecedor.
Por fim, o abatimento proporcional do preço.
Dada a conexão funcional dos contratos e a cooperação estreita entre
vendedor e financiador, entendemos que cabível a alegação de abatimento
do preço perante o credor, com redução proporcional do montante do finan
ciamento.
Mais uma vez recorro a lição de FERNANDO DE GRAVATO MO
RAISW': "A nosso ver. a redução do preço da compra e venda deve acarre
tar, nessa justa medida. uma diminuição do montante do crédito. Analise
mos, em primeiro lugar. a questão ao nivel da repartição equitativa dos
riscos da operação complexa. Para o consumidor e' pouco relevante o exer
cicio da actio quanti minoris se esta não importar a redução das prestações
do crédito. A não ser assim, continuando obrigado a pagar, nas mesmas
condições, as prestações do crédito. o seu beneficiário apenas pode reagir
contra o vendedor, exigindo o montante pago em excesso. Daqui resulta
uma oneração excessiva do consumidor e, paralelamente, uma vantagem
desproporcional para o credor. Senão vejamos: O consumidor fica com uma
coisa defeituosa, continua a pagar as prestações do empréstimo ao credor
(o lucro do seu negócio mantém-se inalterado), suporta o encargo de inten
tar uma acção judicial contra o vendedor (que, em regra, voluntariamente
não abre mão do montante já recebido) e ainda O risco de falência deste
último."
10. Conclusões
Sintetizando o exposto, podemos afirmar que:
[) é reconhecida a categoria dos “contratos coligados" (conexos, redes
contratuais), representada por contratos unidos por uma finalidade econô
mica comum, que apesar de autônomos em si, devem ser interpretados como
um conj unto, permitindo que os efeitos contratuais se comuniquem, estabe
lecendo solidariedade entre os envolvidos na rede contratual;
ll) o equilíbrio da relação contratual complexa deve ser avaliado pelo
conjunto e não em face dos contratos singulares;
lll) em razão da unidade funcional e econômica, determinante da cone
xão entre os contratos, e possivel admitir a transposição dos efeitos (invali
dade, rcsolução, etc.) de um dos contratos em relação aos demais que com
põem a rede contratual;
IV) apesar da inexistência no nosso sistema jurídico de legislação es
pecífica — como ocorre na Europa — a teoria pode ser aplicada com base
nas normas do CDC, especialmente art. 51, art. 7º, parágrafo único e art.
Bibliografia